Translate

quinta-feira, 29 de maio de 2025

A Ascensão do Senhor aos céus (Parte I)

Ascensão do Senhor (Opus Dei)

A Ascensão do Senhor aos céus

Homilia de São Josemaria sobre a festa da Ascensão do Senhor, publicada no livro "É Cristo que passa".

28/05/2025

Uma vez mais, a liturgia põe diante dos nossos olhos o último dos mistérios da vida de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão aos céus. Desde o seu Nascimento em Belém, muitas coisas aconteceram: encontramo-lo no berço, adorado por pastores e por reis; contemplamo-lo nos longos anos de trabalho silencioso, em Nazaré; acompanhamo-lo pelas terras da Palestina, pregando aos homens o reino de Deus e fazendo o bem a todos. E, mais tarde, nos dias da sua Paixão, sofremos ao presenciar como o acusavam, com que fúria o maltratavam, com quanto ódio o crucificavam.

À dor seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição. Que fundamento tão claro e tão firme para a nossa fé! Não deveríamos continuar duvidando. Mas talvez ainda sejamos fracos, como os Apóstolos, e perguntemos a Cristo neste dia da Ascensão: É agora que vais restaurar o reino de Israel? ; é agora que vão desaparecer definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?

O Senhor responde-nos subindo aos céus. Tal como os Apóstolos, ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa. Na realidade, não é fácil acostumarmo-nos à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que Jesus, num gesto magnífico de amor, foi-se embora e ficou; foi para o céu e entrega-se a nós como alimento na Hóstia Santa. Sentimos, no entanto, a falta da sua palavra humana, da sua forma de atuar, de olhar, de sorrir, de fazer o bem. Gostaríamos de voltar a vê-lo de perto, quando se senta à beira do poço, cansado da dura caminhada , quando chora por Lázaro , quando se recolhe em prolongada oração , quando se compadece da multidão.

Sempre me pareceu lógico - e me cumulou de alegria - que a Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à glória do Pai. Mas penso também que esta tristeza, própria do dia da Ascensão, é uma manifestação do amor que sentimos por Jesus, Senhor Nosso. Sendo perfeito Deus, Ele se fez homem, perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E separa-se de nós, indo para o céu. Como não havíamos de notar a sua falta?

Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com os olhos limpos, perceberemos que é possível, mesmo agora, aproximar-se intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo marcou-nos claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra; alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e praticando o que nos veio ensinar, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Aquele que retém os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.

Não são simples promessas. São o âmago, a realidade de uma vida autêntica: a vida da graça, que nos impele a entrar numa relação pessoal e direta com Deus. Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor, assim como eu observei os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor. Esta afirmação de Jesus, no discurso da Última Ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão. Cristo sabia que era necessário ir-se embora porque, de um modo misterioso que não acertamos a compreender, depois da Ascensão é que chegaria - numa nova efusão de Amor divino - a terceira Pessoa da Trindade Santíssima: Digo-vos a verdade: convém que eu vá. Se não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se for, eu vo-lo enviarei.
Foi-se e envia-nos o Espírito Santo, que governa e santifica a nossa alma. Ao atuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus e que não recebemos o espírito de escravidão, para continuarmos agindo por temor, mas o espírito de adoção de filhos, em virtude do qual clamamos: “Abba”, Pai!

Vemos? É a ação trinitária nas nossas almas. Todo o cristão tem acesso a essa inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, desde que corresponda à graça que o leva a unir-se a Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração. A Igreja submete todos os dias à nossa consideração a realidade do Pão vivo, e consagra-lhe duas das grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpus Christi. Hoje, vamos deter-nos na forma de conseguir intimidade com Jesus escutando atentamente a sua Palavra.

Uma oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós, nada tem de estranho que a nossa existência de cristãos deva estar entretecida de oração. Mas não pensemos que a oração é um ato que se realiza e depois se abandona. O justo compraz-se na lei de Iavé e tende a acomodar-se a essa lei durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em Ti ; e, de tarde, a Ti se eleva minha oração como o incenso. O dia inteiro pode ser tempo de oração: da noite até à manhã e da manhã até à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, o próprio sono deve ser oração.

Lembremo-nos do que os Evangelhos nos contam de Jesus. Às vezes, passava a noite inteira ocupado num colóquio íntimo com seu Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem esta atitude constante do Mestre, pedem-lhe: Domine, doce nos orare , Senhor, ensina-nos a orar assim.

São Paulo - oratione instantes , contínuos na oração, escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E São Lucas, numa pincelada, retrata a maneira de agir dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito, perseveravam juntos na oração.

A têmpera do bom cristão adquire-se, mediante a graça, na forja da oração. E, por ser vida, este alimento que é a oração não segue uma trilha única. O coração saberá desafogar-se habitualmente, por meio de palavras, nessas orações vocais ensinadas pelo próprio Deus - o Pai Nosso - ou por seus anjos - a Ave Maria. Outras vezes, utilizaremos orações acrisoladas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos na fé: as da liturgia - lex orandi -, ou as que nasceram do ardor de um coração enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium..., Memorare..., Salve Regina...
Em outras ocasiões, serão suficientes duas ou três expressões lançadas ao Senhor como setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo: Domine, si vis potes me mundare - Senhor, se quiseres, podes curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis quia amo te - Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo; Credo, Domine, sed adiuva incredulitatem meam - Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine, non sum dignus - Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus - Meu Senhor e meu Deus!... Ou outras frases, breves e afetuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a circunstancias particulares.

A vida de oração deve apoiar-se, além disso, em alguns minutos diários dedicados exclusivamente ao trato com Deus. São momentos de colóquio sem ruído de palavras, junto do Sacrário sempre que possível, para agradecer ao Senhor por essa espera - como está só! - de vinte séculos. A oração mental é esse diálogo com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a imaginação, a memória e a vontade. É uma meditação que contribui para dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida diária e corrente.

Graças a esses momentos de meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter o nosso dia num contínuo louvor a Deus, sempre com naturalidade e sem espetáculo. Assim, à semelhança dos enamorados, que não tiram nunca os sentidos da pessoa que amam, manter-nos-emos sempre na sua presença; e todas as nossas ações - mesmo as mais pequenas e insignificantes - transbordarão de eficácia espiritual.

Por isso, quando um cristão envereda por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados -, a vida interior cresce, segura e firme; e o homem consolida-se nessa luta, simultaneamente amável e exigente, por realizar até o fundo a vontade de Deus.

A partir da vida de oração, podemos entender esse outro tema que a festa de hoje nos propõe: o apostolado, a realização dos ensinamentos de Jesus transmitidos aos Apóstolos pouco antes de subir aos céus: Vós me servireis de testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo.

Com a maravilhosa normalidade do divino, a alma contemplativa expande-se em ímpetos de ação apostólica: Ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo em minha meditação. Que fogo é este, senão o mesmo de que fala Cristo: Fogo vim trazer à terra e que hei de querer senão que arda?. Fogo de apostolado, que se robustece na oração: não há melhor meio do que este para desenvolver, por toda a redondeza do mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão é chamado a participar - cumprir o que resta por padecer a Cristo.

Jesus subiu aos céus, dizíamos. Mas, pela oração e pela Eucaristia, o cristão pode ter com Ele a mesma intimidade que tinham os primeiros Doze, inflamar-se no seu zelo apostólico, para com Ele realizar um serviço de corredenção, que é semear a paz e a alegria. Servir, portanto, porque o apostolado não é outra coisa. Se contarmos exclusivamente com as nossas próprias forças, nada obteremos no terreno sobrenatural; se formos instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: Tudo posso nAquele que me conforta. Por sua infinita bondade, Deus resolveu servir-se destes instrumentos ineptos. Daí que o apóstolo não tenha outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para que Deus realize - através das suas criaturas, através da alma escolhida - a sua obra salvadora.

Apóstolo é o cristão que se sente enxertado em Cristo, identificado com Cristo, pelo Batismo; habilitado a lutar por Cristo, pelo Crisma; chamado a servir a Deus com a sua ação no mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que lhe confere uma certa participação no sacerdócio de Cristo - embora essencialmente diferente daquela que constitui o sacerdócio ministerial - e o torna capaz de participar no culto da Igreja e de ajudar os homens a caminhar para Deus, mediante o testemunho da palavra e do exemplo, mediante a oração e a expiação.

Cada um de nós tem que ser ipse Christus, o próprio Cristo. Ele é o único Medianeiro entre Deus e os homens ; e nós unimo-nos a Ele para com Ele oferecermos todas as coisas ao Pai. Nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige não apenas que procuremos atingir a nossa santidade pessoal, mas que avancemos pelos caminhos da terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que tomemos parte, como cidadãos comuns, em todas as atividades temporais, para sermos levedura que informe a massa inteira.

Cristo subiu aos céus, mas transmitiu a tudo o que é humano e honesto a possibilidade concreta de ser redimido. São Gregório Magno aborda este grande tema cristão com palavras incisivas: Partia assim Jesus para o lugar de onde era e regressava do lugar em que continuava morando. Com efeito, no momento em que subia ao céu, unia com a sua divindade o céu e a terra. Na festa de hoje, devemos destacar solenemente o fato de ter sido suprimido o decreto que nos condenava, o juízo que nos submetia à corrupção. A natureza a que se dirigiam aquelas palavras: “Tu és pó e em pó te hás de tornar” (Gen. III, 19) -, essa mesma natureza subiu hoje ao céu com Cristo.

Não me cansarei de repetir, portanto, que o mundo é santificável, e que compete especialmente aos cristãos levar a cabo essa tarefa: purificando-o das ocasiões de pecado com que os homens o desfeiam e oferecendo-o ao Senhor como hóstia espiritual, apresentada e dignificada mediante a graça de Deus e o nosso esforço. Em rigor, não se pode dizer que haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo se dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a terra com a sua presença e com o trabalho de suas mãos. A grande missão que recebemos no Batismo é a corredenção. A caridade de Cristo nos compele a tomar sobre os ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as almas.

Tenhamos presente que a Redenção, que se consumou quando Jesus morreu na vergonha e na glória da Cruz - escândalo para os judeus, loucura para os gentios -, continuará a realizar-se por vontade de Deus até que chegue a hora do Senhor. Não são coisas compatíveis viver segundo o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados, como Ele, peccatores salvos facere , a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós mesmos necessitamos de confiar cada vez mais na misericórdia de Deus. Daí o desejo veemente de nos considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com Ele todas as almas, porque somos, queremos ser ipse Christus, o próprio Jesus Cristo; e Ele deu-se a si mesmo em resgate por todos.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/a-ascensao-do-senhor-aos-ceus/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF