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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Reflexão de ano novo: não somos pessoas descartáveis

fizkes | Shutterstock
por Talita Rodrigues

Vivemos numa era de pessoas e relações descartáveis, mas não podemos ser tratados assim.

Hoje acordei com o coração apertado. Ano novo, momento quase inevitável para reflexões. Lembrei-me das pessoas que ficaram para trás. Mas me lembrei ainda mais daquelas pelas quais eu fui deixada para trás.

Todos nós sabemos que a vida nos leva para lá e para cá como bem entende. Muito do que gostaríamos de decidir não fica realmente em nossas mãos. Conhecemos pessoas e somos obrigados a nos despedir um dia. Vivemos a saudade dos momentos que tivemos com elas e temos que nos contentar com o contato em redes sociais ou com os valiosos telefonemas – tão raros hoje em dia.

Cultura do descarte

Mas e quando percebemos que não tivemos valor para alguém a quem nos dedicamos tanto? Um amigo ou amiga que pensávamos ser para sempre? Um lampejo, uma possibilidade de um amor que pareceu estar chegando e mais uma vez foi embora? É aí que nos damos conta de que vivemos novamente um momento descartável.

É difícil aceitar como nos tornamos descartáveis uns para os outros. Em nome de uma sobrevivência forçada, de uma sociedade enlouquecida em seu ritmo alucinante, entramos nessa onda de velocidade. E as pessoas que passam em nossas vidas chegam e se vão como água, não importando mais o que acontece ou como nos sentimos em seguida.

Em uma das minhas sessões de terapia do ano passado, minha  terapeuta me disse: “Quem vê você, vê uma mulher segura, disponível, cheia de si e não imagina como você é de verdade por dentro”. Ela se referia a isso, à minha não aceitação do “ser” descartável, simplesmente o “ser” mais uma na vida de alguém, enquanto o meu comportamento seguro talvez demonstre o contrário. Será que eu sou mais uma a tratar os demais de forma tão rasa?

A arte do desapego em relação às pessoas que passam pela minha vida é algo que eu, honestamente, desconheço. Me apego sim. Gosto, curto, admiro e torço pela felicidade daqueles que estão ao meu lado. Quando a vida é dura e leva de mim os que gosto, sofro, mas ao menos tenho a certeza de que foi Deus quem quis assim.
Cruel mesmo é quando as pessoas nos descartam sem mais nem menos, sem ao menos ter a decência de serem honestas quando já estamos nos tornando descartáveis para elas, até que sejamos de fato. Triste é ser desprezado e totalmente ignorado, como se nem tivéssemos existido.

Relações que subtraem

Vivemos numa sociedade onde as pessoas “ficam”, trocam suas energias mais fortes e profundas com desconhecidos. Fogem de relações que somam em troca das que aparentemente não fazem diferença alguma – quando, na verdade, subtraem sim. Subtraem nossos sentimentos, nossos valores, nossas possibilidades de evolução emocional, de valorizar o outro, de conhecer o próximo e a si mesmo de forma mais profunda.

Nos tornamos uma sociedade doente, onde o “conhecer” pessoas em sua essência se tornou algo raro. O “olhar” para outro com o coração é estranho e não natural como deveria ser. Amigos já não parecem ser tão amigos assim. Amores, só de um verão. Somos todos bem-vindos à era do coleguismo e dos relacionamentos virtuais. Centenas de mensagens no WhatsApp  e um provável adeus logo em seguida.

Fico feliz por não me encaixar nessa modernização das relações humanas. Gosto e faço questão da visita em casa, do encontro pessoalmente, do ouvir a voz e o olhar nos olhos. O abraço apertado e uma conversa franca sobre quem eu sou, além do que aparento ser. Aprecio o conhecer o outro na sua mais profunda intimidade, desde suas qualidades até as fraquezas mais escondidas. Admiro o buscar de afinidades e o respeito pelas diferenças. Vivo o longo momento do conhecer e do se reconhecer no outro. Que para mim, vai bem além das centenas de mensagens via telefone celular e dos tantos verões já descartados. Começa no olhar e dura uma vida inteira, muito mais que um verão.

Não somos descartáveis

Vivemos numa era de pessoas descartáveis, quando aceitamos ser tratados assim. E pior, quando olhamos para os demais de forma tão superficial. Se não nos encaixamos, acabamos por nos sentir sozinhos, por ainda possuirmos algo de tamanho valor e esquecido pela maioria: o amor ao próximo como a nós mesmos.

Ainda que nos sintamos sozinhos, não estamos sós de verdade. Deus está conosco. Só está um tanto difícil encontrar pessoas com os valores que sobraram. Sejamos nós, a minoria, a perpetuar o que é duradouro, pois um dia, com as bênçãos de Deus, encontraremos alguém que nos ensinará a perpetuar ainda mais!

Aleteia

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF