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segunda-feira, 7 de abril de 2025

Perdoai-nos, Senhor, porque pecamos

Perdão Senhor, pois pecamos contra vós! (Comunidade Instrumento de Deus)

Perdoai-nos, Senhor, porque pecamos.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo

28 de fevereiro de 2025

A Quaresma inicia com um chamado à conversão: “convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,25). A vida do cristão é um constante processo de conversão a Deus. Somos tentados de muitos modos para nos desviarmos de Deus e dos seus caminhos e a construir uma vida sem Deus. A grande e mais perigosa tentação é a da autossuficiência, aliada à soberba: achar que não precisamos de Deus, que nos bastamos a nós mesmos, que podemos, tomar o lugar de Deus. E então passamos a viver em pecado.

Talvez não vejamos motivos para nos convertermos e achamos que está tudo bem em nossa vida. E vivemos friamente nossa fé e nossa relação com Deus e o próximo e não progredimos na vida cristã. O chamado à conversão é para nos voltarmos para Deus novamente, abandonando a atitude de soberba e autossuficiência. O chamado à conversão é concreto: é reconhecer que Deus é Deus e que nós não somos deuses; é abraçar sua vontade, praticando os mandamentos; é vivendo a caridade para com o próximo e não fechar o coração diante de suas necessidades e sofrimentos.

A Quaresma nos recorda a atitude de penitência e conversão, que deve acompanhar toda a nossa vida, até o último dos nossos dias neste mundo. Neste ano, mediante a Campanha da Fraternidade, nosso processo de conversão passa também pela revisão de nossas atitudes em relação ao cuidado do mundo criado por Deus. No final do relato bíblico da criação do mundo, Deus contempla a sua obra e se alegra. “Deus viu tudo o que tinha feito. E era muito bom” (Gn 1,31). Isso significa que era harmonioso, sem maldade, bonito e funcionava bem. O problema vem depois, com a história do pecado de Adão e Eva, que se deixaram levar pelo tentador e pretenderam ser como Deus. A partir daí, entrou a desarmonia e a confusão no mundo.

Começaram as brigas e a violência, a ambição desmedida, a ganância, a sede de poder e o descaso de um pelo outro. E também se estragou a relação do homem com a natureza. Em vez do cuidado do “jardim de Éden”, que Deus colocou sob os cuidados de Adão e Eva, começou uma relação de domínio e de exploração do homem sobre a criação de Deus. Assim chegamos ao ponto de termos um mundo cada vez mais descuidado e até hostil ao homem. Se não nos convertermos nas nossas relações com a natureza, ela deixará de ser a casa comum de toda a família humana para se transformar numa casa inabitável, hostil e em ruínas.

“Fraternidade e ecologia integral”: este é o tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Ao longo da Quaresma, somos chamados a uma conversão que inclua nossas relações com a natureza: reconhecemos que ela é um dom precioso do Criador, não apenas para nós, mas também para as futuras gerações? Cuidamos do ar, da água, do verde, da vida de todos os seres e da pessoa humana, que também é parte desse mundo maravilhoso criado por Deus? Ou colaboramos com a nossa parte para que este mundo fique cada dia um pouco menos belo, bom e habitável?

O cuidado do próximo, em quem reconhecemos um irmão e uma irmã (“fraternidade”), é parte da ecologia integral. Todas as injustiças e violências, todo desprezo e ódio contra o próximo é contrário ao plano de Deus em relação à criação. Um mundo bem zelado e cuidado também é sinal de fé e de esperança. Neste Ano Jubilar, vivamos a Quaresma na perspectiva da conversão e da busca do perdão de Deus. E reviverá a esperança para nós e para o mundo. Somos todos “peregrinos de esperança”.

Artigo publicado no Folheto Litúrgico “Povo de Deus em São Paulo” para a Quarta-Feira de Cinzas05 de março de 2025

Fonte: https://arquisp.org.br/

A atração de Jesus

Santa Teresa de Lisieux | 30Giorni

Arquivo 30Dias n. 05 - 2006

Uma passagem de Santa Teresa do Menino Jesus

A atração de Jesus

«Ó Jesus, então nem é preciso dizer: Atraindo-me, atrai as almas que eu amo. Esta simples palavra: “Atraia-me” é suficiente.»

editado por Maurizio Benzi

É compreensível que o apelo por uma Nova Evangelização capital tenha se tornado tão insistente. É compreensível, em primeiro lugar, porque o mandamento do Senhor: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” ( Mc 16,15) não pode ser evitado e, depois, porque uma descristianização inimaginável está ocorrendo, especialmente nas últimas décadas.

Mas é exatamente esse o ponto: às vezes o apelo parece um pouco inquieto demais, mais preocupado em alcançar um resultado do que em contribuir para a alegria de quem deveria obtê-lo. Como se isso (a alegria, o fruto surpreendente da graça) não fosse operante, não fosse o próprio objetivo de tudo o que Jesus disse e fez ("Eu vos disse essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa" João 15:11), não fosse a força livre de um pobre cristão juntamente com o pedido de que o Senhor trabalhe conosco ("...enquanto o Senhor trabalhava com eles" Mc 16:20).

É como se fosse necessário acrescentar algum compromisso adicional à recitação diária de orações e à humilde observância dos Dez Mandamentos ("Nisto consiste o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são penosos" ( 1 João 5:3).

O texto da Lumen Gentium é tão reconfortante e convincente – e, portanto, inevitavelmente operativo – quando no número 31 fala das “ condições ordinárias da vida familiar e social” como o lugar onde os fiéis leigos são chamados “a tornar Cristo visível aos outros, principalmente pelo testemunho da sua vida e pelo esplendor da fé, da esperança e da caridade”.

O recente Compêndio do Catecismo da Igreja Católica vai na mesma direção, quando no número 97 explica «como Maria colabora no plano divino de salvação»: «pela graça de Deus, ela permaneceu imune a todo pecado pessoal durante toda a sua existência»; e depois, no número 433, quase como um comentário à Lumen gentium 31, ele explica que «com a sua vida em conformidade com o Senhor Jesus, os cristãos atraem os homens para a fé no Deus verdadeiro, edificam a Igreja, informam o mundo com o espírito do Evangelho e apressam a vinda do Reino de Deus» (todos os sublinhados são nossos, aqui e acima).

Mas uma palavra ainda mais convincente, cheia da leveza e da candura da santidade, vem das últimas páginas do manuscrito C de História de uma alma , onde a pequena Teresa de Lisieux relata a realização inesperada de sua vocação missionária. Nós os publicamos como a melhor contribuição à causa da nova evangelização, que a padroeira das missões, declarada doutora da Igreja pelo Papa João Paulo II, é certamente a mais ativa em defender.

Por Don Maurizio Benzi « As almas simples não precisam de meios complicados: como estou entre elas, uma manhã, durante a ação de graças, Jesus me deu um meio simples para cumprir minha missão. Ele me fez entender esta palavra do Cântico dos Cânticos: “ Atrai-me, e correremos ao perfume dos teus perfumes” ( Cântico dos Cânticos 1:4). Ó Jesus, então nem é preciso dizer: Atraindo-me, atrai as almas que eu amo. Esta simples palavra: “Atraia-me” é suficiente. Senhor, eu compreendo, quando uma alma se deixa cativar pelo cheiro inebriante dos teus perfumes, ela não consegue correr sozinha, todas as almas que ela ama são arrastadas atrás dela: isso acontece sem constrangimento, sem esforço, é uma consequência natural da sua atração por ti.

O Chamado de Pedro e André, Caravaggio, Coleção da Royal Gallery, Palácio de Hampton Court, Londres | 30Giorni

Assim como uma torrente que se precipita impetuosamente no oceano arrasta consigo tudo o que encontra em seu caminho, assim, ó meu Jesus, a alma que se submerge no oceano sem margens do teu amor arrasta consigo todos os tesouros que possui...».

[…]

« Minha Mãe , creio que é necessário dar-lhe mais algumas explicações sobre a passagem do Cântico dos Cânticos: “Atrai-me, correremos”, porque o que eu queria dizer sobre ela me parece difícil de entender.

“Ninguém pode vir a mim”, disse Jesus, “se meu Pai , que me enviou, não o trouxer”. Depois, com parábolas sublimes, e muitas vezes sem sequer recorrer a este meio tão familiar ao povo, ensina-nos que basta bater para que a porta se nos abra, basta procurar para encontrar e humildemente estender a mão para receber o que pedimos... Diz também que tudo o que pedirmos ao seu Pai em seu nome, ele o concederá. É certamente por isso que o Espírito Santo, antes do nascimento de Jesus, ditou esta oração profética: Atrai-me, correremos.

O que é então pedir para ser atraído, senão unir-se de forma íntima ao objeto que cativa o coração? Se o fogo e o ferro tivessem inteligência e este dissesse ao outro: Desenha-me, ele demonstraria que deseja identificar-se com o fogo, de modo que este o penetrasse e o impregnasse com sua substância ardente e parecesse formar uma coisa com ele.

Mãe Amada, aqui está minha oração: peço a Jesus que me atraia para as chamas do Seu amor, que me una tão intimamente a Ele, que Ele possa viver e agir em mim.

Sinto que quanto mais o fogo do amor inflama meu coração, quanto mais digo: Atrai-me, tanto mais as almas que se aproximam de mim (pobre pedacinho de ferro inútil, se eu me afastasse do braseiro divino) correrão rapidamente para o aroma dos perfumes do seu Amado, porque uma alma inflamada de amor não pode permanecer inativa: certamente, como Santa Madalena, ela permanece aos pés de Jesus, escutando sua palavra doce e ardente. Parecendo não dar nada, ela dá muito mais do que Marta, que é agitada por muitas coisas e gostaria que sua irmã a imitasse. Não são as tarefas de Marta que Jesus culpa: sua divina Mãe submeteu-se humildemente a essas tarefas durante toda a sua vida porque tinha que preparar refeições para a Sagrada Família. É somente a inquietação de sua ardente anfitriã que ele gostaria de corrigir." «Não são as tarefas de Marta que Jesus culpa: sua divina Mãe submeteu-se humildemente a essas tarefas durante toda a sua vida porque tinha que preparar refeições para a Sagrada Família. É apenas a inquietação do seu ardente hóspede que gostaria de corrigir.»

Fonte: https://www.30giorni.it/

domingo, 6 de abril de 2025

O Papa: na doença, Deus não nos deixa sozinhos.

Jubileu dos Enfermos 2025 (Vatican Medeia)

O Papa: na doença, Deus não nos deixa sozinhos. Francisco chega de surpresa à Praça

Na doença, Deus não nos deixa sozinhos e, se nos abandonarmos a Ele, precisamente onde as nossas forças falham, podemos experimentar a consolação da sua presença. Ele mesmo, feito homem, quis partilhar a nossa fraqueza em tudo e sabe bem o que é o sofrimento. Por isso, podemos dizer-Lhe e confiar-Lhe a nossa dor, certos de que encontraremos compaixão, proximidade e ternura: disse o Papa na Missa deste domingo, presidida por dom Fisichella, ponto alto do Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde.

Raimundo de Lima – Vatican News

“Com o seu amor cheio de confiança, Deus envolve-nos para que, por sua vez, nos tornemos nós mesmos, uns para os outros, “anjos’, mensageiros da sua presença, a tal ponto que tanto para quem sofre como para quem presta assistência, a cama de um doente se pode transformar, muitas vezes, num ‘lugar santo’ de salvação e redenção”, disse Francisco na homilia por ele preparada para a Missa deste domingo - presidida na Praça São Pedro pelo arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização -, ponto alto do Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde, com a participação de cerca de 20 mil peregrinos: pacientes, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, profissionais da saúde, voluntários, provenientes de mais de 90 países.

Fiéis durante a celebração (Vatican Media)   (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

De seu quarto, Francisco está particularmente perto de nós

Antes de pronunciar a homilia, o arcebispo Fisichella quis dirigir-se aos participantes da Eucaristia com as seguintes palavras:

Irmãos e irmãs, a poucos metros de nós, o Papa Francisco, de seu quarto na Casa Santa Marta, está particularmente perto de nós e está participando, como tantos doentes, tantas pessoas frágeis, desta Santa Eucaristia pela televisão. Sinto-me feliz e honrado por oferecer minha voz para ler a homilia que ele preparou para esta ocasião.

Partindo da promessa de Deus trazida pelo profeta Isaías que se dirige ao povo de Israel exilado na Babilônia assegurando-lhe realizar algo de novo, que já está a aparecer, e do trecho do Evangelho em que Jesus entra na vida da pecadora que está para ser apedrejada, defendendo-a e resgatando-a da violência de seus carrascos, Francisco ressalta que em ambos os casos em que tudo parece perdido, Deus dá a possibilidade de começar uma nova existência.

Fiéis durante a celebração   (Vatican Media)

Deus está sempre ao nosso lado para nos salvar

Com estas narrativas dramáticas e comoventes, a liturgia de hoje convida-nos a renovar, no caminho quaresmal, a confiança em Deus, que está sempre ao nosso lado para nos salvar. Não há exílio, nem violência, nem pecado, nem qualquer outra realidade da vida que o impeça de estar à nossa porta e bater, pronto a entrar logo que lho permitamos. Aliás, observou o Santo Padre, é sobretudo quando as provações se tornam mais duras que a sua graça e o seu amor nos apertam com uma força ainda maior, para nos reerguer.

Irmãs e irmãos, lemos estes textos no momento em que celebramos o Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde, e não há dúvida que a doença é uma das provas mais difíceis e duras da vida, durante a qual tocamos com a mão o quanto somos frágeis. Tal como aconteceu com o povo exilado ou a mulher do Evangelho, ela pode levar a fazer-nos sentir privados de esperança no futuro. Mas não acontece assim.

Nesses momentos, continuou o Pontífice, Deus não nos deixa sozinhos e, se nos abandonarmos a Ele, precisamente onde as nossas forças falham, podemos experimentar a consolação da sua presença. Ele mesmo, feito homem, quis partilhar a nossa fraqueza em tudo e sabe bem o que é o sofrimento. Por isso, podemos dizer-Lhe e confiar-Lhe a nossa dor, certos de que encontraremos compaixão, proximidade e ternura.

Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde

https://youtu.be/JAIwVe_t76c

Partilho convosco a experiência da enfermidade

Queridos médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde, enquanto cuidais dos vossos pacientes, em especial dos mais frágeis, o Senhor oferece-vos a oportunidade de renovar continuamente a vossa vida, alimentando-a com gratidão, misericórdia e esperança. Ele chama-vos a iluminá-la com a consciência humilde de que nada está garantido e tudo é dom de Deus; e a alimentá-la com aquela humanidade que se experimenta quando, deixadas por terra as aparências, permanece o que conta: os pequenos e grandes gestos de amor. Permiti que a presença dos doentes entre na vossa existência como um dom, para curar o vosso coração, purificando-o de tudo o que não é caridade e aquecendo-o com o fogo ardente e doce da compaixão.

E convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de me sentir frágil, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio. Nem sempre é fácil, mas é uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir. O quarto do hospital e a cama da enfermidade podem ser lugares para ouvir a voz do Senhor que também nos diz a nós: “Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?” (Is 43, 19). E, deste modo, renovar e fortalecer a fé.

A saudação do Papa Francisco ao término da Missa   (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

Saudação e agradecimento do Santo Padre aos presentes

Ao término da celebração, Francisco presenteou os participantes fazendo uma surpresa a todos, deixando-os comovidos: apresentou-se brevemente diante do altar, em sua cadeira de rodas. Detendo-se em poucos minutos, o Papa acenou aos presentes, abençoou-os e fez uma saudação:

“Bom domingo a todos! Muito obrigado!”

Antes de saudar os peregrinos e os fiéis na praça, o Santo Padre recebeu o sacramento da reconciliação na Basílica de São Pedro, deteve-se em oração e atravessou a Porta Santa.

Por fim, ao término da Missa foi lida uma mensagem de Francisco de agradecimento:

Sua Santidade o Papa Francisco saúda com afeto todos os que participaram desta celebração e agradece do fundo do coração as orações dirigidas a Deus pela sua saúde, desejando que a peregrinação jubilar seja rica de frutos. Ele lhes concede a bênção apostólica, estendendo-a aos entes queridos, aos doentes e aos sofredores, bem como a todos os fiéis hoje reunidos.

Ainda uma imagem do Papa Francisco ao término da Santa Missa   (Vatican Media)
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

“Estou fazendo coisas novas, e já estão despontando: ainda não percebeis?”

“Estou fazendo coisas novas, e já estão despontando: ainda não percebeis?” (Is 43,19) | Palavra de Vida Abril 2025.

por Patrizia Mazzola com a comissão da Palavra de Vida   publicado às 00:00 de 26/03/2025, modificado às 09:12 de 27/03/2025

O exílio na Babilônia e a destruição do templo de Jerusalém tinham criado um trauma coletivo no povo de Israel, levantando uma questão teológica: Deus ainda está conosco ou nos abandonou? O objetivo desta parte do livro de Isaías é ajudar o povo a entender o que Deus está realizando, a confiar Nele e, dessa forma, poder retornar à própria pátria. Pois é exatamente na experiência do exílio que se revela o semblante de Deus criador e salvador.

“Estou fazendo coisas novas, e já estão despontando: ainda não percebeis?”

Isaías recorda o amor fiel de Deus pelo seu povo. A sua fidelidade permanece constante, até mesmo durante o período dramático do exílio. Embora as promessas feitas a Abraão pareçam inatingíveis e o pacto da Aliança pareça estar em crise, o povo de Israel continua sendo um lugar particularmente privilegiado da presença de Deus na História.

O livro profético aborda questões existenciais, fundamentais não só para aquela época: o desenrolar-se da História e o seu significado estão nas mãos de quem? Essa pergunta também pode ser feita na esfera pessoal: o destino da minha vida está nas mãos de quem? Qual é o significado de tudo o que estou vivenciando ou que vivenciei?

“Estou fazendo coisas novas, e já estão despontando: ainda não percebeis?”

Deus atua na vida de cada pessoa, constantemente, fazendo “coisas novas”. Se nem sempre nos damos conta delas ou não conseguimos compreender seu significado e alcance, é porque essas “coisas novas” ainda estão germinando ou porque não estamos prontos para reconhecer o que Ele está realizando. Distraídos pelos acontecimentos que nos afetam, pelas mil preocupações que angustiam a nossa alma, por pensamentos que ficam nos importunando, talvez não estejamos nos detendo o suficiente para observar esses germes que são a certeza da sua presença. Ele nunca nos abandonou. Ele cria e recria continuamente a nossa vida.

“Somos nós a ‘coisa nova’, a ‘nova criação’ que Deus gerou. […] Não olhemos mais para o passado, com saudades de tudo o que nos aconteceu de bom, ou com pesar, chorando nossos erros. Acreditemos decididamente na ação de Deus, que pode continuar realizando coisas novas1”.

“Estou fazendo coisas novas, e já estão despontando: ainda não percebeis?”

Juntamente com aqueles que partilham conosco o caminho da nossa existência, a nossa comunidade, os amigos, os colegas de trabalho, procuremos trabalhar, confrontar nossas opiniões e não perder a confiança de que as coisas podem mudar para melhor.

O ano de 2025 é especial, porque a data da Páscoa Ortodoxa coincide com a das outras denominações cristãs. Que este acontecimento, a celebração da Páscoa comum, possa ser um testemunho da vontade das Igrejas na continuidade de um diálogo sem tréguas, para enfrentar em conjunto os desafios da humanidade e promover ações compartilhadas.

Preparemo-nos, portanto, para viver este período pascal com plena alegria, fé e esperança. Do mesmo modo como Cristo ressuscitou, também nós, depois de termos atravessado os nossos desertos, deixemo-nos acompanhar nesta viagem por Aquele que guia a História e a nossa vida.

Nota:

1) LUBICH, Chiara, Novos por dentro e por fora, Palavra de Vida, março de 2004. 

Organizado por Patrizia Mazzola com a comissão da Palavra de Vida

Fonte: https://www.cidadenova.org.br/editorial/inspira/4055-estou_fazendo_coisas_novas_e_ja_estao_de

Cardeal Scherer: Campanha da Fraternidade na Quaresma, alguns equívocos

Cardeal Scherer (Vatican News)

A Campanha da Fraternidade não deveria ser vista como uma atividade paralela à Quaresma, nem, muito menos, como iniciativa substitutiva da Quaresma, mas nela inserida.

Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo

E stamos no meio da Quaresma e da Campanha da Fraternidade, tempo favorável para preparar a celebração da Páscoa deste ano, que já se aproxima. A Igreja convida seus filhos, durante este período litúrgico, à penitência para uma sincera e profunda conversão a Deus. Para isso, ela indica os exercícios quaresmais do jejum, da oração e da esmola, que deveriam ajudar-nos a fazer uma profunda avaliação de nossa vida, predispondo-nos à busca do perdão de Deus e à renovação dos compromissos batismais na celebração da Páscoa.

A promoção da Campanha da Fraternidade, durante a Quaresma, insere-se nessa busca de conversão e renovação da vida cristã. A Campanha da Fraternidade não deveria ser vista como uma atividade paralela à Quaresma, nem, muito menos, como iniciativa substitutiva da Quaresma, mas nela inserida. Infelizmente, porém, esse mal-entendido existe, quer da parte de quem combate a Campanha, como também da parte de quem faz dela o único assunto da Quaresma. Nem uma coisa, nem outra é boa.

Para quem combate a Campanha, é preciso lembrar que o objetivo fundamental dela é promover a fraternidade (caridade) em alguma questão da convivência social. Ela sempre propõe um tema que faz refletir sobre a vivência da fraternidade, a justiça e a caridade, valores essenciais no Evangelho de Cristo. Se o tema pode não parecer explicitamente religioso (ecologia integral, segurança pública, saneamento básico), ele, no entanto, é encarado na Campanha a partir de suas implicações religiosas e morais.

Alguém duvida que a temática da ecologia integral está relacionada com a nossa fé no Deus Criador, com nossa responsabilidade humana no cuidado da obra do Criador e com o senso de respeito ao próximo, de justiça e fraternidade? Não se pode dizer o mesmo em relação a todos os temas “sociais” que a Campanha da Fraternidade já abordou nas seis décadas de sua existência? A fé e a moral cristãs não podem ser vividas de maneira abstrata e desencarnada, fora da realidade que nos cerca. Os verdadeiros Santos deram-nos o exemplo: sua fé profunda em Deus e a moral do Evangelho que viviam levaram-nos sempre a uma sensibilidade especial em relação aos sofrimentos do próximo e aos problemas sociais. E a Igreja foi enviada em missão ao mundo não apenas para “salvar almas”, mas para salvar pessoas, que têm corpos e vivem situações específicas, para se envolver com seus sofrimentos e necessidades e para anunciar o Evangelho da salvação, que inclui o cuidado das pessoas neste mundo e tem implicações na convivência social. Foi o que o próprio Jesus fez o tempo todo.

Mas é preciso recordar também àqueles que reduzem a Quaresma à Campanha da Fraternidade: ela é um aspecto dos exercícios quaresmais e não se devem deixar na sombra ou no silêncio os outros exercícios, que visam à conversão pessoal e social a Deus, como a penitência unida à busca sincera de Deus, a escuta atenta e a acolhida da Palavra de Deus, a recordação dos mandamentos, dos fundamentos da fé e da moral cristãs, o incentivo à caridade concreta e a exortação à confissão sacramental. A fé cristã é adesão pessoal a Deus e a moral é a expressão da vida decorrente da fé. Na noite da Páscoa, como conclusão dos exercícios quaresmais, é feita a renovação das promessas batismais, pelas quais reafirmamos nossa “renúncia a Satanás” e nossa adesão a Deus, mediante a profissão da fé católica. Que significado teria isso, se não fosse precedido de um sério esforço de revisão de vida, em todos os sentidos, do arrependimento dos pecados e da disposição de nos voltarmos para Deus de todo coração?

Também a coleta da Campanha da Fraternidade, no Domingo de Ramos, perde o seu sentido quando não é fruto consciente e expressão de nossa vivência quaresmal e da nossa partilha fraterna com os necessitados. Ela é uma expressão da nossa vivência quaresmal e não se deve reduzir ao gesto quase mecânico de oferecer “alguma coisa” na hora em que a cestinha da coleta passa pela igreja. Esse gesto concreto deveria ser preparado durante toda a Quaresma, mediante as renúncias de consumo que fazemos, como “penitências” quaresmais, ou as doações que nos propomos com esse mesmo propósito. Então, sim, será um verdadeiro gesto de partilha fraterna, fruto da Quaresma.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Missionários digitais: A fé em um clique!

Tonktiti - Shutterstock
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Paulo Teixeira - publicado em 06/04/25

Articulação entre católicos que testemunham o Evangelho no ambiente digital realiza encontro.

Durante os trabalhos preparativos para o Sínodo sobre a Igreja sinodal, em um dos instrumentos de trabalho foi abordada a questão da missão no ambiente digital. De fato, a Igreja se insere nos diversos contextos humanos e a todos procura levar a luz da fé. Em geral pensamos em missão no sentido “quilométrico”, no sentido de territorial. Admiramos os missionários que se aventuram em terras distantes e apresentam o Evangelho a diversos povos e culturas, devorando centenas de quilômetros. Mas surgem em nossos dias também os missionários digitais.

Os indivíduos, organizações e instituições existem em lugares determinados e desenvolvem seu trabalho em certos contextos. Mas, muitas vezes temos contatos com pessoas, comunidades e instituições de lugares diferentes e que nos ajudam a viver a fé. 

As fronteiras missionárias atuais não correspondem às geográficas. No atual contexto, cabe o seguinte exemplo: Uma pessoa de um país de minoria católica está à um clique de distância de comunidades que vivem de maneira fervorosa a fé. Um exemplo bem preciso são os cantos religiosos que são cantados no Brasil e na Coréia, uma união que mostra a realidade da comunhão do Espírito Santo, por meio da internet.

Igreja em saída

A Igreja Católica incentiva e acompanha a missão no ambiente digital. Ela reconhece como seus agentes os missionários digitais que usam a tecnologia para transmitir o Evangelho na atual cultura da comunicação. No Brasil, os missionários digitais se organizam com a comissão de comunicação da CNBB e promovem diversas iniciativas e encontros. Existem momentos de oração, de formação e reflexão. Os missionários se encontram remotamente, mas também promovem encontros presenciais. 

Encontros

No ano passado a CNBB promoveu um encontro com 17 sacerdotes que evangelizam por meio das redes sociais; no início de março deste ano, realizou o primeiro encontro presencial do projeto Missionários Digitais Brasil

São missionários digitais os padres cantores, jovens que atuam como influencers nas redes sociais, instituições católicas que evangelizam pelos meios de comunicação e fiéis que se empenham em testemunhar a fé no ambiente digital.

Missão

Na revista La Civiltà Cattolica, o jesuíta Padre Bruno Frengueli alertou que “para estar presente no digital, é preciso muito cuidado, pois critérios para avaliar a missão da Igreja no ambiente digital não devem ser derivados do campo empresarial, político, publicitário, mercadológico ou do entretenimento. Métricas digitais como alcance, engajamento, cliques e visualizações podem ser critérios muito importantes para qualquer outra instituição social, mas dizem muito pouco à Igreja do ponto de vista de sua missão. Os números não importam para a Igreja, porque a ‘matemática de Deus’ é diferente, já que a multiplicação só ocorre quando há fração e partilha”, reflete.

No final de julho acontecerá em Roma o Jubileu dos Missionários Digitais, um momento emocionante para celebrar a esperança que essa ação evangelizadora leva para o mundo. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/04/06/missionarios-digitais-a-fe-em-um-clique

Reflexão para o V Domingo da Quaresma (C)

Evangelho do domingo (Vatican News)

O pecado é um mal que fere o homem. Por isso, Deus o detesta, Jesus o detestou. Mas ele não condena o pecador, ao contrário, ele veio salvar o pecador, veio dar sua vida para salvá-lo.

Padre Cesar Augusto, SJ – Vatican News

No Evangelho deste domingo temos a má vontade e a hipocrisia, de um lado, e a justiça e bondade de Deus, do outro. Evidentemente, o Amor é mais inteligente e vence a hipocrisia.

Uma mulher é apanhada em adultério. Naquela época cometer adultério não significava necessariamente estar com outra pessoa, mas bastava apenas a insinuação. Preferimos entender assim, já que não se fala do parceiro com quem a adúltera pecava.

Os fariseus, plenos de malícia, mais uma vez preparam uma cilada para que Jesus caia como blasfemo e entre em contradição com sua doutrina, a do amor.

Podemos ver aí duas atitudes:

Do lado dos fariseus temos pessoas altamente preocupadas pela legalidade e pelo cumprimento das prescrições mosaicas. Elas  não suportam o pecado, dos outros! Por isso Jesus diz : “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!” Existem pessoas que têm verdadeira obsessão pelos pecados, sobretudo sexuais, dos outros. Por que se deleitam em divulgar os pecados dos outros? Sempre arranjam justificativas para isso. Serão de fato puros e inocentes estes pregoeiros da moral?

Por outro lado Jesus, condoído pelo vexame e constrangimento vivido pela mulher, quer ajudá-la, quer revesti-la com a dignidade que havia perdido – por seu pecado e pela exposição feita pelos fariseus - , quer levantá-la. Afinal ele veio para salvar, para dar vida!

Mas nesse “imbroglio” está em jogo a missão de Jesus como Redentor – e é isso que os fariseus desejam verdadeiramente atingir. Podemos dizer que os fariseus queriam pegar dois coelhos com uma única cajadada: eliminar a mulher e desmoralizar Jesus, destruí-lo.

O Senhor, conhecendo os corações e pleno de sabedoria, dá tempo ao seu sentimento humano e respira fundo, rabiscando no chão. Depois, levanta a cabeça e, senhor da situação, com toda serenidade diz: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!” Quem dentre os presentes jamais tivera um pensamento impuro? Quem dentre os presentes foi feito de natureza diferente? Quem dentre os presentes respeitava plenamente os dez mandamentos?

O pecado é um mal que fere o homem. Por isso, Deus o detesta, Jesus o detestou. Mas ele não condena o pecador, ao contrário, ele veio salvar o pecador, veio dar sua vida para salvá-lo. O que Jesus mais deseja é a salvação de quem errou. Ele não veio para julgar, mas para salvar!

Aprendamos com o Senhor. Qualquer que seja a situação que estejamos, qualquer que seja o deslize de um irmão nosso, seja ele quem for, sejamos discípulos do Mestre e procuremos salvar, vestir de dignidade quem a perdeu. Isso não significa acobertar o pecado e deixar a vítima de lado, mas ter um coração como o de Deus, onde existe lugar para todos. Deus é vida, sejamos também vida!

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sábado, 5 de abril de 2025

SÃO BENTO: "Não coloque nada acima do amor de Cristo"

A Abadia de Santa Escolástica em Subiaco, Roma | 30Giorni

Arquivo 30Dias n. 05 - 2005

"Não coloque nada acima do amor de Cristo"

«Nihil amori Christi praeponere». Esta indicação repetida da Regra liga o Papa Bento XVI ao santo padroeiro da Europa. Um artigo do abade do mosteiro de Santa Escolástica em Subiaco.

por Dom Mauro Meacci

«O que precisamos sobretudo neste momento da história são homens que, através de uma fé iluminada e vivida, tornem Deus credível neste mundo… Precisamos de homens como Bento de Núrsia que, num tempo de dissipação e decadência, se afundou na mais extrema solidão, conseguindo, depois de todas as purificações que teve de sofrer, elevar-se à luz, regressar e fundar, em Montecassino, a cidade sobre a montanha que, com tantas ruínas, reuniu as forças das quais se formou um mundo novo. Assim, Bento, como Abraão, tornou-se pai de muitos povos." Quando o Cardeal Joseph Ratzinger concluiu seu discurso “A Europa na crise das culturas” com estas palavras em Subiaco em 1º de abril de 2005, ninguém poderia imaginar o que aconteceria logo depois.

No dia seguinte, o amado Papa João Paulo II morreu e alguns dias depois, em 19 de abril, o Cardeal Ratzinger foi eleito Bispo de Roma e, portanto, pastor supremo da Igreja Católica, tomando o nome de Bento XVI.

Com este nome, o Papa se ligou ao seu predecessor Bento XV, comprometido com a defesa da paz e a evangelização do mundo inteiro e, de forma muito particular, a São Bento, legislador do monaquismo ocidental e padroeiro da Europa. A devoção pessoal e a partilha daquela profunda espiritualidade expressa pela repetida citação do capítulo 4, 21 da Regra – «Nihil amori Christi praeponere» – ligam o Santo Padre ao santo de Núrsia.

Tudo isso fez surgir em muitos o desejo de conhecer um pouco melhor a figura e a obra de São Bento, um figura tão exaltada mas pouco frequentada devido à aparente distância que o separa da vida comum e à sua distância cronológica de nós.

Sabemos sobre São Bento o que o Papa Gregório I Magno (590-604) nos conta no Segundo Livro dos Diálogos e possuímos apenas um escrito autógrafa, a Regula monachorum .

Bento nasceu por volta de 480 em Núrsia. Após um período de estudos em Roma, ele se retirou para Subiaco, onde viveu por cerca de três anos como eremita em uma caverna perto do mosteiro do monge Romano. Por volta de 500 d.C., ele começou a reunir discípulos fundando, a partir das ruínas da Vila de Nero, treze mosteiros de doze monges cada, reunidos em torno de um abade, segundo o modelo apostólico. Vários eventos e uma nova visão da vida monástica como uma única família em torno de um único abade o levaram em 529 a deixar Subiaco e seguir para Montecassino, onde fundou aquela "Cidade na montanha" da qual toda a tradição monástica se orgulha. Ali, em 21 de março de 547, enquanto rezava de pé, apoiado por dois discípulos, ele morreu.

Hoje, São Bento é conhecido como o santo padroeiro da Europa, mas, após uma análise mais detalhada, há aspectos de sua história pessoal e das intenções de seu trabalho que podem dificultar a compreensão da adequação desse patrocínio.

De fato, quando São Bento nasceu, o Império Romano do Ocidente havia desaparecido recentemente e a Europa romanizada estava dividida em numerosos potentados locais em guerra com a parte latina e muitas vezes até entre si. Tivemos que esperar até o século VIII-IX para reencontrar o projeto de algo que remetesse a uma unidade territorial “europeia”.

Além disso, São Bento viveu toda a sua vida em uma região bastante restrita ao redor de Roma e, embora tenha tido relações com pessoas importantes da época, não há evidências de que tenha viajado ou conhecido outros contextos culturais.

Por fim, o propósito da instituição que São Bento concebeu não era promover um renascimento da cultura antiga ou um renovado impulso missionário da Igreja entre as tribos bárbaras, esforços tentados pelas realidades monásticas contemporâneas, mas a busca de Deus como único propósito da vida. “Quaerere Deum”, este é o ideal que São Bento propõe ao irmão que pede para entrar no mosteiro, e para encorajar esta busca ele organiza a comunidade em torno da leitura meditativa das Sagradas Escrituras, da oração e daquele conjunto de atividades que permitem a vida prática e o desenvolvimento de relações de caridade fraterna.

Onde está a Europa em tudo isso? Onde está aquele programa bem-sucedido de integração entre a Romanidade e o mundo germânico e eslavo?

Em lugar nenhum como consciência, em todo lugar como premissa e raiz.

Para o monge cristão, a busca séria de Deus pressupõe o conhecimento daqueles documentos insubstituíveis da fé que são as Sagradas Escrituras. No armarium da sacristia conserva-se o núcleo das bibliotecas monásticas, além dos códices litúrgicos, os que contêm a Bíblia e os principais comentários dos Padres da Igreja. Logo, a necessidade de uma melhor compreensão do texto sagrado levou os monges a aprofundar também aquele conhecimento gramatical e sintático que eles só podiam tomar emprestado do estudo de autores clássicos e seus métodos de interpretação. Tudo isso levou ao maravilhoso fenômeno da conservação da cultura antiga, pelo qual o monaquismo ainda é creditado. No entanto, muitas vezes esquecemos que no calor do debate que se travava nas escolas monásticas se desenvolveu uma teologia peculiar, que o Padre Jean Leclercq chamou de "sabedoria", herdeira da grande tradição patrística e fortemente moldada pela prática da lectio divina , onde o objetivo da alimentação espiritual sempre prevaleceu sobre a academia especulativo-científica.

A verdade apreendida na meditação da página sagrada logo brilhou na mais variada e original criação artística. Os transcritores dos códices litúrgicos e bíblicos começaram a decorar os textos com esplêndidas miniaturas, verdadeiras pausas meditativas e explicativas. Assim, os arquitetos das basílicas e das igrejas monásticas encontraram meios de utilizar os mais variados expedientes para repropor a mesma verdade evangélica. O que são certos capitéis românicos senão verdadeiras meditações da Palavra feitas através da pedra? O que são os grandes ciclos de afrescos nas igrejas senão maneiras de permitir que todos se aproximem do texto sagrado e, por isso, corretamente definidos como Biblia pauperum ? O que é o canto gregoriano senão a expressão bem-sucedida de uma meditação musical sobre as Sagradas Escrituras?

Tudo isso, retomado e relançado pela corte carolíngia através da obra de Alcuíno e de São Bento de Aniane, se tornará, a partir do final do século VIII e de forma mais convicta e sistemática nas primeiras décadas do século IX, patrimônio de todos e, no esforço de dar unidade cultural ao Império renovado, o húmus da cultura europeia renascida. Os castelos, catedrais e centenas de mosteiros, agora espalhados além do Reno e do Vístula, se tornarão os postos avançados e centros centrais dessa emocionante temporada histórica que, apesar das sombras do século X, dará seus melhores frutos no grande florescimento da Idade Média.

As exigências da vida comunitária também levaram ao desenvolvimento ou refinamento de algumas categorias que seriam fundamentais para a integração dos novos povos aos tempos clássicos e para seu crescimento humano.

Primeiramente, a concepção de tempo e espaço. Aos novos povos, em sua maioria nômades, acostumados a viver sob o céu e no horizonte de uma terra a ser percorrida com flechas e a cavalo, os mosteiros ofereciam o exemplo de uma vida comunitária em que as diversas ocupações – oração, estudo, trabalho, refeições, discussão, descanso, etc. – aconteciam nos horários e lugares determinados. Nunca será possível calcular completamente o poder civilizador e educacional dessa regularidade laboriosa que se espalhará dos mosteiros por toda parte com o toque severo do sino que chama para várias ocupações: "Porque a ociosidade é inimiga da alma".

São Bento admoesta o abade a sempre lembrar que ele deve guiar não os fortes ou os perfeitos, mas os fracos e pecadores. Daí a preocupação de estar atento às necessidades de cada um e, embora tenha o dever de orientar todos segundo a Regra, não deixar que ela se torne um obstáculo para ninguém. Seria longo enumerar os numerosos casos em que a dialética entre observância literal e exceção legítima se resolve, no julgamento do abade, na escolha da solução mais atenta às necessidades concretas do indivíduo ou da comunidade. Desta forma, respeitando a paternidade do abade, expressão da paternidade divina, o monge reconhece-se como pessoa dotada de uma dignidade própria e inalienável, dotada de direitos e deveres precisos, derivados do direito divino e reconhecidos pela Regra. 

Certamente o caminho para a concepção moderna da pessoa e do relacionamento correto com a autoridade ainda é longo e terá que passar por eventos históricos dolorosos; No entanto, há uma base fundamental aqui porque somos todos filhos do mesmo Pai e somos todos irmãos em Cristo, embora desempenhemos papéis comunitários diferentes.

A última conversa entre São Bento e Santa Escolástica, mestre da Úmbria do século XV, Igreja Superior do Sacro Speco, Subiaco | 30Giorni

Por fim, como não lembrar da nova dignidade que a Regra confere ao trabalho manual? Sabemos que antigamente somente as atividades relacionadas ao governo e as atividades intelectuais eram consideradas dignas de um homem livre, e entre os novos povos, as de guerra. Diante dessa mentalidade, os mosteiros, muitas vezes compostos por monges do antigo patriciado ou da nova nobreza, ofereciam evidências do trabalho manual tomado como disciplina e como instrumento de adaptação da realidade circundante às necessidades da comunidade, segundo o princípio: "Cada um viva do seu próprio trabalho". Também neste campo, de acordo com as complexas contingências históricas que gradualmente surgirão, a família beneditina dará contribuições fundamentais à Idade Média europeia.

A partir dessas referências é possível compreender como a construção da Europa está inextricavelmente ligada à força irradiante e estruturante da intuição espiritual de São Bento. Uma concretização convincente da fé evangélica que, quase naturalmente, se torna cultura e fermento de escolhas sociais que, se nos permitirmos a expressão talvez um tanto ousada, nos permitirá vislumbrar do século XI ao século XIII – a era de Cluny e Cister – o sonho realizado de uma Europa civilizada e unificada em nome de Cristo.

Para concluir, gostaria de voltar àquela expressão que o Santo Padre gosta de repetir: «Nihil amori Christi praeponere». Como já foi mencionado, esta frase, mas eu preferiria dizer este programa de vida, encontra-se na Regra de São Bento que, por sua vez, a toma emprestada do famoso comentário à Oração do Senhor de São Cipriano, bispo de Cartago e mártir. Ela funde a espiritualidade dos mártires com a dos monges. Acredito que nossa época é sensível como poucas ao encanto desta mensagem. Quando o Papa João Paulo II desafiou todos a buscar e viver um alto nível de santidade, ele nos convidou a seguir os caminhos da verdade e da coragem, assim como os monges e os mártires.

Como os monges de todos os tempos, também nós devemos procurar a verdade com confiança e tenacidade, sem nos cansarmos nem ter medo de percorrer em toda a sua complexidade os caminhos da cultura moderna, por vezes fragmentados ou interrompidos, mas sempre cheios de humanidade, "per ducatum Evangelii".

E uma vez que nos tenha surpreendido e cativado, não devemos ter medo nem ansiedade em propô-lo e testemunhá-lo. Na verdade, não o faremos para afirmar nossa própria convicção, mas para documentar a existência de um amor que nos precede a todos, nos sustenta a todos, nos espera a todos, imitando assim as comunidades monásticas medievais que, próximas das grandes cidades ou perdidas no meio das florestas, situadas em contextos cristãos ou dispersas em terras pagãs hostis ou indiferentes, mantinham seu "ritmo" feito de oração, estudo, trabalho e amor enquanto esperavam...

Fonte: https://www.30giorni.it/

Jubileu dos Enfermos, peregrinos: o Papa Francisco está conosco

Jubileu dos Enfermos 2025 (Vatican Media)

Desde as primeiras horas do dia, longas procissões saíram da Praça Pia até a Porta Santa da Basílica Vaticana. Os protagonistas são os 20.000 peregrinos do Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde. Muitas pessoas em cadeiras de rodas, voluntários e equipes de saúde. Nos corações dos fiéis, orações pela paz no mundo e pela cura completa de Francisco.

https://youtu.be/mk6vymqLVh0

Daniele Piccini – Vatican News

Muitos estão em cadeiras de rodas. Outros estão sob os braços de seus acompanhantes: parentes, freiras, profissionais da saúde, voluntários da Unitalsi. Seu Jubileu, o dos enfermos e do mundo da saúde, iniciado este sábado, 5 de abril, na Praça Pia, pouco depois das oito e meia da manhã. Depois de algumas centenas de metros, a passagem pela Porta Santa da Basílica de São Pedro. Para alguns deles, depois de tantos dias dentro de suas casas de repouso, se trata, finalmente, de um belo dia ao ar livre. Para todos, um dia de esperança.

Um dia fora das RSAs

“Estamos aqui para ter uma experiência comum, um caminho de fé que enriquece a todos, nós voluntários da Unitalsi e os doentes que acompanhamos”, explica padre Walter Gatti, assistente da Unitalsi Vittorio Veneto. “Somos um grupo de 170 pessoas”, continua o sacerdote, ”nem todos estão doentes. Por exemplo, eu também acompanho minha mãe, que tem 95 anos de idade. Para os nossos enfermos, é uma grande emoção e uma grande experiência de vida estar aqui, porque muitas vezes eles estão fechados em suas casas ou em instalações de acolhimento, onde são bem tratados, mas nem sempre têm a oportunidade de viver essas experiências ao ar livre”.

https://youtu.be/j_ffp0eWi8g

Padre Walter Gatti no Jubileu dos Enfermos

Orações de esperança e paz

Para alguns, confinados a cadeiras de rodas, participar do Jubileu dos Enfermos é até mesmo a realização de um sonho. “Eu queria muito vivenciar esse Jubileu e passar pela Porta Santa. Parecia impossível para mim porque não posso andar”, admite a Sra. Angela, hóspede da Casa de Repouso “Servas da Santíssima Trindade” na Rua Trofarello em Roma, apenas alguns minutos depois de atravessá-la em sua cadeira de rodas. “Tivemos um carro para carregar a minha cadeira de rodas”, continua Angela, membro do Movimento dos Focolares, ”e assim recebi um enorme gesto de amor dos meus companheiros que me ajudaram. Estou feliz por ter vindo e por ter experimentado em primeira mão como, apesar de todos os desafios e guerras, a esperança no futuro pode sempre nascer no coração”.

https://youtu.be/cMj1oFuatC8

Esperança nos corações e paz no mundo: as orações dos peregrinos

Um pensamento voltado para Francisco convalescente

Junto com a esperança, os mais de vinte mil peregrinos que vieram a Roma de mais de 90 países do mundo para o Jubileu dos Enfermos trazem em seus corações um pensamento para o Papa Francisco, ele mesmo, até 23 de março, internado no Hospital Gemelli, recentemente recebeu alta e ainda está convalescendo na Casa Santa Marta. “Viemos a Roma no ano do Jubileu como etapa de um caminho de fé de toda uma vida”, diz Daniel, de Verona, mas originalmente do Sri Lanka, que acompanha duas pessoas com deficiência, ”e queremos desejar ao Papa Francisco boa saúde e boa sorte!

https://youtu.be/m6JrTIO2l_k

Orações dos peregrinos pelo Papa Francisco convalescente

Este domingo, com a Missa na Praça São Pedro, presidida pelo arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, se conclui o programa do sétimo evento jubilar.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Um livro “louco” sobre a essência do cristianismo

Um momento da apresentação do livro "O louco de Deus no fim do mundo" (Vatican Media)

Foi apresentado em Roma o romance “O louco de Deus no fim do mundo”, de autoria de Javier Cercas, que se define como ateu e racionalista. No livro, a conversa do autor com o Papa gira em torno da questão da promessa de vida eterna. “Com a ressurreição de Cristo”, explica o Pontífice em resposta ao escritor espanhol, “a semente da ressurreição de toda a humanidade foi plantada”.

Amedeo Lomonaco – Vatican News

Um ateu, um militante secularista anticlericalista, um racionalista obstinado, um ímpio rigoroso. Essas são as definições com as quais o escritor espanhol Javier Cercas se apresenta no início de seu novo romance intitulado “O louco de Deus no fim do mundo”, publicado na Itália pela editora Guanda e traduzido para mais de trinta idiomas. O livro, no qual o autor relata sua viagem à Mongólia de 31 de agosto a 4 de setembro de 2023 junto com o Papa Francisco, foi apresentado como parte do segundo encontro das Pré-estreias de Literaturas Festival Internacional de Roma, um programa promovido pelo assessor para a cultura Massimiliano Smeriglio.

Francisco, “o louco de Deus”

Durante o evento cultural, que já está em sua 24ª edição, foi lembrado que o novo romance de Cercas, lançado nas livrarias em 1º de abril, foi publicado simultaneamente na Itália, na Espanha e em países da América Latina. Dialogando com os jornalistas Aldo Cazzullo e Sabina Minardi, o escritor Javier Cercas contou a gênese dessa obra, que surgiu por proposta do Dicastério para a Comunicação. O livro, permeado por uma crescente nostalgia de Deus, tem um ponto fulcral: a conversa íntima do autor, face a face, com o Pontífice, definido como “o louco de Deus”. Uma expressão também usada por São Francisco, o nome escolhido por Jorge Bergoglio após sua eleição para a Cátedra de Pedro.

“Francisco vai à Mongólia para encontrar um novo futuro e ver o mundo como ele é do único lugar de onde ele pode ser visto: da periferia, do fim do mundo. Francisco vai à Mongólia para continuar sendo Francisco (uma passagem do livro “O louco de Deus no fim do mundo”).”

Senso de humor

O escritor Javier Cercas apresentou sua obra diante da plateia que lotou o Teatro Studio Borgna do Auditorium: “Este livro é único e louco e eu me sinto privilegiado. É uma história de investigação porque há um enigma. Há muitos 'personagens' no romance”. Entre eles, alguns representantes do Dicastério para a Comunicação que “me propuseram escrever um romance com absoluta liberdade sobre a viagem do Papa à Mongólia. O grande desafio era trabalhar sem preconceitos”. “Para mim - disse o escritor espanhol -, tudo foi uma surpresa permanente. E tudo era diferente do que eu esperava. O romance é um livro bem-humorado. O próprio Pontífice afirma ter senso de humor”. “O Papa Francisco - disse ele - sempre foi surpreendente para o mundo inteiro. Ele é um Papa anticlerical, contra o clericalismo, contra a ideia de que o clero está acima dos fiéis. O livro contém a questão essencial do cristianismo: a da vida eterna. Ninguém havia perguntado isso ao Papa”. “Depois desse livro - explicou Javier Cercas ironicamente durante a apresentação -, não posso dizer se reencontrei a fé, caso contrário não venderei uma cópia do romance... O centro do livro é o louco de Deus, o Papa. Outro protagonista sou eu, o louco sem Deus. A realidade me presenteou um milagre para o epílogo do romance”.

Um romance sobre ressurreição

O jornalista Aldo Cazzullo, amigo de Cercas e que também foi transformado em personagem da narrativa, explicou que “o livro do escritor espanhol flui magistralmente em uma página seca depois de girar em torno de vários personagens”. Esse livro, disse ele, é uma biografia sobre o Papa, um romance sobre a ressurreição da carne. É também uma “reflexão sobre o momento da vida em que os pais morrem”. E é um retrato, acrescentou Aldo Cazzullo, de um Papa que é ao mesmo tempo “um homem extraordinário e um homem comum”. A jornalista Sabina Minardi relembrou, folheando algumas páginas do livro, o “incômodo do Papa com a idolatria”, seu amor pelo romance “Os noivos” e pela poesia. No romance, é possível ver como Francisco tem um senso aguçado do futuro, da história e da memória.

Um enigma

O escritor Javier Cercas enfatiza que o livro é “um enigma” que gira em torno de uma questão, a da promessa de vida eterna.

O escritor Javier Cercas ao centro (Vatican Media)

A eternidade já está aqui?

Folhear o romance “O louco de Deus no fim do mundo” é uma viagem, rica em humor, com uma dimensão íntima e pessoal que, em última análise, interpela o coração de todo homem. Em seu livro, Javier Cercas, que confessa ser escritor por ter perdido a fé, diz ser “um louco sem Deus que acompanha o louco de Deus até o fim do mundo”. E explica que embarcou no avião para a Mongólia a fim de fazer uma pergunta específica ao Papa Francisco: “Quero dizer a ele que minha mãe tem noventa e dois anos, que acredita em Deus e está convencida de que, quando morrer, reencontrará meu pai”. A pergunta crucial diz respeito à promessa de vida eterna e é finalmente feita ao Papa. A última pergunta feita pelo escritor espanhol durante sua conversa com Francisco está inserida em uma afirmação. “Então posso dizer à minha mãe que, quando ela morrer, verá meu pai novamente”. “A reação do Papa - lê-se no livro ‘O louco de Deus no fim do mundo’ - é fulminante: ele não hesita nem por um segundo, nem por um décimo de segundo, nem por um milésimo de milésimo de segundo...”. As respostas do Papa, também filmadas, foram ouvidas pela mãe de Javier Cercas. Sua reação é bem descrita no livro. “O rosto de minha mãe é um labirinto indecifrável de rugas; ela não parece contente: parece estupefata com o alcance ou a natureza do que acabou de ouvir, talvez incapaz de assimilá-lo com seu cérebro em declínio, cada vez mais consumido pelas traças da doença”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF