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sexta-feira, 30 de maio de 2025

HISTÓRIA DA IGREJA: Leigo, isto é, cristão (Parte I)

O frontispício dos Acta Apostolicae Sedis de 3 de setembro de 1914, com a notícia da eleição ao trono pontifício do cardeal Giacomo Della Chiesa; abaixo, a cerimônia de coroação de Bento XV na Capela Sistina, em 6 de setembro de 1914 (30Giorni)

Arquivo 30Dias, número 04 - 2006

Leigo, isto é, cristão

Bento XV promoveu a caridade, a paz e a liberdade dos filhos de Deus por meio do respeito às pessoas e às instituições. Quarta e última etapa da resenha dos papas que adotaram o nome Bento.

de Lorenzo Cappelletti

Depois que a última página do pontificado de Pio X (1903-1914) “foi virada por uma mão onipotente e invisível”, escreviam os jesuítas de Etudes em setembro de 1914, “nós nos vemos agora diante de uma outra página ainda toda em branco, cujo título aponta simplesmente o nome de um novo papa: Bento XV. Que palavras, que gestos registrará no futuro a história do papado? Que dirá a página em branco?”.

Essa página já está preenchida há quase um século, mas não deve ter sido de fácil interpretação, se levarmos em conta que as biografias dedicadas a Giacomo Della Chiesa, que se tornou o papa Bento XV (1914-1922), falam ainda hoje de um papa desconhecido ou até incompreendido.

“A aparência não me é favorável”, escrevia ele mesmo sendo autoirônico, numa carta de 21 de dezembro de 1898 a seu antigo colega da Academia dos Nobres Eclesiásticos Teodoro Valfrè di Bonzo (carta que faz parte de uma preciosa correspondência entre os dois publicada em 1991 em Civitas pelo saudoso Giorgio Rumi). Basta olhar para seus retratos, por mais generosos que sejam, para entender que ele não tinha le physique du rôle. “Era de estatura inferior à média e um pouco recurvado”, escrevia Francis MacNutt, outro colega seu da Academia; ou melhor, “tudo nele era recurvado: nariz, boca, olhos e costas - tudo carecia de projeto”.

De seu currículo também não parecia saltar nada além de um mediocris homo, como diria o cardeal Agliardi na véspera da eleição de Giacomo Della Chiesa ao papado. Diligente, seguro, meticuloso, mas uma espécie de “mero burocrata”, no dizer de Agliardi. Quem poderia imaginar que houvesse um projeto preciso naquele “nanico”, como era chamado na Cúria, e que vibrasse nele uma chama de caridade que no tempo certo lhe sugeriria coisas dignas de consideração? No entanto, a história da Igreja seria obrigada a ensinar que justamente o fato de se prender à forma que lhe fora transmitida - a especialidade de Giacomo Della Chiesa - foi decisivo, muitas vezes mais decisivo do que virtudes vistosas, para proteger a essência da caridade e da fé cristã.

Diferentemente de seus predecessores e sucessores imediatos na sé de Pedro (com exceção de Pio XII), Giacomo Della Chiesa era um “cidadão”. Nascera em 1854 numa família de ascendência nobre e de estilo de vida burguês naquela Gênova que, como bem sabe quem a conhece, foi uma cidade por excelência desde o início da Idade Média: algumas de suas antigas torres ainda competem com os modernos arranha-céus, que também apareceram lá pela primeira vez na Itália.

Sua formação não apenas foi urbana, mas também leiga, tanto que, segundo dizem alguns que pretendem fazer referência a palavras pronunciadas pelo próprio Bento XV, não se vangloriava de uma competência teológica excepcional. De fato, formou-se primeiro em Direito na Universidade de Gênova, ao mesmo tempo em que acompa­nhava como visitante os cursos de Filosofia e Teologia do seminário local. Cursos que completaria depois em Roma, na Gregoriana.

Giacomo, em 1875, chegaria a Roma como aluno do Colégio Capranica, no momento em que a Cidade Eterna se adaptava para se tornar a capital da Itália unida. Seria ordenado sacerdote em 21 de dezembro de 1878, no mesmo ano em que, depois de um pontificado cuja duração nunca foi superada, Pio IX (1846-1878) era sucedido por Leão XIII (1878-1903). Nos dois anos seguintes, frequentaria a Academia dos Nobres Eclesiásticos, a escola da diplomacia pontifícia.

O busto de bronze e a lápide dedicados a Bento XV que se encontram no Colégio Capranica (30Giorni)

Do ingresso na diplomacia ao episcopado bolonhês

A partir desse momento, dois nomes, ambos ligados à diplomacia leonina, assinalariam mais do que qualquer outro a biografia de Giacomo Della Chiesa: o de um mestre extraordinário, como foi para ele Mariano Rampolla del Tindaro, o secretário de Estado de Leão XIII, a quem deve a sua formação diplomática a partir de 1881, 1882; e o de alguém com graduação idêntica à sua, como foi seu valoroso coetâneo Pietro Gasparri, nomeado secretário para os Negócios Eclesiásticos Extraordinários em 1901, ao mesmo tempo em que ocorria a nomeação de Giacomo Della Chiesa a substituto. Gasparri, que se tornaria depois o inteligente secretário de Estado de Bento XV, seria também o mais significativo continuador da obra desse papa, conservando esse ofício durante o pontificado seguinte, de Pio XI (1922-1939). “Um feito quase sem precedentes na história do papado”, escreve John F. Pollard numa recente biografia dedicada a Bento XV. No entanto, Gasparri, no que diz respeito ao trato pessoal, era o exato oposto de Della Chiesa. Às vezes - escrevia padre Giuseppe De Luca em L’Osservatore Romano de 19 de novembro de 1952, num belíssimo perfil dedicado ao cardeal “camponês” no centenário de seu nascimento -, “seu desprezo pela forma chegou a extremos deploráveis, dos quais ele era o primeiro a rir”. Se é assim, o que é que os unia? Além do escrupuloso apego a seus ofícios e do pragmatismo de ambos, gostamos de identificar o ponto de contato entre os dois num soberano desapego de si. De fato, se Gasparri, escreve De Luca no mesmo artigo, “desconfiou ininterruptamente da força que sentia já em sua natureza, e da que teve em suas mãos enquanto homem de governo, como se fossem armas perigosíssimas”, Bento, mutatis mutandis, não ficou para trás. Basta reler suas palavras ao diretor de Civiltà Cattolica, ditas no momento crucial que precedeu a entrada da Itália na guerra: “É preciso distinguir as opiniões pessoais do papa do que é essencial para a doutrina. Tampouco sua conduta como papa é imposta a todos. O papa é supranacional: não faz votos pelo triunfo da Itália; mas se um católico italiano os fizer, não estará indo contra o papa. Da mesma forma, ele nunca disse que a guerra desta ou daquela nação fosse justa ou injusta”. São palavras citadas por padre Sale no livro recém-lançado Popolari e destra cattolica al tempo di Benedetto XV.

Mas voltemos ao cursus honorum de Giacomo Della Chiesa quando ainda não era Bento.

Quando Rampolla se tornou núncio em Madri em 1883, quis levá-lo consigo e, tão logo chamado a Roma em 1887, como secretário de Estado, novamente o levou à Cúria como seu minutador. Della Chiesa exerceu fielmente esse ofício por longo tempo. E em 1901, como já dissemos, se tornou substituto.

Mas, durante o pontificado de Leão XIII, com uma rapidez bem maior do que Della Chiesa e Gasparri, mesmo sendo muito mais jovem, outro diplomata, dom Raffaele Merry del Val, ganhou espaço. Ao se encerrar o conclave que se seguiu à morte do papa Pecci, como lembrou recentemente Gianpaolo Romanato nestas páginas de 30Dias (pp. 40-45), Merry del Val seria escolhido secretário de Estado de Pio X. Todos se surpreenderam com isso, inclusive Della Chiesa, que, em 8 de novembro de 1903, escrevia com muitos pontos de exclamação: “Amanhã realizaremos o Consistório ao qual se seguirá, pouco depois, a nomeação definitiva do secretário de Estado! Quem diria isso dez anos atrás!!!”.

Rampolla logo foi posto de lado. Della Chiesa continuou em seu posto por algum tempo, mas, no momento oportuno, em 1907, também foi destinado a outra sé: a do arcebispado de Bolo­nha. Certamente, foi destinado para lá pela estima que tinham por ele, mas talvez também para ver como se arranjaria numa diocese dirigida até então pelo arcebispo Domenico Svampa, suspeito de simpatias modernistas e democrata-cristãs por ter protegido, entre outros, os padres Giulio Belvederi e Alfonso Manaresi. Quando, em outubro de 1907, Della Chiesa, com a costumeira ironia sutil, escreveu ao amigo Teodoro Valfrè di Bonzo (que achava que Della Chiesa estivesse prestes a partir para a nunciatura de Madri), parecia confirmar que seu envio a Bolonha não deveria estar imune das intenções acima descritas: “Não respondi por telégrafo a seu cortês telegrama de felicitações por minha suposta nomeação a núncio de Madri porque não queria desmentir em público a sua suposição. O fato é que não fui nem serei nomeado núncio em Madri, pois o Santo Padre me quer... arcebispo de Bolonha. Nesse desejo do Santo Padre reconheci a vontade de Deus, pois nada era mais estranho a mim do que pensar na possibilidade de me tornar arcebispo de Bolonha. Ao primeiro anúncio da vontade pontifícia, fiquei chocado, e pensar na difícil situação em que deverá se encontrar o pobre arcebispo de Bolonha aumentou a minha comoção: mas, se o Senhor me quer em Bolonha, não me dará as graças necessárias para fazer um pouco de bem àquela gente?”.

Nos anos de seu episcopado em Bolonha (sobre os quais temos hoje um livro muito bem documentado publicado por Antonio Scottà em 2002), evidentemente a graça de estado o amparou para que agisse não apenas com prudência, mas também com caridade pastoral, o que logo o fez empe­nhar-se numa cansativa visita a toda a diocese e interessar-se pela formação catequética e no seminário. Quanto às tendências modernistas ou suspeitas de modernismo, mesmo aplicando com diligência as disposições que vi­nham de Roma - poderia ter agido de outra forma? -, nunca faltou ao respeito para com as pessoas - que era o que podia fazer.

Com tudo isso, foi criado cardeal apenas em maio de 1914, poucos meses antes de entrar no conclave do qual sairia papa. Talvez não seja um acaso que o barrete cardinalício só tenha chegado depois da morte de Rampolla, ocorrida no mês de dezembro anterior. Provavelmente não queriam que o entendimento entre os dois se reconstituísse e tivesse peso no Sacro Colégio.

Nesse meio tempo havia estourado a guerra, a Grande Guerra. Houve quem dissesse que Pio X morreu de desgosto em razão dela, mas também quem, como Pollard, afirmasse que “ele e seu secretário de Estado, cardeal Merry del Val, tenham contribuído para apressar a guerra, sugerindo inoportunamente a Francisco José que a Áustria tinha razão e que deveria humilhar a Sérvia”. Em todo caso, a maior parte dos historiadores concorda que, no conclave que se seguiu à morte de Pio X, mais que considerações relativas à guerra que acabara de estourar tenha tido um peso maior o debate interno entre uma linha de intransigência e outra de moderação com relação às tendências modernistas, verdadeiras ou presumidas.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Solidão e tecnologia

A solidão e as redes (Observatório Social)

SOLIDÃO E TECNOLOGIA

29/05/2025

Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André (SP) 

Falar em amizade hoje pode parecer antiquado, em um momento da trajetória da humanidade onde o indivíduo ocupa o lugar central. Porém, falar em solidão, é comum e até linguagem corrente. Tanto com palavras como gestos, as pessoas hoje nos falam de solidão. Portanto, conclui-se que falar de amizade hoje não só não é antiquado, mas necessário e até urgente, pois a amizade é uma das maneiras mais sublimes de amar. E somente o amor pode anular a solidão do coração do homem.  

Muito já se escreveu sobre o desamparo e a solidão do homem moderno. O psicólogo e pedagogo Ignace Lepp chega a caracterizá-la de “trágica”, principalmente ao analisar o isolamento vivido nas grandes cidades. Devido a esse fenômeno, cada vez mais nos convencemos da necessidade de melhorar o relacionamento humano. Logo após a Segunda Guerra Mundial, incrementou-se o investimento de milhões e milhões em pesquisas dedicadas às ciências físicas. Por meio de todo tipo de “máquinas”, o homem conseguiu expandir as potencialidades de sua inteligência como nunca visto antes.  

Contudo, o resultado positivo e inegável desse desenvolvimento técnico, tem seu lado amargo: a incapacidade de solucionar com igual eficiência os mais elementares problemas humanos, como a simples convivência entre as pessoas, cada vez mais “alienadas”. 

O ser humano não pode viver sem relacionamentos profundos, sem laços afetivos duradouros, sem desenvolver suas potencialidades de amar, em níveis pessoal e social. Intui-se que a ciência tem que se voltar, com todas as suas capacidades, para explorar o campo das relações humanas. São as atitudes que deveriam tornar-se a maior preocupação científica.  

O computador, o milagre da eletrônica, é necessário certamente, porque somente com sua precisão se pode ter segurança em muitas tarefas imprescindíveis hoje. Mas a sede de relacionamento profundo, a inquietação por criar laços, que transcendam as leis da eficiência, permanecem. Porque o coração do homem permanece, e o coração tem razões que a razão desconhece, como escreve Pascal, e acrescenta: “A certas pessoas falta coração; não faríamos delas nossos amigos” (Pensamentos, capítulo 1),  

Os valores, os sonhos da Humanidade na era da tecnologia se realizam considerando os homens não como fins, mas como meios. Assim se transformam as virtudes em prestação de serviços. Chegamos a ter robôs, sempre amáveis, atenciosos, pacientes e gentis, porém o robô não sente solidão, aliás, não sente nada. Nem mesmo pode relacionar-se nos graus mais primitivos da amizade: ser “conhecido”, “companheiro”, “colega”. O amigo verdadeiro é o que espontaneamente deseja fazer feliz a outro e vê seus sentimentos correspondidos de maneira saudável.   

Avaliando a situação atual, onde as pessoas estão ao desamparo por falta de lideranças que se coloquem a serviço do povo, podemos concluir pela falta de amizade no tecido das relações sociais.  

Por isso, adquire relevância a encíclica “Fratelli Tutti” do Papa Francisco, um chamado a vivermos a fraternidade universal.  

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A Ascensão do Senhor aos céus (Parte II)

Ascensão do Senhor (Opus Dei)

A Ascensão do Senhor aos céus

Homilia de São Josemaria sobre a festa da Ascensão do Senhor, publicada no livro "É Cristo que passa".

28/05/2025

Temos à nossa frente uma grande tarefa. Não é possível permanecermos passivos, porque o Senhor nos declarou expressamente: Negociai até que eu volte. Enquanto esperamos o regresso do Senhor, que voltará para tomar posse plena do seu Reino, não podemos estar de braços cruzados. A propagação do Reino de Deus não é apenas tarefa oficial dos membros da Igreja, que representam Cristo por terem recebido dEle os poderes sagrados. Vos autem estis corpus Christi : vós também sois corpo de Cristo - frisa o Apóstolo -, com mandato específico de negociar até o fim.

Ainda há tanto que fazer! Mas será que em vinte séculos não se fez nada? Em vinte séculos trabalhou-se muito. Não me parece nem objetiva nem honesta a persistência com que alguns se empenham em menosprezar a tarefa dos que nos precederam. Em vinte séculos realizou-se um grande trabalho e, com frequência, realizou-se muito bem. Em certas épocas, houve desacertos, recuos, como também hoje há retrocessos, medo, timidez, ao mesmo tempo que não faltam atitudes de valentia e generosidade. Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é necessário continuar com o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus, e inculcar-lhe o mandamento do amor ao Criador e ao próximo.

Cristo ensinou-nos definitivamente o caminho desse amor a Deus: o apostolado é o amor a Deus que transborda e se dá aos outros. A vida interior exige crescimento na união com Cristo, pelo Pão e pela Palavra. E a preocupação de apostolado é a manifestação exata, adequada e necessária da vida interior. Quando se saboreia o amor de Deus, sente-se o peso das almas. Não se pode dissociar a vida interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo o seu ser de Deus-Homem da sua função de Redentor. O Verbo quis encarnar-se para salvar os homens, para os fazer uma só coisa com Ele. Esta é a razão da sua vinda ao mundo: Por nós, homens, e por nossa salvação desceu dos céus, rezamos no Credo.

Para o cristão, o apostolado é algo congênito: não tem nada de artificial, de justaposto, não é externo à sua atividade diária, à sua ocupação profissional. Tenho-o dito sem cessar, desde que o Senhor dispôs que surgisse o Opus Dei. Trata-se de santificar o trabalho ordinário, de santificar-se nessa tarefa e de santificar os outros mediante o exercício da respectiva profissão, permanecendo cada um no seu estado de vida.

O apostolado é como a respiração do cristão; não pode um filho de Deus viver sem esse palpitar espiritual. Recorda-nos a festa de hoje que o zelo pelas almas é um mandamento amoroso do Senhor: ao subir para a sua glória, Ele nos envia pelo orbe inteiro como suas testemunhas. Grande é a nossa responsabilidade, porque ser testemunha de Cristo implica, antes de mais nada, procurar comportar-se segundo a sua doutrina, lutar para que a nossa conduta recorde Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Temos que conduzir-nos de tal maneira que, ao ver-nos, os outros possam dizer: este é cristão porque não odeia, porque sabe compreender, por que não é fanático, porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos de paz, porque ama.

Com a doutrina de Cristo, não com as minhas idéias, acabo de traçar um caminho ideal para o cristão. Temos de convir em que é alto, sublime, atrativo. Mas talvez nos perguntemos: será possível viver assim na sociedade de hoje?

É verdade que o Senhor nos chamou em momentos em que se fala muito de paz, e não há paz: nem nas almas, nem nas instituições, nem na vida social, nem entre os povos. Fala-se continuamente de igualdade e de democracia, e proliferam as castas: fechadas, impenetráveis. Chamou-nos num tempo em que se clama por compreensão; e a compreensão brilha pela sua ausência, mesmo entre pessoas que agem de boa fé e querem praticar a caridade, porque, não o esqueçamos, a caridade, mais do que em dar, consiste em compreender.
Atravessamos uma época em que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de admitir as razões dos outros - se protegem de antemão tachando de violentas e agressivas as suas vítimas. Chamou-nos, enfim, quando se ouve tagarelar muito sobre unidade, e talvez seja difícil conceber maior desunião, não já entre os homens em geral, mas entre os próprios católicos.

Nunca faço considerações políticas, porque não é esse o meu ofício. Para descrever sacerdotalmente a situação do mundo atual, basta-me pensar de novo numa parábola do Senhor: a do trigo e do joio. O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente em seu campo; mas, enquanto os trabalhadores dormiam, veio certo inimigo seu, espalhou joio no meio do trigo, e foi-se. Está tudo bem claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do campo lançou a mãos cheias a semente no momento propício e com arte consumada; além disso, organizou uma vigilância para proteger a semeadura recente. Se depois apareceu o joio, foi porque não houve correspondência, porque os homens - os cristãos especialmente - adormeceram e permitiram que o inimigo se aproximasse.

Quando os servidores irresponsáveis perguntam ao Senhor por que cresceu o joio no seu campo, a explicação salta aos olhos: Inimicus homo hoc fecit , foi o inimigo! Nós, os cristãos, que devíamos estar vigilantes para que as coisas boas postas pelo Criador no mundo se desenvolvessem a serviço da verdade e do bem, nós adormecemos - triste preguiça, esse sono! -, enquanto o inimigo e todos os que o servem se moviam sem descanso. Bem vemos como cresceu o joio: que semeadura tão abundante e por toda a parte!

Não tenho vocação para profeta de desgraças. Não desejo com as minhas palavras apresentar um panorama desolador, sem esperança. Não pretendo queixar-me destes tempos em que vivemos por providência do Senhor. Amamos esta nossa época, porque é o âmbito em que temos de alcançar a nossa santificação pessoal. Não admitimos nostalgias ingênuas e estéreis: o mundo nunca esteve melhor. Desde sempre, desde o nascimento da Igreja, quando ainda se escutava a pregação dos primeiros Doze, surgiam já com violência as perseguições, começavam as heresias, propalava-se a mentira e desencadeava-se o ódio.

Mas também não é lógico negar que o mal parece ter prosperado. Dentro de todo esse campo de Deus, que é a terra, que é herança de Cristo, irrompeu o joio: e não apenas joio, mas abundância de joio! Não nos podemos deixar enganar pelo mito do progresso perene e irreversível. O progresso retamente ordenado é bom e Deus o quer. Mas hoje tem-se mais em conta esse outro falso progresso, que cega os olhos a tanta gente, porque com frequência não se percebe que a humanidade, em alguns de seus passos, volta para trás e perde o que antes havia conquistado.

O Senhor - repito - deu-nos o mundo por herança. E é necessário termos a alma e a inteligência despertas; temos que ser realistas, sem derrotismos. Só uma consciência cauterizada, só a insensibilidade produzida pela rotina, só o aturdimento frívolo podem permitir que se contemple o mundo sem ver o mal, a ofensa a Deus, o prejuízo, às vezes irreparável, que se causa às almas. Temos que ser otimistas, mas com um otimismo que nasça da fé no poder de Deus - Deus não perde batalhas -, com um otimismo que não proceda da satisfação humana, de uma complacência néscia e presunçosa.

Que fazer? Disse que não procurava descrever crises sociais ou políticas, derrocadas ou mazelas culturais. Sob a perspectiva da fé cristã, venho-me referindo ao mal no sentido preciso de ofensa a Deus. O apostolado cristão não é um programa político nem uma alternativa cultural: consiste na difusão do bem, no contágio do desejo de amar, numa semeadura concreta de paz e de alegria. E desse apostolado derivarão sem dúvida benefícios espirituais para todos: mais justiça, mais compreensão, mais respeito do homem pelo homem.

Há muitas almas à nossa volta; e não temos o direito de ser obstáculo ao seu bem eterno. Estamos obrigados a ser plenamente cristãos, a ser santos, a não defraudar Deus nem todos aqueles que esperam do cristão o exemplo e a doutrina.

O nosso apostolado deve basear-se na compreensão. Insisto novamente: a caridade, mais do que em dar, consiste em compreender. Não escondo que aprendi na minha própria carne quanto custa não ser compreendido. Sempre me esforcei por fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me compreender: eis outra razão, prática e viva, para que deseje compreender a todos. Mas não há de ser um impulso circunstancial o que nos obrigue a ter esse coração amplo, universal, católico. O espírito de compreensão é expressão da caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que estejamos presentes em todos os caminhos retos da terra, para espalhar a semente da fraternidade - não a do joio -, da desculpa, do perdão, da caridade, da paz. Nunca nos sintamos inimigos de ninguém.

O cristão tem que se mostrar sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos - com o seu trato - a possibilidade de se aproximarem de Cristo Jesus. Há de sacrificar-se de bom grado por todos, sem estabelecer distinções, sem dividir as almas em compartimentos estanques, sem lhes aplicar rótulos, como se fossem mercadorias ou insetos dissecados. Não pode o cristão separar-se dos outros, porque então a sua vida seria miserável e egoísta: deve fazer-se tudo para todos, para salvar a todos.

Quem dera que vivêssemos assim, que soubéssemos impregnar a nossa conduta desta semeadura de generosidade, deste desejo de convivência, de paz! Desse modo, fomentar-se-ia a legítima independência pessoal dos homens e cada um assumiria a sua responsabilidade pelas tarefas que lhe incumbem na ordem temporal. O cristão saberia defender acima de tudo a liberdade alheia, para poder depois defender a sua própria. Teria a caridade de aceitar os outros como são - porque não há ninguém que não arraste consigo uma cauda de misérias e não cometa erros -, ajudando-os com a graça de Deus e com delicadeza humana a vencer o mal, a arrancar o joio, a fim de que todos possamos mutuamente amparar-nos e viver com dignidade a nossa condição de homens e de cristãos.

A tarefa apostólica, que Cristo confiou a todos os seus discípulos, produz, portanto, resultados concretos na esfera social. Não é admissível pensar que, para sermos cristãos, seja preciso voltarmos as costas ao mundo, sermos uns derrotistas da natureza humana. Tudo, até o mais ínfimo dos acontecimentos honestos, encerra um sentido humano e divino. Cristo, perfeito homem, não veio destruir o que é humano, mas enobrecê-lo, assumindo a nossa natureza humana, à exceção do pecado: veio compartilhar todas as aspirações do homem, exceto a triste aventura do mal.

O cristão deve estar sempre disposto a santificar a sociedade a partir de dentro, permanecendo plenamente no mundo, mas sem ser do mundo naquilo que o mundo encerra - não por ser característica real, mas por defeito voluntário, pelo pecado - de negação de Deus, de oposição à sua amável vontade salvífica.

A festa da Ascensão do Senhor sugere-nos também outra realidade: esse Cristo que nos anima a empreender esta tarefa no mundo espera-nos no céu. Por outras palavras: a vida na terra, que nós amamos, não é a realidade definitiva; pois não temos aqui cidade permanente, mas andamos em busca da futura cidade imutável.

Cuidemos, porém, de não interpretar a Palavra de Deus dentro dos limites de horizontes estreitos. O Senhor não nos incita a ser infelizes enquanto caminhamos, esperando a consolação apenas no mais além. Deus nos quer felizes também aqui, se bem que anelando pelo cumprimento definitivo dessa outra felicidade, que só Ele pode consumar plenamente.

Nesta terra, a contemplação das realidades sobrenaturais, a ação da graça em nossas almas, o amor ao próximo como fruto saboroso do amor a Deus, representam já uma antecipação do céu, uma incoação destinada a crescer de dia para dia. Nós, os cristãos, não suportamos uma vida dupla: mantemos uma unidade de vida, simples e forte, em que se fundamentam e se compenetram todas as nossas ações.

Cristo espera-nos. Vivemos já como cidadãos do céu , sendo plenamente cidadãos da terra, no meio das dificuldades, das injustiças, das incompreensões, mas também no meio da alegria e da serenidade que nos dá saber-nos filhos amados de Deus. Perseveremos no serviço do nosso Deus, e veremos como aumenta em número e em santidade este exército cristão de paz, este povo de corredenção. Sejamos almas contemplativas, absorvidas num diálogo constante com Deus, procurando a intimidade com o Senhor a toda a hora: desde o primeiro pensamento do dia até o último da noite; pondo continuamente o nosso coração em Jesus Cristo, Nosso Senhor; achegando-nos a Ele por Nossa Mãe, Santa Maria, e por Ele, ao Pai e ao Espírito Santo.

E se, apesar de tudo, a subida de Jesus aos céus nos deixar na alma um travo de tristeza, acudamos à sua Mãe, como fizeram os Apóstolos: Tornaram então a Jerusalém... e oravam unanimemente... com Maria, a Mãe de Jesus.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/a-ascensao-do-senhor-aos-ceus/

Papa: há muita violência no mundo, o “nós” deve se traduzir em nível institucional

O israelense Maoz Inon e o palestino Aziz Sarah cumprimentam o Papa Leão XIV na Sala Clementina (Vatican Media)

Leão XIV encontra no Vaticano os movimentos e associações que deram origem à “Arena da Paz”. Entre eles, também o israelense Inon e o palestino Sarah, que há um ano, em Verona, foram os protagonistas, na presença de Francisco, de um abraço corajoso e significativo diante de 12 mil pessoas. “A não violência como método e como estilo", incentiva o Pontífice, "deve caracterizar nossas decisões, as nossas relações, as nossas ações”.

Antonella Palermo - Vatican News

Querer a paz implica a criação de instituições de paz. É essa a mensagem central do discurso de Leão XIV na audiência da manhã desta sexta-feira (30/05) a representantes de movimentos populares e associações da cidade italiana de Verona que deram origem à “Arena da Paz”, uma realidade dinâmica na qual convergem grupos pluralistas, pacifistas e populares, fruto da colaboração entre a diocese de Verona, a Fundação Nigrizia, os padres combonianos, o jornal católico italiano Avvenire e a revista italiana Aggiornamenti sociali.

No grupo de cerca de 300 pessoas reunidas na Sala Clementina do Palácio Apostólico desta sexta-feira (30/05) também estava o israelense Maoz Inon, cujos pais foram mortos pelo Hamas, e o palestino Aziz Sarah, que teve o irmão morto pelo exército israelense, e que agora são amigos e colaboradores. Eles foram os protagonistas daquele abraço histórico e corajoso há um ano em Verona, na presença do Papa Francisco, que permanece, como reconhece Prevost, “testemunho e sinal de esperança”.

O caminho pela paz é comunitário

Em discurso, Leão XIV parte justamente da perspectiva compartilhada e incentivada por Bergoglio no encontro de 18 de maio de 2024 na arena da cidade veneziana, ou seja, a perspectiva das vítimas. Colocar-se no lugar delas, afirma o Pontífice, “é essencial para desarmar os corações, os olhares, as mentes e denunciar as injustiças de um sistema que mata e se baseia sobre a cultura do descarte”. A paz e o bem comum estão interligados, sublinha o Papa, citando São João Paulo II quando falava da paz como um bem indivisível. No discurso desta sexta (30/05) do Sucessor de Pedro, reitera-se, em suma, que a paz não é algo inerte, mas um ativador das consciências. 

O caminho pela paz requer corações e mentes treinados e formados para a atenção ao outro e capazes de reconhecer o bem comum no contexto atual. O caminho que leva à paz é comunitário, passa pelo cuidado das relações de justiça entre todos os seres vivos.

As diferenças devem ser reconhecidas, assumidas, superadas

Construir a paz pode significar longos processos de formação para a paz, tempos que devem ser buscados em uma época em que, ao contrário, se prefere a velocidade e o imediatismo. 

A paz autêntica é aquela que toma forma a partir da realidade (territórios, comunidades, instituições locais e assim por diante) e na escuta dela. Precisamente por isso, percebemos que essa paz é possível quando as diferenças e os conflitos que ela acarreta não são removidos, mas reconhecidos, assumidos e superados.

Há muita violência no mundo

O Papa elogia o empenho dos movimentos pela paz, definindo-os como “preciosos”. São realidades “de baixo”, dialogantes, que colocam em campo “criatividade e genialidade”. É assim, precisa o Papa, que se gera esperança. Os jovens "precisam de experiências que eduquem para a cultura da vida, do diálogo, do respeito mútuo”, afirma ainda o Papa, que constata amargamente: “há muita violência no mundo, há muita violência nas nossas sociedades”.

Do nível local e cotidiano até aquele de ordem mundial, quando aqueles que sofreram injustiça e as vítimas da violência sabem resistir à tentação da vingança, tornam-se os protagonistas mais credíveis dos processos não violentos de construção da paz. A não violência como método e como estilo deve caracterizar as nossas decisões, as nossas relações, as nossas ações.

O “nós” deve se traduzir em nível institucional

Em nível nacional e internacional é necessário que as instituições políticas, econômicas, educativas e sociais se sintam interpeladas a cooperar pela cultura da paz. O Papa Leão XIV recorda a Fratelli tutti e aquele “nós” que, salienta, deve se traduzir também em nível institucional. Daí o incentivo final ao compromisso e à presença, acompanhado pela oração, para que o trabalho pela paz seja sempre animado pela paciência e tenacidade:

[...] Presentes na massa da história como fermento de unidade, de comunhão, de fraternidade. A fraternidade precisa ser descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada, na confiante esperança de que ela é possível graças ao amor de Deus.

Um mosaico de compromisso pela paz

Entre os grupos e movimentos presentes no Vaticano na manhã desta sexta-feira (30/05) em audiência com o Papa, havia um mundo diversificado e unido por um mesmo caminho para a construção da justiça social e da paz: estavam presentes a Mediterranea Human Saving, Libera, Rete Italiana Pace e Disarmo; as presidências da Ação Católica, da Acli, do Movimento Não Violento, Médicos Sem Fronteiras, a associação Comunidade Papa João, Economia de Francisco, Anpi, Agesci, Cipax, Colibrì, Pax Christi, Fundação Perugia Assisi, Il mondo di Irene, Beati i costruttori di pace, Movimento dos Focolares, Aipec, Anistia, Comunidades Cristãs de Base, Mamme NoPFasUltima Generazione. Participaram também a Assopace Palestina e a Un Ponte Per, sempre empenhadas com uma presença constante nos territórios palestinos. Além disso, estava presente Olga Karach, ativista bielorrussa exilada na Lituânia, que por seu empenho em nome da objeção de consciência está ameaçada de morte.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Estudando o Catecismo: “O pecado”

A malícia do pecado (cnbbne3)

Estudando o Catecismo: “O pecado”

23/07/2024

Confira o que ensina o Catecismo da Igreja Católica sobre o pecado:

ARTIGO 8

O PECADO

I.                    A misericórdia e o pecado

O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os pecadores. O anjo assim o disse a José: «Pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1, 21), o mesmo se diga da Eucaristia, sacramento da Redenção: «Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que vai ser derramado por todos para a remissão dos pecados» (Mt 26, 28). (1876)

«Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós». O acolhimento da sua misericórdia exige de nós a confissão das nossas faltas. «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e para nos purificar de toda a maldade» (1 Jo 1, 8-9). (1847)

Como afirma São Paulo: «Onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). Mas para realizar a sua obra, a graça tem de pôr a descoberto o pecado, para converter o nosso coração e nos obter «a justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor» (Rm 5, 21). Como um médico que examina a chaga antes de lhe aplicar o penso, Deus, pela sua Palavra e pelo seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado:

«A conversão requer o reconhecimento do pecado. Contém em si mesma o juízo interior da consciência. Pode ver-se nela a prova da ação do Espírito de verdade no mais íntimo do homem. Torna-se, ao mesmo tempo, o princípio dum novo dom da graça e do amor: “Recebei o Espírito Santo”. Assim, neste “convencer quanto ao pecado”, descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito da verdade é o Consolador». (1848)

II.                  Definição de pecado

O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a reta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana. Foi definido como «uma palavra, um ato ou um desejo contrários à Lei eterna». (1849)

O pecado é uma ofensa a Deus: «Pequei contra Vós, só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos» (Sl 51, 6). O pecado é contrário ao amor que Deus nos tem e afasta d’Ele os nossos corações. É, como o primeiro pecado, uma desobediência, uma revolta contra Deus, pela vontade de os homens se tornarem «como deuses», conhecendo e determinando o que é bem e o que é mal (Gn 3, 5). Assim, o pecado é «o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus». Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação. (1850)

É precisamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo o vai vencer, que o pecado manifesta melhor a sua violência e a sua multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição e escárnio por parte dos chefes e do povo, cobardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono dos discípulos. No entanto, mesmo na hora das trevas e do príncipe deste mundo, o sacrifício de Cristo torna-se secretamente a fonte de onde brotará, inesgotável, o perdão dos nossos pecados. (1851)

III.                A diversidade dos pecados

É grande a variedade dos pecados. A Sagrada Escritura fornece-nos várias listas. A Epístola aos Gálatas opõe as obras da carne aos frutos do Espírito: «As obras da natureza decaída (“carne”) são claras: imoralidade, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, inimizades, discórdias, ciúmes, fúrias, rivalidades, dissensões, facciosismos, invejas, excessos de bebida e de comida e coisas semelhantes a estas. Sobre elas vos previno, como já vos tinha prevenido: os que praticam ações como estas, não herdarão o Reino de Deus» (Gl 5, 19-21). (1852)

Os pecados podem distinguir-se segundo o seu objeto, como todo o ato humano; ou segundo as virtudes a que se opõem; por excesso ou por defeito; ou segundo os mandamentos que violam. Também podem agrupar-se segundo outros critérios: os que dizem respeito a Deus, ao próximo, à própria pessoa do pecador; pecados espirituais e carnais: ou, ainda, pecados por pensamentos, palavras, obras ou omissões. A raiz do pecado está no coração do homem, na sua vontade livre, conforme o ensinamento do Senhor: «do coração é que provêm pensamentos malévolos, assassínios, adultérios, fornicações, roubos, falsos testemunhos, maledicências – coisas que tornam o homem impuro» (Mt 15, 19). Mas é também no coração que reside a caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado ofende. (1853)

IV.               A gravidade do pecado: pecado mortal e pecado venial

Os pecados devem ser julgados segundo a sua gravidade. A distinção entre pecado mortal e pecado venial, já perceptível na Escrituraimpôs-se na Tradição da Igreja. A experiência dos homens corrobora-a. (1854)

O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infracção grave à Lei de Deus. Desvia o homem de Deus, que é o seu último fim, a sua bem-aventurança, preferindo-Lhe um bem inferior. O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora ofendendo-a e ferindo-a. (1855)

O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital que é a caridade, torna necessária uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração que normalmente se realiza no quadro do sacramento da Reconciliação:

«Quando […] a vontade se deixa atrair por uma coisa de si contrária à caridade, pela qual somos ordenados para o nosso fim último, o pecado, pelo seu próprio objeto, deve considerar-se mortal […], quer seja contra o amor de Deus (como a blasfêmia, o perjúrio, etc.), quer contra o amor do próximo (como o homicídio, o adultério, etc.) […] Em contrapartida, quando a vontade do pecador por vezes se deixa levar para uma coisa que em si é desordenada, não sendo todavia contrária ao amor de Deus e do próximo (como uma palavra ociosa, um risco supérfluo, etc.), tais pecados são veniais». (1856)

Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições: «É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado». (1857)

A matéria grave é precisada pelos dez Mandamentos, segundo a resposta que Jesus deu ao jovem rico: «Não mates, não cometas adultério, não furtes, não levantes falsos testemunhos, não cometas fraudes, honra pai e mãe» (Mc 10, 18). A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas também entra em linha de conta: a violência cometida contra pessoas de família é, por sua natureza, mais grave que a exercida contra estranhos. (1858)

Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total consentimento. Pressupõe o conhecimento do carácter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal. A ignorância simulada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do pecado. (1859)

A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral, inscritos na consciência de todo o homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem também diminuir o carácter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave. (1860)

O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus. (1861)

Comete-se um pecado venial quando, em matéria leve, não se observa a medida prescrita pela lei moral ou quando, em matéria grave, se desobedece à lei moral, mas sem pleno conhecimento ou sem total consentimento. (1862)

O pecado venial enfraquece a caridade, traduz um afeto desordenado aos bens criados, impede o progresso da pessoa no exercício das virtudes e na prática do bem moral; e merece penas temporais. O pecado venial deliberado e não seguido de arrependimento, dispõe, a pouco e pouco, para cometer o pecado mortal. No entanto, o pecado venial não quebra a aliança com Deus e é humanamente reparável com a graça de Deus. «Não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, portanto, da bem-aventurança eterna».

«Enquanto vive na carne, o homem não é capaz de evitar totalmente o pecado, pelo menos os pecados leves. Mas estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por insignificantes. Se os tens por insignificantes quando os pesas, treme quando os contas. Muitos objetos leves fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um rio; muitos grãos fazem um monte. Onde, então, está a nossa esperança? Antes de mais, na confissão…». (1863)

«Todo o pecado ou blasfêmia será perdoado aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será perdoada» (Mt 12, 31). Não há limites para a misericórdia de Deus, mas quem recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus, pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo. Tal endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna. (1864)

V.                  A proliferação do pecado

O pecado arrasta ao pecado; gera o vício, pela repetição dos mesmos atos. Daí resultam as inclinações perversas, que obscurecem a consciência e corrompem a apreciação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e reforçar-se, embora não possa destruir radicalmente o sentido moral. (1865)

Os vícios podem classificar-se segundo as virtudes a que se opõem, ou relacionando-os com os pecados capitais que a experiência cristã distinguiu, na sequência de São João Cassiano e São Gregório Magno. Chamam-se capitais, porque são geradores doutros pecados e doutros vícios. São eles: a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça ou negligência (acídia). (1866)

A tradição catequética lembra também a existência de «pecados que bradam ao céu». Bradam ao céu: o sangue de Abel; o pecado dos sodomitas; o clamor do povo oprimido no Egito; o lamento do estrangeiro, da viúva e do órfão; a injustiça para com o assalariado. (1867)

O pecado é um ato pessoal. Mas, além disso, nós temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos:

– tomando parte neles, direta e voluntariamente;
– ordenando-os. aconselhando-os, aplaudindo-os ou aprovando-os;
– não os denunciando ou não os impedindo, quando a isso obrigados;
– protegendo os que praticam o mal. (1868)

Assim, o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à Bondade divina; as «estruturas de pecado» são expressão e efeito dos pecados pessoais e induzem as suas vítimas a que, por sua vez, cometam o mal. Constituem, em sentido analógico, um «pecado social». (1869)

Fonte: Catecismo da Igreja Católica, nº 1846 a 1869.

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Desarmar a comunicação com mansidão e esperança

Comunicação (Vatican News)

A verdadeira comunicação sempre abre caminhos, constrói pontes, aproxima pessoas e grupos derramando ternura e compreensão para todos/as.

Dom Roberto Francisco Ferreria Paz - Bispo Diocesano de Campos

A mensagem para o 59º Dia mundial das comunicações sociais, apresentada pelo falecido Papa Francisco se inspira no texto da Primeira Carta de Pedro (1 Pd 3, 15-16): “Partilhai com mansidão a esperança que está em vossos corações”.

Muito atual e premente focalizada em desarmar e purificar a comunicação e seus processos, afastando o medo a intimidação e o extremismo, que contaminam a convivência levando a polarização e a intolerância. O Papa expressava: “Sonho com uma comunicação que não venda ilusões ou medos, mas seja capaz de dar razões para ter esperança”.

Ao mesmo tempo a comunicação superando a tentação do individualismo auto referenciado que torna as infovias em solilóquios ou performances de afirmação narcisista, se colocará sempre ao serviço da paz e mansidão do Reino buscando construir e ser um projeto comunitário que congrega, interage incentivando o diálogo e a partilha.

A verdadeira comunicação sempre abre caminhos, constrói pontes, aproxima pessoas e grupos derramando ternura e compreensão para todos/as.

Neste ano jubilar levemos como ar fresco a brisa da proximidade e solidariedade as prisões, hospitais, periferias, zonas de conflito fazendo ecoar e relembrar que somos construtores da paz e por isso nos tornamos filhos de Deus (Mt 5,9).

É crucial recuperar o foco e resgatar o interesse público e o bem comum contra a “dispersão programada da atenção” que nos fragmenta e dissolve na busca de particularismos e hegemonias de grupos financeiros.

Nossa forma de falar e expressar-nos terá sempre como atitude e intenção junto a darmos razões da nossa esperança fazer ressoar com autenticidade a beleza do amor, da ternura de resgatar as pequenas coisas e a singularidade de cada pessoa.

A nossa comunicação nestes tempos de ira e polarização terá como marca sempre como afirma São Pedro a mansidão e o respeito, o tempero do sal da proximidade e acolhida incondicional. Finalmente o Papa nos pede de não esquecer o coração, para além da técnica ou dos protocolos cuidar sempre do coração, de uma comunicação cordial, sensível e compassiva, que gera confiança e esperança, construindo pontes, espaços de encontro, canais de entendimento, que possa atravessar os muros e as fronteiras fechadas no nosso tempo.

Contar e tecer narrativas e gestos que possam esperançar e inspirar a vida das pessoas e comunidades, escrevendo na graça do amor e da esperança, que não decepciona, uma nova história. Deus seja louvado!

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

A Ascensão do Senhor aos céus (Parte I)

Ascensão do Senhor (Opus Dei)

A Ascensão do Senhor aos céus

Homilia de São Josemaria sobre a festa da Ascensão do Senhor, publicada no livro "É Cristo que passa".

28/05/2025

Uma vez mais, a liturgia põe diante dos nossos olhos o último dos mistérios da vida de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão aos céus. Desde o seu Nascimento em Belém, muitas coisas aconteceram: encontramo-lo no berço, adorado por pastores e por reis; contemplamo-lo nos longos anos de trabalho silencioso, em Nazaré; acompanhamo-lo pelas terras da Palestina, pregando aos homens o reino de Deus e fazendo o bem a todos. E, mais tarde, nos dias da sua Paixão, sofremos ao presenciar como o acusavam, com que fúria o maltratavam, com quanto ódio o crucificavam.

À dor seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição. Que fundamento tão claro e tão firme para a nossa fé! Não deveríamos continuar duvidando. Mas talvez ainda sejamos fracos, como os Apóstolos, e perguntemos a Cristo neste dia da Ascensão: É agora que vais restaurar o reino de Israel? ; é agora que vão desaparecer definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?

O Senhor responde-nos subindo aos céus. Tal como os Apóstolos, ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa. Na realidade, não é fácil acostumarmo-nos à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que Jesus, num gesto magnífico de amor, foi-se embora e ficou; foi para o céu e entrega-se a nós como alimento na Hóstia Santa. Sentimos, no entanto, a falta da sua palavra humana, da sua forma de atuar, de olhar, de sorrir, de fazer o bem. Gostaríamos de voltar a vê-lo de perto, quando se senta à beira do poço, cansado da dura caminhada , quando chora por Lázaro , quando se recolhe em prolongada oração , quando se compadece da multidão.

Sempre me pareceu lógico - e me cumulou de alegria - que a Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à glória do Pai. Mas penso também que esta tristeza, própria do dia da Ascensão, é uma manifestação do amor que sentimos por Jesus, Senhor Nosso. Sendo perfeito Deus, Ele se fez homem, perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E separa-se de nós, indo para o céu. Como não havíamos de notar a sua falta?

Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com os olhos limpos, perceberemos que é possível, mesmo agora, aproximar-se intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo marcou-nos claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra; alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e praticando o que nos veio ensinar, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Aquele que retém os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.

Não são simples promessas. São o âmago, a realidade de uma vida autêntica: a vida da graça, que nos impele a entrar numa relação pessoal e direta com Deus. Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor, assim como eu observei os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor. Esta afirmação de Jesus, no discurso da Última Ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão. Cristo sabia que era necessário ir-se embora porque, de um modo misterioso que não acertamos a compreender, depois da Ascensão é que chegaria - numa nova efusão de Amor divino - a terceira Pessoa da Trindade Santíssima: Digo-vos a verdade: convém que eu vá. Se não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se for, eu vo-lo enviarei.
Foi-se e envia-nos o Espírito Santo, que governa e santifica a nossa alma. Ao atuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus e que não recebemos o espírito de escravidão, para continuarmos agindo por temor, mas o espírito de adoção de filhos, em virtude do qual clamamos: “Abba”, Pai!

Vemos? É a ação trinitária nas nossas almas. Todo o cristão tem acesso a essa inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, desde que corresponda à graça que o leva a unir-se a Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração. A Igreja submete todos os dias à nossa consideração a realidade do Pão vivo, e consagra-lhe duas das grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpus Christi. Hoje, vamos deter-nos na forma de conseguir intimidade com Jesus escutando atentamente a sua Palavra.

Uma oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós, nada tem de estranho que a nossa existência de cristãos deva estar entretecida de oração. Mas não pensemos que a oração é um ato que se realiza e depois se abandona. O justo compraz-se na lei de Iavé e tende a acomodar-se a essa lei durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em Ti ; e, de tarde, a Ti se eleva minha oração como o incenso. O dia inteiro pode ser tempo de oração: da noite até à manhã e da manhã até à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, o próprio sono deve ser oração.

Lembremo-nos do que os Evangelhos nos contam de Jesus. Às vezes, passava a noite inteira ocupado num colóquio íntimo com seu Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem esta atitude constante do Mestre, pedem-lhe: Domine, doce nos orare , Senhor, ensina-nos a orar assim.

São Paulo - oratione instantes , contínuos na oração, escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E São Lucas, numa pincelada, retrata a maneira de agir dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito, perseveravam juntos na oração.

A têmpera do bom cristão adquire-se, mediante a graça, na forja da oração. E, por ser vida, este alimento que é a oração não segue uma trilha única. O coração saberá desafogar-se habitualmente, por meio de palavras, nessas orações vocais ensinadas pelo próprio Deus - o Pai Nosso - ou por seus anjos - a Ave Maria. Outras vezes, utilizaremos orações acrisoladas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos na fé: as da liturgia - lex orandi -, ou as que nasceram do ardor de um coração enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium..., Memorare..., Salve Regina...
Em outras ocasiões, serão suficientes duas ou três expressões lançadas ao Senhor como setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo: Domine, si vis potes me mundare - Senhor, se quiseres, podes curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis quia amo te - Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo; Credo, Domine, sed adiuva incredulitatem meam - Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine, non sum dignus - Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus - Meu Senhor e meu Deus!... Ou outras frases, breves e afetuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a circunstancias particulares.

A vida de oração deve apoiar-se, além disso, em alguns minutos diários dedicados exclusivamente ao trato com Deus. São momentos de colóquio sem ruído de palavras, junto do Sacrário sempre que possível, para agradecer ao Senhor por essa espera - como está só! - de vinte séculos. A oração mental é esse diálogo com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a imaginação, a memória e a vontade. É uma meditação que contribui para dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida diária e corrente.

Graças a esses momentos de meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter o nosso dia num contínuo louvor a Deus, sempre com naturalidade e sem espetáculo. Assim, à semelhança dos enamorados, que não tiram nunca os sentidos da pessoa que amam, manter-nos-emos sempre na sua presença; e todas as nossas ações - mesmo as mais pequenas e insignificantes - transbordarão de eficácia espiritual.

Por isso, quando um cristão envereda por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados -, a vida interior cresce, segura e firme; e o homem consolida-se nessa luta, simultaneamente amável e exigente, por realizar até o fundo a vontade de Deus.

A partir da vida de oração, podemos entender esse outro tema que a festa de hoje nos propõe: o apostolado, a realização dos ensinamentos de Jesus transmitidos aos Apóstolos pouco antes de subir aos céus: Vós me servireis de testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo.

Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa expande-se em ímpetos de ação apostólica: Ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo em minha meditação. Que fogo é este, senão o mesmo de que fala Cristo: Fogo vim trazer à terra e que hei de querer senão que arda?. Fogo de apostolado, que se robustece na oração: não há melhor meio do que este para desenvolver, por toda a redondeza do mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão é chamado a participar - cumprir o que resta por padecer a Cristo.

Jesus subiu aos céus, dizíamos. Mas, pela oração e pela Eucaristia, o cristão pode ter com Ele a mesma intimidade que tinham os primeiros Doze, inflamar-se no seu zelo apostólico, para com Ele realizar um serviço de corredenção, que é semear a paz e a alegria. Servir, portanto, porque o apostolado não é outra coisa. Se contarmos exclusivamente com as nossas próprias forças, nada obteremos no terreno sobrenatural; se formos instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: Tudo posso nAquele que me conforta. Por sua infinita bondade, Deus resolveu servir-se destes instrumentos ineptos. Daí que o apóstolo não tenha outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para que Deus realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida - a sua obra salvadora.

Apóstolo é o cristão que se sente enxertado em Cristo, identificado com Cristo, pelo Batismo; habilitado a lutar por Cristo, pelo Crisma; chamado a servir a Deus com a sua ação no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que lhe confere uma certa participação no sacerdócio de Cristo - embora essencialmente diferente daquela que constitui o sacerdócio ministerial - e o torna capaz de participar no culto da Igreja e de ajudar os homens a caminhar para Deus, mediante o testemunho da palavra e do exemplo, mediante a oração e a expiação.

Cada um de nós tem que ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único Medianeiro entre Deus e os homens ; e nós unimo-nos a Ele para com Ele oferecermos todas as coisas ao Pai. Nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige não apenas que procuremos atingir a nossa santidade pessoal, mas que avancemos pelos caminhos da terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que tomemos parte, como cidadãos comuns, em todas as atividades temporais, para sermos levedura que informe a massa inteira.

Cristo subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é humano e honesto a possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno aborda este grande tema cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o lugar de onde era e regressava do lugar em que continuava morando. Com efeito, no momento em que subia ao céu, unia com a sua divindade o céu e a terra. Na festa de hoje, devemos destacar solenemente o fato de ter sido suprimido o decreto que nos condenava, o juízo que nos submetia à corrupção. A natureza a que se dirigiam aquelas palavras: “Tu és pó e em pó te hás de tornar” (Gen. III, 19) -, essa mesma natureza subiu hoje ao céu com Cristo.

Não me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é santificável, e que compete especialmente aos cristãos levar a cabo essa tarefa: purificando-o das ocasiões de pecado com que os homens o desfeiam e oferecendo-o ao Senhor como hóstia espiritual, apresentada e dignificada mediante a graça de Deus e o nosso esforço. Em rigor, não se pode dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a terra com a sua presença e com o trabalho de suas mãos. A grande missão que recebemos no Batismo é a corredenção. A caridade de Cristo nos compele a tomar sobre os ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as almas.

Tenhamos presente que a Redenção, que se consumou quando Jesus morreu na vergonha e na glória da Cruz - escândalo para os judeus, loucura para os gentios -, continuará a realizar-se por vontade de Deus até que chegue a hora do Senhor. Não são coisas compatíveis viver segundo o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados, como Ele, peccatores salvos facere , a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós mesmos necessitamos de confiar cada vez mais na misericórdia de Deus. Daí o desejo veemente de nos considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com Ele todas as almas, porque somos, queremos ser ipse Christus, o próprio Jesus Cristo; e Ele deu-se a si mesmo em resgate por todos.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/a-ascensao-do-senhor-aos-ceus/

Uma homília de mais de mil anos sobre a Visitação de Maria

Renata Sedmakova | Shutterstock
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Francisco Vêneto - publicado em 31/05/23 - atualizado em 29/05/25

"Maria nada atribui a seus méritos, mas reconhece toda a sua grandeza como dom daquele que, sendo por essência poderoso e grande, costuma transformar os seus fiéis, pequenos e fracos, em fortes e grandes."

A Visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel é um dos mais belos episódios narrados pelo Evangelho a respeito da personalidade de Maria, pró-ativa na caridade e no cuidado para com todos, inclusive quando ela própria estava grávida e, portanto, também necessitada de cuidados.

Foi durante a visitação à prima que Maria proferiu o célebre hino do "Magnificat", em que proclama as maravilhas que Deus fez nela.

É isto o que se exalta no seguinte trecho de uma homilia de São Beda, o Venerável, monge inglês do século VIII:

Minha alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus, meu Salvador (Lc 1,46). Com estas palavras, Maria reconhece, em primeiro lugar, os dons que lhe foram especialmente concedidos; em seguida, enumera os benefícios universais com que Deus favorece continuamente o gênero humano.

Engrandece o Senhor a alma daquele que consagra todos os sentimentos da sua vida interior ao louvor e ao serviço de Deus; e, pela observância dos mandamentos, revela pensar sempre no poder da majestade divina. Exulta em Deus, seu Salvador, o espírito daquele que se alegra apenas na lembrança de seu Criador, de quem espera a salvação eterna.

Embora estas palavras se apliquem a todas as almas santas, adquirem contudo a mais plena ressonância ao serem proferidas pela santa Mãe de Deus. Ela, por singular privilégio, amava com perfeito amor espiritual aquele cuja concepção corporal em seu seio era a causa de sua alegria. Com toda razão pôde ela exultar em Jesus, seu Salvador, com júbilo singular, mais do que todos os outros santos, porque sabia que o autor da salvação eterna havia de nascer de sua carne por um nascimento temporal; e sendo uma só e mesma pessoa, havia de ser ao mesmo tempo seu Filho e seu Senhor.

O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49). Maria nada atribui a seus méritos, mas reconhece toda a sua grandeza como dom daquele que, sendo por essência poderoso e grande, costuma transformar os seus fiéis, pequenos e fracos, em fortes e grandes.

Logo acrescentou: E santo é o seu nome! Exorta assim os que a ouviam, ou melhor, ensina a todos os que viessem a conhecer suas palavras que, pela fé em Deus e pela invocação do seu nome, também eles poderiam participar da santidade divina e da verdadeira salvação. É o que diz o Profeta: Então, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (Jl 3,5). É precisamente este o nome a que Maria se refere ao dizer: Exulta meu espírito em Deus, meu Salvador.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2023/05/31/uma-homilia-de-mais-de-mil-anos-sobre-a-visitacao-de-maria

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Boas razões para acordar cedo e deixar o telefone para trás

Gorodenkoff | Shutterstock

Daniel R. Esparza - publicado em 27/05/25

Ao acordar cedo e resistir à atração do seu telefone, você recupera seu tempo e redescobre a beleza de uma vida mais tranquila e intencional.

Para muitos de nós, o botão soneca virou um ritual matinal, mas fazer o esforço de acordar cedo pode transformar o seu dia – e até a sua vida. A chave não é apenas acordar antes do nascer do sol, mas sim recuperar o seu tempo e encontrar equilíbrio em um mundo que muitas vezes parece conectado demais. Aqui estão quatro motivos convincentes para programar o despertador um pouco mais cedo – e porque você pode deixar o celular na cozinha.

  • Uma mente tranquila em um mundo barulhento

As manhãs oferecem uma rara janela de silêncio antes que o mundo acorde. Sem a enxurrada de notificações e mensagens vibrantes, você pode começar o dia do seu jeito. Este é o momento perfeito para reflexão, oração ou simplesmente alguns momentos de reflexão ininterrupta. Estudos mostram que começar o dia sem pegar o celular imediatamente reduz o estresse e proporciona um clima mais tranquilo para as horas que virão.

  • Domine sua agenda; não deixe que ela domine você

Ao acordar cedo, você ganha horas preciosas e não aproveitadas – tempo para priorizar o que mais importa. Em vez de reagir a e-mails ou mensagens urgentes, você pode planejar seu dia proativamente. Seja um treino matinal, uma caminhada na natureza ou simplesmente um café da manhã tranquilo e consciente, esse tempo passa a ser seu. Com o tempo, essa sensação de controle pode reduzir a ansiedade e melhorar o bem-estar mental geral.

  • Aprimore seu foco e aumente sua criatividade

As horas da manhã costumam ser as mais produtivas para um trabalho profundo e focado. Sem as distrações digitais que tendem a surgir no final do dia, sua mente fica mais aguçada e criativa. Muitos dos maiores pensadores da história, desde Santo Agostinho, até para os inovadores modernos, as manhãs são consideradas as horas mais produtivas. Nesta era impulsionada pela tecnologia, dar ao cérebro uma pausa da atividade agitada pode ser uma maneira poderosa de desbloquear novas ideias.

  • Redescubra conexões da vida real

Acordar cedo também pode significar passar mais tempo com as pessoas ao seu redor. Seja um café tranquilo com seu cônjuge, um bate-papo com seus filhos no café da manhã ou até mesmo uma caminhada matinal com um amigo, esses pequenos momentos sem telas podem enriquecer seus relacionamentos. Como o Papa Francisco costumava nos lembrar, a conexão humana tem a ver com presença – um lembrete para largarmos nossos dispositivos e estarmos verdadeiramente com os outros.

Ao acordar cedo e resistir à atração do celular, você recupera seu tempo e redescobre a beleza de uma vida mais tranquila e com mais propósito. Então, amanhã de manhã, resista à vontade de rolar a tela – o mundo pode esperar.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/05/27/boas-razoes-para-acordar-cedo-e-deixar-o-telefone-para-tras

Começa no Rio de Janeiro a 40ª Assembleia Geral Ordinária do CELAM

Participantes da 40ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM). | Crédito: CELAM.

Começa no Rio de Janeiro a 40ª Assembleia Geral Ordinária do CELAM

Por Nathália Queiroz*

27 de maio de 2025

“Somos herdeiros e responsáveis de iniciativas vigorosas para a aplicação das orientações do Concílio Vaticano II”, disse o arcebispo de Porto Alegre, dom Jaime cardeal Spengler, na missa de abertura da 40ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM), hoje (27), no Colégio Sagrado Coração de Maria, no Rio de Janeiro (RJ).

Para dom Jaime, presidente do CELAM e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os 70 anos da primeira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e a criação do CELAM, em 1955, que a assembleia deste ano marca, são “a realização no tempo de um sonho, um projeto eclesial de comunhão, participação e missão”.

“As Conferências do Episcopado indicaram caminhos, assinalaram rotas, ofereceram orientações valiosas para a evangelização do continente. Também inspiraram igrejas de outros continentes”, disse o cardeal em sua homilia.

“Para onde vamos? Essa é a pergunta que agora devemos construir juntos, iluminados pela herança do Concílio de Niceia, inspirados pelo documento final do sínodo, e orientados pela constituição Praedicate Evangelium ”, disse dom Jaime. “Que a mãe, a Senhora de Guadalupe, continue sussurrando nos nossos ouvidos: Fazei tudo o que meu Filho vos disser”.

Os presidentes e secretários-gerais das 22 conferências episcopais da América Latina e do Caribe estão reunidos no Centro de Estudos de Sumaré, da arquidiocese do Rio de Janeiro. O encontro tem como objetivo “fortalecer o espírito de colegialidade e serviço aos povos da região, promovendo o discernimento dos sinais dos tempos e os caminhos de comunhão que revitalizam a presença e a missão evangelizadora da Igreja nesses territórios”.

Segundo o programa do encontro, nos quatro dias de trabalho, os bispos discutirão sobre a fé e a comunhão eclesial no âmbito do Jubileu da Esperança, que transcorre neste ano de 2025; refletirão sobre a realidade social e eclesial na América Latina e Caribe e os desafios para o trabalho pastoral da Igreja; falarão sobre a recepção do Sínodo da Sinodalidade, encerrado em outubro passado em Roma em seus países. Também discutirão sobre o papel e a missão das conferências episcopais, celebrarão os dez anos da encíclica Laudato Si’ do papa Francisco e o legado dos 1.700 anos do Concílio de Niceia para a busca de novos caminhos para a unidade cristã. 

*Nathália Queiroz: Escrevo para a ACI Digital há oito anos e desde 2023 sou correspondente do Brasil para o telejornal EWTN Notícias. Sou certificada em espanhol pelo Instituto Cervantes. Tenho experiência em redação de conteúdo religioso para mídias católicas em português e espanhol e em tradução de sites religiosos. Sou casada, tenho três filhos e sou catequista há mais de 15 anos. Escrevo de Petrópolis (RJ).

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/62923/comeca-no-rio-de-janeiro-a-40a-assembleia-geral-ordinaria-do-celam

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF