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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Para iluminar, ter o fogo aceso: Matrimônio e celibato apostólico (2) (Parte 1)

Foto/Crédito: Opus Dei

Para iluminar, ter o fogo aceso: Matrimônio e celibato apostólico (2)

Viver como Cristo, tanto no matrimônio como no celibato, leva a acolher um estilo de vida novo que o Espírito Santo nos oferece: um amor fecundo, um coração limpo e uma opção pelas riquezas de Deus e pelo cuidado dos mais necessitados, no estilo do Evangelho.

30/06/2025

Em meados dos anos cinquenta depois de Cristo, Suetônio escreve que o imperador Cláudio “expulsou [de Roma] os judeus que, impulsionados por Cresto, provocavam altercações com frequência”[1]. Aos olhos da autoridade romana, afirmavam que Cristo estava vivo, embora os de Jerusalém insistissem em que havia morrido crucificado: tratava-se dos cristãos procedentes da Judeia que possivelmente tinham ido à capital do império para anunciar Jesus ressuscitado. Eles compreenderam que não eram só os dozes apóstolos que estavam chamados a realizar aquela missão, mas todos os discípulos de Cristo de todos os tempos. Isso São Paulo recorda a uma das primeiras comunidades: “Sois uma carta de Cristo” – diz-lhes – que foi redigida em vossos corações ‘com o Espírito de Deus vivo’” (2 Cor 3,3). Todos eram chamados a ser, com sua vida, uma mensagem para os outros, escrita pelo próprio Cristo.

Naquele grupo muitos eram casados, como “o centurião Cornélio, que foi dócil à vontade de Deus e em cuja casa consumou-se a abertura da Igreja aos gentios (At 10, 24-48); Áquila e Priscila que difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso e que colaboraram no apostolado de São Paulo (At 18, 1-26); Tábita, que com sua caridade assistiu os necessitados de Jope (At 9, 36)”[2]. Muitos outros, pelo contrário, não abraçavam o matrimônio por diferentes razões, entre elas, ter recebido o dom do celibato, com uma chamada a unir-se também a esse aspecto da vida de Jesus. É o que relata Galeno – um famoso médico pagão – por volta do ano 200 que também “há entre eles mulheres e homens que se abstiveram da união sexual por toda sua vida”[3]. O que também, na mesma época, São Justino testemunha: “Muitos homens e mulheres, já septuagenários, cristãos desde a juventude, conservam-se virgens”[4]. O que havia de novidade na mensagem ou no estilo de vida daqueles cristãos, casados e solteiros, viúvos e celibatários, que fizeram temer o próprio imperador?

Viviam sob uma nova lei

“Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19): com esta frase o Senhor envia os apóstolos – e continua enviando-nos – a todo o mundo. Jesus acrescentou, além disso, que aonde fossem, ensinassem “a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28,20). Se estas palavras chegaram aos ouvidos do imperador Cláudio, seria compreensível que ele se enchesse de nervosismo, pois Jesus Cristo estava estabelecendo uma nova lei, que, ao que parece, afetava qualquer território, inclusive o dele. O mandamento de Cristo, no entanto, era muito diferente do que talvez o imperador imaginasse: a lei dos discípulos – que os distinguiriam se a vivessem – não era outra, senão amar como Ele mesmo amou.

Jesus definiu essa lei peculiar como o “mandamento novo” (cfr Jo 13, 34) e, em boa medida, é sempre novo, pois não é simples aprender a amar assim. Se observarmos à nossa volta, há muitos cantos de sereia que nos convidam a viver de outra forma, a amar ídolos, interiores ou exteriores. E se olharmos dentro de nós, também existem motivos de sobra para tornar evidente, inclusive, que pode ser delicado amar-nos assim a nós mesmos: com a passagem do tempo acumulamos tensões, fracassos, medos, que vão golpeando a nossa própria autoestima. Quem pode amar a Deus, a si mesmo e ao próximo como Jesus fez?

Acolher a realidade como amada por Deus, sem devolver o mal por mal, sem procurar a justiça por nossa conta , tentando ver como nós também podemos amá-la é parte de “guardar o que Ele ensinou”. No casamento, os esposos declaram um ao outro: “eu te recebo e me entrego a ti e prometo ser fiel na prosperidade e na adversidade, na saúde e na doença, e amar-te e respeitar-te todos os dias da minha vida”. De certa forma, Deus realiza isso mesmo conosco; promete-nos que, junto dele, toda realidade pode ser aceita. Inclusive no que é mais obscuro – desgraças, doenças, injustiças, infidelidades, fracassos – podemos descobrir o significado misterioso, uma luz tênue e, com sua ajuda, podemos compreender como “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom 8, 28).

A bem-aventurada Guadalupe[5] dizia que, para realizar o apostolado do Opus Dei, estaria “contente onde me necessitem”[6], pois sabia que qualquer circunstância era propícia para viver esse novo mandamento de Jesus, essa nova lei do amor que convida todos a viverem em uma lógica diferente. Por isso, “seu projeto de vida ficou engrandecido ao ser colocado dentro do plano divino: Guadalupe deixou-se levar por Deus, com alegria e espontaneidade de um lugar a outro, de um trabalho a outro. O Senhor potencializou sua capacidade e talentos, desenvolveu sua personalidade e multiplicou os frutos de sua vida”[7]. A vida dos santos recorda-nos o que é viver sob este novo império que vence o egoísmo com o amor de Cristo que se encarna nos cristãos.

A chamada à paternidade e maternidade espirituais

É lógico, por isso, que os discípulos tenham começado a ver as pessoas com outros olhos; já não viam distinções de nação nem de qualquer outro tipo, mas procuravam amar com o coração misericordioso de Deus, judeus, samaritanos, galileus, romanos, gregos ou persas. Imitando Jesus, adquiriam pouco a pouco um coração de pai e de mãe, pois eram chamados a comunicar uma vida nova ao dar à luz na fé a tantas pessoas. São Gregório de Nisa indica que o motivo pelo qual Jesus era celibatário era precisamente porque Ele vinha ao mundo não para gerar filhos nascidos do sangue ou da carne (cfr Jo 1, 13), e sim para dar-nos a vida sobrenatural, engendrando-nos como filhos de Deus[8]. Todos os cristãos – seguidores de Jesus Cristo –, solteiros e casados, somos chamados a essa paternidade ou maternidade espirituais.

Viver esse novo tipo de paternidade ou maternidade é a missão mais alta de toda pessoa. Assim como o Gênesis sublinha a vocação à paternidade e à maternidade físicas (cfr Gn 1,28), poderíamos dizer que os primeiros discípulos, herdeiros de um novo gênero humano a partir da Ressurreição do Senhor, foram chamados a uma nova paternidade e maternidade em Cristo. A própria bem-aventurada Guadalupe várias vezes, ao escrever a São Josemaria, não pode ocultar sua alegria vendo crescer essa vida nova nas pessoas à sua volta, especialmente nas estudantes da residência em que morava: “Às vezes, vendo-as todas contentes e trabalhando bem, nos parece que já conseguimos tudo, e esquecemos que o nosso trabalho é nada menos que ensiná-las a ser santas, sendo nós também”[9].

Os cônjuges recebem essa fecundidade especialmente através da graça do matrimônio, mas não somente aí. Com o Espírito Santo e os outros sacramentos, dispõem sempre de luz e forças novas para cuidar um do outro e para educar os filhos – quando chegam – nutrindo-os com a vida de Deus. Aqueles que não têm filhos podem também descobrir essa fecundidade inflamar o amor de Deus em pessoas e lugares que talvez nunca tivessem imaginado.

É também o próprio Espírito Santo que concede uma graça especial às pessoas solteiras ou àquelas que receberam o dom do celibato: com isso imitam a vida de Cristo no modo particular de cuidar e de dar a vida espiritual a tanta gente.

Na vida de Marcelo Câmara[10], supernumerário do Opus Dei que faleceu muito jovem, observa-se claramente essa paternidade espiritual. Uma amiga recorda uma conversa com o Marcelo, num dia em que se sentia triste: “Lá estava eu – diz ao recordar um desses momentos – ganhando de presente mais uma vez aquela sensação, como se eu estivesse por poucos segundos sentindo Cristo muito próximo, cuidando de mim, me incentivando na fé. Uma sensação de paz indescritível”[11]. Algo similar recordam os alunos de Arturo Álvarez[12], adscrito do Opus Dei, engenheiro e professor mexicano. Numa carta dirigida a ele, diziam: “Um mestre é aquele que além de dar sua matéria, dá a seus alunos parte do seu próprio ser, de sua filosofia de vida e de seu credo. Ao dar sua aula cada manhã, vemos como em cada atividade procura a oportunidade de realizar-se, de santificar-se (...). É um mestre que deixará uma marca profunda em nossa vida”[13].


[1] Suetonio, Vitae XII Caesarum. Vita Claudii, XXVV, 3. Na versão original se lê: “Iudeos impulsore Chresto assidue tumultuantes Roma expulit”.

[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 30

[3] Galeno, Libro de sententiis Politiae Platonicae, exposto por Abu Al-Fida Ismail Ibn-Ali, Abulfedae Historia Anteislamica Arabice, F.C.G. Vogel, Lipsia 1831, 109. Na versão original lê-se: “Sunt enim inter eos, et foeminae et viri, qui por totam vitam a concubitu abstinuerint”. Galeno nasceu em Pérgamo (Turquia) por volta do ano 130 e faleceu em 201. Foi médico da corte imperial no tempo de Marco Aurélio, bem como de seu filho Cómodo e dos imperadores seguintes.

[4] São Justino, Apologia I, 15, 6-7

[5] Guadalupe Ortiz de Landázuri (1916-1975) era química e professora espanhola e foi uma das primeiras mulheres do Opus Dei, como numerária. Destacou-se por sua entrega ao ensino e por seu trabalho evangelizador na Espanha e na América Latina. Foi beatificada em 2019.

[6] María del Rincón, Maria Teresa Escobar, Cartas para um santo.

[7] Mons. Fernando Ocáriz, mensagem de 9 de abril de 2019.

[8] Cfr. São Gregório de Nisa, De Virginitate 2, 1, 1-11.

[9] María del Rincón, María Teresa Escobar, Cartas para um Santo.

[10] Marcelo Henrique Câmara (1979 – 2008) era um leigo brasileiro, advogado e professor, conhecido por sua profunda vida de fé e de apostolado no Opus Dei. Destacou-se por sua alegria, espírito de serviço e testemunho cristão na vida cotidiana. Está em processo de beatificação.

[11] Maria Zoê Bellani Lyra Espindola. No caminho da santidade; A vida de Marcelo Câmara, um promotor de justiça (Portuguese Edition) (p. 55). Cia do eBook. Edição do Kindle.

[12] Arturo Álvares Ramírez (1935 – 1992) era um engenheiro químico e professor mexicano, reconhecido por sua dedicação à docência na Universidade de Guadalajara durante mais de trinta anos. Destacou-se por sua amabilidade e disponibilidade para com todos. Seu processo de beatificação teve início em 2021 em Guadalajara.

[13] Javier Galindo Michel, La vida plena de Arturo Álvarez Ramírez, Minos, Cidade do México 2018, 71.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/para-iluminar-ter-o-fogo-aceso-matrimonio-e-celibato-apostolico-2/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF