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sábado, 3 de outubro de 2020

TEOLOGIA: A Catolicidade da Igreja (Parte 8/8)

George Florovsky | ECCLESIA

A Catolicidade da Igreja

Trad.: Pe. Pedro Oliveira Junior

10. A nova criação

A missão primordial da Igreja histórica é a proclamação de outro mundo "que virá." A Igreja dá testemunho da nova Vida, aberta e revelada em Cristo Jesus, o Senhor e Salvador. Isso ela faz por palavras e obras. A verdadeira proclamação do Evangelho seria precisamente a prática dessa nova Vida: testemunhar a fé pelas obras (cf. Mt 5,16).

A Igreja é mais que uma companhia de pregadores, ou uma sociedade de ensino, ou um comitê missionário. Ela não tem só que convidar pessoas, mas também deve introduzi-las nessa nova Vida da qual ela dá testemunho. É na verdade um corpo missionário, e seu âmbito de missão é o mundo inteiro. Mas o objetivo de sua atividade missionária não é meramente levar ao povo certas convicções e idéias, nem mesmo impor a eles uma disciplina definida ou uma regra de vida mas, antes de tudo, introduzi-los nesta nova Realidade, convertê-los, trazê-los, através da fé e do arrependimento, ao próprio Cristo, para que possam nascer de novo, d'Ele e n'Ele, pela água e pelo Espírito. Assim o ministério da palavra é completado pelo ministério dos sacramentos.

"Conversão" é um novo começo, mas é só um começo a ser seguido por um longo processo de crescimento. A Igreja tem que organizar a nova vida do convertido. A Igreja tem, como teve, que mostrar os novos modelos de existência, o novo modo de vida, aquele do "mundo que virá." A Igreja é, aqui nesse mundo, para a sua salvação. Mas, justo por essa razão, ela tem que se opor e renunciar a "esse" mundo. Deus pede o homem todo, e a Igreja dá testemunho e apoio a essa exigência totalitária de Deus revelada em Cristo. O cristão tem que ser uma nova criação. Por isso ele não pode encontrar um lugar definido para si próprio dentro dos limites do "velho mundo." Neste sentido a atitude cristã é, como sempre foi, revolucionária com respeito à velha ordem deste mundo. Não sendo "deste mundo" a Igreja de Cristo "neste mundo" só pode estar em permanente oposição, ainda que pleiteie somente uma reforma da ordem existente. Em todo caso, a mudança é para ser radical e total.

11. Antinomias históricas

Falhas históricas da Igreja não obscurecem o caráter absoluto e decisivo do seu desafio, com o qual está comprometida por sua natureza completamente escatológica; e ela se auto-desafia constantemente.

Vida histórica e missão da Igreja são uma antinomia. E essa antinomia não pode ser nunca resolvida ou superada num nível histórico. É mais uma permanente alusão ao que "virá" no futuro. A antinomia está enraizada na alternativa prática que a Igreja teve de enfrentar desde o início da sua peregrinação histórica. Ou a Igreja deveria ser constituída como uma sociedade exclusiva e "totalitária," esforçando-se por satisfazer todas a expectativas dos fiéis, tanto temporais quanto espirituais, não dando atenção à ordem existente e não deixando nada para o mundo exterior - teria sido uma inteira separação do mundo, um decisivo vôo para fora dele e a negação radical de qualquer autoridade externa; ou a Igreja poderia tentar uma cristianização inclusiva do mundo, submetendo a totalidade da vida à regra e autoridade cristã, para reformar e reorganizar a vida secular com base em princípios cristãos, para construir, a cidade Cristã.

Na história da Igreja podemos rastrear estes dois movimentos: um vôo para o deserto e a construção do Império cristão. O primeiro foi praticado não só no monaquismo de várias tendências, como também em outros vários grupos e denominações cristãs O segundo foi a linha principal tomada pelos cristãos tanto do Oriente quanto do Ocidente, até o surgimento do secularismo militante mas, mesmo atualmente, essa solução não perdeu a força e apoio em muitos povos. Em geral, ambos os movimentos não foram bem sucedidos. Tem-se, no entanto, que reconhecer a realidade do seu problema comum e a verdade do seu propósito comum. O cristianismo não é uma religião individualista e não está só preocupado com a "salvação da alma." Cristianismo é a Igreja, isto é, uma comunidade, o novo povo de Deus, conduzindo sua vida corporativa de acordo com seus princípios peculiares. E, essa vida não pode ser dividida em departamentos, alguns dos quais dirigidos por qualquer princípio heterogêneo. A direção da Igreja não pode ser reduzida a uma orientação ocasional dada a indivíduos ou grupos vivendo em condições totalmente não congênitas com a Igreja. A legitimidade dessas condições devem antes de mais nada ser questionada. A tarefa de uma completa recriação ou remodelagem de toda estrutura de vida humana não pode e não deve ser evitada ou declinada. Não se pode servir a dois senhores e, uma dupla fidelidade é uma solução pobre. Aqui, a alternativa acima mencionada, inevitavelmente vem. Tudo o mais seria meramente um compromisso aberto ou uma redução das decisivas e, portanto, totais demandas. Ou os cristãos devem ir para fora do mundo no qual existe outro Senhor além de Cristo (seja qual for o nome que se dê a ele: César ou Mamon, ou qualquer outro) e no qual a regra e o objetivo da vida são outros que não o evangélico - sair do mundo e iniciar uma sociedade separada; ou de novo os cristãos devem transformar o mundo exterior, fazer com que ele também seja o Reino de Deus, introduzindo os princípios do Evangelho na legislação secular.

Há uma consistência interna em ambos os programas. E, por isso a separação dos dois caminhos é inevitável. Os cristãos parecem compelidos a tomar caminhos diferentes. A unidade da missão cristã está quebrada. Um cisma interno surge dentro da Igreja: uma separação anormal entre os monges (ou a elite dos iniciados) e o povo-leigo (incluindo clero), o que é muito mais perigoso do que a alegada "clericalização" da Igreja. Em última instância, no entanto, é só um sintoma da decisiva antinomia. O problema não tem solução histórica. Uma verdadeira solução transcenderia a história, ela pertence ao "tempo que virá." Nesse tempo, no plano histórico, nenhum principio constitucional pode ser dado, mas somente um princípio regulativo: um princípio de discriminação não um princípio de construção.

Pois, novamente cada um dos dois programas é contraditório em si. Há uma inerente tentação sectária no primeiro (monaquismo): o caráter "católico" e universal da mensagem cristã e do seu propósito, é aqui freqüentemente obscurecido e com freqüência deliberadamente negado, e o mundo é simplesmente deixado fora da visão. E, quanto ao segundo, todas as tentativas de uma direta cristianização do mundo, de modo a torná-lo um Estado ou Império cristão, somente tem conduzido a uma mais ou menos aguda secularização do próprio cristianismo. (Para um tratamento mais detalhado do tema, ver George Florovsky, The Antinomies of Christian History, que será publicado nos Collected Works de George Florovsky). Works de George Florovsky).

Em nosso tempo ninguém consideraria possível a conversão de todos para um monaquismo universal ou a realização de um verdadeiro e universal Estado cristão. A Igreja permanece "no mundo," como um corpo heterogêneo, e a tensão atual é maior do que jamais foi; a ambigüidade da situação é dolorosamente sentida por todos na Igreja. Um programa prático para o tempo presente só pode ser deduzido de uma compreensão restaurada da natureza e essência da Igreja. E a falha de todas expectativas utópicas não pode obscurecer a esperança cristã: o Rei veio, o Senhor Jesus Cristo, e seu Reino virá.


FONTE:

Folheto Missionário nP95. Holy Trinity Orthodox Mission
466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011
Redator: Bispo Alexandre Mileant


Ecclesia

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF