REFLEXÕES DIANTE DO CALVÁRIO
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
O sermão do Descendimento da Cruz é realizado na Sexta-Feira
Santa da paixão do Senhor, ao final da tarde, seguido da procissão com a imagem
do Senhor Morto e de Nossa Senhora das Dores pelas ruas da paróquia. Para este
momento devocional os fiéis são convidados a se reunirem diante do Calvário, na
Igreja ou na frente da Igreja e da entrada da Igreja, e, no local mais elevado
o padre profere o sermão do Descendimento da Cruz.
Após o sermão do descendimento da Cruz todos os fiéis são
convidados a participar da Procissão do Enterro e na chegada da Igreja
Paroquial entrar no Templo e venerar a imagem de Nosso Senhor morto e Nossa
Senhora das Dores. Também nesse dia fazemos a nossa contribuição para sustentar
os lugares santos.
O Descendimento da Cruz nos faz lembrar aquilo que José de
Arimateia fez ao pedir a Pilatos permissão para tirar o corpo do Senhor da Cruz
e lhe conceder um sepultamento digno. Através o Sermão do Descendimento do
Senhor da Cruz seguimos passo a passo e compreendemos melhor o que significa
cada chaga que o Senhor recebeu.
É preciso resgatar esses momentos que sustentam a fé popular
do povo, é importante observar que toda a liturgia da Igreja tem uma sequência,
nada é colocado de maneira aleatória, uma celebração está ligada a outra.
Sobretudo na Sexta-feira Santa, às 15h tem a celebração da paixão e adoração da
Cruz, chamada de Ação Litúrgica. No início da noite tempos o Sermão do
Descendimento da Cruz e em seguida a procissão com a imagem do Senhor morto e
Nossa Senhora das Dores. Neste dia atualizamos de certa maneira tudo
aquilo que aconteceu há mais de dois mil anos atrás.
Participemos com fé e piedade desse momento e relembremos
aquilo que José de Arimateia fez, porque dessa forma podemos nos imaginar na
cena. Escutar com atenção tudo aquilo que o padre profere durante o sermão. Ao
vermos o Senhor sendo sepultado lembremos de tantas de mães que tem que
sepultar os seus filhos antes do tempo, de tantos inocentes que morrem por
causa das guerras e da violência nas grandes cidades, e ainda tantas pessoas
que morrem sem o devido apoio e são enterradas sem reconhecimento, de forma
indigna.
Além do sermão proferido pelo sacerdote, esse momento na
medida do possível é encenado, usa-se uma Cruz própria – ou seja, se refaz a
cena do Calvário, com o Cristo na Cruz ou um grupo de fiéis encena esse
momento. À medida que se encena dá mais vivacidade para o momento. Normalmente
em algumas paróquias os jovens preparam uma encenação para esse momento e todos
participam com muita atenção e emoção. Em muitos lugares há o próprio Sermão
tradicional – seguido da encenação pelos fiéis. Temos em muitos lugares o Auto
da Paixão.
Por mais que nos dias de hoje vemos o Senhor na Cruz,
sabemos que Ele ressuscitou, venceu a morte e está ao lado do Pai. Jesus nos
abriu o caminho para a vida eterna e do mesmo modo que Ele ressuscitou, nós
também ressuscitaremos.
A Sexta-feira Santa é um dia de oração e reflexão, dia de
jejum e abstinência, não é um dia de luto, mas pelo contrário, um dia para
pensarmos na finitude da vida, e que não importa a maneira como morreremos, um
dia estaremos na vida eterna ao lado de Deus. Ao longo da Sexta-feira Santa
somos convidados a meditar nos últimos passos da vida de Jesus, desde a sua
agonia no horto, condenação, prisão, caminho até o calvário, crucificação e
morte. Nessa Sexta-feira somos convidados a rezar mais. A tarde somos convidados
a participar da Ação Litúrgica da paixão do Senhor e adoração a Cruz, seguida
do sermão do Descendimento da Cruz procissão e depois a procissão enterro. Um
dia inteiro de oração desde a manhã até a noite. Um dia de silêncio, meditação,
jejum e abstinência.
Peçamos que os nossos pecados tenham sido pregados na Cruz e
possamos ressurgir para uma vida nova na vigília da ressurreição. Essa é a
ideia da quaresma e da Páscoa, deixar morrer em nós o velho homem e ressurgir
para uma vida nova. É a passagem da morte para a vida, ou seja, do pecado para
a vida eterna, deixar de lado a escravidão do pecado e passar para a liberdade
da vida em Deus.
Ao participarmos da celebração da paixão do Senhor e adorar
a Cruz, cremos que o sofrimento acabou ali e que Jesus venceu a morte e abriu
para nós o caminho para a vida eterna. Em setembro celebramos a festa da
Exaltação da Santa Cruz, nessa festa não adoramos simplesmente o madeiro da
Cruz em si, mas adoramos aquele que nela morreu e ressuscitou por amor a nós. É
comum entoarmos esse cântico na Sexta-feira Santa: “Vitória tu
reinarás, ó Cruz tu nos salvarás”. A Cruz que para muitos é derrota ou o
fim, inclusive para os judeus, mas para nós é vitória e o início de uma nova
vida. Desde o nosso batismo somos marcados com a Cruz de Cristo e a fé na Cruz
de Cristo nos acompanhará ao longo de toda vida, até ao dia de nossa
morte.
Iniciemos o descendimento da Cruz para tirar o corpo de
Jesus da Cruz. José de Arimatéia pediu autorização para Pilatos, mas para
sepultar o corpo do Senhor e, é necessário fé e coragem para transportar o
corpo do Senhor. Nossa Senhora sua mãe, acompanhava tudo de perto, com dor no
coração, mas crendo na misericórdia de Deus. É preciso acreditar que Ele está
vivo, e intercede junto ao Pai por nós.
Em primeiro lugar tiremos a inscrição “INRI”, que
significa: Jesus Nazareno Rei dos Judeus, escrito em hebraico, latim e grego.
Essa inscrição se torna para nós uma profissão de fé e rezamos diariamente no
Pai Nosso: “Venha a nós o vosso reino”. O Reino de Deus só se
fará presente em nossa vida, a partir do momento que fizermos a vontade de
Deus. Ele é o caminho, a verdade e a vida.
Agora, tiremos a “coroa de espinhos”, essa coroa
não era digna de um rei, ainda mais um rei como Jesus. Puseram uma coroa falsa
naquele que era o verdadeiro rei. Os espinhos simbolizam as consequências do
pecado. Muitas vezes nós cravamos essa coroa em Jesus, quando não realizamos a
sua vontade e cometemos pecados.
Em seguida, passemos para o corpo do Senhor propriamente,
por primeiro “Desprendamos o braço direito”, ao ser
crucificado recebeu pregos em suas mãos e pés. Imaginemos a dor que Jesus
sentiu ao receber esses pregos. Nós também colocamos esses pregos em Jesus toda
as vezes que pecamos e que não fazemos a sua vontade em nossa vida. Ferimos
Jesus todas as vezes que não permitimos que as nossas crianças tenham uma
educação de qualidade.
Em seguida, “Desprendamos o braço esquerdo”, é
preciso desatar os braços do Mestre, o braço que foi esticado e preso na Cruz,
o braço que foi feito para fazer o bem, não pode ficar preso na Cruz. Que todas
as vezes que o nosso braço nos levar a pecar, lembremos das feridas que Jesus
sofreu ao ter seu braço preso na Cruz.
Meus irmãos, já desprendemos os braços, agora desprendamos
os pés, “Desprendam os pés”, os pregos de seus pés com certeza
eram maiores ainda que os pregos de suas mãos, pois pregaram seus dois pés
juntos. Imaginemos a tamanha dor que Jesus sentiu, e ainda tendo que suportar a
dor do flagelo que sofreu, da coroa de espinhos e dos pregos das mãos. Que
todas as vezes que impedirmos alguém de caminhar, ou privar alguém de
liberdade, possamos pensar o que Jesus sofreu ao ter seus pés
pregados.
Por fim, “desçam o corpo de Jesus”, nesse
momento façamos um profundo silêncio em sinal de respeito, ao Mestre que
falecido é tirado da Cruz. Imaginemos a cena do corpo de Jesus sendo entregue a
Maria, sua mãe (Pietà). Lembremo-nos nesse momento de tantas mães que recebem
os seus filhos “mortos” em seus braços. Mortos pela violência, balas perdidas,
tráfico, doenças etc. Que o Espírito Santo conforte o coração dessas mães, do
mesmo modo que confortou o coração de Maria Santíssima.
Após tirar o corpo do Senhor da Cruz, o sepultemos, mas
crendo que Ele ressuscitará no terceiro dia. Que Jesus sepulte todos os nossos
pecados e ressurjamos com Ele para uma vida nova na Páscoa. Se agora as trevas
tomam contam do mundo, no sábado de madrugada, na vigília da ressurreição a Luz
iluminará o mundo todo. Que com a ressurreição de Jesus o mundo se abra
para a paz e a harmonia, e não haja mais guerras e fome.
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