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terça-feira, 22 de agosto de 2023

As causas de uma “crise eucarística” (2/4)

Celebração Eucarística (Presbíteros)

As causas de uma “crise eucarística”

Origens teológicas da “crise eucarística”

As heresias dos reformadores acerca deste Sacramento produziram a defesa dogmática que, depois do Concílio de Trento, se tornou ainda mais firme. Foram nos últimos séculos que, graças à influência do protestantismo liberal, novas ameaças começaram a pairar sobre este sacramento. Precisamos proceder por partes.

O abuso do método histórico-crítico na leitura da Sagrada Escritura Gerhard Hasel, em seu livro Teologia do Antigo Testamento, explica as fases que os estudos bíblicos tiveram no protestantismo. Segundo ele, “o princípio protestante Sola Scriptura, que se transformou no grito de guerra da Reforma contra a teologia escolástica e a tradição eclesiástica, preparou o terreno para o desenvolvimento subsequente da teologia bíblica através de sua conclamação à ‘livre interpretação’ das Escrituras” (p. 13).

Um segundo momento seria o originado pelo pietismo. “O retorno ao domínio da Bíblia, característica do pietismo alemão, deu novo curso à teologia bíblica. Nesse movimento, esta tornou-se um instrumento de reação à árida ortodoxia protestante’. Philipp Jacob Spener (1635-1705), um dos pais do pietismo, combateu o escolasticismo protestante munido da ‘teologia bíblica’” (p. 14).

A partir daí, ele narra com grandeza de detalhes como a teologia bíblica se foi independentizando da dogmática até que chega um momento decisivo, no final do século XVIII:

“O neólogo e racionalista Johann Philipp Gabler (1753-1826), que nunca escreveu ou mesmo pretendeu escrever uma teologia bíblica, contribuiu de forma decisiva e marcante para o desenvolvimento da nova disciplina, com sua palestra de abertura na Universidade de Altdorf, em 30 de março de 1787. Esse ano marcou para a teologia bíblica o início de seu papel de disciplina exclusivamente histórica, totalmente independente da dogmática. Gabler dá sua famosa definição: ‘A teologia bíblica possui um caráter histórico: ela transmite o que os escritores sacros pensavam de temas divinos; já a teologia dogmática possui um caráter didático: e transmite as ponderações filosóficas de determinado teólogo acerca de temas divinos, levando em conta sua capacidade, época e região em que viveu, e orientação ou escola, entre outras coisas’” (pp. 17-18).

A partir daí, Hasel traça todo o caminho pelo qual a crítica histórica se tornará cada vez mais hegemônica até que aconteça o processo inverso: uma vez tendo se independentizado da dogmática, as ciências bíblicas quererão construir uma própria teologia a partir de suas novas suposições. O método histórico-crítico, portanto, não é o problema em si, mas o abuso no seu uso passou a ser um problema na medida em que se pretendeu criar uma nova teologia.

Novas teologias

A tentação de se reconstruir a teologia depois do desmonte da Escritura é muito forte. Se Lutero havia semeado o veneno do Sola Scriptura, o processo subsequente fará com que a Escritura seja desmontada. Consequentemente, os teólogos não conseguirão resistir à tentação de refundar a teologia sobre as novas especulações bíblicas e até arqueológicas.

O cristianismo, obviamente, é muito maior do que tudo isso. Como de algum modo reconhece Gabler, o cristianismo consiste na fusão entre a tradição Escriturística e a elaboração da Sagrada Tradição, recepcionante da síntese filosófica que aglutinou os maiores pensadores de todo o tempos, desde a filosofia até o direito. Nesse sentido, o cristianismo é a síntese mais elevada da história; e o marco epistemológico no qual se situa está muito além da pura e simples textualidade bíblica, pois, sem negá-la ou suprimi-la, assimila-a numa percepção concreta da realidade, em todos os seus níveis, físicos e metafísicos, naturais e sobrenaturais.

Assim como a física moderna reduziu a realidade aos seus aspectos quantificáveis e a filosofia moderna, seguindo o seu encalço, reduziu a elaboração racional à percepção sensível ou às abstrações idealistas, os teólogos modernos reduziram a Teologia à crítica bíblico-histórica, ignorando todas as demais camadas da síntese teológica cristã. O resultado disso é que, desmanchada a teologia tradicional e reduzida a Escritura a um mero epifenômeno histórico, o dogma foi esvaziado num subjetivismo radical, condensado, num primeiro esforço, naquilo que o Papa São Pio X chamou de “modernismo”.

Após a repressão dos anos posteriores à Pascendi do Papa Sarto, os modernistas recobraram novo fôlego e deram um passo a mais, rendendo-se às filosofias que, então, estavam na moda, como a fenomenologia, o existencialismo e o marxismo. Surgia, então, aquela que foi depreciativamente chamada de “Nova Teologia”, que abandonava aquilo que os seus autores consideravam como discussões meramente escolásticas e começaram a engajar-se nas especulações das filosofias contemporâneas e nas demandas das ciências sociais.

Reféns da crítica histórica, esses autores deram pé àquilo que se convencionou chamar de “cristologia de baixo”, especialmente inspirada nos Evangelhos sinóticos, e que privilegiava uma abordagem humana de Jesus, a qual, sem negar explicitamente a sua divindade, tentava rastrear a práxis do “Jesus histórico”, aquém das “mitologizações” da Igreja primitiva, que, segundo eles, ornaram-no da áurea de divindade para tornar-se mais palatável aos poderes políticos da época.

Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF