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sábado, 23 de setembro de 2023

Autismo em adultos: como lidar com o diagnóstico tardio (1/3)

Autismo em adultos (Crédito: UOL)

AUTISMO EM ADULTOS: COMO LIDAR COM O DIAGNÓSTICO TARDIO

por Isabelle Manzini

Publicado e revisado em: 9 de junho de 2022

O diagnóstico, mesmo que tardio, aliado à terapia, é fundamental para o autoconhecimento e desenvolvimento da independência.

“Entre a nossa comunidade, brincamos que crianças autistas não envelhecem; elas entram no pote no final do arco-íris e desaparecem.” É dessa forma descontraída, porém crítica, que Luciana Viegas, 28 anos, pedagoga, ativista pela neurodiversidade e idealizadora do movimento “Vidas negras com deficiência importam”, define a relação da sociedade com o apagamento dos adultos no espectro. 

De fato, a discussão sobre o transtorno do espectro autista (TEA) na fase adulta ainda é restrita, mas isso não significa que as pessoas deixem de fazer parte do espectro com o avançar da idade. O autismo é uma condição para a vida toda, e compreender seu funcionamento em cada fase da vida é fundamental para garantir qualidade de vida e inclusão social das pessoas autistas. 

Para começar a explicar o que é o TEA, o mais fácil é dizer o que ele não é. Ao contrário do que os estigmas afirmam, o transtorno do espectro autista não caracteriza uma doença, mas sim uma variação do funcionamento típico do cérebro. No livro “guia” dos diagnósticos de saúde mental, DSM-5, o TEA faz parte dos transtornos do desenvolvimento neurológico, no qual os sintomas tendem a se manifestar nos primeiros anos de vida. 

Esses sintomas são principalmente déficits em funções de comunicação, sociabilidade e interação, e a presença de comportamentos, interesses e atividades restritas e repetitivas. Eles podem estar presentes em maior ou menor intensidade. 

Um autismo para cada pessoa

Há, inclusive, uma classificação com o objetivo de facilitar e orientar o manejo e as intervenções necessárias para cada pessoa. Atualmente, essa classificação é bastante questionada pela própria comunidade autista, uma vez que, por ser o espectro, é difícil “colocar em caixas” cada manifestação do transtorno. De qualquer forma, essa classificação é mais útil para definir o nível de apoio demandado por cada um. Ela é dividida entre graus e grupos.

  • Nível 1: existe uma dificuldade para a interação social, porém sutil, além de dificuldade para troca de atividades e problemas de organização, também de forma leve. Exige apoio leve. 
  • Nível 2: a dificuldade para socialização é maior. Há também uma resistência a lidar com mudanças, além de comportamentos repetitivos. Exige apoio moderado.
  • Nível 3: há déficit de comunicação verbal e não verbal de forma mais clara. A pessoa também possui dificuldade em abrir-se para interações sociais que partam de outras pessoas, muita dificuldade em mudanças e comportamentos repetitivos constantes. Exige muito apoio. 

“Já em relação ao grupo, existem a síndrome de Asperger; o transtorno autista; o transtorno invasivo do desenvolvimento; e, por fim, o transtorno desintegrativo da infância”, explica Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião, médico do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Uma frase muito dita tanto pelos especialistas quanto por indivíduos autistas é que “Existe um autismo para cada pessoa”. E, considerando a variedade na manifestação dos sintomas e no funcionamento dentro do espectro autista, não há o que define melhor a condição. 

Descobrindo-se autista

Mas, quando falamos em adultos diagnosticados tardiamente, costuma haver um padrão: são pessoas que manifestam os sintomas de forma mais leve, tidas apenas como tímidas ou com dificuldades sociais típicas, o que atrasa o diagnóstico.

É o caso da Patrícia Ilus, 42, artista e apresentadora no “Adultos no Espectro”, projeto no Instagram que busca trazer visibilidade aos adultos autistas. Ela recebeu o diagnóstico apenas aos 41 anos, mas conta que sempre percebeu ter dificuldade em socializar. A decisão de buscar um especialista veio depois de uma situação no trabalho.  

“Tinha muitas dificuldades em relação a minha socialização, minha percepção sensorial e aos stims (movimentos autoestimulatórios), mas acreditava que era tímida e apenas diferente. Quando duas produtoras que trabalhavam comigo partiram para outros projetos, entrei numa crise profunda, que me fez ver que eu não tinha superado minhas dificuldades. Elas viabilizavam meu trabalho no que diz respeito a fazer contato com as pessoas. Sem elas, me senti completamente perdida e comecei a pensar seriamente que pudesse ser autista, pois sabia que a condição afetava relações sociais.”

A princípio, Patrícia buscou ajuda pelo SUS, mas infelizmente não encontrou uma equipe preparada para lidar com a possibilidade de um diagnóstico do TEA em uma pessoa adulta.

“Tentei apoio pelo SUS, mas não consegui prosseguir com a investigação. O clínico geral que me atendeu não levou minha queixa a sério, e disse que eu não era autista depois de 5 minutos de consulta. Tentei a psicóloga do postinho, mas os atendimentos foram suspensos com a pandemia. Resolvi juntar dinheiro para conseguir minha avaliação pela rede particular. Meu diagnóstico não foi demorado e não deixou dúvidas. Ou seja, eu só precisava encontrar os profissionais certos”, relembra.

Autismo e raça

O relato se assemelha ao da pedagoga Luciana, que, além de lidar com a falta de preparo da equipe, encarou ainda um outro empecilho: o racismo. “O autismo tem raça, classe social. Quando discutimos o transtorno, logo pensamos em um homem branco muito inteligente.”

Ela começou a suspeitar da condição depois que seu filho, Luiz, foi diagnosticado como autista quando tinha um ano e nove meses. A descoberta do próprio diagnóstico motivada pelo diagnóstico de um filho ou parente não é exclusividade de Luciana, como explica a seguir o dr. Marcelo Valadares. 

“Principalmente quando falamos sobre os graus mais leves do TEA, é muito comum que pais, que começam a entender melhor o assunto após diagnosticarem seus filhos, descubram que convivem com o autismo há anos. Muitas vezes, existe uma discreta dificuldade para interação social, mas essas pessoas são consideradas apenas tímidas, e isso acaba anulando qualquer investigação.”

Já pesquisando sobre o TEA e percebendo suas próprias características, Luciana decidiu compartilhar sua suspeita com o clínico geral que a acompanhava pelo SUS. O profissional concordou com a hipótese, e realizou o encaminhamento para a neurologista. Foi quando o desgaste começou.

“Na hora que eu entrei no consultório, a neurologista já disse que eu não era autista. Falou que eu estava lendo demais sobre autismo e por isso estava achando que tinha o diagnóstico, mas que isso era coisa da minha cabeça. A desculpa foi que eu era casada, o que não faria sentido para uma pessoa autista”, relembra. 

Além do próprio capacitismo da profissional em questão – uma vez que o espectro abrange diferentes graus de comprometimento das relações sociais, e uma pessoa autista pode perfeitamente desenvolver um relacionamento –, Luciana chama atenção para a questão racial, e conta que se sentiu negligenciada. 

“Eu sou uma mulher negra, então todas as vezes que eu tinha uma crise de descontrole era associada a transtornos mais marginalizados. O autismo não é um transtorno marginalizado. O autismo tem raça, tem classe. Sempre que a gente fala em autismo, nós imaginamos homens brancos muito inteligentes. E aí, quando você traz isso para mulheres negras, o que sobra? Nada. Sobra a gente tentando dar conta desse processo de forma solitária. Quando eu fui pra internet conhecer outras mulheres negras autistas, vi que as histórias batiam. São várias e várias mulheres negras que passam a vida toda sofrendo com o capacitismo, o racismo, e não têm acesso ao diagnóstico”, desabafa.

Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF