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quarta-feira, 5 de junho de 2024

João Paulo II: virtudes de um Papa santo (3)

São João Paulo II (Presbíteros)

João Paulo II: virtudes de um Papa santo

Por Pe. Francisco Faus

“A MIM O FIZESTES”

A tocha ardente e clara do exemplo de caridade de João Paulo II ficaria incompleta se não acenássemos, pelo menos, a um dos empenhos mais característicos do seu pontificado: a veneração, o imenso respeito, o amor pela “dignidade do homem, de cada homem, de cada mulher”. Extasiava-se ao pensar no “milagre da pessoa, da semelhança do homem com Deus Uno e Trino”[11]. Tinha assimilado plenamente as palavras de Cristo: Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes (Mt 25, 40).

Daí a sua defesa vigorosa da vida, desde que começa a alvorecer recém-concebida, e a fortaleza com que se opôs a qualquer destruição ou rebaixamento do ser humano como se fosse um objeto, desde as manipulações genéticas e experiências destrutivas de embriões e fetos, e o uso do corpo como mero instrumento de prazer, até a defesa da morte natural digna – de que deu exemplo com sua própria morte -, que rejeita como uma indignidade a eutanásia direta, expediente egoísta e cômodo de uma sociedade hedonista que só pensa em livrar-se de problemas do modo mais expeditivo.

Sofria ao constatar que, na sociedade materializada atual, “o homem ficou só”, e que a sua liberdade divinizada, transformada num ídolo sem Deus, sem verdades nem valores firmes, acaba sendo uma fonte de “nefastas conseqüências morais, cujas dimensões são às vezes incalculáveis”[12].

Só sabia ver as pessoas, cada uma delas, sob a luz de Deus. “Eu simplesmente rezo por todos a cada dia. Basta encontrar uma pessoa, oro por ela, e isso facilita sempre o contato […]. Sigo o princípio de acolher cada um como uma pessoa que o Senhor me envia e que, ao mesmo tempo, me confia” [13].

E quando se tratou de um assassino a soldo, que friamente fez tudo para matá-lo, que ficou frustrado ao ver que o Papa sobrevivia ao atentado e que jamais esboçou sequer um pedido de perdão? O seu amor não mudava. O valor que dava a cada pessoa humana não mudava, e até mesmo atingia o cume do amor, conseguindo perdoar de todo o coração, devolver bem por mal, amor por ódio, bondade por maldade. Desde o primeiro instante, após o atentado, João Paulo II perdoou Mehmet Ali Agca e rezou por ele. Voltou a dar o perdão publicamente, na primeira audiência que pôde ter com os fiéis. Foi visitá-lo na prisão e ofereceu-lhe seu abraço sincero. Várias vezes, como contava o secretário particular do Papa, Mons. Stanislaw Dziwisz, “recebeu a mãe e os familiares de Agca e perguntava freqüentemente por ele aos capelães da prisão” [14].

Esta é, mais uma vez, a luz de Cristo, a tocha fascinante de amor cristão, irradiando sobre o mundo inteiro pelo exemplo, pela chama de amor de um homem de Deus: Senhor – perguntou a Jesus o “primeiro Pedro” -, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete»” (Mt 18, 21-22).

UMA TOCHA DE ESPERANÇA

«AINDA QUE ATRAVESSE O VALE ESCURO, NÃO TEMEREI…»

Desde que iniciou a sua preparação para o sacerdócio, Karol Wojtyla foi colocado por Deus numas circunstâncias dramáticas, em que só podia ser fiel à sua vocação “atravessando o vale escuro”, como diz o Salmo 23. A sua terra, a Polônia, esteve dominada durante boa parte do século XX pelas duas “ideologias do mal”[15]que mais acirradamente se propuseram aniquilar o Cristianismo: o nazismo e o marxismo-leninismo. A “aventura” heroica, empolgante, que significou para o seminarista, o padre e o bispo Wojtyla a vida no ambiente de guerra, de ditaduras e perseguições desencadeadas por essas duas ideologias está bem descrita nas boas biografias já existentes[16].

O perigo nazista foi derrotado em 1945, mas a sombra do marxismo totalitário e ateu cresceu e pairou opressivamente sobre a Polônia dominada, e ameaçava o mundo inteiro até a sua decomposição e queda, acontecida no final dos anos oitenta.

Contudo, quase vinte anos antes dessa falência do “comunismo real”, outras sombras escuras estavam surgindo, densas e igualmente agressivas contra Cristo e a sua Igreja, contra a fé e a moral cristãs: as sombras do materialismo hedonista e consumista do ocidente, cada vez mais alicerçado na ideologia laicista, que hoje ataca a Igreja quase com a mesma ferocidade ideológica que o nazismo e o marxismo.

João Paulo II, no seu livro evocativo “Memória e identidade”, comenta que, ao cessarem os campos de extermínio – os campos de concentração nazistas e os gulag comunistas – , assistimos hoje ao “extermínio legal de seres humanos concebidos e ainda não nascidos; trata-se de mais um caso de extermínio decidido por parlamentos eleitos democraticamente, apelando ao progresso civil das sociedades e da humanidade inteira. E não faltam outras formas graves de violação da Lei de Deus; penso, por exemplo, nas fortes pressões […] para que as uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma forma alternativa de família, à qual competiria também o direito de adoção. É lícito e mesmo forçoso perguntar-se se aqui não está atuando mais uma ideologia do mal, talvez mais astuciosa e encoberta, que tenta servir-se, contra o homem e contra a família, até dos direitos humanos” [17]

A essa realidade, é preciso somar o fato de que João Paulo II assumiu a cátedra de Pedro em tempos (que vêm se prolongando, em parte, até aos nossos dias) em que a crise do chamado “falso pós-Concílio” grassava na Igreja, gerando um ambiente amplamente estendido de desorientação doutrinal, disciplinar e moral, em que não faltavam erros graves e rebeldias mesmo entre os eclesiásticos.

O quadro seria de molde a encolher os ânimos e suscitar o uma visão pessimista do futuro. Pois bem, é justamente sobre estas sombras de fundo que resplandece mais, com fulgor de santidade, a esperança alegre, serena e segura que animou, em todos os momentos, a alma e o trabalho de João Paulo II, até ao dia da sua morte. Nunca nele se viu um gesto de desalento, uma lamúria, um comentário negativo ou amargo. Viu-se sempre, pelo contrário, um otimismo juvenil, criativo, inabalável, fundamentado numa fé igualmente jovem, renovada e inquebrantável.

NÃO TENHAIS MEDO: ABRI AS PORTAS A CRISTO!

O otimismo do Papa não era coisa temperamental, nem era uma “posição” adotada para ajudar os fiéis a superar tempos difíceis. Era a manifestação da esperança sobrenatural cristã, que vive apoiada em Deus. Essa esperança possuía raízes profundamente fincadas na alma de João Paulo II.

Todos os que vivemos, de perto ou de longe, a surpresa da eleição de João Paulo II, guardamos a lembrança do dia 22 de outubro de 1978, data do início solene do seu pontificado. Como, depois, nos dias da sua morte, uma multidão apertava-se na Praça de São Pedro. O Papa começou a pronunciar a sua homilia, no meio de um silêncio total. Pouco depois de iniciá-la, os fiéis sentiram um estremecimento no coração, porque João Paulo II, esboçando um leve sorriso, encarou o povo de frente e, com um ar jovial, seguro, tranqüilo, lançou com voz clara e forte um apelo: – “Não tenhais medo! Abri as portas ou, melhor, escancarai as portas a Cristo!”

Este apelo, que conclamava os católicos e os homens de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o Papa como que o “refrão” do seu pontificado. Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele mesmo glosou essas palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio Messori, transcrita no livro “Cruzando o limiar da esperança”[18]:

Não tenhais medo!, dizia Cristo aos Apóstolos (Lc 24, 36) e às mulheres (Mt 28, 10), depois da Ressurreição […]. Quando pronunciei estas palavras na praça de São Pedro não me podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a mim e à Igreja inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido pelo Senhor Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as pronunciava. Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias circunstâncias. Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação mundial […]. Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo ressuscitado: “Não tenhais medo!”. Precisa delas o homem […], precisam delas os povos e as nações do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência, retome vigor a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste mundo que passa; Alguém que tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito homem, Amor crucificado e ressuscitado. Amor continuamente presente entre os homens. É Amor eucarístico. É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que dá a plena garantia às palavras: «Não tenhais medo».”

É emocionante verificar que a mesma esperança da primeira mensagem de João Paulo II animou a sua última mensagem. No domingo, dia 3 de abril de 2005, a primeira vez em que era celebrado o “Domingo da Divina Misericórdia”, o arcebispo Sandrini leu à multidão congregada na praça de São Pedro a última alocução preparada com antecedência pelo Papa, que falecera no dia anterior. Ele desejava ter podido pronunciá-la no encontro tradicional da hora do Angelus desse dia (do Regina Caeli, pois era tempo pascal): “…À humanidade – dizia – , que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece a sua misericórdia como dom do seu amor que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança. É um amor que converte os corações e doa a paz. Quanta necessidade tem o mundo de compreender e acolher a Divina Misericórdia! Senhor, que com a vossa morte e ressurreição revelais o amor do Pai, nós acreditamos em Ti e hoje te repetimos com confiança: «Jesus, confio em Ti! Tem misericórdia de nós e do mundo inteiro!»”. A mensagem terminava convidando a “contemplar com os olhos de Maria o imenso mistério desse amor misericordioso que brota do coração de Cristo”.

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Notas:

[11] Levantai-vos! Vamos!, pág. 102

[12] Memória e identidade, citado, págs. 21 e 55

[13] Levantai-vos! Vamos!, págs. 76-77

[14] Apêndice de Memória e Identidade, pág. 185

[15] Ver João Paulo II, Memória e Identidade, pág. 15 e ss.

[16] Ver, por exemplo, a citada biografia de George Weigel, Testemunho de esperança

[17] Obra citada, págs. 22-23

[18] Livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1995, págs. 201 ss.

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF