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sábado, 26 de setembro de 2020

TEOLOGIA: A Catolicidade da Igreja (Parte 3/8)

George Florovsky | Ecclesia

A Catolicidade da Igreja

Trad.: Pe. Pedro Oliveira Junior

4. A transfiguração da personalidade

A catolicidade da Igreja tem dois lados. Objetivamente, a catolicidade da Igreja denota a unidade do Espírito. "Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo" (1Cor 12,13). E o Espírito Santo que é um Espírito de amor e paz, não só une indivíduos isolados, mas também torna-se em cada alma separada a fonte de paz interior e totalidade. Subjetivamente, a catolicidade da Igreja significa que a Igreja é uma certa unidade de vida, uma comunhão de irmãos, uma união de amor, "uma vida em comum." A imagem do corpo é o comando do amor. "São Paulo demanda tal amor de nós, um amor que nos uniria uns aos outros, para que não mais fôssemos separados uns dos outros ... que nossa união seja tão perfeita como é a dos membros de um corpo"; (São João Crisóstomo, In Eph. Hom. 11.1, Migne, P.G. lxxii, c.79)

A novidade do mandamento de amor cristão consiste no fato de que nós devemos amar nosso próximo como a nós mesmos. Isso é mais do que colocar o nosso próximo no mesmo nível que o nosso, identificando-o conosco; significa ver nosso próprio ser no outro, no amado, não no nosso próprio ser... Aí está o limite do amor; o amado é nosso "alter ego," um "ego" que é mais caro a nós que o nosso próprio. Em amor nós nos fundimos em um. "A qualidade do amor é tal que o amante e o amado não são mais dois, mas um só ser" (1Cor. Hom. 33, 3, Migne, P.G. lxi. c. 280). Ainda mais: o verdadeiro amor cristão vê em cada um de nossos irmãos "o próprio Cristo." Tal amor demanda auto-entrega, auto-domínio. Tal amor só é possível numa expansão e transfiguração católica da alma.

O chamado a ser católico é dado a todos os cristãos. A medida de sua natureza humana espiritual é a medida de sua catolicidade. A Igreja é católica em cada um de seus membros porque, um todo católico não pode ser construído ou composto de outra forma que não seja através da catolicidade de seus membros. Nenhuma multidão, se cada um de seus membros for isolados e impenetráveis, pode se transformar numa irmandade. A união só pode tornar-se possível através do mútuo amor fraterno de todos os irmãos separados. Esse pensamento é expresso mui vividamente na bem conhecida visão da Igreja como uma torre que está sendo construída - (comparar com o Pastor de Hermas). Essa torre está sendo construída com separadas pedras, os fiéis. Esses fiéis são "pedras vivas" (1Pe 2,5). No processo de construção elas ajustam-se umas às outras, porque são polidas e lisas e tão bem adaptadas umas às outras; elas se juntam tão próximas que suas bordas não são mais visíveis e a torre parece ser feita de uma só pedra. Esse é um símbolo de unidade e totalidade. Mas, notem, que só pedras polidas e lisas podem ser usadas para essa construção. Existiram muitas outras pedras, até pedras brilhantes, mas redondas, e elas não puderam ser usadas na construção; pois elas não se ajustavam umas às outras e, não sendo portanto adequadas à construção tiveram de ser postas junto aos muros. (Hermas, Vis. 3:2:6,8)

No simbolismo antigo, "redondo" era um sinal de isolamento, de auto-suficiência e auto-satisfação - teres atque rotundus. E é justamente esse espírito de auto-satisfação que impede nossa entrada na Igreja. A pedra tem que ser chata e lisa, para que ela possa se adaptar à parede da Igreja. Nós devemos "nos rejeitarmos" para sermos capazes de entrar na catolicidade da Igreja. Devemos controlar nossa auto-estima num espírito católico antes de podermos entrar na Igreja. E, na plenitude da comunhão da Igreja, a transformação católica da personalidade é completada.

Mas a rejeição e a negação de nosso próprio ego não significa que a personalidade deve ser extinta, dissolvido na multidão. Catolicidade não é corporalidade ou coletivismo. Ao contrário, a auto-negação amplia o escopo de nossa personalidade; em auto-negação possuímos a multidão dentro de nosso próprio ego; englobamos os muitos em nosso próprio ego. Ai está a similaridade com a Divina Unidade da Santíssima Trindade. Em sua catolicidade a Igreja torna-se a similitude criada da divina Perfeição. Os padres da Igreja falaram disso com grande profundidade. No Oriente São Cirilo de Alexandria; no Ocidente Santo Hilário. (Para citações patrísticas muito bem ordenadas e explicadas, ver E. Mersh, S.J., Le Corps Mystique du Christ, Etudes de Théologie Historique, t. 1-2, Louvain, 1933).

Na teologia contemporânea russa o metropolita Antônio disse muito adequadamente: "A existência da Igreja não pode ser comparada com mais nada sobre a terra, pois na terra não há unidade, só separação. Só no céu há algo como a Igreja. A Igreja é a existência perfeita, nova, peculiar e única sobre a terra, um unicum, que não pode ser bem definido por qualquer conceito tomado da vida do mundo. A Igreja é a semelhança da existência da Santíssima Trindade, a semelhança na qual muitos tornam-se um. Por que essa existência, assim como a existência da Santíssima Trindade, é nova para o velho homem e impenetrável para ele? Porque a personalidade, em sua consciência carnal, é uma existência auto-aprisionada, contrastando radicalmente com todas as outras personalidades (arcebispo Antônio Khapovitsky, The Moral Idea of the Dogma of the Church, Works, Vol. 2, pgs. 17-18. São Petersburgo, 1911). "Assim o cristão deve, na medida do seu desenvolvimento espiritual, tornar-se livre; fazendo um contraste direto entre o 'ego' e o 'não-ego' ele deve modificar radicalmente as qualidades fundamentais da auto-consciência humana". (Ibid., The Moral Idea of the Dogma of the Holy Trinity, p. 65) É justo essa mudança que é a regeneração católica da mente.

Há dois tipos de auto-consciência e auto-afirmação: individualismo separado e catolicidade. Catolicidade não é a negação da personalidade e consciência católica não é nem genérica nem racial. Não é uma consciência comum, nem a consciência conjunta de muitos ou o "Bewusstsein ueberhaupt" dos filósofos alemães. Catolicidade é alcançada, não com a eliminação da personalidade viva, nem com a elevação para o plano de um Logos abstrato. Catolicidade é uma unidade concreta de pensamentos e sentimentos. Catolicidade é o estilo ou ordem de colocação da consciência pessoal, quando essa sobe para o "nivel de catolicidade." É o "telos" da consciência pessoal, a qual é alcançada com o desenvolvimento criativo e não com a aniquilação da personalidade.

Na transfiguração católica a personalidade recebe força e poder para expressar a vida e consciência da totalidade. E isso não como um meio impessoal, mas numa ação criativa e heróica. Não devemos dizer: "todos na Igreja atingem o nível de catolicidade," mas " todos podem, e devem, e são chamados a atingi-lo." Nem sempre e nem por todos esse nível é atingido. Na Igreja chamamos aqueles que o atingiram doutores ou padres, porque deles nós ouvimos não só sua profissão de fé, mas também o testemunho da Igreja; eles falam para nós de sua plenitude católica, da plenitude de uma vida cheia de graça.

FONTE:

Folheto Missionário nP95. Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant


Ecclesia

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF