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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A liturgia é escola de vida – I (2/3)

© Anna Nass I Shutterstock

A liturgia é escola de vida – I

Por Don Emanuele Bargellini

Entenda o modo de viver de um grupo de pessoas, existente desde tempos imemoriais e presente em todas as grandes religiões: o monaquismo. E como esse modo de viver pode nos ajudar a ter uma vida mais plena:

Trabalhando e Rezando (Ora et labora)

A RB não apresenta uma teologia teoricamente elaborada do Opus Dei/oficio divino, e ainda menos da eucaristia. Esse objetivo não pertence ao gênero literário da RB. Ela visa orientar com sabedoria espiritual a vida cotidiana do monge e da monja no seu conjunto, fazendo dela uma autêntica experiência de Deus, unitária e variegada nas suas expressões. É possível, porém, encontrarmos alguns elementos essenciais, que são como pilares que sustentam a estrutura da comunidade como “tenda do Senhor” (RB, Prólogo), “casa do Senhor” (RB 31,19; 64,5), “templo do Senhor” (RB 53,14; cf 1Pd, 2, 4-9). 

Tais elementos se encontram tanto na própria estrutura do dia como em breves sugestões, cheias de experiência e de sabedoria espiritual, presentes às vezes em contextos aparentemente sem conexão direta com a atividade do culto litúrgico. É suficiente lembrar alguns exemplos:

  • Vida diária ritmada pelas orações e tarefas cotidianas (RB 8- 18).
  • Sacralidade do oratório, que pela sua função exclusiva de lugar de oração e pelo seu simbolismo evocativo, leva o monge e a monja à interioridade (RB 52; cf 44;45;47, etc.).
  • Percepção da presença de Deus que, enquanto acompanha a consciência do monge e da monja em cada momento e em todo lugar e atividade (RB 7, 14. 23), na celebração do Opus Dei alcança, todavia, o cume da sua intensidade (19,1). Daí se irradia para a existência inteira e a unifica, num diálogo com o Senhor, secreto e silencioso, sem interrupção (RB 19-20), até fazer do próprio corpo do monge e da monja, reverentemente inclinados, uma expressão sensível da presença divina que os habitam (RB 7,63). 

Cai toda separação entre o oratório e a vida cotidiana no seu conjunto, simbolicamente resumida no trabalho, gerando a consciência que todo e qualquer utensílio deve ser tratado com o mesmo carinho e sentido sagrado, com que se tratam os vasos sagrados do altar (RB 31,10). Para o olhar purificado e unificado do monge, não é muito diferente reconhecer com fé e amor Cristo presente no abade, pai do mosteiro em seu nome (RB 2,2; 63, 13), no irmão enfermo (RB 4,16; 36, 1-2), assim como no último dos hóspedes que sobrevém na hora mais imprevisível e inoportuna (RB 53, 1;7;15). 

Esta é a harmonia a perseguir e construir entre o sentido interior da fé e do amor, e os gestos do cotidiano que abrangem os espaços e os tempos da vida inteira, construindo um estilo de viver, atuar, celebrar, relacionar-se com as pessoas e com as coisas; na simplicidade, não de modo artificial e formal. Quanto mais autêntica e intensa se tornar esta harmonia da pessoa, menos artificialmente ritualizada se tornará seu estilo de vida. O cuidadoso convite de São Bento para escutar de boa vontade as santas leituras (RB 4,55), e a dedicar-se a elas com zelo, segundo as circunstâncias do dia (cf RB 42 e 48), alimenta aquela elaboração saborosa da palavra do Senhor que os padres do monaquismo antigo chamavam de “ruminatio” (ruminação). Esse processo acompanha silenciosamente o diálogo interior no quarto do coração e unifica o tecido do dia e do tempo. A leitura cotidiana das Escrituras (lectio divina), encontra nesse clima seu respiro e desenvolve sua tarefa de conjunção vital entre os dois eixos do Ora et labora.

A percepção constante e progressiva da presença de Deus

O sentido saboroso da presença amorosa do Senhor permite cantar os salmos de maneira que “a nossa voz concorde com a nossa mente” (RB 19,6-7). Esta atenção desperta a vontade e o gosto de “dar-se frequentemente à oração” (RB 4,63), deixando brotar espontaneamente, pela moção do Espírito, aquela oração irrigada pelas lágrimas, que manifesta e alimenta a purificação do coração com arrependimento e amor (RB 4,57; 20,4). 

Há outra oração interior e continua: é o desejo. Ainda que faças qualquer outra coisa, se desejas aquele repouso do sábado eterno, não cessas de orar. Se não queres cessar de orar, não cesse de desejar. Se teu desejo é continuo, a tua voz é continua. 

Através deste itinerário interior, sustentado pela estrutura do dia que orienta a Cristo e alimenta o sentido de viver constantemente à presença do Senhor, não com medo, mas na liberdade do amor (cume da vida do monge- cf RB 7, 67 -70), a prescrição “Nada antepor ao Opus Dei” passa do preceito/norma exterior a se cumprir, à expressão da feliz experiência de quem aprendeu a suprema lei do amor, da liberdade e da intimidade com o Senhor. 

Esta experiência gera uma nova escala de prioridades e escolhas que passam a modelar a existência do monge e da monja. A esta altura, se desenvolve no coração deles, aquela percepção e visão unitária da vida, permeada pela luz e energia do Espírito, que geram grande liberdade interior, e ao mesmo tempo são capazes de delicada atenção aos pormenores da vida cotidiana e às relações com os irmãos/ãs. Até nos pormenores vive-se com naturalidade a experiência da plenitude e da liberdade. Pequena antecipação do “retorno ao paraíso”, categoria tão querida à tradição monástica para interpretar o sentido e a direção do caminho monástico, à luz da vida espiritual compreendida como inserção e cumprimento da única história da salvação.

Fonte: https://pt.aleteia.org/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF