A Ascensão do Senhor aos céus
Homilia de São Josemaria sobre a festa da Ascensão do
Senhor, publicada no livro "É Cristo que passa".
28/05/2025
Uma vez mais, a liturgia põe diante dos nossos olhos o
último dos mistérios da vida de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão
aos céus. Desde o seu Nascimento em Belém, muitas coisas aconteceram:
encontramo-lo no berço, adorado por pastores e por reis; contemplamo-lo nos
longos anos de trabalho silencioso, em Nazaré; acompanhamo-lo pelas terras da
Palestina, pregando aos homens o reino de Deus e fazendo o bem a todos. E, mais
tarde, nos dias da sua Paixão, sofremos ao presenciar como o acusavam, com que
fúria o maltratavam, com quanto ódio o crucificavam.
À dor seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição. Que
fundamento tão claro e tão firme para a nossa fé! Não deveríamos continuar
duvidando. Mas talvez ainda sejamos fracos, como os Apóstolos, e perguntemos a
Cristo neste dia da Ascensão: É agora que vais restaurar o reino de Israel? ; é
agora que vão desaparecer definitivamente todas as nossas perplexidades e todas
as nossas misérias?
O Senhor responde-nos subindo aos céus. Tal como os
Apóstolos, ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa. Na
realidade, não é fácil acostumarmo-nos à ausência física de Jesus. Comove-me
recordar que Jesus, num gesto magnífico de amor, foi-se embora e ficou; foi
para o céu e entrega-se a nós como alimento na Hóstia Santa. Sentimos, no
entanto, a falta da sua palavra humana, da sua forma de atuar, de olhar, de
sorrir, de fazer o bem. Gostaríamos de voltar a vê-lo de perto, quando se senta
à beira do poço, cansado da dura caminhada , quando chora por Lázaro , quando
se recolhe em prolongada oração , quando se compadece da multidão.
Sempre me pareceu lógico - e me cumulou de alegria - que a
Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à glória do Pai. Mas penso também
que esta tristeza, própria do dia da Ascensão, é uma manifestação do amor que
sentimos por Jesus, Senhor Nosso. Sendo perfeito Deus, Ele se fez homem,
perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E separa-se de
nós, indo para o céu. Como não havíamos de notar a sua falta?
Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos
esforçarmos por vê-lo com os olhos limpos, perceberemos que é possível, mesmo
agora, aproximar-se intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo marcou-nos
claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra; alimentando-nos com a Eucaristia
e conhecendo e praticando o que nos veio ensinar, ao mesmo tempo que
conversamos com Ele na oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em mim e eu nele. Aquele que retém os meus mandamentos e os guarda,
esse é o que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei
e me manifestarei a ele.
Não são simples promessas. São o âmago, a realidade de uma
vida autêntica: a vida da graça, que nos impele a entrar numa relação pessoal e
direta com Deus. Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor,
assim como eu observei os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor. Esta
afirmação de Jesus, no discurso da Última Ceia, é o melhor preâmbulo para o dia
da Ascensão. Cristo sabia que era necessário ir-se embora porque, de um modo
misterioso que não acertamos a compreender, depois da Ascensão é que chegaria -
numa nova efusão de Amor divino - a terceira Pessoa da Trindade Santíssima:
Digo-vos a verdade: convém que eu vá. Se não for, o Paráclito não virá a vós.
Mas, se for, eu vo-lo enviarei.
Foi-se e envia-nos o Espírito Santo, que governa e santifica a nossa alma. Ao
atuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos
de Deus e que não recebemos o espírito de escravidão, para continuarmos agindo
por temor, mas o espírito de adoção de filhos, em virtude do qual clamamos:
“Abba”, Pai!
Vemos? É a ação trinitária nas nossas almas. Todo o cristão
tem acesso a essa inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, desde que
corresponda à graça que o leva a unir-se a Cristo no Pão e na Palavra, na
Sagrada Hóstia e na oração. A Igreja submete todos os dias à nossa consideração
a realidade do Pão vivo, e consagra-lhe duas das grandes festas do ano
litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpus Christi. Hoje, vamos deter-nos
na forma de conseguir intimidade com Jesus escutando atentamente a sua Palavra.
Uma oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós,
nada tem de estranho que a nossa existência de cristãos deva estar entretecida
de oração. Mas não pensemos que a oração é um ato que se realiza e depois se
abandona. O justo compraz-se na lei de Iavé e tende a acomodar-se a essa lei
durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em Ti ; e, de tarde, a Ti se
eleva minha oração como o incenso. O dia inteiro pode ser tempo de oração: da
noite até à manhã e da manhã até à noite. Mais ainda: como nos recorda a
Escritura Santa, o próprio sono deve ser oração.
Lembremo-nos do que os Evangelhos nos contam de Jesus. Às
vezes, passava a noite inteira ocupado num colóquio íntimo com seu Pai. Como
cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de
contemplarem esta atitude constante do Mestre, pedem-lhe: Domine, doce nos
orare , Senhor, ensina-nos a orar assim.
São Paulo - oratione instantes , contínuos na oração,
escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E São Lucas, numa
pincelada, retrata a maneira de agir dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo
espírito, perseveravam juntos na oração.
A têmpera do bom cristão adquire-se, mediante a graça, na
forja da oração. E, por ser vida, este alimento que é a oração não segue uma
trilha única. O coração saberá desafogar-se habitualmente, por meio de
palavras, nessas orações vocais ensinadas pelo próprio Deus - o Pai Nosso - ou
por seus anjos - a Ave Maria. Outras vezes, utilizaremos orações acrisoladas
pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos na fé: as da
liturgia - lex orandi -, ou as que nasceram do ardor de um coração enamorado,
como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium..., Memorare..., Salve
Regina...
Em outras ocasiões, serão suficientes duas ou três expressões lançadas ao
Senhor como setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da
história de Cristo: Domine, si vis potes me mundare - Senhor, se quiseres,
podes curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis quia amo te - Senhor, Tu sabes
tudo, Tu sabes que eu te amo; Credo, Domine, sed adiuva incredulitatem meam -
Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine,
non sum dignus - Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus - Meu Senhor
e meu Deus!... Ou outras frases, breves e afetuosas, que brotam do fervor
íntimo da alma e correspondem a circunstancias particulares.
A vida de oração deve apoiar-se, além disso, em alguns
minutos diários dedicados exclusivamente ao trato com Deus. São momentos de
colóquio sem ruído de palavras, junto do Sacrário sempre que possível, para
agradecer ao Senhor por essa espera - como está só! - de vinte séculos. A
oração mental é esse diálogo com Deus, de coração a coração, em que intervém a
alma toda: a inteligência e a imaginação, a memória e a vontade. É uma
meditação que contribui para dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana,
à nossa vida diária e corrente.
Graças a esses momentos de meditação, às orações vocais, às
jaculatórias, saberemos converter o nosso dia num contínuo louvor a Deus,
sempre com naturalidade e sem espetáculo. Assim, à semelhança dos enamorados,
que não tiram nunca os sentidos da pessoa que amam, manter-nos-emos sempre na
sua presença; e todas as nossas ações - mesmo as mais pequenas e
insignificantes - transbordarão de eficácia espiritual.
Por isso, quando um cristão envereda por este caminho de
intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda
para privilegiados -, a vida interior cresce, segura e firme; e o homem
consolida-se nessa luta, simultaneamente amável e exigente, por realizar até o
fundo a vontade de Deus.
A partir da vida de oração, podemos entender esse outro tema
que a festa de hoje nos propõe: o apostolado, a realização dos ensinamentos de
Jesus transmitidos aos Apóstolos pouco antes de subir aos céus: Vós me
servireis de testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até os
confins do mundo.
Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma
contemplativa expande-se em ímpetos de ação apostólica: Ardia-me o coração
dentro do peito, ateava-se o fogo em minha meditação. Que fogo é este, senão o
mesmo de que fala Cristo: Fogo vim trazer à terra e que hei de querer senão que
arda?. Fogo de apostolado, que se robustece na oração: não há melhor meio do
que este para desenvolver, por toda a redondeza do mundo, essa batalha pacífica
em que cada cristão é chamado a participar - cumprir o que resta por padecer a
Cristo.
Jesus subiu aos céus, dizíamos. Mas, pela oração e pela
Eucaristia, o cristão pode ter com Ele a mesma intimidade que tinham os
primeiros Doze, inflamar-se no seu zelo apostólico, para com Ele realizar um
serviço de corredenção, que é semear a paz e a alegria. Servir, portanto,
porque o apostolado não é outra coisa. Se contarmos exclusivamente com as
nossas próprias forças, nada obteremos no terreno sobrenatural; se formos
instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: Tudo posso nAquele que me conforta.
Por sua infinita bondade, Deus resolveu servir-se destes instrumentos ineptos.
Daí que o apóstolo não tenha outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se
inteiramente disponível, para que Deus realize - através das suas criaturas,
através da alma escolhida - a sua obra salvadora.
Apóstolo é o cristão que se sente enxertado em Cristo,
identificado com Cristo, pelo Batismo; habilitado a lutar por Cristo, pelo
Crisma; chamado a servir a Deus com a sua ação no mundo, pelo sacerdócio comum
dos fiéis, que lhe confere uma certa participação no sacerdócio de Cristo -
embora essencialmente diferente daquela que constitui o sacerdócio ministerial
- e o torna capaz de participar no culto da Igreja e de ajudar os homens a
caminhar para Deus, mediante o testemunho da palavra e do exemplo, mediante a
oração e a expiação.
Cada um de nós tem que ser ipse Christus, o próprio Cristo.
Ele é o único Medianeiro entre Deus e os homens ; e nós unimo-nos a Ele para
com Ele oferecermos todas as coisas ao Pai. Nossa vocação de filhos de Deus, no
meio do mundo, exige não apenas que procuremos atingir a nossa santidade
pessoal, mas que avancemos pelos caminhos da terra, para convertê-los em
atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que tomemos
parte, como cidadãos comuns, em todas as atividades temporais, para sermos
levedura que informe a massa inteira.
Cristo subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é humano
e honesto a possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno aborda
este grande tema cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o
lugar de onde era e regressava do lugar em que continuava morando. Com efeito,
no momento em que subia ao céu, unia com a sua divindade o céu e a terra. Na
festa de hoje, devemos destacar solenemente o fato de ter sido suprimido o
decreto que nos condenava, o juízo que nos submetia à corrupção. A natureza a
que se dirigiam aquelas palavras: “Tu és pó e em pó te hás de tornar” (Gen.
III, 19) -, essa mesma natureza subiu hoje ao céu com Cristo.
Não me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é
santificável, e que compete especialmente aos cristãos levar a cabo essa
tarefa: purificando-o das ocasiões de pecado com que os homens o desfeiam e
oferecendo-o ao Senhor como hóstia espiritual, apresentada e dignificada
mediante a graça de Deus e o nosso esforço. Em rigor, não se pode dizer que
haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo se dignou
assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a terra com a sua presença e
com o trabalho de suas mãos. A grande missão que recebemos no Batismo é a corredenção.
A caridade de Cristo nos compele a tomar sobre os ombros uma parte dessa tarefa
divina de resgatar as almas.
Tenhamos presente que a Redenção, que se consumou quando
Jesus morreu na vergonha e na glória da Cruz - escândalo para os judeus,
loucura para os gentios -, continuará a realizar-se por vontade de Deus até que
chegue a hora do Senhor. Não são coisas compatíveis viver segundo o Coração de
Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados, como Ele, peccatores salvos facere ,
a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós mesmos necessitamos de
confiar cada vez mais na misericórdia de Deus. Daí o desejo veemente de nos
considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com Ele todas as almas,
porque somos, queremos ser ipse Christus, o próprio Jesus Cristo; e Ele deu-se
a si mesmo em resgate por todos.
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