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domingo, 3 de janeiro de 2021

Solenidade da Epifania do Senhor (Ano B)

Imaculada Canção

Primeira Leitura

Isaías 60, 1-6

O texto canta a glória da Jerusalém renovada, figura da «Jerusalém nova descida do Céu» (cf. Apoc 21, 2.23-24). A visão universalista que o poema apresenta corresponde à realidade da Igreja, que é católica, universal.

3 «As nações caminharão à tua luz, e os reis ao esplendor da tua aurora». Não há dúvida de que se pode adaptar perfeitamente este texto isaiano ao mistério hoje celebrado: os «magos» – este texto terá contribuído para se lhes chamar «reis» –, que seguem a «luz» da estrela, são os pioneiros de entre os povos gentios a acorrer ao encontro do Messias.

6 A menção de povos do Oriente – «Madiã e Efá» –, dos ricos comerciantes de «Sabá», a sul da Arábia (Yémen) e, sobretudo, os produtos que trazem – «ouro e incenso» – fazem lembrar o que nos relata o Evangelho: a vinda dos Magos do Oriente que trazem «oiro, incenso e mirra».

Segunda Leitura

Efésios 3, 2-3a.5-6

Nesta passagem de Efésios, S. Paulo define em que consiste o «mistério de Cristo» (v. 4). Os gentios, que vêm à Igreja, estão no mesmo pé de igualdade que os judeus procedentes do antigo povo de Deus: não há lugar para cristãos de primeira e de segunda! O texto original é muito expressivo: os gentios vêm a ser «co-herdeiros»(«recebem a mesma herança que os judeus», traduz, parafraseando, o texto português oficial), «com-corpóreos» (isto é, «pertencem ao mesmo Corpo» Místico de Cristo, que é a Igreja una), e «com-participantes na Promessa» («beneficiam da mesma promessa» de salvação). E é este o mistério que também se celebra na Festa da Epifania: Cristo igualmente Salvador de gentios e judeus.

Evangelho

São Mateus 2, 1-12

O Evangelho da adoração dos Magos foi objecto das mais belas reflexões teológico-espirituais ao longo da história: já nos fins do séc. II, Tertuliano via nas ofertas dos Magos símbolos do reconhecimento de quem era Jesus: oferecem-lhe «ouro» como Rei, «incenso» como Deus, «mirra» (outra resina aromática, usada na sepultura) como Homem. Santo Ambrósio fixa-se em que os Magos vão por um caminho e voltam por outro, porque regressam melhores, depois do encontro com Cristo. Santo Agostinho vê nos Magos as primitiæ gentium, a par dos pastores que são as primícias dos judeus, etc.. Mas ainda hoje os comentadores retomam e actualizam os temas do relato: Cristo como verdadeira luz, o caminho dos pagãos para Cristo, o simbolismo dos presentes, a fé e perseverança dos Magos, a busca do sentido da Escritura e o sentido de procura do caminho, etc..

O próprio relato encerra um grande alcance teológico: Jesus é o verdadeiro «rei» que merece ser procurado e adorado por todos; a Ele acorrem, vindas de longe, gentes guiadas por uma estrela e pela Escritura; ainda menino e sem falar, já divide os homens a favor e contra Ele; a homenagem que Lhe prestam os Magos é a resposta humana ao «Emanuel, Deus connosco»; n’Ele se cumprem as profecias que falavam da vinda de reis e de todos os povos a Jerusalém (Is 60 e Salm 72). Mais ainda, ao nível da própria redacção de Mateus, o relato ilustra a teologia específica do evangelista: sendo este Evangelho dirigido a judeo-cristãos, confrontados com a Sinagoga, que não aceita Jesus, o episódio dos Magos documenta bem a teologia do «messias rejeitado», pois Jesus, logo ao nascer, encontra a hostilidade do poder e a indiferença das autoridades religiosas; é também uma ilustração das palavras de Jesus, «virão muitos do Oriente…» (Mt 8, 11).

Em face de tudo isto, o estudioso não pode deixar de se interrogar se não estaremos perante um teologúmeno, uma criação de Mateus para dar corpo a uma ideia teológica. A verdade é que em toda a tradição cristã se deu grande valor à adoração dos Magos e à festa da Epifania. Se detrás disto não há realidade nenhuma, o significado de tudo fica privado da sua base mais sólida.

Nota sobre a questão da historicidade do relato: A crítica bíblica moderna tem proposto teorias bastante discordantes; por um lado, temos um grupo em que R. E.Brown reúne as objecções que se têm levantado contra a historicidade do relato, que denotam – diz – «uma inverosimilhança intrínseca»: o movimento da estrela de Norte para Sul (Jerusalém – Belém), a sua paragem sobre a casa, a consulta de Herodes aos escribas e sacerdotes, seus inimigos, a indicação de Belém como um dado desconhecido ao contrário de Jo 7, 42, a imperdoável ingenuidade de Herodes que não manda espiar os Magos, o facto de não se ter identificado o menino após a visita de homens de fora a uma pequena povoação, o silêncio de Lucas sobre a visita; estes autores concluem que se trata, então, de uma construção artificial feita com textos do Antigo Testamento. Por outro lado, temos autores mais recentes como R. T. France (The Gospel according to Mathew) que defendem a credibilidade histórica do relato, demonstrando que as dificuldades contra têm solução. Com efeito, embora estejam subjacentes no relato vários textos do A. T., apenas um é citado, podendo mesmo ser suprimido sem interromper o discurso (vv. 5b-6), o que é sinal de que a citação foi acrescentada a um relato preexistente, não sendo a citação a dar origem ao relato. Os pretensos traços duma dita lenda edificante, ou midraxe hagadá, nada têm de historicamente improvável, fora o caso da estrela que pára sobre a casa, mas já S. João Crisóstomo observava que a estrela não vinha de cima, mas de baixo, pois não era uma estrela natural e não é provável que a Igreja, que bem cedo entrou em conflito com a astrologia, tivesse inventado uma história a favorecê-la. O facto de Herodes não ter mandado espiar os Magos não revela ingenuidade, mas prudência para que os seus guardas não viessem a dificultar a descoberta do Menino, e também uma plena confiança em que os Magos voltassem; finge colaborar com eles, a fim de obter mais dados. Também René Laurentin sublinha a credibilidade histórica de certos pormenores, como a existência de astrólogos viajantes («magos») no Oriente, ou a astúcia e crueldade de Herodes (matou a maior parte das suas 10 mulheres, vários filhos e muitas pessoas influentes na política); e, sobretudo, Mateus revela «sensibilidade histórica», ao não fazer coincidir bem os factos que narra com as citações e alusões ao A. T.: se os factos fossem inventados, teriam sido forjados de molde a que se adaptassem bem às passagens bíblicas (a estrela da profecia de Balaão – Num 24, 17 – não é a estrela que indica o Messias, mas sim o próprio Messias, etc.). Também a propaganda religiosa judaica tinha despertado a expectativa do nascimento do Messias (ver, por ex., a IV écloga de Virgílio) e fervorosos aderentes entre os gentios, o que torna mais compreensível a visita destes estranhos. A. Díez Macho afirma que «a intenção de Mateus é narrar história confirmada com profecias ou paralelos vétero-testamentários», e descobre no episódio do Magos uma grande quantidade de «alusões» ao A. T. (o chamado rémez, figura retórica muito do gosto dos semitas e frequente na Bíblia). Este célebre biblista espanhol (assim também G. Segalla) diz que o fenómeno da estrela pode muito bem corresponder à conjunção de Júpiter e Saturno que se deu na constelação de Peixe, e que teve lugar três vezes no ano 7 a. C., data provável de nascimento de Cristo. Mas a verdade é que não se pode negar o carácter popular do relato, pouco preocupado com o rigor das coisas, pois até dá a entender que a estrela se deslocava de Norte para Sul até parar sobre a casa.

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF