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quinta-feira, 25 de junho de 2020

S. GUILHERME, ABADE, FUNDADOR DO MOSTEIRO DE MONTEVERGINE

S. Guilherme, Bernardino Zenale
S. Guilherme, Bernardino Zenale

Guilherme tinha os pés torturados de tanto andar. Seu destino era Santiago de Compostela e, depois, um dia, a Terra Santa. Às vezes, 14 anos são suficientes para escolher a vida que se quer viver, renunciado àquela que se tem. Assim foi Guilherme, um adolescente de Vercelli.
Com 14 anos, fez uma coisa semelhante àquela que Francesco faria em Assis, mais de cem anos depois. Deixou a vida opulenta riqueza da sua família, renunciou ao título nobiliário, vestiu um saio rude e partiu descalço e sozinho.
Compostela torna-se uma etapa obrigatória de peregrinação para o homem do primeiro Milênio. Por volta do ano 1099, Guilherme partiu para o Santuário espanhol: fez cinco anos de caminhada, de pão e água, de cilício, dormindo no chão, de colóquio íntimo com Deus e de ardente anúncio do Evangelho ao longo do caminho.


Meta impensável
A outra etapa de qualquer peregrinação, na época, era a Terra de Jesus. Então, Guilherme voltou para a Itália com o objetivo de partir para Jerusalém. Porém, o homem que planeja se defronta com as surpresas de Deus.

O jovem encaminhou-se para o sul da Itália em busca de um navio. Mas, nas proximidades de Brindes, foi agredido por alguns ladrões. Naquele pobre peregrino nada havia roubar; decepcionados, a agressão se transformou em violência. Guilherme foi espancado e obrigado a interromper sua viagem. Ao recuperar suas forças, encontrou-se com João de Matera, o futuro santo, que havia conhecido antes, que lhe disse, com decisão, que, por detrás da agressão sofrida, poderia estar oculto um sinal maior: dedicar a sua missão de apóstolo na Itália.
Guilherme refletiu e se convenceu e, em 1118, volta novamente para Irpínia, aos pés do Montevergine, que o escala até encontrar uma pequena bacia, onde se deteve. Ali, o peregrino se tornou eremita.

Os monges de Montevergine
O eremita pensava ser feito para a solidão, mas a solidão não era feita para ele: sua fama de homem de Deus se espalhou rápido como o vento gelado que penetrava nos bosques do Monte Partênio. Dezenas de pessoas chegavam ao lugar onde se encontrava a cela do monge Guilherme.
Assim, o eremita torna-se abade. Foram poucas as Regras escritas, ditadas e mostradas com seu exemplo: penitência rigorosa, oração, prática da caridade com os pobres.

Este foi o broto da sua Congregação dedicada a Maria, oficialmente reconhecida em 1126. No entanto, os pés do eremita queimavam.

Certo dia, o Santo peregrino confiou a um discípulo a recém-nascida Abadia de Montevergine e retomou sua estrada, indo de Irpínia a Sânio, da Lucânia à Apúlia e Sicília.

Os príncipes normandos e as pessoas paupérrimas, que o encontravam, permaneciam fascinados.
Em sua história, fala-se de sinais milagrosos, entre os quais o mais conhecido era o do lobo que dilacerou o burro de carga de Guilherme. Então o monge o "obrigou" a se transformar em um animal de carga, com perfeita mansidão.

Padroeiro da Irpínia
A abadia de Montevergine prosperou, graças às contínuas doações conspícuas. Entre os amigos reinantes, mas, sobretudo, sinceros de Guilherme, destaca-se Rogério II, um rei normando. Foi ele quem visitou, pela última vez, o peregrino, que se tornou eremita e abade, debilitado e quase sem força.

Em 1142, São Guilherme entregou seu espírito em um de seus mosteiros da Irpínia, em Goleto.
800 anos depois da sua morte, em 1942, Pio XII o proclamou Padroeiro principal da Irpínia.


Vatican News

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Sermão 288 sobre a natividade de S. João Batista

Natividade de S. João Batista (Convento da Penha)
Por Santo Agostinho
1. A festa de hoje, em seu retorno anual, nos traz de volta à memória que o precursor do Senhor nasceu admiravelmente antes que o próprio Admirável [1] . É conveniente que, especialmente hoje, reflitamos sobre este nascimento e o louvemos. Para este fim, uma data anual foi dedicada ao milagre, para que o esquecimento não apague do nosso coração os benefícios de Deus e as maravilhas do Excelso. João, então, o precursor do Senhor, foi enviado diante dele, mas foi feito por ele. Todas as coisas foram feitas pela Palavra e sem ela nada foi feito [2] . Precedendo o homem Deus foi enviado um homem que reconheceu seu Senhor e anunciou seu criador, identificando-o internamente quando ele estava na terra e mostrando-o com o dedo. De João são aquelas palavras que mostram o Senhor e prestam testemunho: Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo [3] . Não admira, portanto, que uma mulher estéril tenha dado à luz o pregoeiro e uma virgem o juiz. A esterilidade recebeu fertilidade na mãe de João, enquanto, na mãe de Cristo, a fertilidade não destruiu a integridade. Se a vossa paciência, o vosso desejo sereno e o vosso silêncio atento me permitem dizer o que a ajuda do Senhor me concede que eu diga, será, sem dúvida, fruto da vossa atenção e recompensa pela nossa vontade de propor aos vossos ouvidos e ao vosso coração algo relacionado com um grande mistério.
2. Antes de João houve profetas; houve muitos, grandes e santos, dignos e cheios de Deus, anunciadores do Salvador e testemunhas da verdade. No entanto, nenhum deles poderia dizer o que foi dito de João: Entre os nascidos de mulheres, não surgiu ninguém maior do que João Batista [4]. Que significa essa grandeza enviada antes que o Grande? Foi enviado como um testemunho de sublime humildade. Ele era, com efeito, tão grande que podia passar por Cristo. João poderia abusar do erro dos homens e, sem fadiga, convencê-los de que ele era o Cristo, algo que eles já haviam pensado, sem que ele tivesse dito, aqueles que o ouviram e viram. Ele não tinha necessidade de semear o erro; seria suficiente confirmá-lo. Mas ele, humilde amigo do esposo, cheio de zelo por ele, sem usurpar adulteramente a condição de esposo, dá testemunho a favor do amigo e confia a esposa àquele que é o autêntico esposo. Para ser amado nele, odiava ser amado em vez dele. O esposo — diz ele — é aquele que tem a esposa [5]. E como se perguntásseis: “Que dizes tu?”, respondeu: “Mas o amigo do esposo”, ele diz, “está de pé ao seu lado, ouvindo-o e regozijando-se da voz do esposo” [6]. Está de pé ao seu lado e escuta: o discípulo escuta o mestre. A prova de que escuta é que está de pé; pois se não escuta, cai. Aqui aparece com toda evidência a grandeza de João. Sendo capaz de passar por Cristo, ele preferiu dar testemunho de Cristo e torná-lo mais precioso; humilhe-se antes de usurpar sua pessoa e se enganar. Com razão se disse dele que era mais do que um profeta. De fato, o próprio Senhor fala dos profetas antes de sua vinda nestes termos: Muitos profetas e justos quiseram ver o que vós vedes e não viram [7]. Adverte que aqueles homens, cheios do Espírito Santo a ponto de anunciar a vinda de Cristo, desejavam, se possível, vê-lo já presente na terra. Motivo pelo qual Simeão adiava o deixar esta vida até ver nascido aquele por quem o mundo foi criado [8] . E ele certamente viu a Palavra de Deus na carne de um menino que ainda não falava; mas ainda não ensinava, ele ainda não tinha se tornado um mestre que, junto com o Pai, já era um mestre dos anjos. Simeão, então, viu, mas como uma criança ainda sem fala; João, por outro lado, quando ele já estava pregando e escolhendo seus discípulos. Onde? Na margem do Jordão. Ali, de fato, começou o magistério de Cristo; já havia recomendado o futuro batismo cristão, já que o batismo recebido foi um batismo que antecipou e preparou o caminho. Dizia: Preparai o caminho para o Senhor, endireitai suas veredas [9]. Com efeito, o Senhor queria ser batizado por seu servo para mostrar o que aqueles que são batizados pelo Senhor recebem. Começou, então, onde o profeta acabara de o preceder: Ele governará de mar a mar e do rio até os confins do orbe terrestre [10]. Ao lado do próprio rio, de onde Cristo começou a dominar, João viu a Cristo, reconheceu-o e deu testemunho dele. Ele se humilhou diante do Grande, para ser exaltado, em sua humildade, pelo Grande. Ele também se declarou amigo do esposo. Mas que tipo de amigo? Talvez igual a ele? De maneira nenhuma; bem abaixo dele. Quão abaixo? Eu não sou digno — diz ele — de desatar a alça da sua sandália [11]. Este profeta, melhor, este que é mais do que um profeta, mereceu ser pré-anunciado por outro profeta, pois por causa dele Isaias disse no texto que hoje lemos: Voz que clama no deserto: “Preparai o caminho ao Senhor e endireitai suas veredas. Todo vale será aterrado, e toda montanha e colina serão niveladas; os tortos se tornarão retos e os brutos serão claros, e toda a carne verá a salvação de Deus ” [12]. — Grita — Que hei de gritar? Toda a carne é feno e toda o seu resplendor, como a flor do feno: o feno seca e a flor cai, mas a palavra do Senhor permanece para sempre. Preste atenção à sua caridade. Tendo perguntado a João quem ele era, se o Cristo, ou Elias, ou o Profeta [14] , respondeu: Eu não sou o Cristo, nem Elias, nem o Profeta [15] E eles: Então, quem és tu? Eu sou a voz daquele que clama no deserto [16]. Ele disse que era a voz. Observe que João é a voz. O que é Cristo, senão a Palavra? Primeiro a voz é enviada para que então a Palavra seja entendida. Mas que palavra? Escutai, que isso é mostrado claramente: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. Ela estava no princípio junto a Deus. Tudo foi feito por ela e, sem ela, nada foi feito . Se tudo, também João. Por que nos surpreendemos que a Palavra tenha criado sua voz? Olhai, olhai junto ao rio uma e outra coisa: a voz e a Palavra. João é a voz, Cristo a Palavra.
3. Investiguemos qual é a diferença entre a voz e a palavra. Investiguemos com atenção. Não é coisa sem importância e requer não pequena atenção. O Senhor nos concederá que não me fadigue de explicá-lo, nem a vós de ouvi-lo. Eis aqui duas coisas ordinárias: a voz e a palavra. Que é a voz? Que é a palavra? Que são? Escutai algo que tendes de experimentar em vós mesmos, sendo vós mesmos que fazeis as perguntas e dais as respostas. Uma palavra não recebe esse nome se não significa algo. Quanto à voz, por outro lado, mesmo que seja apenas um som ou um ruído sem sentido, como o de alguém que grita sem dizer nada, pode-se falar, sim, de voz, mas não de palavra. Suponha que alguém soltou um gemido: é uma voz; ou proferiu um lamento: é também uma voz. É um certo som informe que transporta ou produz nos ouvidos um certo ruído, sem qualquer significado. A palavra, por outro lado, se não significa algo, se não porta uma coisa externamente ao ouvido e outra internamente à mente, não recebe esse nome. Como eu estava dizendo, se você grita, estamos diante de uma voz; se você diz: «Homem», já nos deparamos com uma palavra, como se dissesse: besta, Deus, mundo »ou qualquer outra coisa. Mencionei vozes que tinham um significado, não sons vazios, que soam sem ensinar nada. Então, se já percebestes a distinção entre a voz e a palavra, escutai algo que vos causará admiração nestes dois, em João e em Cristo. A Palavra tem grande valor mesmo que a voz não a acompanhe; a voz sem a palavra é algo vazio. Digamos o porquê  e expliquemos o que foi dito, se nos é possível. Suponde que quereis dizer alguma coisa; a própria coisa que quereis dizer, vós já a concebestes em vosso coração: a memória a retém, a vontade a organiza e ela vive na mente. E a mesma coisa que vós quereis dizer não pertence a nenhum idioma concreto. O que quereis dizer e já foi concebido em vosso coração não é típico de qualquer idioma: nem do grego, nem do latim, nem do púnico ou do hebraico, ou de qualquer outro idioma. É apenas algo concebido no coração e pronto para sair dele. Como eu disse, é uma coisa: uma frase, uma ideia concebida no coração e pronta para sair dele para se manifestar ao ouvinte. Deste modo, logo que ela sabe quem o está levando em seu coração, é uma palavra, já conhecida por quem vai dizer, mas ainda não por quem a ouvirá. Assim, a palavra já formada, já em íntegra, permanece no coração; procura sair de lá para ser pronunciada para quem ouve. Quem concebeu a palavra que pretende dizer e que já conhece em seu coração, olha para quem dirigi-la. Eu vou falar, em nome de Cristo, a ouvidos já instruídos na Igreja, e ouso sugerir algo mais sutil para aqueles que não estão em pousio. Que preste atenção vossa caridade. Vede que a palavra concebida no coração procura deixar que seja pronunciada; olha a quem vai se dirigir. Trata-se de um grego? Procure uma voz grega que possa alcançar o grego. Um latino? Procure uma voz latina para alcançar o Latino. Um púnico? Encontre uma voz púnica com a qual se alcança o púnico. Deixem de lado a diversidade dos ouvintes: aquela palavra concebida no coração não é nem grega, nem latina, nem púnica, nem de qualquer outra língua. Para manifestar-se, busca a voz adequada para o ouvinte presente. Agora, irmãos, vou propor um exemplo que vos permita compreendê-lo. No meu coração eu concebi, para dizer “Deus”. O que é concebido no meu coração é algo grande. Deus é algo mais do que duas sílabas, porque Deus não se identifica com essa breve voz. Eu quero dizer “Deus”, e eu olho para quem eu vou dizer isso. Um latino? Eu digo Deum. Um grego? Eu digo Theón. Falando a um Latino, digo Deum, e falando para um grego, Theón. A diferença entre Deum Theón é apenas som; as letras são diferentes em ambos os termos; mas no meu coração, naquilo que quero expressar, no que estou pensando, não há diversidade de letras ou sons diferentes das sílabas. É o que é. Uma voz foi usada para apresentá-lo a um latino, e para um grego, outra; Se eu quisesse apresentá-lo a um púnico, eu teria que empregar outra; diga-se o mesmo se se tratasse de um hebreu, um egípcio ou um habitante da Índia. A que grande variedade de vozes a diversidade das pessoas obriga, sem que se mude ou varie a palavra do coração! A um latino chega mediante uma voz latina; a um grego, mediante uma grega, e a um hebraico, mediante uma hebraica. Atinge o ouvinte, mas não se afasta daquele que fala. Eu perco, por acaso, o que transmito para outro quando estou falando? Aquele som se faz mediador: trouxe a ti algo que não se afastou de mim. Eu já pensei em Deus. Tu ainda não ouviste minha voz; Uma vez que a ouviste, também começaste a ter o que eu pensava, mas sem perder eu aquilo que tinha. Então, em mim, como na porta do meu coração ou no cofre da minha mente, minha palavra precedeu a minha voz. Antes da voz soar na minha boca, a palavra já está presente no meu coração. Mas para que aquilo que eu concebi em meu coração saia para chegar até ti, busca-se a ajuda da voz.
4. Se, com a ajuda de vossa atenção e orações, puderdes dizer o que eu pretendo, penso que quem entender será cheio de alegria. Quem não for capaz de compreendê-lo, seja compassivo com o homem que se esforça por isso e suplique a misericórdia de Deus. Com efeito, até o que estou dizendo procede dele. Lá, no meu coração, fonte das minhas palavras, o que vou dizer está presente, mas o serviço da voz é necessário para que chegue com fadiga às vossas mentes. Então, o que irmãos? Então  o quê? Certamente,  já captastes, já entendestes que a palavra estava em meu coração antes de aplicar a ela a voz pela qual ela alcançaria vossos ouvidos. Penso que todos os homens entendem, porque o que acontece comigo acontece com todos aqueles que falam. Vede, eu já sei o que quero dizer, está no meu coração; mas eu procuro a ajuda da voz. Antes que a voz soe na minha boca, a palavra é mantida no meu coração. Assim, a palavra precede a minha voz, e em mim está antes a palavra que a voz; por outro lado, para que tu possas compreender, a voz chega antes ao teu ouvido, de modo que a palavra se insinua em tua mente. Não poderias saber o que estava em mim antes que a voz não estivesse em ti depois de emitida. Portanto, se João é a voz, Cristo é a Palavra. Cristo existiu antes de João, mas como Deus, e depois dele, mas entre nós. Grande mistério, irmãos! Estai atentos, percebei a grandeza do assunto uma e outra vez. Agrada-me que entendais e isso me torna mais audaz diante de vós, com a ajuda daquele a quem anuncio; eu tão pequeno, a ele, tão grande; Eu, um homem qualquer, à Palavra — Deus. Sua ajuda, então, me deixa mais audaz diante de vós, e depois de ter explicado a distinção entre a voz e a palavra, volto ao que se segue dela. João representou o papel da voz nesse mistério; mas não somente ele era uma voz, pois todo homem que anuncia a Palavra é a voz da Palavra. Com efeito, qual é o som da nossa boca com respeito à palavra que carregamos dentro de nós, essa mesma coisa é toda alma piedosa que a anuncia em relação àquela Palavra da qual foi dito: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto a Deus e a Palavra era Deus; ela estava no princípio com Deus [18]. Quantas palavras, ou melhor, quantas vozes a palavra concebida no coração não origina! Quantos pregadores tem a Palavra que permanece no Pai! Ele enviou os patriarcas, os profetas; Ele enviou muitos grandes pregadores seus. A Palavra que permanece enviou as vozes e, tendo enviado muitas vozes antes, a mesma Palavra veio em sua voz, em sua carne, como em seu próprio veículo. Recolhei, então, como em uma unidade, todas as vozes que precederam a Palavra e as compile na pessoa de João. Ele personificava o mistério de todas elas; ele, só ele, era a personificação sagrada e mística de todas elas. Com razão, portanto, chama-se voz, qual selo e mistério de todas as vozes.
5. Portanto, considerai agora o alcance dessas palavras: Convém que ele cresça e que eu diminua [19]. Prestai atenção, caso eu consiga me expressar; e, se isso não for possível, caso eu seja capaz de insinuar, ou pelo menos de pensar, de que maneira, com que sentido, com que intenção, por que motivo — de acordo com a distinção mencionada entre a voz e a palavra — , disse a voz em pessoa, o próprio João: É apropriado que ele cresça e que eu diminua. Oh, grande e admirável sacramento! Considerai como a pessoa da voz, personificação misteriosa de todas as vozes, fala sobre a pessoa da Palavra: Convém que ele cresça e que eu diminua. Por quê? Estai atentos. O apóstolo diz: Em parte sabemos disso e em parte profetizamos; Mas quando o perfeito chegar, o parcial desaparecerá [20] . Em que consiste o perfeito? No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto a Deus, e a Palavra era Deus [21] . Ela representa o perfeito. Em que, então, consiste o perfeito? Diga-o também o apóstolo Paulo: que, existindo na forma de Deus, não julgou por roubo o ser igual a Deus [22]. A esta Palavra de Deus que está junto a Deus, igual a Deus Pai, por quem todas as coisas foram criadas, a veremos tal como é, mas ao final. Pois agora o que o evangelista diz é verdade: Amadíssimos, somos filhos de Deus e o que ainda não foi manifestado aquilo que seremos. Amadíssimos, sabemos que, quando se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como é [23]. Esta visão a temos prometida, e pensando nela, somos instruídos e purificamos nossos corações. Bem-aventurados —  diz ele —  os puros de coração, porque eles verão a Deus [24]. Ele mostrou sua carne; mostrou-se aos seus servos, mas sob a forma de um servo. Como se fosse sua própria voz, entre muitas outras vozes que ele enviou à frente, ele também mostrou sua própria carne. O Pai foi procurado como se já pudesse ser visto como é; o Filho, como o Pai, falou aos seus servos na forma de um servo. Senhor —  diz Filipe —  mostra-nos o Pai, e nos basta [25]. Buscava o que era o objetivo de todos os seus desejos, isto é, o objetivo de seu caminho, alcançado o qual, nada mais teria que buscar. Mostre-nos, disse ele , o Pai, e isso nos basta. Bem, Filipe, bem; Bem entendeste que o Pai é o suficiente para ti. Que isso significa? Não buscar mais nada; Ele te encherá, te satisfará e te levará à perfeição. Mas estejas atento, para que não seja também suficiente para ti este a quem estás ouvindo. Ele é suficiente sozinho ou junto com o Pai? Mas como ele pode bastar sozinho se nunca se afastou do Pai? Responda-se, então, a Filipe, que queria vê-lo: Por quanto tempo eu estive convosco e ainda não me conheceis? Filipe, quem viu a mim, também viu o Pai [26] . Que significa: Filipe, quem me viu, também viu o Pai, senão: Tu não me viste e é por isso que está procurando pelo Pai? Filipe, que me viu, também viu o Pai. Porém tu me vês e não me vês. Com efeito, não vês em mim Aquele que te criou, mas aquilo que me fiz por ti. Quem me viu —  diz ele —  também viu o Pai. De que outra forma, senão que, existindo na forma de Deus, não julgou por roubo o ser igual a Deus? O que, então, Filipe viu? Que ele se aniquilou tomando a forma de um servo, feito à semelhança de homens e encontrado no porte exterior como um homem [27]. Era a forma de servo que Filipe via, que logo teria a liberdade de ver sua forma de Deus. Assim, pois, João personificava todas as vozes e Cristo a Palavra. É necessário que todas as vozes diminuam quando progredimos na visão de Cristo. Quanto mais você progride na visão da sabedoria, menos precisa da voz. A voz aparece nos profetas, nos apóstolos, nos Salmos e no Evangelho. Chegue-se à conclusão que: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava ao junto a Deus, e a Palavra era Deus. Quando o virmos como ele é, o Evangelho então será lido? Devemos ouvir, talvez, as profecias? Ou vamos ler as cartas dos apóstolos? Por quê? Porque as vozes diminuem à medida que a Palavra cresce, pois “convém que ele cresça e eu diminua”. A Palavra em si não cresce ou diminui. Diz-se, no entanto, que ela cresce em nós quando crescemos progredindo nela, da mesma forma que a luz cresce nos olhos quando, curada a visão, ela enxerga melhor, do que antes, quando estava fraca, e via certamente pior. A luz era menor para os olhos doentes e maior para os saudáveis, embora em si não diminuiu antes nem aumentou depois. Portanto, a necessidade da voz diminui quando a mente progride em direção à Palavra. Desta forma, é apropriado que Cristo cresça e que João, por outro lado, diminua. Isso é indicado por suas mortes. Com efeito, João diminuiu sendo decapitado; Cristo foi exaltado, como se tivesse crescido na cruz. As datas de seus respectivos nascimentos indicam o mesmo, já que a partir do dia do nascimento de João os dias começam a se tornar menores, enquanto a partir do dia de Cristo eles voltam a crescer.

Notas
[1] Isaías 9,5
[2] São João 1,3
[3] São João 1,29
[4] Mt 11,11
[5] São João 3,29
[6] São João 3,29
[7] São Mateus 13,17
[8] São Lucas 2,26
[9] São Mateus 3,3
[10] Salmos 71,8
[11] São Marcos 1,7
[12] Isaías 40,3-5 LXX
[13] Isaías 40,6-8
[14] Deuteronômio 18,15
[15] São João 1,20-21
[16] São João 1,23
[17] São João 1,1-3
[18] São João 1,1s
[19] São João 3,30
[20] I Coríntios 13,9s
[21] São João 1,1
[22] Filipenses 2,6
[23] Filipenses 2,6
[24] São Mateus 5,8
[25] São João 14,8
[26] São João 14,9
[27] Filipenses 2,7
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Traduzido por Leonardo Brum a partir da versão espanhola de Pío de Luís, OSA, disponível em <http://www.augustinus.it/spagnolo/discorsi/discorso_402_testo.htm>.

Terra Santa não voltará a ser como antes do coronavírus, afirma sacerdote

Basílica do Santo Sepulcro em Jerusalém.
Foto: Eduardo Berdejo / ACI Prensa
BELÉM, 23 Jun. 20 / 01:00 pm (ACI).- A Terra Santa, e especificamente os territórios palestinos, sofreram um duro golpe econômico devido à pandemia de coronavírus que há meses afeta quase todo o mundo.
Mesmo que a pandemia na Terra Santa não tenha sido tão intensa como em outros lugares, as medidas destinadas a evitar contágios cortaram radicalmente a chegada dos peregrinos cristãos, principal fonte de ingressos dos cristãos de lugares como Belém e Jerusalém.
Pe. Issa Hijazeen é pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Beit Sahou, o Campo dos Pastores na cidade de Belém, na Palestina.
Nascido em Amã, na Jordânia, em 25 de junho de 1984. Foi ordenado em 25 de junho de 2009 e pertence ao Patriarcado Latino de Jerusalém. Depois de ficar no Seminário Menor em Beit Jala, Belém, por um ano, ele assumiu o papel de pároco assistente na paróquia de Beir Zeit, perto de Ramallah, na Palestina.
Concluiu o Mestrado em Ciências Escritas e Arqueologia no Studium Biblicum Francescanum (Universidade Franciscana de Jerusalém) e, depois retornou ao Seminário para ministrar aulas bíblicas por cinco anos antes de assumir o cargo pastoral de pároco de Nossa Senhora de Fátima.
Na entrevista à ACI Prensa, agência em espanhol do Grupo ACI, narrou como evoluiu e ocorreu a pandemia de coronavírus na Palestina: "Em 5 de março, foi declarada a presença de pessoas infectadas com coronavírus em Beit Jala, província de Belém, trabalhadores do hotel 'Angel'.
“Essas pessoas são irmãos de alguns estudantes que frequentam nossa escola em Beit Sahour. Esse fato levou a uma situação de tensão e confusão entre as famílias dos alunos e entre os próprios professores”.
Como medida preventiva, “tomamos a decisão de enviar todos os alunos para casa e fechar a escola. Além disso, paralisamos todas as celebrações religiosas porque não sabíamos o que poderia acontecer se o contágio chegasse aos alunos, professores ou parentes”.
“Graças a Deus, todos os testes foram negativos. No mesmo dia, as autoridades declararam estado de emergência e todos os acessos à província de Belém foram bloqueados e foram impostas restrições ao movimento de pessoas e veículos entre as cidades", afirmou.
Pe. Issa Hijazeen reconheceu que “o efeito das notícias sobre o coronavírus foi tremendo. As pessoas ficaram muito apavoradas e preocupadas, e isso contribuiu para um maior controle do movimento e da reunião de pessoas, uma medida que permitiu dominar a propagação da pandemia”.
Duas semanas depois, e como resultado do aparecimento de casos em várias cidades palestinas e, principalmente, em Israel, foi declarado um estado de emergência em todo o país, que se estendeu por quase 70 dias até acabarem os casos de contagiados pela COVID-19.
Depois que passaram as semanas mais difíceis da pandemia, nos dias 23 e 26 de maio, as basílicas do Santo Sepulcro de Jerusalém e da Natividade de Belém foram reabertas, no entanto, “o vírus voltou a se espalhar de maneira dramática depois que o confinamento foi suspenso”.
"Estamos diante de uma nova e feroz onda de pandemia e isso ocorre com a reabertura dos santuários, especialmente da Natividade e do Santo Sepulcro".
Portanto, “é muito difícil que a situação volte a ser como era antes do vírus. Agora, continuaremos impondo muitas medidas de prevenção sanitária dentro das igrejas para impedir a propagação da pandemia e que consistem no distanciamento social e no compromisso de usar as máscaras durante a Santa Missa. É um assunto muito complicado que exige muito esforço e acompanhamento”.
No período de abertura após o alarme de saúde, o sacerdote explicou: “a colaboração entre os paroquianos e a paróquia foi ideal. Depois de obter as autorizações necessárias das autoridades, reorganizamos as celebrações eucarísticas e nos comprometemos muito com as precauções sanitárias”.
“Realizamos quatro Missas no domingo com o objetivo de reduzir o número de participantes e tivemos sucesso. A coordenação com as pessoas era feita com antecipação pelo telefone e, às vezes, fazíamos nossa celebração em lugares abertos para aqueles que não podiam participar no domingo”.
Pe. Hijazeen enfatizou que “todos se comportaram de acordo com as instruções e indicações do Ministério da Saúde. Mas hoje, infelizmente, há pessoas que tentam questionar o perigo da pandemia e se inclinam a espalhar a teoria de uma conspiração política, especialmente agora que estamos enfrentando um aumento da tensão política entre palestinos e israelenses".
Além disso, explicou que estão desenvolvendo procedimentos para aumentar as medidas de prevenção nas igrejas: "Frente ao perigo que nos ameaça, prosseguiremos com mais medidas como o uso de máscaras faciais, distanciamento físico entre os fiéis, fornecimento de esterilizadores dentro e fora da igreja, junto com as instruções enviadas pelo Patriarcado. Este procedimento será feito gradualmente para que haja aceitação entre as pessoas”.
Em relação ao impacto econômico da crise sanitária, “o coronavírus representou um grande peso à economia da Palestina. A área de Belém depende, em grande medida, do turismo, pois é uma cidade visitada por milhares de peregrinos durante a maior parte do ano”.
“Essa difícil situação econômica afetará muitas famílias cristãs. Também aumentará a crise política. Tememos que possa haver um grande caos e roubo nas cidades, como está sendo observado nos Estados Unidos”.
Essa situação se agrava pelo colapso do diálogo entre as autoridades palestinas e israelenses depois que Israel anunciou sua intenção de anexar territórios da Cisjordânia.
"Depois que o Presidente Palestino M. Abbas declarou a paralisação da coordenação com o Estado de Israel, este último, por sua vez, tomou várias medidas unilaterais, incluindo o fechamento de estradas e a distribuição de soldados em determinadas zonas, além de outras medidas para preparar a anexação de territórios palestinos”.
Segundo o sacerdote, é esperado um período difícil com "marchas e manifestações contra a anexação, e pode até levar a violenta resistência de ambos os lados, especialmente agora que o mundo é um grande cenário de manifestações denunciando injustiças".
Por fim, comentou a situação concreta dos cristãos, cuja situação é estruturalmente complicada pela discriminação que sofrem e pela falta de oportunidades e, agora, soma-se a crise causada pelo coronavírus.
Apesar disso, no momento "não se esperam ondas de emigração devido ao vírus, mas acho que quando a pandemia terminar e a vacina adequada for descoberta, haverá grandes ondas de emigração".
No início, "limitadas, mas depois passarão a números elevados devido à má situação tanto econômica como política, fato que exige que as autoridades religiosas e civis colaborem juntas para enfrentar o próximo estágio".
“Em relação à minha paróquia, temos um total de 360 ​​famílias (aproximadamente 1.600 paroquianos). Tomei algumas medidas que podem ajudar a diminuir a crise econômica em algumas famílias, como antecipar suas necessidades e criar oportunidades de emprego para o maior número possível de jovens dentro da própria paróquia”.
Nesse sentido, o sacerdote pretende promover "de maneira especial a profissão de artesanato em madeira de oliveira", para o qual realizou acordos com várias fábricas de madeira de oliveira que, por enquanto, garantirão o trabalho de 23 pessoas.
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
ACI Digital

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

(Sermão 293, 1-3: PL 38, 1327-1328) (Sec. V)
A Voz que clama no deserto
A Igreja celebra o nascimento de João como acontecimento sagrado: não há nenhum, entre os nossos antepassados, cujo nascimento seja celebrado solenemente. Celebramos o de João, celebramos também o de Cristo: isto tem sem dúvida uma explicação. E se não a damos tão perfeita como exige a importância desta solenidade, meditemos ao menos nela, mais frutuosa e profundamente.

João nasce de uma anciã estéril; Cristo nasce de uma jovem virgem. O futuro pai de João não acredita que este possa nascer e é castigado com a mudez; Maria acredita, e Cristo é concebido pela fé. Eis o assunto, que quisemos investigar e prometemos tratar. E se não formos capazes de perscrutar toda a profundeza de tão grande mistério, por falta de capacidade ou de tempo, melhor vo-lo ensinará Aquele que fala dentro de vós, mesmo estando nós ausentes, Aquele em quem pensais com amor filial, que recebestes no vosso coração e de quem vos tornastes templos.

João apareceu como o ponto de encontro entre os dois testamentos, o Antigo e o Novo. O próprio Senhor o testemunha quando diz: A Lei e os Profetas até João Baptista. João representa o Antigo e anuncia o Novo. Porque representa o Antigo, nasce de pais velhos; porque anuncia o Novo, é declarado profeta quando está ainda nas entranhas de sua mãe. Na verdade, ainda antes de nascer, exultou de alegria no ventre materno, à chegada de Santa Maria. Já então ficava assinalada a sua missão, ainda antes de nascer; revelava-se de quem era o precursor, ainda antes de O ver. São realidades divinas que excedem a limitação humana. Por fim, nasce; é-lhe dado o nome e solta-se a língua do pai. Reparemos no simbolismo que estes factos representam.

Zacarias cala-se e perde a fala até ao nascimento de João, o precursor do Senhor; e então recupera a fala. Que significa o silêncio de Zacarias senão que antes da pregação de Cristo o sentido das profecias estava, em certo modo, latente, oculto e fechado? Mas tudo se abre e faz claro com a vinda d’Aquele a quem elas se referiam. O facto de Zacarias recuperar a fala ao nascer João tem o mesmo significado que o rasgar-se do véu no templo, ao morrer Cristo na cruz. Se João se anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca. Solta-se a língua porque nasce aquele que é a voz. Com efeito, quando João já anunciava o Senhor, perguntaram-lhe: Quem és tu? E ele respondeu: Eu sou a voz de quem clama no deserto. João é a voz; mas o Senhor, no princípio era a Palavra. João é a voz passageira; Cristo é, no princípio, a Palavra eterna.

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terça-feira, 23 de junho de 2020

VIVER SEM MEDO

Academia do Aprendiz
O medo é um sentimento inerente a todo ser humano. O medo atormenta e torna reais os problemas, as dificuldades e os receios que inicialmente estavam apenas na imaginação e, por isso, esse sentimento permite que nos protejamos de possíveis perigos do cotidiano, mas, se não cuidamos, o medo pode nos paralisar e nos conduzir a crises de ansiedade e de pânico.
No decorrer de nossas vidas, em muitos momentos, a vida pode se tornar estreita, difícil e insegura. Quem nunca sentiu medo na vida? Por mais corajosos que sejamos, sempre existem situações ou lugares que deixam um frio na barriga ou as pernas bambas.
Pelo relato dos Evangelhos, nós percebemos que os Apóstolos e os discípulos de Cristo também sentiram medo em diversas ocasiões e, por isso, o nosso Redentor lhes questionou: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé”. (Mc 4, 40). Em outra situação, Cristo lhes disse: “Não tenha medo, pequeno rebanho! ” (Lc 12, 32).
Em nossa caminhada na fé, nós percebemos que a experiência da proximidade de Deus e do poder da Sua graça não nos afastam do dever de enfrentar e superar as dificuldades e os medos que possam aparecer no dia a dia, pois os obstáculos do cotidiano são, precisamente, uma ocasião de demonstrarmos até que ponto amamos a Deus, até que ponto somos fiéis aos Seus ensinamentos e até que ponto cumprimos o decálogo.
Quando somos escravos do medo, corremos o sério risco de imaginar que o Senhor se afastou de nós, o Senhor nos abandonou, ainda que seja apenas por um breve período de tempo. Nessas situações, temos que ouvir o Cristo sussurrar em nossos ouvidos: “Tende confiança, sou Eu, não temais!”. (Mt 14, 27).
Não podemos ter medo de manifestar os sinais da nossa fé e o nosso amor pelo Senhor. Ficar calado por medo de ser mal visto ou caluniado quando Deus e a Igreja são ofendidos não é nada bom, pois o medo faz mal, enfraquece os nossos ideais humanos e cristãos e limita o nosso serviço missionário.
Quem tem medo de expressar a sua pertença a Cristo e a sua devoção à Virgem Maria concentra-se em si mesmo para que não lhe aconteça nenhum tipo de perseguição. Agindo assim, a pessoa fica paralisada em seu medo, demonstrando que não entendeu nada da mensagem de Cristo que nos diz: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno”. (Mt 10, 28).
São João Evangelista, em uma das suas epístolas, escreveu: “No amor não há temor, mas o amor perfeito lança fora o temor, e aquele que teme não é perfeito no amor”. (1 Jo 4, 18). O amor e o medo são dois sentimentos distintos que se excluem, ou seja, onde há amor perfeito não existe medo e onde existe medo não existe amor perfeito.
Em termos de fé e de santidade, o Cristo nos desafia a superar o medo que limita as possibilidades do nosso testemunho. Como podemos superar esse medo? O primeiro passo é sempre reforçar a consciência de que não somos autossuficientes, sozinhos afundamos, perecemos; precisamos do auxílio da graça divina como os antigos navegadores precisavam das estrelas. O segundo passo é confiar a Jesus todos os nossos medos, a fim de que Ele nos ajude a superá-los. O terceiro e necessário passo é abrir as portas do nosso coração a Cristo, para que possamos buscar um maior crescimento espiritual, ou seja, temos que nos dedicar a uma formação permanente, pois mesmo nas tempestades da vida, Deus está conosco, conduzindo-nos a um porto seguro.
Em Pentecostes, nós vislumbramos a poderosa ação do Espírito Santo afugentando o medo do coração dos Apóstolos e impulsionando-os a sair do Cenáculo para anunciar a alegria do Evangelho. Quando somos dóceis ao Divino Espírito, Ele nos ajuda a vencer os medos, os temores e nos dá coragem para testemunhar a fé em Cristo vivo e ressuscitado em todos os ambientes. É o Espírito Santo quem nos capacita para o serviço da Igreja, pois junto d’Ele nós não temos medo de sermos cristãos e nem de vivermos como cristãos. Em união com o Espírito Santo, superamos o medo, escutamos a Palavra de Deus e, passo a passo, permitimos que Ele nos conduza ao encontro pleno e transformador com Cristo, até fazermos d’Ele o tesouro, o sal e a luz da nossa vida.
Com a ajuda do Paráclito, nós não temos medo de nos arriscar por Cristo; afinal, a senda da santidade é um caminho de generosidade onde temos acesso à revelação de que a Eucaristia e a Reconciliação são sacramentos que fortalecem a caridade e a esperança, renovando as nossas forças no Senhor, despojando-nos de todo medo.
O santo temor de Deus, que é um dom do Espírito Santo, nada tem a ver com o medo, pois o temor de Deus é uma virtude, não é limitativo e não nos enfraquece. Ao contrário, o dom do temor de Deus nos impulsiona a ir adiante para cumprir a missão que o Senhor nos confiou. É o dom do temor de Deus que nos leva a professar: Senhor, “nós confiamos a Vós todas as nossas preocupações, porque Vós tendes cuidado de nós!”. (1 Pd, 5, 7).
Nestes nossos dias, em função da pandemia da Covid-19, o medo está ao nosso lado, à nossa frente e em nossas mentes, pois estamos percebendo que somos fracos e limitados, inseguros e indecisos. “Nestes dias de tanto sofrimento, há tanto medo. O medo dos anciãos, que se encontram sozinhos, nas casas de repouso ou no hospital ou na casa deles e não sabem o que pode acontecer. O medo dos trabalhadores sem trabalho fixo que pensam como prover o alimento a seus filhos e veem a fome chegar. O medo de tantos agentes sociais que, neste momento, ajudam a sociedade a seguir adiante e podem pegar a doença. Também o medo – os medos – de cada um de nós: cada um sabe qual é o próprio. Rezemos ao Senhor, a fim de que nos ajude a ter confiança e a tolerar e vencer os medos”. (Papa Francisco, Homilia na Casa Santa Marta em 26 de março de 2020).
Mesmo nessa pandemia, nós não podemos permanecer paralisados pelo medo, pois podemos realizar muitas coisas, desde o serviço da oração, até o serviço da caridade, da esperança e da fé. O que não podemos permitir é que o medo se sobreponha ao amor, pois o Senhor Jesus está conosco. Estejamos, portanto, confiantes e tranquilos na certeza de que essa noite escura vai passar, anunciando uma nova aurora, uma esplendorosa alvorada.
Mesmo no meio das tempestades da vida, não devemos ter medo, pois Cristo e a Sua bondosa Mãe estão caminhando ao nosso lado, fortalecendo a nossa fé. Nesse percurso de fé, se nos perguntarem por que confiamos na intercessão de Maria e por que não estamos com medo, saibamos lhes dizer: Não tens visto as mães da terra, de braços estendidos, seguirem os seus meninos quando se aventuram, temerosos, a dar os primeiros passos sem a ajuda de ninguém? Não estás só; Maria está junto de ti”. (São Josemaria Escrivá, Caminho, nº 900).
Agindo assim, permanecendo na escola de Maria, nós podemos testemunhar que não deixamos espaço para o medo em nosso coração, porque aprendemos que a esperança nasce do amor e com o amor vêm a confiança, a fortaleza e a perseverança. Mãe Maria, livrai-nos do mal do medo e ensinai-nos a caminhar com renovada justiça e esperança!
Aloísio Parreiras
Arquidiocese de Brasília

Destruição de Jerusalém no ano 70

“Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra. ”
GadiumPress

“Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra. ”

Redação (22/06/2020 11:19, Gaudium Press) Deus castigou o mundo na época de Noé através da água; Sodoma e Gomorra, pelo fogo e enxofre; e Jerusalém, por meio dos soldados romanos comandados pelo general Tito, no ano 70.

Um cometa em forma de espada apareceu sobre Jerusalém

Assim, cumpriu-se a profecia que Nosso Senhor fez quando, caminhando com os Apóstolos, ao ver Jerusalém, começou a chorar e afirmou:

“Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada” (Lc 19, 43-44).

Jerusalém já havia sido destruída por Nabucodonosor, no século VI antes de Cristo, devido às abominações ali praticadas. No Templo, judeus chegaram a adorar ídolos diante dos quais moviam turíbulos com incenso e se prosternavam como sinal de adoração (cf. Ez 8, 10-16). Rejeitaram o Profeta Jeremias que os advertia incansavelmente, e foram castigados de modo terrível.

Veio Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ímpios judeus O crucificaram.  Depois perseguiram a Santa Igreja e mataram muitos cristãos. Em certo momento, chegou o espantoso castigo.

Desde o ano 66, soldados romanos, comandados por Vespasiano – que depois se tornou Imperador –, devastavam diversas regiões da Palestina e muitos judeus tinham se refugiado em Jerusalém. Considerando a gravidade da situação e, sobretudo, tendo presente a advertência do Redentor “os que estiverem na cidade afastem-se dela” (Lc 21, 21), os cristãos que habitavam Jerusalém abandonaram-na e se estabeleceram numa localidade chamada Pela, na atual Jordânia .   

Com base em escritos do historiador judeu Flávio Josefo e do Padre Darras, faremos uma síntese do que ocorreu.

Deus enviou sinais de que puniria a cidade. Um cometa em forma de espada apareceu sobre Jerusalém, durante um ano. Alguns dias antes de começar a investida contra a cidade, dirigida então pelo general Tito, filho de Vespasiano, certa noite uma luz intensa iluminou o altar do Templo, durante meia hora.

Havia na cidade um milhão e duzentas mil pessoas

Aproximava-se a solenidade da páscoa judaica do ano 70. Tito deixou que todos os peregrinos, provenientes de outros lugares, entrassem em Jerusalém. Assim, havia na cidade perto de um milhão e duzentas mil pessoas, segundo Flávio Josefo.

Exceto a parte que dava para um vale profundo, Jerusalém era cercada por resistentes muralhas, com 90 torres.

Os romanos começaram seus ataques utilizando aríetes, mas não conseguiam abalar as muralhas; os judeus faziam investidas que causavam muitas baixas entre os sitiantes.  Então, Tito transportou seu quartel-general para um local próximo das muralhas, que era “o mesmo lugar que Godofredo de Bouillon, chefe da Primeira Cruzada, deveria ocupar mil anos mais tarde”. 

Em Jerusalém havia dois partidos que guerreavam entre si; um chefiado por João de Giscala, e outro por Simão bar Gioras, os quais se tornaram déspotas e cometiam horrendos crimes. Os estrondos provocados pelas fortes pancadas dos aríetes nas muralhas causavam pânico em Jerusalém.  Então, os dois partidos se uniram e iniciaram contra-ataques aos sitiantes.

A pedido de Tito, Flávio Josefo, de um lugar bem alto próximo à muralha, bradou aos sitiados que eles deveriam se entregar aos romanos, para salvar o Templo, o povo, a cidade. Os tiranos e seus asseclas não se comoveram, mas muitos do povo fugiram para junto dos romanos.

Horrores causados pela fome

Começou, então, a faltar trigo e logo a fome se fez sentir. Quem apresentasse o menor sintoma de que pretendia fugir era degolado. Pessoas armadas penetravam nas casas. Se encontravam um homem válido, o matavam porque havia se alimentado às escondidas; caso fosse um alquebrado pela fome tiravam-lhe a vida para ser uma boca a menos…

Os que conseguiam escapar através dos aquedutos subterrâneos eram pegos pelos soldados romanos, que os crucificavam à vista dos sitiados, ou lhes cortavam o nariz, as orelhas, as mãos e os devolviam à cidade.
Alguns desses fugitivos tinham engolido ouro ou pedras preciosas. Os árabes que os captavam abriam os ventres deles e remexiam suas entranhas à procura de joias.

Uma mulher, pertencente a uma das mais nobres famílias de Israel, matou seu filho bebê, assou o corpo, comeu a metade e escondeu o restante. A fumaça e o cheiro atraíram os facínoras que por ali rondavam. Eles entraram na casa e, ao tomarem conhecimento da realidade, fugiram apavorados.

Após alguns meses de assédio, a fome aumentou de tal modo que, do alto das muralhas, cadáveres eram jogados para fora da cidade, a fim de não causar pestes. 

Incêndio do Templo

Os romanos construíram um muro que envolvia toda a cidade, tomaram a Torre Antônia e saltaram para diante do Templo. Houve encarniçadas lutas de espadas que duraram desde nove horas da noite até às sete do dia seguinte. Depois de grande mortandade, os romanos voltaram à Torre.

O Templo possuía dez portas; cada uma delas media dez metros de altura e cinco de largura e era recoberta de lâminas de ouro e prata. Em seu interior, bem no alto, havia grandes cachos de uva, esculpidos em ouro. A fachada era toda recoberta de lâminas de ouro.  O telhado estava semeado de pontas de ouro, para evitar que as aves lá pousassem e o sujassem.

Tito queria de todos os modos salvar o Templo. Mas um soldado romano fez-se levantar por um companheiro e atirou por uma janela aberta um pedaço de madeira aceso.  O general gritou para que fosse apagado o início de incêndio… mas em vão.

Os romanos penetraram no Templo e ficaram horrorizados: “Em volta do altar havia montes de cadáveres… rios de sangue corriam por todos os degraus.”  Quando entrou no Templo, Tito ficou extasiado vendo a sua magnificência, e colheu objetos para decorar seu triunfo, entre os quais o véu do Santo dos Santos, a mesa dos pães da proposição, o candelabro de sete braços de ouro.
O fogo tornou-se tão violento que o monte sobre o qual estava construído parecia arder todo inteiro.

Os romanos queimaram o que restava da cidade e derrubaram suas muralhas. Tito mandou que as destruíssem até os alicerces. Restou apenas um pedaço do muro de arrimo do Templo, conhecido hoje como “muro das lamentações”.   

Por Paulo Francisco Martos
(in “Noções de História da Igreja” – 15)
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1- Cf. LLORCA, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica – Edad Antigua. 6. ed. Madri: BAC, 1990, v. I, p. 172.
2- DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris : Louis Vivès. 1869, v. VI, p. 291.
3- JOSEFO, Flavio. História dos hebreus – II parte. v. 8. Tradução do Padre Vicente Veloso, com o título Guerra dos judeus contra os romanos. São Paulo: Editora das Américas. 1956. p. 285.

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF