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quinta-feira, 20 de junho de 2024

O Papa: a fé e a ciência podem se unir na caridade

O Papa com os participantes do encontro promovido pelo Observatório Astronômico Vaticano (Vatican Media)

Em sua audiência aos participantes da conferência "Buracos negros, ondas gravitacionais e singularidades espaço-temporais" em memória ao pe. George Lemaître, Francisco enfatizou a teoria do cosmólogo que diz que "a criação e o Big-Bang são duas realidades distintas" e que Deus "não pode ser um objeto facilmente categorizado pela razão humana". "A fé e a ciência podem se unir na caridade se a ciência for colocada a serviço dos homens e mulheres de nosso tempo", disse o Papa.

Mariangela Jaguraba - Vatican News

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (20/06), na Sala dos Papas, no Vaticano, os participantes da II Conferência do Observatório Astronômico Vaticano (Specola Vaticana) em memória de Georges Lemaître intitulada "Buracos negros, ondas gravitacionais e singularidades espaço-temporais".

Francisco agradeceu e deu as boas-vindas aos cientistas que se reúnem em Castel Gandolfo, nas proximidades de Roma, para homenagear o pe. Georges Lemaître, sete anos depois da edição anterior. "O valor científico do sacerdote e cosmólogo belga foi depois reconhecido pela União Astronômica Internacional, que decidiu que a conhecida lei de Hubble deveria ser chamada mais apropriadamente de lei de Hubble-Lemaître", disse o Papa no início de seu discurso.

A Igreja promove pesquisas sobre o início do universo

"Nesses dias, vocês discutem as últimas questões colocadas pela pesquisa científica em cosmologia: os diferentes resultados obtidos na medição da constante de Hubble, a natureza enigmática das singularidades cosmológicas (do Big Bang aos buracos negros) e o tema muito atual das ondas gravitacionais", sublinhou Francisco, recordando que "a Igreja está atenta a essas pesquisas e as promove, porque elas abalam a sensibilidade e a inteligência dos homens e das mulheres de nosso tempo".

Um momento da audiência com os participantes da conferência do Observatório Vaticano (Vatican Media)

Georges Lemaître foi um sacerdote e cientista exemplar

O início do universo, a sua evolução última, a profunda estrutura do espaço e do tempo colocam os seres humanos perante uma busca frenética de sentido, num vasto cenário onde correm o risco de se perder. Isto nos faz redescobrir a atualidade das palavras do salmista: «Quando contemplo o céu, obra de teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste. O que é o homem, para dele te lembrares? O ser humano, para que o visites? Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor». Portanto, é claro que estes temas têm uma relevância particular para a Teologia, a Filosofia, a Ciência e também para a vida espiritual.

"Georges Lemaître foi um sacerdote e cientista exemplar. O seu percurso humano e espiritual representa um modelo de vida com o qual todos nós podemos aprender", observou ainda Francisco.

Para atender aos desejos do pai, Georges Lemaître estudou engenharia. Depois, alistou-se na I Guerra Mundial e viveu seus horrores. Já adulto seguiu a sua vocação sacerdotal e científica.

Foto de grupo no final da audiência (Vatican Media)

Criação e o Big Bang são duas realidades distintas

"Inicialmente, ele acredita que as verdades científicas estão depositadas nas Sagradas Escrituras de forma velada. As suas experiências humanas e as consequentes elaborações espirituais o levam a compreender que a ciência e a fé seguem dois caminhos diferentes e paralelos, entre os quais não há conflito", disse ainda o Papa, acrescentando:

Na verdade, esses caminhos podem se harmonizar, porque tanto a ciência quanto a fé, para quem crê, têm a mesma matriz na Verdade absoluta de Deus. O seu caminho de fé o leva à consciência de que a criação e o Big Bang são duas realidades distintas, e que o Deus em que ele acredita não pode ser um objeto facilmente categorizado pela razão humana, mas é o “Deus escondido”, que permanece sempre numa dimensão de mistério, não totalmente compreensível.

A fé e a ciência podem se unir na caridade

O Papa disse aos cientistas para continuarem "debatendo com um espírito justo e humilde os temas que estão discutindo. Que a liberdade e a falta de condicionamento que vocês estão experimentando nesta conferência os ajudem a progredir em seus campos em direção à Verdade, que é certamente uma emanação da Caridade de Deus".

A fé e a ciência podem se unir na caridade se a ciência for colocada a serviço dos homens e mulheres de nosso tempo, e não distorcida em seu detrimento ou mesmo destruição. Eu os encorajo a ir para as periferias do conhecimento humano: é ali que podemos fazer experiência do Deus Amor, que satisfaz e sacia a sede do nosso coração.

Saudações aos cientistas presentes na conferência do Observatório Vaticano (Vatican Media)

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santa Florentina de Cartagena

Nanosanchez - Domínio público
20 de junho
Santa Florentina de Cartagena
Por Sandra Ferrer – publicada em 04/07/19

São Leandro criaria para sua irmã uma regra conhecida como Regra de São Leandro ou Sobre a instituição das virgens e o desprezo pelo mundo.

Durante a Idade Média, muitos mosteiros femininos foram fundados em toda a Europa. A grande maioria adaptou as regras monásticas masculinas, exceto algumas em que foram aplicadas regras escritas especificamente para eles. Foi o caso da regra criada por São Leandro de Sevilha para sua irmã, Santa Florentina de Cartagena.

Muitos fatos importantes sobre a biografia de Santa Florentina são desconhecidos, mas a sua história é importante devido ao legado monástico que deixou na Espanha visigótica no século VI. Filha de uma das muitas famílias católicas de origem hispânica romana, era a terceira de cinco irmãos. Com exceção de Teodósia, São Leandro, São Isidoro e São Fulgêncio são conhecidos, junto com Santa Florentina, como os Quatro Santos de Cartagena. Nesta cidade nasceram e cresceram na fé católica, a maioria naquela Espanha visigótica governada por uma monarquia ariana.

Em época indeterminada, a família mudou-se para viver em Sevilha, onde Leandro e Isidoro seguiriam carreira eclesiástica até ocuparem o cargo de arcebispo enquanto Fulgêncio era bispo de diversas cidades. Florentina decidiu abraçar a vida monástica, muito provavelmente num convento em Écija. Seu irmão Leandro escreveu para ela e para as freiras de sua comunidade uma regra conhecida como Regra de São Leandro ou Sobre a instituição das virgens e o desprezo pelo mundo . O texto foi escrito por volta de 580, quase uma década antes de o rei visigodo Recaredo abjurar o arianismo e adotar o catolicismo no Terceiro Concílio de Toledo.

No texto de São Leandro, ele exortou sua irmã e todas as mulheres piedosas de seu convento a buscarem a virtude na virgindade e a cuidarem umas das outras, tentando “aliviar a irmã doente com cuidado e atenção delicada”. Ao longo de seu período, seu irmão lhe deu algumas orientações para seguir no dia a dia, como manter-se afastada do mundo secular e, portanto, de pessoas que não fossem religiosas, além de evitar comportamentos inadequados. Ser piedosa, não caluniar ou afastar-se do orgulho, ser paciente e humilde são algumas das instruções que São Leandro lhe deu: “A insolência e o orgulho de uma virgem são grandes loucuras, para que a raiva e o orgulho venham a corromper o seu espírito”. .

São Leandro aludiu a questões mais mundanas como o vestuário, o banho ou a austeridade no comer e beber. Suas horas deveriam ser dedicadas à leitura e à oração: “A leitura deve ser assídua e a oração contínua. Suas horas e tarefas devem ser distribuídas de modo que a leitura seja seguida de oração, e a oração seja seguida de leitura”.

Sobre a instituição das virgens e o desprezo pelo mundo , é um testemunho único da vida monástica feminina na Idade Média em que podemos vislumbrar como era a vida daquelas freiras que, como Florentina, se distanciaram do mundo para dedicar suas vidas a Bye Bye.

Segundo muitos historiadores, Santa Florentina foi uma mulher culta, devota e dedicada à vida religiosa, que foi nomeada abadessa e fundou vários mosteiros. Elevada aos altares, a festa de Santa Florentina é celebrada no dia 20 de junho. Suas relíquias estão espalhadas por várias igrejas e catedrais da Espanha.

Fonte: https://es.aleteia.org/

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Caminhar para Jesus Cristo (1)

Jesus caminha sobre as águas (Opus Dei)

Caminhar para Jesus Cristo

Seguindo o ensinamento de São Josemaria, contemplamos nesse artigo, a passagem do Evangelho em que Jesus caminha sobre as águas. Entrando na cena, como se fôssemos um personagem a mais, compreenderemos que, junto dEle, superam-se as dificuldades, inseguranças e temores.

12/04/2017

Vários milhares de pessoas tinham escutado a pregação de Jesus Cristo e tinham se saciado com os pães e os peixes que Ele lhes tinha proporcionado, com tal abundância a ponto de ter sobrado uma boa quantidade[1]. Supõe-se que os apóstolos tenham ficado assombrados.

Juntamente com o assombro, estavam embargados de alegria. Tinham experimentado, uma vez mais, a proximidade do Senhor. Pode parecer que esta nova experiência não deveria ter maior importância para quem já estava habituado a conviver com Jesus Cristo. Porém, como esquecemos tão rapidamente os momentos em que apalpamos a presença de Deus ao nosso lado; e, por isso, como voltamos a nos surpreender e alegrar quando a percebemos de novo.

Quantas vezes notamos com clareza que Deus está junto de nós, que não nos abandonou num momento importante, e nos enchemos de uma alegria e de uma segurança que não se devem somente ao bom resultado do que nos interessava, mas também – e principalmente – à consciência de que vivemos com o Senhor.

E, no entanto, quantas vezes o perdemos de vista e deixamos que nos oprima o medo de que outro assunto importante não termine tão bem quanto; como se Deus pudesse se esquecer de nós ou como se a cruz fosse sinal de que Ele se afastou.

Dificuldades

Depois de despedir a multidão, Jesus pediu aos Apóstolos que passassem à outra margem do lago, enquanto Ele dedicava um tempo à oração[2]. Para eles, especialistas como eram, a travessia não apresentava uma particular dificuldade. E mesmo que apresentasse, depois do que acabavam de presenciar, que obstáculo poderia parecer-lhes insuperável?

Pouco a pouco, a barca foi se afastando da terra, e chegou um momento em que ficou muito lenta. Quando caiu a noite, já a boa distância da margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário[3]: não podiam voltar atrás, mas tampouco parecia que avançavam; tinham a impressão de que as ondas e o vento – as dificuldades – tinham assumido o controle e o único que lhes restava era tentar manter-se flutuando.

Assustaram-se. Como parecia longínquo agora o milagre que tinham contemplado poucas horas antes! Se ao menos o Senhor estivesse com eles…, mas Ele tinha ficado em terra. Sim, tinha ficado, mas não os tinha deixado sós, não os esquecera: embora eles não o soubessem, contemplava do monte a sua dificuldade, o seu esforço e a sua fadiga[4].

É fácil que no início da vida interior se experimente com certa clareza o próprio progresso: aos olhos de quem começa a adentrar-se no mar, a margem se afasta rapidamente. Passa o tempo e, embora se continue lutando e avançando, não se percebe de modo tão patente. Sentem-se mais as ondas e o vento, a margem parece ter ficado fixa num mesmo ponto. É o momento da fé. É o momento de fomentar a consciência de que o Senhor não se desentendeu de nós. É o momento de recordar que as dificuldades – o vento e as ondas – formam, inevitavelmente, parte da vida, dessa existência que temos que santificar e com a qual lidamos sabendo que estamos muito acompanhados por Jesus Cristo.

A experiência da proximidade de Deus e do poder da sua graça não nos exime da tarefa de enfrentar as dificuldades. Não podemos pretender que a parte sensível dessa experiência seja permanente; não podemos pretender que, uma vez que estamos perto de Deus, os problemas não nos pesem. E tampouco podemos cair no erro de vê-los como uma manifestação de que o Senhor se afastou de nós, ainda que seja só um pouco e por um breve tempo.

As dificuldades são precisamente a ocasião de mostrar até que ponto amamos Deus, até que ponto somos bons, com a aceitação serena dos inconvenientes que não pudemos ou não soubemos superar.

Inquietações

Fazia tempo que Pedro e os demais lutavam contra o vento, as águas e com a sua própria angústia interior, quando o Senhor veio ajudá-los[5]. Podia tê-lo feito de muitas maneiras: podia ter anulado em seguida a dificuldade ou apresentar-se na barca sem que o vissem chegar; mas tinha outros ensinamentos para lhes transmitir. Aproximou-se deles caminhando sobre o mar.

Era noite, e não era fácil reconhecê-lo. O fato era, por si mesmo, espantoso, mas, além disso, eles já estavam assustados, e o medo rouba das pessoas que o sofrem a serenidade e a clareza de juízo sobre os acontecimentos que de algum modo as atinge. Nestas circunstâncias, é compreensível a reação deles: começaram a gritar.

O Senhor os tranquilizou: tranquilizai-vos, sou eu, não tenhais medo[6]. Ele não acalmou o vento e as ondas nesse momento, mas deu-lhes uma luz para que o coração deles não naufragasse: sei que estais atravessando dificuldades, mas não temais, continuai lutando, confiai em que Eu não vos esqueci e que continuo perto de vós.

Pedro teve uma reação impulsiva: Senhor, se és tu, manda-me ir sobre as águas até junto de ti[7]. Entre os Apóstolos é quase sempre Pedro quem se lança, para bem ou para mal: é ele que recebe as reprimendas mais fortes do Senhor[8] e é ele também quem o confessa com uma audácia que acaba arrastando os demais em momentos difíceis[9]. Mas a sua iniciativa de agora mostra-se surpreendente, inclusive num caráter impulsivo: Simão se encontraria no apuro de ter que descer da barca e apoiar-se numa superfície agitada, descontrolada, impossível de dominar e de prever.

À voz do seu Mestre, passou um pé pela borda, depois o outro e pôs-se a caminhar em direção ao Senhor: queria aproximar-se de Cristo e estava disposto a qualquer coisa para consegui-lo.

Oxalá os propósitos de maior generosidade que formulamos perante o Senhor em momentos de inquietação não fiquem só em palavras. Oxalá a nossa confiança em Deus seja mais forte que a indecisão ou o temor de pô-los em prática. Oxalá sejamos capazes de passar os nossos pés pela borda, embora suponha apoiá-los numa base aparentemente nada apta para sustentar-nos, e caminhemos em direção a Jesus Cristo. Porque para ir em direção a Deus é preciso arriscar, é preciso perder o medo das inquietações, é preciso estar disposto a pôr a vida em jogo.

Caminhando sobre as águas, Pedro sentia mais as ondas e o vento que os outros; a sua vida dependia da fé mais que a vida dos demais, precisamente porque tinha descido da barca e caminhava em direção a Jesus. Não é esta a arriscada situação do cristão? Não estamos também nós procurando caminhar em direção ao Senhor em meio a circunstâncias – externas e também interiores – que, em boa parte, fogem do nosso controle?

Estamos mais expostos às ondas do que quem, temendo enfrentar-se com a imensidão do sobrenatural, preferem a pobre e aparente segurança que lhes oferece o pequeno âmbito da sua barca. Por isso, é estranho que, às vezes, notemos que o chão se mexe, que tenhamos alguma inquietação? São precisamente nesses momentos que precisamos tomar consciência, uma vez mais, de que vivemos da fé; não de uma fé que acalma as ondas, que elimina a inquietação de caminhar sobre elas, mas sim de uma fé que, em meio a essa inquietação, nos dá uma luz e também dá um sentido a essas ondas.

Foi pela fé que fez [os israelitas] atravessarem o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se atreveram a persegui-los foram afogados[10]. Sem fé, as dificuldades da vida nos engolem, nos entristecem, afogamo-nos nelas. Com a fé, não as evitamos, mas temos mais recursos, sabemos que Deus pode voltá-las a nosso favor: pareceria inquietante e pavoroso ao povo eleito ter de caminhar pelo fundo do mar, com o perigo, ademais, de que os seus inimigos os alcançassem; mas, através dessa dificuldade e dessa inquietação, conseguiram a sua salvação. Ao final comprova-se que a inquietação de caminhar em direção a Deus proporciona uma base mais firme para edificar a própria vida do que a aparente segurança que a barca oferece.

_________

[1] Cf. Mt 14, 20-21.

[2] Cf. Mt 14, 22-23.

[3] Mt 14, 24.

[4] Cf. Mc 6, 48.

[5] Cf. Mt 14, 25.

[6] Mt 14, 27.

[7] Mt 14, 28.

[8] Cf. Mt 16, 23; Mc 8, 33.

[9] Cf. Mt 16, 15-16; Jo 6, 67-68.

[10] Hb 11, 29.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

A democracia contemporânea

Democracia (Brainly)

A DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Como em nenhum outro domínio da ciência ou do discurso uma ideia tem envelhecido tão rapidamente e de maneira tão completa quanto na sociedade. 

O indivíduo contemporâneo está disposto a muitas coisas para se manter no limite da própria existência. O medo do isolamento foi substituído pelo medo do outro, e, no limiar do otimismo aristotélico, desconfia-se que viver em sociedade produz perplexidades capazes de concorrer com a felicidade que a associação produz. 

Assim como os impérios romano e medieval eram diferentes das cidades onde Aristóteles e Platão pensaram a política, os Estados democráticos contemporâneos muito se diferem do início da modernidade. Também o conceito político precisa se ajustar às democracias atuais. A liberdade do indivíduo foi legitimamente reivindicada e desenvolvida ao longo do tempo, mas parece necessitar de reformulações, principalmente a partir do século passado. 

Com bastante frequência John Rawls aborda o tema da religião para esclarecer o mecanismo atual da democracia. A exemplo de Locke, ele retoma a tolerância para explicar elementos que superam os limites da religião, mas encontram nela um caso típico que serve de parâmetro para uma adequada medida dos interesses que tendem a ser diferentes, sobretudo quando está em jogo os desejos de cada um. Pois, como já foi dito por Beccaria “numa reunião de homens, percebe-se a tendência contínua de concentrar no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, e só deixar para a maioria miséria e debilidade”  

A teoria do Contrato “social”, tão presente em nossa tradição política, é apresentada como condição básica para corrigir as visões distorcidas quando os indivíduos se reúnem. Tomando como suficiente às observações operadas por Rawls na “posição original” quando os termos do Contrato são decididos, acentuo o fato, também já delineado, que o Contrato é hipotético, ou seja, não será a partir do Contrato que a sociedade começará. Ela já existe, e os termos postos servirão mais para resolver as questões atuais e futuras que propriamente gerar uma sociedade. 

O Contrato original, pensado hipoteticamente, reflete a situação contemporânea e demarca a linha principal das ações e das atividades sociais, razão pela qual ele deve ser constituído por princípios clássicos e prezados pela sociedade a qual se destina, e não por cláusulas e teses. Esta salvaguarda é importante, dado que parece inviável a possibilidade de qualquer Contrato conter e prevenir, em suas linhas gerais, todas as situações benéficas e impedir todos os malefícios que uma sociedade possa experimentar ao longo de sua infindável existência. 

Uma lista completa de cláusulas e artigos, mesmo no interior de uma sociedade específica, tende a criar uma série de conflitos que se anulam respectivamente por exclusão e contrariedade, causando um desequilíbrio severo em sua estrutura básica. O exemplo bastante atual refere-se à Constituição brasileira vigente desde 1988, que com pouco mais de 30 anos já conta com mais de 100 emendas. Assim, da euforia de texto perfeito, tão alardeado pelos constitucionalistas, passou-se a desilusão de um texto confuso, contraditório, que gera inúmeras batalhas jurídicas, quase sempre privilegiando os mais afortunados. 

A grande extensão dos contratos econômicos, até mesmo para a aquisição de bens relativamente simples, absolutizam-se em contratos de adesão, no qual os interesses das partes não são representados a contento. 

Desse modo, verifica-se que, quanto maior a extensão do contrato, menos ele parece ser capaz de evitar os conflitos. Isso se dá pelo fato de que, do mesmo modo como a sociedade evolui, as pretensões também evoluem, e o acordo precisa ser costurado ao longo do tempo. Ao se alongar excessivamente o Contrato precisa sofrer ajustamentos em sua estrutura. 

A própria apreciação que alguns juristas fazem a respeito da confusa distinção entre direitos e garantias, afirmando que os primeiros são ideais e norteadores e os segundo imperativos e concretos, joga sobre o peso da subjetividade dos indivíduos o dilema sobre as muitas partes de um Contrato. Essa distinção, tão comum na interpretação vulgar também dos textos bíblicos, onde cada um entende a parte citada como o todo e coloca em conflito o desenrolar do texto todo, também se verifica numa Constituição demasiadamente longa. 

A única explicação para assegurar os direitos daqueles que se tornaram prejudiciais para a maioria se sustenta no delicadíssimo limite entre garantias e direitos. Mas parece oportuno salientar, como em vários casos, que as garantias sem direitos terminam por não garantirem nada a ninguém ao longo do tempo. 

Para fugir dessa aporia, começo pela apreciação dos direitos e não pelas garantias. Pois, enquanto a segunda pode ser de qualquer espécie e tantas quantas necessárias na sociedade, os primeiros são de espécies restritas e se alinham em uma família historicamente reconhecida, entre as quais se destaca com eminente prioridade a condição da liberdade. Essa é uma razão pela qual Rawls aponta que “é […] urgente estabelecer os elementos essenciais que lidam com as liberdades fundamentais”. 

Observa-se ainda que na realidade política contemporânea, onde todas as pretensões estão juntas e postas lado a lado, os acordos devem ser de natureza prática e não ideal. Um acordo estável é essencial para que cada um desenvolva suas pretensões e realize a sua ideia de bem. Ao nos referirmos a dificuldade de conseguir acordos numa sociedade dividida por doutrinas filosóficas, religiosas e morais conflitantes, nota-se que “é muito mais fácil chegar a uma concordância sobre quais devem ser os direitos e liberdades fundamentais” que propriamente sobre as garantias. 

Postas as garantias dos acordos políticos, por força do pluralismo democrático, resulta que a justiça se torna o elemento determinante, e sobre ela se desenrolará os outros casos, inclusive as garantias advenientes dessa primeira condição. Começar com a elaboração de uma ideia de justiça é essencial para qualquer tentativa de Contrato. 

A proximidade dos indivíduos não é apenas material, ela se consolida, com muito mais razão, nas aspirações, pontos de vistas e desejos de verem suas ideias, principalmente àquelas que dizem respeito ao seu bem e ao bem dos demais realizados. O fato de os indivíduos viverem tão próximos, sem muitos princípios norteadores, coloca constantemente os termos do Contrato sob suspeita. A situação de estranhamento social, mesmo na efetivação das ideias de bem, já foi largamente examinado com fartos argumentos e pesquisas em nosso tempo. 

Todas essas possibilidades juntas, acrescentadas pela constante dificuldade de classificá-las em quantidade e qualidade, como se discutiu na mensurabilidade do Estado de Hobbes, dispõe inúmeras probabilidades de agrupamentos e reagrupamentos para os indivíduos. Ao tomar essas duas categorias em suas acepções clássicas, quando se admitia que a quantidade de bens que os indivíduos buscam é mais claro e calculável que a qualidade desses mesmos bens, que são subjetivos, parece não mais ser correto, pois a capacidade de valorar livremente o que mais interessa para si mesmo faz com que eles sejam classificados com a mesma dose de subjetividade e de objetividade. 

A sociedade contemporânea, portanto, assemelha-se a ideia do claustro, onde inovações e criatividades são necessárias para não produzir a claustrofobia

As definições simples e assertivas parecem não mais corresponderem a nenhuma solução digna num debate tão disperso. 

A visão do claustro conduz, inegavelmente, ao emaranhado medieval expresso nos infinitos labirintos da biblioteca em O nome da rosa, de Umberto Eco. Entretanto, apenas a imagem pode representar a sociedade atual, dado que os corredores daquele medievo pareciam sempre terminar em um beco sem saída ou numa parede sólida, mas os corredores contemporâneos levam, com absurda velocidade, às direções que dificilmente encontram algum impedimento. 

Embora pareça sem sentido comparar a ilimitada capacidade de progredir no pensar, julgar e agir com a figura do claustro, ela não é estranha, pois o que importa na observação é o fato de que todos os juízos e caminhos são possíveis numa proximidade desconcertante. Na origem, portanto, de todas as possibilidades contemporâneas, presencia-se um aglomerado de vontades, ideologias e razoáveis discordâncias sobre quase todos os aspectos da realidade. 

As combinações e recombinações de posições no ponto de partida da sociedade tornam a ideia de Contrato ainda mais complicada. As definições de suas cláusulas e limitações podem variar essencialmente entre temas que a maioria preza, mas não preza do mesmo modo, nem na mesma ordem de prioridades. Portanto, acertar o equilíbrio nas diversas partes e proposições do Contrato na democracia contemporânea se impõe como a mais crítica e urgente das questões, chegando a exigir, até mesmo, a conciliação das contradições. 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF