Um canto de louvor e amor: o Trium puerorum
O Trium Puerorum é um canto de louvor a Deus, que a Igreja aconselha rezar depois da Santa Missa. A natureza inteira, com o sol, as estrelas, os raios, as nuvens e os mares, se une a esse canto iniciado por três jovens judeus do Antigo Testamento.
05/04/2021
O rei Nabucodonosor mandou construir uma estátua de ouro de
vinte e sete metros de altura (cf. Dan 3). Todos os seus súditos, provenientes
de diferentes povos e nações, reuniram-se em torno dela e começaram a adorá-la.
O castigo para quem se negasse era claro: “Quem não se prostrar para adorá-la
será imediatamente jogado na fornalha com o fogo aceso!” A situação pareceu
propícia para denunciar os judeus, uns homens caldeus se puseram de acordo e
foram rapidamente a Nabucodonosor: “Viva o rei para sempre! (…), alguns judeus,
que tu, ó rei, nomeaste governadores das províncias da Babilônia, (Ananias,
Azarias e Misael) não respeitaram a tua ordem, ó rei, não prestaram culto ao
teu deus, não adoraram a imagem de ouro erguida por ti, ó rei”. Então o rei,
encolerizado e furioso, mandou trazer esses jovens. E diante deles quis se
assegurar que aquilo que havia ouvido era verdade:
- “Foi de propósito que não prestastes culto ao meu deus e
recusastes adorar a estátua de ouro que eu ergui? (…). Se não adorardes, na
mesma hora sereis atirados na fornalha acesa. E qual é o Deus que vos há de
livrar da minha mão?”
Os três jovens, a uma só voz, responderam sem qualquer sinal
de dúvida:
– “Existe o nosso Deus a quem cultuamos ele nos
pode livrar da fornalha acesa (...). Mas mesmo que isso não aconteça, fica
sabendo, ó rei, que não vamos prestar culto ao seu deus, nem vamos adorar a
estátua de ouro construída por ti, ó rei”.
A reação de Nabucodonosor não se fez esperar. Mandou acender
na fornalha um fogo sete vezes maior que o de costume e colocou nele Ananias,
Azarias e Misael. O fogo era tão intenso que, inclusive, queimou os homens que
o tinham acendido, parte do séquito do rei. No entanto, não conseguiu fazer
qualquer dano a nenhum dos três jovens, pois um anjo do Senhor havia descido
com eles e impelido a chama para fora da fornalha. “Os três, então, cantavam
hinos, glorificavam e louvavam a Deus a uma só voz, dentro da fornalha (...).
Bendito és tu, Senhor, Deus dos nossos pais, sejas louvado e exaltado para
sempre! Bendito seja o teu nome santo e glorioso! Sejas louvado e exaltado para
sempre!”
Das catacumbas ao missal
Esta passagem do livro de Daniel foi recolhida no século II
a.C. como exemplo pelos hebreus que, sob o domínio de Antíoco
IV Epífanes, preferiram a morte a ser infiéis à Aliança. Nós, cristãos, vemos
na libertação dos três jovens um anúncio da Páscoa de Jesus, o mártir por
excelência e o primeiro a experimentar a renovação do cosmos que a Ressurreição
leva consigo. Este relato era muito estimado nos primeiros séculos do
cristianismo, e por isso, com frequência era representado artisticamente nas
catacumbas, sepulcros e relicários. Mas o que sem dúvida contribuiu a lhe dar
maior relevância foi a sua introdução na grande vigília pascal e em outras
ações litúrgicas, tanto no oriente como no ocidente. E já a partir do século
VIII, a sua popularidade foi tão grande que se encontram versões em diversas
línguas nacionais.
A presença do hino dos três jovens ou cântico do Benedicite no Ordinário
da Missa, se remonta ao século IX, mas é no Missal Romano de 1570 que
será acrescentado de maneira oficial aos ritos conclusivos da Missa. Até então
as fontes falam de diversas formas de rezar uma série de orações que, com o
passar do tempo, acabaram se chamando Trium puerorum – o
cântico dos três jovens. Este conjunto estava formado pelo cântico do Benedicite do
livro de Daniel, mais uma série de salmos, versículos e orações. Algumas fontes
precisam que este conjunto de orações era cantado por todos os que participavam
na procissão até a sacristia. Outras, por outro lado, o atribuem ao celebrante,
no momento em que retirava as vestes sacerdotais. Mas o que sabemos com certeza
é que no Missal do início do século XX aparecia como última oração prevista
para o sacerdote ao concluir a celebração eucarística. O então chamado Canon
Missae terminava com o sacerdote que, descendo do altar, dizia como
ação de graças o Trium puerorum[1]. Assim
foi até 1962 quando foi excluído do ordinário da Missa e ficou situado entre as
orações recomendadas pro opportunitate – como sugestões. Nas
edições recentes do Missal Romano, não aparece na proposta de orações de ação
de graças após a Missa. Por isso, não é de surpreender que hoje em dia seja
menos nítida a relação entre a ação de graças e este cântico.
Novidade de um costume
Conhecendo já a sua presença no missal no princípio do
século XX, contextualizamos a anotação que São Josemaria fez em 1932: “Seria
muito bonito concluir, todos os dias, a ação de graças com a antífona “Trium
puerorum”, os dois salmos e as orações seguintes (cinco minutos) que o
breviário põe na ação de graças post Missam”[2].
No entanto, apenas oito anos depois é que encontraremos a primeira referência à
prática deste costume, quando o autor do diário de Diego de León escreve: “O
Padre celebra no oratório. Depois da Missa diz que, a partir de agora será
costume na Obra terminar a ação de graças depois da Comunhão com a oração En
Ego e o Cântico dos três jovens”[3].
Como em outras ocasiões, este costume da Obra foi se
perfilando com a experiência e o tempo. Não estranha, portanto, que, em 1947,
São Josemaria volte a se perguntar sobre o melhor modo de viver a ação de
graças depois da Missa. Numa carta ao Conselho Geral, que ainda se encontrava
em Madri, pede que vejam “se não seria demasiado longo – creio que não – depois
dos dez minutos de ação de graças pessoal ao terminar a Santa Missa, fazer
coletivamente e de modo litúrgico a ação de graças com a Antífona e o Cântico
dos três jovens, o salmo 150, etc. e as três pequenas orações com uma única
conclusão. Depois a jaculatória e se acabou. Tem cinco anos de indulgências
cada vez, e uma plenária no mês. Se está bem, que o façam em todas as casas”[4].
Com o tempo, a prática se instalou e ficou incorporada ao ritmo habitual dos
centros da Obra desde 1950.
Convém dizer que esta oração não era algo exclusivo da Obra,
mas, como já vimos, estava presente no ordinário da Missa da época. Além disso,
é bom lembrar que o Cântico de Daniel 3 se encontrava – como ainda hoje –
nas laudes da Liturgia das Horas, principalmente nos domingos.
No entanto, a novidade que São Josemaria introduziu foi a de estender a oração
aos leigos, incentivando assim a sua participação ativa na liturgia. Por outro
lado, este costume nos ajuda a viver a ação de graças com toda a Igreja, ao mesmo
tempo em que recordamos qual é o nosso fim último: dar glória a Deus, Uno e
Trino.
Juan Rego
Tradução: Mônica Diez
Fotografía: Ravi Pinisetti (Unplash)
[1] “Finito
Evangelio sancti Johannis, discedens ab Altari, pro gratiarum actione dicit
Antiphonam Trium puerorum, cum reliquis, ut habetur in principio Missalis”(N.T. Terminado
o Evangelho de São João, ao descer o sacerdote do altar, recita o Hino dos Três
jovens, em ação de graças, com os outros, como está estabelecido no início do
Missal Romano) Missale romanum (1920), Canon Missae, p.
302.
[2] São
Josemaria, Anotações íntimas, n. 833 (entre 20/11 e 2/10/1932).
[3] Diário
do centro de Diego de León, 17/12/1940. A oração En Ego é
também conhecida como Oração diante de Jesus Crucificado.
[4] São
Josemaria, Carta, 7/03/1947.
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