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quarta-feira, 1 de março de 2023

O poder da fé em 2 fotos comoventes

Cortesia de Jeffrey Bruno | Jeffrey Bruno
Por Zoe Romanowsky

Duas fotos diferentes de dois eventos diferentes revelam o efeito oculto mas poderoso da fé de um pai. Veja aqui:

Às vezes é o segundo take que revela uma verdade mais profunda.

Foi o que aconteceu com o fotojornalista Jeffrey Bruno depois que ele tirou uma foto e a postou nas mídias sociais, após uma ordenação em Denver, Colorado.

Como ele fez, nossos olhos vão para a doce e tocante cena de dois garotinhos imitando o que eles viram sem autoconsciência ou medo – apenas um desejo de experimentar o que é deitar no chão frio de uma bela catedral entregando sua vida a Deus.

Um sinal das coisas que estão por vir para eles? Quem sabe…

Mas Bruno olhou novamente e viu outra coisa naquela imagem – um pai, de lado nas sombras, de pé perto de seus filhos, rezando com os olhos fechados…

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Quando olhamos um pouco mais fundo, também podemos ver o que Bruno vê e isso torna esta imagem mais significativa.

Não faz muito tempo, Bruno captou outra cena que tocou muita gente quando a postou nas redes sociais. Desta vez de uma mãe, chegando à comunhão com seus filhos, o mais novo carregado em um sling.

young mom and little children in church receiving eucharist
Cortesia: Jeffrey Bruno / Jeffrey Bruno

Quando Bruno postou a foto, ele a chamou de “Força de Mãe”.

A foto captura um momento que podemos facilmente ignorar, mas é realmente a espinha dorsal da fé: Os pais aparecem com seus filhos – por mais difícil que seja sair de casa – para receber o Senhor, para ser contado entre a família de Deus, para celebrar a vida sacramental da Igreja.

O trabalho heróico que fazemos está no testemunho cotidiano que damos através de nossas ações, como levar os pequenos à Missa para encontrar o Senhor e Sua graça.

Os bons fotojornalistas contam uma história com suas imagens, para nos mover ou nos inspirar. Estas imagens do testemunho silencioso de uma mãe e de um pai, em duas igrejas diferentes, em dois momentos diferentes, revelam o heroísmo comum da paternidade cristã e a esperança que ela traz para todos nós.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

O 'Titulus Crucis': do Calvário a Roma, história da célebre relíquia da Paixão

O "Titulus Crucis" conservado na "Basilica di Santa Croce in
Gerusalemme" | Vatican News

Entre os testemunhos mais conhecidos do sacrifício de Cristo está a tábua que foi colocada no cadafalso com a inscrição "Jesus Nazareno Rei dos Judeus". Vários estudiosos concentraram suas pesquisas acreditando que a tábua de madeira, preservada na "Basílica di Santa Croce in Gerusalemme", em Roma, era a autêntica mandada colocar por Pilatos há dois mil anos.

Maria Milvia Morciano - Vatican News

Helena, mãe de Constantino, segundo o historiador Eusébio de Cesareia do século V, em sua obra De vita Costantini, viajou entre 326 e 328 à Terra Santa na trilha dos lugares onde ocorreu a Paixão e a Ressurreição do Senhor. Ela retornou a Roma trazendo várias relíquias e a terra de Jerusalém, que foi espalhada no Palácio Sessoriano, residência da imperatriz. Sobre essa terra mandou construir uma capela para abrigar os objetos sagrados que havia trazido consigo: entre estes estavam fragmentos da cruz, alguns pregos e o Títulus Crucis. A capela constitui o primeiro núcleo da "Basílica di Santa Croce in Gerusalemme" e seu nome evoca o desejo da fundadora de reconstruir uma réplica em escala, em Roma, do lugar sagrado. Uma pequena Jerusalém também expressa pela persistência do topônimo Hierusalem.

"Jesus Nazareno, Rei dos Judeus"

Titulus Crucis é uma tábua de madeira de nogueira com uma inscrição em três linhas, em três línguas e todas com direção da direita para a esquerda: hebraico, grego e latim. A inscrição diz: Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, "Jesus Nazareno Rei dos Judeus", que também conhecemos como as iniciais "I.N.RI.". Esta a tábua pendurada na cruz sob indicações de Pilatos, que assim quis especificar o motivo da condenação segundo a lei romana, ou seja, a acusação de que Jesus havia se proclamado rei dos judeus. Este uso foi reservado apenas para certas pessoas condenadas "especiais". Além disso, as três línguas só foram encontradas em inscrições solenes. Esta inscrição juntamente com a coroa de espinhos e a cana como cetro constitui uma ação altamente humilhante contra Cristo, especialmente porque foi realizada por um cidadão romano e dignitário contra um judeu submisso. Um escárnio feroz. Todos os Evangelhos, recordam este acontecimento (Mc 15,26; Lc 23,38; Mt 27,37; Jo 19,19-20) destacando a importância simbólica do titulus mas também, evidentemente, o firme desejo de enfatizar sua veracidade histórica.

Objeto de antiga veneração

Saltando a concordância dos Evangelhos, temos que chegar ao final do século IV para ter um primeiro testemunho do titulus. Egeria, em seu Itinerarium, afirma tê-lo visto junto com a Cruz, exposto à adoração dos peregrinos, durante sua peregrinação à Terra Santa em 383 (Itinerário Egeriae 37,1): "...e é trazida uma caixa prateada dourada, na qual está a madeira sagrada da cruz, é aberta e tirada para fora, tanto a madeira da cruz como o título são colocados sobre a mesa". Em 570, Antoninus de Piacenza o menciona novamente, citando também o texto, semelhante ao de Mateus nos Evangelhos, (Itinerarium, Corpus Christianorum, S. Latina, 175, 130). Isto poderia significar que a relíquia chegou a Roma em um momento após a viagem de Helena. O que não é estranho, já que é a Cruz que é a relíquia inextricavelmente ligada à imperatriz, seja em fontes como a Legenda Aurea, seja na arte, por exemplo, nos afrescos de Piero della Francesca em Arezzo.

Um detalhe muito importante, atestando a atenção especial dada à relíquia, é sua descoberta "física" em 1º de fevereiro de 1492. Ela foi colocada em uma caixa de chumbo com os três selos do cardeal Gerardo Caccianemici - o futuro Papa Lúcio II (1144-1145) e murada em um nicho no cume do arco triunfal da basílica. Sua colocação ali data, portanto, da época em que o transepto da basílica foi construído. Por que a tábua foi colocada ali? A localização, o cume do arco triunfal, sugere seu profundo valor simbólico: no centro da basílica, no ponto mais alto de sua arquitetura.

O Debate sobre a autenticidade

Sobre a autenticidade ou não da tábua, desenvolveu-se um debate que suporta teses opostas: por um lado, a negação da originalidade do achado, através dos resultados da análise radiocarbônico realizada em 2002, que colocaria a tábua num período tardio, entre os séculos 10 e 12. A segunda tese a considera genuína ou pelo menos uma cópia fiel de um período contemporâneo da morte do Senhor, com base em certas evidências, como os caracteres paleográficos que podem ser traçados até o século I d.C.

Certas discrepâncias, como a correspondência não exata com as palavras dos Evangelhos, destacariam uma escrita "de primeira mão" e a evidência de Nazarinus em vez de Nazarenus no latim seria um erro que um falsificador nunca teria cometido. Os defensores da autenticidade do titulus também contestam como a análise C14 deve obedecer a uma série de condições que não são válidas para a tábua, que também traz os traços biológicos dos muitos peregrinos que a tocaram e beijaram, a ponto de consumir parte da escrita. Alguns estudos acreditam, entre outras coisas, que ela não seja íntegra, mas parte de uma inscrição mais longa, e que de fato parte dela permaneceu em Jerusalém junto com parte da cruz, e mais tarde foi dispersa. Esta hipótese, por outro lado, é contrariada por alguns estudiosos que consideram a da Basílica de Santa Croce íntegra e completa no seu significado.

Uma sepultura real

Entre os principais estudiosos a favor da autenticidade do titulus estava Maria Luisa Rigato, professora da Universidade Gregoriana, que reafirmou sua autenticidade com base na análise paleográfica, que vê as letras como correspondendo perfeitamente àquelas em uso no primeiro século. A acadêmica também apresenta uma hipótese verdadeiramente sugestiva, mas plausível: que o titulus foi colocado na sepultura de Jesus. A partir de pistas, como a pedra que fechava o sepulcro, a tumba era grande, do tipo câmara. O corpo de Jesus foi ungido com unguentos preciosos. O lençol, que a devoção reconhece no Sudário, é um pano precioso e certamente não é usado para os defuntos comuns. Trata-se duma sepultura real que corrobora, segundo Rigato, a autenticidade total da tábua que Pilatos havia colocado sobre a cruz.

A Capela das relíquias

Até 1930, as relíquias foram mantidas na capela subterrânea de Santa Helena, que passou por muitas restaurações e renovações com a ajuda de grandes artistas como Baldassarre Peruzzi, Giuliano da Sangallo, Pomarancio e Rubens. A capela foi considerada sagrada no mesmo nível do Sanctorum de São João de Latrão. A terra do Calvário trazida pela imperatriz foi colocada bem em frente à capela. A difícil acessibilidade da sala e sua umidade forçaram as relíquias a serem deslocadas para outro local. A capela de hoje foi criada a partir da sacristia no final do corredor esquerdo, projetada por Florestano Di Fausto. Inaugurada em 1930 e concluída em 1952, ela cria um caminho marcado pelas etapas da Paixão que culmina diante dos três fragmentos da Cruz, o titulus, um prego e parte da coroa de espinhos, assim como outras relíquias menores acrescentadas em épocas posteriores.

Santo Albino

Santo Albino | arquisp
01 de março

Santo Albino

Albino nasceu no ano 469, no seio de uma família cristã, que se encontrava em ascensão social e financeiramente, também pertencia à nobreza de Vannes, sua cidade natal, na Bretanha. Era uma criança reservada, inteligente, pia e generosa. Ao atingir a adolescência manifestou a vocação pela vida religiosa. Por volta dos vinte anos ordenou-se monge e cinco anos depois era escolhido, pela sua comunidade, o abade do mosteiro de Tintilante, também conhecido como de Nossa Senhora de Nantili, próximo de Samour.

Durante mais vinte e cinco anos exerceu seu ministério, mantendo-se fiel aos preceitos da Igreja, trabalhando para manter a integridade dos Sacramentos e das tradições cristãs. Nesse período, todas as suas qualidades humanas e espirituais afloraram, deixando visível uma pessoa especial que caminhava na retidão da santidade. Fez-se o pai e irmão dos pobres, dos humildes, dos perseguidos e dos prisioneiros. Tanto que foi eleito, para ocupar o posto de bispo de Angers, pelo clero e pela população, num gesto que demonstrou todo amor e estima do seu imenso rebanho.

Nesse posto trabalhou incansavelmente pela moralização dos costumes, contra os casamentos incestuosos que se tornavam comuns naquela época, quando os ricos da corte tomavam como esposas as próprias irmãs ou filhas. Para isso convocou os concílios regionais de Órleans em 538 e 541, participando em ambos ativamente, arriscando a própria vida. Mas com o apoio da Santa Sé adquiriu novo fôlego para prosseguir na difícil e perigosa campanha de moralização cristã. Depois no de 549, se fez representar pelo seu discípulo e sucessor, o abade Sapaudo.

A tradição lhe atribui algumas situações prodigiosas e cobertas pela graça da Divina Providência, como a abertura das portas da prisão, a libertação dos encarcerados e muitos outros divulgados entre os fieis devotos.

Albino morreu no primeiro dia de março de 550 e foi sepultado na igreja de São Pedro em Angers. Devido o seu culto intenso já em 556 foi dedicada à ele uma igreja, na qual construíram uma cripta para onde seu corpo foi transladado. Ao lado dessa igreja foi criado um mosteiro beneditino, cujo primeiro abade foi seu discípulo Sapaudo.

Contudo, as relíquias do bispo Albino encontraram o repouso definitivo na catedral de São Germano em Paris, no ano 1126, quando o seu culto já atingira, além da França e Itália, também a Alemanha, Inglaterra, Polônia e vários países do Oriente.

Com justiça, Albino foi considerado um dos santos mais populares da Idade Média, que atingiu a Modernidade através da vigorosa devoção dos fiéis, reflexo de seu exemplo de moralizador. A festa litúrgica de Santo Albino é comemorada no dia de sua morte.

*Fonte: Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br

https://arquisp.org.br/

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Exemplos de fé: Moisés

Moisés quebra as Tábuas da Lei (Rembrandt)

Exemplos de fé: Vocação e missão de Moisés

Segundo texto de uma série sobre os personagens principais da Sagrada Escritura que são exemplo de fé em Deus. Nesta ocasião fala-se de Moisés.

Deus, ao aproximar-se do homem e convidá-lo à fé, não lhe comunica simplesmente uma verdade, mas dá-se a Si mesmo. Acolher o dom da fé leva, por isso, a que o homem se ponha a caminho para Deus, que se comprometa totalmente com Ele por amor, mesmo que em algumas ocasiões tenha que caminhar a contragosto[1]. Deus nos espera, precisa da nossa fidelidade e não se deixa ganhar em generosidade.

É o que vemos na vida de Moisés, caracterizada por ser uma resposta de fé à Revelação de Deus. Assim lemos na Carta aos Hebreus: pela fé deixou o Egito, não temendo a cólera do rei, com tanta segurança como estivesse vendo o invisível. Foi pela fé que mandou celebrar a Páscoa e aspergir (os portais) com sangue, para que o anjo exterminador dos primogênitos poupasse os dos filhos de Israel. Foi pela fé que os fez atravessar o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se atreveram a persegui-los foram afogados[2].

Vocação e missão de Moisés

Se Abraão é modelo de obediência e confiança em Deus, de modo que com razão se pode denominá-lo pai de todos os que creem[3], Moisés nos permite contemplar que a fé é para a entrega, convertendo-se em “um novo critério de pensamento e de ação que muda toda a vida do homem”[4]. A fé ilumina a própria existência, dando-lhe um sentido de missão. A fé e a vocação de cristãos afetam toda a nossa existência, não apenas uma parte. As relações com Deus são necessariamente relações de entrega, e assumem um sentido de totalidade. A atitude do homem de fé é olhar para a vida, em todas as suas dimensões, sob uma perspectiva nova: a que Deus nos dá[5]. Ter fé e comprometer-se com Deus a viver com uma missão apostólica são dois os lados da mesma moeda.

Viver sob a luz da fé

Moisés nasceu quando o faraó havia ordenado assassinar todos os meninos recém-nascidos do povo judeu. Porém, pela fé que os pais de Moisés o esconderam durante três meses[6]. A frase sugere que a fé de seus pais percebeu que a vontade de Deus não era a morte do menino, e que foi também a fé que lhes deu força para infringir o edital do rei. Não podiam imaginar quanto dependia daquele gesto. Quando acreditavam ter renunciado a seu filho, a providência divina não só lhes permitiu vê-lo adotado por uma princesa egípcia, mas tornou possível que a própria mãe pudesse amamentá-lo e criá-lo[7].

Moisés tira os sapatos e vê a sarsa ardente | Opus Dei

Moisés cresceu na casa do faraó, e foi instruído em todas as ciências dos egípcios. Mas um episódio perturbará profundamente a sua vida: ao defender outro hebreu, tirará a vida de um egípcio e se converterá em um proscrito. Na escolha de Moisés de solidarizar-se com seus irmãos podemos ver uma decisão baseada numa convicção de fé, na consciência de pertencer ao povo escolhido: pela fé que Moisés, uma vez crescido, renunciou a ser tido como filho da filha do faraó, preferindo participar da sorte infeliz do povo de Deus, a fruir dos prazeres culpáveis e passageiros. Com os olhos fixos na recompensa, considerava os ultrajes por amor de Cristo como um bem mais precioso que todos os tesouros dos egípcios[8].

À luz da fé, Moisés reconhece que assumir como própria a vergonha e o desprezo que sofrem os israelitas tem infinitamente mais valor do que os tesouros materiais do Egito, porque levavam à perdição espiritual. Eu te vou dizer quais são os tesouros do homem na terra, para que não os desperdices: fome, sede, calor, frio, dor, desonra, pobreza, solidão, traição, calúnia, cárcere...[9]

Moisés deverá fugir do Egito para não cair nas mãos do Faraó. Assim chegará à terra de Madiã, na península do Sinai. Poderia parecer que todas as suas boas disposições e a sua preocupação pelos israelitas prisioneiros no Egito não lhe trouxeram nada de bom. No entanto, os homens não são os únicos protagonistas da história do mundo, nem sequer os principais. E quando Moisés se estabeleceu em seu novo país e podia imaginar a normalidade com que a sua vida prosseguiria, Deus foi ao seu encontro e manifestou a missão para a qual o separou desde o seu nascimento, que configura a sua vocação, o seu ser mais íntimo.

Vocação e resposta de fé

A missão de Moisés se situa no contexto da história patriarcal. Deus, diante do lamento dos filhos de Israel oprimidos no Egito, lembrou-se de sua aliança com Abraão, com Isaac e com Jacó[10] e escolheu Moisés para libertar o seu povo da escravidão. O Senhor intervém de novo na história para ser fiel à promessa que fez a Abraão, e enquanto Moisés apascentava o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã, (...) o anjo do Senhor apareceu-lhe numa chama (que saía) do meio a uma sarça. Moisés olhava: a sarça ardia, mas não se consumia. “Vou me aproximar, disse ele consigo, para contemplar esse extraordinário espetáculo, e saber porque a sarça não se consome.” Vendo o Senhor que ele se aproximou para ver, chamou-o do meio da sarça[11]. A vocação de Moisés nos permite apreciar os elementos fundamentais que encontramos em toda chamada a assumir os planos de Deus: a iniciativa divina, a autorrevelação de Deus, a designação de uma missão e a promessa do favor divino para realizá-la.

Deus abre passagem de forma surpreendente, uma vez que se acomoda ao seu interlocutor: suscita o assombro de Moisés diante da sarça ardente para, a seguir, chamá-lo pelo seu nome: Moisés, Moisés[12]. A repetição do nome acentua a importância do acontecimento e a certeza da chamada. Em toda vocação aparece essa consciência de pertencer a Deus, de estar em suas mãos, que convida à paz. É o que expressa o profeta Isaías num hino, quando diz: Não tenhas medo que fui eu quem te resgatou, chamei-te pelo próprio nome, tu és meu![13]; palavras que São Josemaria saboreava, unindo-as à resposta de Samuel: Diz-lhe: “ecce ego quia vocasti me!” – aqui me tens, porque me chamaste![14].

Sarsa ardente (Marc Chagall)

Quando Deus chama, o homem percebe que a vocação não é um sonho ou fruto da imaginação. A vocação de Moisés mostra este segundo aspecto do chamado deixando claro como o Senhor se apresenta: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó[15], o mesmo em quem creram seus antepassados. Eu sou aquele que sou[16]. Toda chamada divina leva consigo esta iniciativa de intimidade na qual o Senhor se dá a conhecer.

No entanto, poderia surpreender a reação de Moisés: apesar de ter visto o prodígio da sarça ardente, apesar da certeza do que está acontecendo, se desculpa: Quem sou eu para ir ter com o faraó?[17]. Tenta evitar o que o Senhor lhe pede – a missão encomendada –, porque é consciente da sua própria insuficiência e da dificuldade do encargo. Sua fé ainda é fraca, mas o medo não o leva a afastar-se da presença de Deus. Dialoga com Ele com simplicidade, diz-lhe suas objeções, e permite que o Senhor manifeste o seu poder e dê consistência à sua debilidade.

Neste processo, Moisés experimenta na sua própria pessoa o poder de Deus, que começa fazendo nele alguns dos milagres que depois realizará diante do Faraó[18]. Assim, Moisés toma consciência de que as suas limitações não importam, porque Ele não o abandonará; percebe que será o Senhor quem libertará o povo do Egito: a única coisa que lhe cabe fazer é ser um bom instrumento. Em qualquer chamada a uma vida cristã autêntica Deus assegura o seu favor ao homem e mostra a sua proximidade: Eu estarei contigo. Estas palavras se repetem em todos aqueles que receberam uma tarefa difícil a favor dos homens[19].

Fé e fidelidade à missão de Deus

Moisés, consciente da sua missão, sempre se guiou pela confiança na promessa divina de levar o povo escolhido à terra prometida, com segurança de que com o Senhor todos os obstáculos seriam superados. Pela fé, ele celebrou a Páscoa e fez a aspersão com sangue, para que o exterminador dos primogênitos do Egito não matasse os de Israel. Pela fé, atravessaram o mar Vermelho como se fosse terra seca, enquanto os egípcios, tentando fazer o mesmo, se afogaram[20]. Porém essa fé não se fundamentava só em uma chamada recebida no passado, mas se alimentava do diálogo simples e humilde com Deus. O Senhor é invisível, porém a fé o torna de certa forma visível, porque a fé é um modo de conhecer as coisas que não se veem[21]. A fé em Deus leva a viver a própria vocação com todas as consequências.

Como a fé está viva e deve desenvolver-se, o diálogo com Deus nunca termina. A oração incendeia a fé e permite adquirir a consciência do sentido vocacional da própria existência. Surge assim a vida de fé, que une a oração com o cotidiano, e impulsiona a dar-se aos outros, para implantar, no meio da vida corrente a riqueza da própria vocação. Daí a importância de aprender ou de ensinar a fazer oração. Como ensinava São Josemaria, muitas realidades materiais, técnicas, econômicas, sociais, políticas, culturais..., abandonadas a si mesmas, ou em mãos dos que não possuem a luz da nossa fé, convertem-se em obstáculos formidáveis para a vida sobrenatural: formam como que um campo fechado e hostil à Igreja. Tu, por seres cristão – pesquisador, literato, cientista, político, trabalhador... –, tens o dever de santificar essas realidades. Lembra-te de que o universo inteiro – assim escreve o Apóstolo – está gemendo como que com dores de parto, à espera da libertação dos filhos de Deus[22].

Em Moisés, em suma, a relação entre fé, fidelidade e eficácia se manifesta de modo especial. Moisés é fiel e eficaz porque o Senhor está perto dele, e o Senhor está perto porque Moisés não evita o seu olhar e lhe mostra as suas dúvidas, temores, insuficiências, com sinceridade. Inclusive quando tudo parece perdido, como quando o povo recém-libertado fabrica um bezerro de ouro para adorá-lo, a confiança de Moisés em seu Senhor o levará a interceder pelo povo, e o pecado se converte em ocasião de um novo começo, que manifesta com mais força a misericórdia de Deus[23]. Porque Deus “jamais se cansa de perdoar, porém nós, às vezes, nos cansamos de pedir perdão”[24].

Como estamos comentando, a carta aos Hebreus marca os momentos de maior relevo quando resplandece a fé de Moisés. Porém poderíamos percorrer toda a sua vida e observar outros episódios: obedeceu também, por exemplo, quando subiu ao Sinai para recolher as tábuas da Lei, e quando estabeleceu e ratificou a aliança de Deus com o seu povo. O elogio mais correto e breve o encontramos no final do livro do Deuteronômio: Não se levantou mais em Israel profeta comparável a Moisés, com quem o Senhor conversava face a face[25].

A vida de Moisés esteve marcada pela sua vocação, inseparavelmente unida à sua missão: Deus chama Moisés para libertar o seu povo e a conduzi-lo a uma terra boa e espaçosa, a uma terra que mana leite e mel[26]. A libertação de Israel encomendada a Moisés prefigurava a redenção cristã, verdadeira libertação. Jesus Cristo é quem, com a sua morte e ressurreição, resgatou o homem daquela escravidão radical que é o pecado, abrindo-lhe o caminho para a verdadeira Terra Prometida, o Céu. O antigo êxodo se cumpre, antes de tudo, dentro do próprio homem e consiste em acolher a graça. O homem velho deixa o lugar ao homem novo; a vida anterior fica para trás, pode-se caminhar em uma vida nova[27]. E este êxodo espiritual é fonte de uma libertação integral, capaz de renovar qualquer dimensão humana, pessoal e social. Se tomarmos consciência da nossa vocação e ajudarmos nossos amigos a tomarem consciência da deles, levaremos a libertação de Cristo a todos os homens. Como nos disse o Santo Padre, devemos “aprender a sair de nós mesmos para ir ao encontro dos demais, para ir até as periferias da existência”[28]Ignem veni mittere in terram, fogo vim trazer à terra[29], dizia o Senhor falando do seu ardente amor pelos homens. Ao que São Josemaria sentia a necessidade de responder, pensando no mundo inteiro: Ecce ego: aqui estou!

S. Ausín – J. Yaniz (maio 2013)


[1] São Josemaria, Forja, n. 51.

[2] Hb 11, 27-29.

[3] Rm 4, 11.

[4] Bento XVI, Motu proprio Porta fidei, 11-X-2011, n. 11.

[5] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 46.

[6] Hb 11, 23.

[7] Cfr. Ex 2, 1-10.

[8] Hb 11, 24-26.

[9] São Josemaria, Caminho, n. 194.

[10] Ex 2, 24.

[11] Ex 3, 1-4.

[12] Ex 3, 4.

[13] Is 43,1.

[14] São Josemaria, Caminho, n. 984. Cfr. P. Rodríguez (ed.), Caminho. Edição comentada, comentário ao número.

[15] Ex 3, 6.

[16] Ex 3, 14.

[17] Ex 3, 11.

[18] Cfr. Ex 4, 1-9.

[19] Cfr. Gn 28, 15; Js 1, 5; etc.

[20] Hb 11, 28-29.

[21] Cfr. Hb 11, 1.

[22] São Josemaria, Sulco, n. 311.

[23] Cfr. Ex 33, 1-17.

[24] Francisco, Ângelus, 17-III-2013.

[25] Dt 34, 10.

[26] Ex 3, 8.

[27] Cfr. Rm 6, 4.

[28] Francisco, Audiência, 27-III-2013.

[29] Lc 12, 49.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (10/16)

 

O cristianismo e as religiões | Vecteezy

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

II.4. "Ecclesia Universale Salutis Sacramentum"

62. Não se pode desenvolver uma teologia das religiões sem levar em conta a missão salvífica universal da Igreja, testemunhada pela Sagrada Escritura e pela tradição de fé da Igreja. A valorização teológica das religiões foi impedida durante muito tempo por causa do princípio "extra Ecclesiam nulla salus", entendido em sentido exclusivista. Com a doutrina sobre a Igreja como "sacramento universal da salvação" ou "sacramento do Reino de Deus", a teologia trata de responder à nova apresentação do problema. Tal ensinamento, também acolhido pelo concílio Vaticano II, se concilia com a visão sacramental da Igreja no Novo Testamento.

63. Atualmente, a questão primária já não é se os homens podem alcançar a salvação ainda que não pertençam à Igreja Católica visível; tal possibilidade é considerada como teologicamente certa. A pluralidade das religiões, da qual os cristãos são cada vez mais conscientes, o melhor conhecimento dessas mesmas religiões e o necessário diálogo com elas, sem deixar em último lugar a mais clara consciência das fronteiras espaciais e temporais da Igreja, nos interrogam sobre se se pode ainda falar da necessidade da Igreja para a salvação e sobre a compatibilidade desse princípio com a vontade salvífica universal de Deus.

a. "Extra Ecclesiam nulla salus"

64. Jesus uniu o anúncio do Reino de Deus com sua Igreja. Depois de sua morte e ressurreição, renovou-se a reunião do povo de Deus, agora em nome de Jesus Cristo. A Igreja de judeus e gentios se entendeu como obra de Deus e como comunidade na qual se experimenta a ação do Senhor elevado aos céus e de seu Espírito. Com a fé em Jesus Cristo, o mediador universal da salvação, une-se o batismo em seu nome, que mediatiza a participação em sua morte redentora, o perdão dos pecados e a entrada na comunidade de salvação (cf. Mc 16,16; Jo 3,5). Por isso o batismo é comparado com a arca da salvação (cf. 1 Pd 3,20s). Segundo o Novo Testamento, a necessidade da Igreja para a salvação se funda na única mediação salvífica de Cristo.

65. Fala-se da necessidade da Igreja para a salvação em duplo sentido: necessidade da pertença à Igreja para aqueles que crêem em Jesus, e necessidade salvífica do ministério da Igreja que, por encargo de Deus, tem de estar a serviço da vinda do Reino de Deus.

66. Em sua encíclica Mystici corporis, Pio XII trata da questão da relação com a Igreja daqueles que alcançam a salvação fora da comunhão visível dessa mesma Igreja. Diz deles que se ordenam ao corpo místico de Cristo por um desejo e anelo inconsciente (cf. DS 3821). A oposição do jesuíta americano Leonard Feeney, que insiste na interpretação exclusivista da frase "extra Ecclesiam nulla salus", dá ocasião a carta do Santo Ofício ao arcebispo de Boston de 8 de agosto de 1949, que recusa a interpretação de Feeney e esclarece o ensinamento de Pio XII. A carta distingue entre a necessidade da pertença à Igreja para a salvação (necessitas praecepti) e a necessidade dos meios indispensáveis para a salvação (intrínseca necessitas); em relação a estes últimos, a Igreja é um auxílio geral para a salvação (DS 3867-3869). No caso de ignorância invencível, basta o desejo implícito de pertencer à Igreja; esse desejo estará sempre presente quando um homem aspira conformar sua vontade à de Deus (DS 3870). A fé, porém, no sentido de Hebreus 11,6, e o amor são sempre necessários com necessidade intrínseca (cf. DS 3872).

67. O Concílio Vaticano II faz sua a frase "extra Ecclesiam nulla salus". Porém, com ela se dirige explicitamente aos católicos e limita sua validez àqueles que conhecem a necessidade da Igreja para a salvação. O Concílio considera que a afirmação se funda na necessidade da fé e do batismo afirmada por Cristo (cf .LG 14). Dessa maneira o concílio reforça o ensinamento de Pio XII, mas destaca com mais clareza o caráter parenético original dessa frase.

68. O Concílio, diversamente de Pio XII, evita a falar do votum implicitum e aplica o conceito do votumapenas ao desejo explícito dos catecúmenos de pertencer à Igreja (cf. LG 14). Dos não-cristãos se diz que estão ordenados de diversos modos ao povo de Deus. A partir das diferentes maneiras com que a vontade salvífica de Deus abraça os não-cristãos, o Concílio distingue quatro grupos: em primeiro lugar, os judeus; em segundo, os muçulmanos; em terceiro, aqueles que sem culpa ignoram o evangelho de Cristo e não conhecem a Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e se esforçam por cumprir sua vontade conhecida por meio da consciência; e, em quarto lugar, aqueles que, sem culpa, ainda não chegaram ao expresso reconhecimento de Deus mas, não obstante, se esforçam por levar uma vida reta (cf. LG 16).

69. Os dons que Deus oferece a todos os homens para levá-los à salvação se fundam, segundo o Concílio, em sua vontade salvífica universal (cf. LG 2; 3; 16; AG 7). O fato de que também os não-cristãos estejam ordenados ao Povo de Deus se funda em que o chamado universal à salvação inclui a vocação de todos os homens à unidade católica do Povo de Deus (cf. LG 13). O Concílio considera que a relação íntima de ambas as vocações se funda na única mediação de Cristo, que em seu Corpo que é a Igreja, se faz presente entre nós (cf. LG 14).

70.Assim se devolve à frase "extra Ecclesiam nulla salus" seu sentido original, o de exortar os membros da Igreja à fidelidade (30). Integrada essa frase na mais geral "extra Christum nulla salus", já não se encontra em contradição com o chamado de todos os homens à salvação.

NOTA:

30. Cf. Orígenes, In Iesu nave 3,5 (Sch 71, 142ss); Cipriano, De cath. Unit. 6 (CSEL 3/1, 214s); Ep. 73, 21 (CSEL 3/2, 795).

Fonte: https://www.vatican.va/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF