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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Para iluminar, ter o fogo aceso: Matrimônio e celibato apostólico (2) (Parte 1/2)

Foto/Crédito: Opus Dei

Para iluminar, ter o fogo aceso: Matrimônio e celibato apostólico (2)

Viver como Cristo, tanto no matrimônio como no celibato, leva a acolher um estilo de vida novo que o Espírito Santo nos oferece: um amor fecundo, um coração limpo e uma opção pelas riquezas de Deus e pelo cuidado dos mais necessitados, no estilo do Evangelho.

30/06/2025

Em meados dos anos cinquenta depois de Cristo, Suetônio escreve que o imperador Cláudio “expulsou [de Roma] os judeus que, impulsionados por Cresto, provocavam altercações com frequência”[1]. Aos olhos da autoridade romana, afirmavam que Cristo estava vivo, embora os de Jerusalém insistissem em que havia morrido crucificado: tratava-se dos cristãos procedentes da Judeia que possivelmente tinham ido à capital do império para anunciar Jesus ressuscitado. Eles compreenderam que não eram só os dozes apóstolos que estavam chamados a realizar aquela missão, mas todos os discípulos de Cristo de todos os tempos. Isso São Paulo recorda a uma das primeiras comunidades: “Sois uma carta de Cristo” – diz-lhes – que foi redigida em vossos corações ‘com o Espírito de Deus vivo’” (2 Cor 3,3). Todos eram chamados a ser, com sua vida, uma mensagem para os outros, escrita pelo próprio Cristo.

Naquele grupo muitos eram casados, como “o centurião Cornélio, que foi dócil à vontade de Deus e em cuja casa consumou-se a abertura da Igreja aos gentios (At 10, 24-48); Áquila e Priscila que difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso e que colaboraram no apostolado de São Paulo (At 18, 1-26); Tábita, que com sua caridade assistiu os necessitados de Jope (At 9, 36)”[2]. Muitos outros, pelo contrário, não abraçavam o matrimônio por diferentes razões, entre elas, ter recebido o dom do celibato, com uma chamada a unir-se também a esse aspecto da vida de Jesus. É o que relata Galeno – um famoso médico pagão – por volta do ano 200 que também “há entre eles mulheres e homens que se abstiveram da união sexual por toda sua vida”[3]. O que também, na mesma época, São Justino testemunha: “Muitos homens e mulheres, já septuagenários, cristãos desde a juventude, conservam-se virgens”[4]. O que havia de novidade na mensagem ou no estilo de vida daqueles cristãos, casados e solteiros, viúvos e celibatários, que fizeram temer o próprio imperador?

Viviam sob uma nova lei

“Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19): com esta frase o Senhor envia os apóstolos – e continua enviando-nos – a todo o mundo. Jesus acrescentou, além disso, que aonde fossem, ensinassem “a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28,20). Se estas palavras chegaram aos ouvidos do imperador Cláudio, seria compreensível que ele se enchesse de nervosismo, pois Jesus Cristo estava estabelecendo uma nova lei, que, ao que parece, afetava qualquer território, inclusive o dele. O mandamento de Cristo, no entanto, era muito diferente do que talvez o imperador imaginasse: a lei dos discípulos – que os distinguiriam se a vivessem – não era outra, senão amar como Ele mesmo amou.

Jesus definiu essa lei peculiar como o “mandamento novo” (cfr Jo 13, 34) e, em boa medida, é sempre novo, pois não é simples aprender a amar assim. Se observarmos à nossa volta, há muitos cantos de sereia que nos convidam a viver de outra forma, a amar ídolos, interiores ou exteriores. E se olharmos dentro de nós, também existem motivos de sobra para tornar evidente, inclusive, que pode ser delicado amar-nos assim a nós mesmos: com a passagem do tempo acumulamos tensões, fracassos, medos, que vão golpeando a nossa própria autoestima. Quem pode amar a Deus, a si mesmo e ao próximo como Jesus fez?

Acolher a realidade como amada por Deus, sem devolver o mal por mal, sem procurar a justiça por nossa conta , tentando ver como nós também podemos amá-la é parte de “guardar o que Ele ensinou”. No casamento, os esposos declaram um ao outro: “eu te recebo e me entrego a ti e prometo ser fiel na prosperidade e na adversidade, na saúde e na doença, e amar-te e respeitar-te todos os dias da minha vida”. De certa forma, Deus realiza isso mesmo conosco; promete-nos que, junto dele, toda realidade pode ser aceita. Inclusive no que é mais obscuro – desgraças, doenças, injustiças, infidelidades, fracassos – podemos descobrir o significado misterioso, uma luz tênue e, com sua ajuda, podemos compreender como “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rom 8, 28).

A bem-aventurada Guadalupe[5] dizia que, para realizar o apostolado do Opus Dei, estaria “contente onde me necessitem”[6], pois sabia que qualquer circunstância era propícia para viver esse novo mandamento de Jesus, essa nova lei do amor que convida todos a viverem em uma lógica diferente. Por isso, “seu projeto de vida ficou engrandecido ao ser colocado dentro do plano divino: Guadalupe deixou-se levar por Deus, com alegria e espontaneidade de um lugar a outro, de um trabalho a outro. O Senhor potencializou sua capacidade e talentos, desenvolveu sua personalidade e multiplicou os frutos de sua vida”[7]. A vida dos santos recorda-nos o que é viver sob este novo império que vence o egoísmo com o amor de Cristo que se encarna nos cristãos.

A chamada à paternidade e maternidade espirituais

É lógico, por isso, que os discípulos tenham começado a ver as pessoas com outros olhos; já não viam distinções de nação nem de qualquer outro tipo, mas procuravam amar com o coração misericordioso de Deus, judeus, samaritanos, galileus, romanos, gregos ou persas. Imitando Jesus, adquiriam pouco a pouco um coração de pai e de mãe, pois eram chamados a comunicar uma vida nova ao dar à luz na fé a tantas pessoas. São Gregório de Nisa indica que o motivo pelo qual Jesus era celibatário era precisamente porque Ele vinha ao mundo não para gerar filhos nascidos do sangue ou da carne (cfr Jo 1, 13), e sim para dar-nos a vida sobrenatural, engendrando-nos como filhos de Deus[8]. Todos os cristãos – seguidores de Jesus Cristo –, solteiros e casados, somos chamados a essa paternidade ou maternidade espirituais.

Viver esse novo tipo de paternidade ou maternidade é a missão mais alta de toda pessoa. Assim como o Gênesis sublinha a vocação à paternidade e à maternidade físicas (cfr Gn 1,28), poderíamos dizer que os primeiros discípulos, herdeiros de um novo gênero humano a partir da Ressurreição do Senhor, foram chamados a uma nova paternidade e maternidade em Cristo. A própria bem-aventurada Guadalupe várias vezes, ao escrever a São Josemaria, não pode ocultar sua alegria vendo crescer essa vida nova nas pessoas à sua volta, especialmente nas estudantes da residência em que morava: “Às vezes, vendo-as todas contentes e trabalhando bem, nos parece que já conseguimos tudo, e esquecemos que o nosso trabalho é nada menos que ensiná-las a ser santas, sendo nós também”[9].

Os cônjuges recebem essa fecundidade especialmente através da graça do matrimônio, mas não somente aí. Com o Espírito Santo e os outros sacramentos, dispõem sempre de luz e forças novas para cuidar um do outro e para educar os filhos – quando chegam – nutrindo-os com a vida de Deus. Aqueles que não têm filhos podem também descobrir essa fecundidade inflamar o amor de Deus em pessoas e lugares que talvez nunca tivessem imaginado.

É também o próprio Espírito Santo que concede uma graça especial às pessoas solteiras ou àquelas que receberam o dom do celibato: com isso imitam a vida de Cristo no modo particular de cuidar e de dar a vida espiritual a tanta gente.

Na vida de Marcelo Câmara[10], supernumerário do Opus Dei que faleceu muito jovem, observa-se claramente essa paternidade espiritual. Uma amiga recorda uma conversa com o Marcelo, num dia em que se sentia triste: “Lá estava eu – diz ao recordar um desses momentos – ganhando de presente mais uma vez aquela sensação, como se eu estivesse por poucos segundos sentindo Cristo muito próximo, cuidando de mim, me incentivando na fé. Uma sensação de paz indescritível”[11]. Algo similar recordam os alunos de Arturo Álvarez[12], adscrito do Opus Dei, engenheiro e professor mexicano. Numa carta dirigida a ele, diziam: “Um mestre é aquele que além de dar sua matéria, dá a seus alunos parte do seu próprio ser, de sua filosofia de vida e de seu credo. Ao dar sua aula cada manhã, vemos como em cada atividade procura a oportunidade de realizar-se, de santificar-se (...). É um mestre que deixará uma marca profunda em nossa vida”[13].


[1] Suetonio, Vitae XII Caesarum. Vita Claudii, XXVV, 3. Na versão original se lê: “Iudeos impulsore Chresto assidue tumultuantes Roma expulit”.

[2] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 30

[3] Galeno, Libro de sententiis Politiae Platonicae, exposto por Abu Al-Fida Ismail Ibn-Ali, Abulfedae Historia Anteislamica Arabice, F.C.G. Vogel, Lipsia 1831, 109. Na versão original lê-se: “Sunt enim inter eos, et foeminae et viri, qui por totam vitam a concubitu abstinuerint”. Galeno nasceu em Pérgamo (Turquia) por volta do ano 130 e faleceu em 201. Foi médico da corte imperial no tempo de Marco Aurélio, bem como de seu filho Cómodo e dos imperadores seguintes.

[4] São Justino, Apologia I, 15, 6-7

[5] Guadalupe Ortiz de Landázuri (1916-1975) era química e professora espanhola e foi uma das primeiras mulheres do Opus Dei, como numerária. Destacou-se por sua entrega ao ensino e por seu trabalho evangelizador na Espanha e na América Latina. Foi beatificada em 2019.

[6] María del Rincón, Maria Teresa Escobar, Cartas para um santo.

[7] Mons. Fernando Ocáriz, mensagem de 9 de abril de 2019.

[8] Cfr. São Gregório de Nisa, De Virginitate 2, 1, 1-11.

[9] María del Rincón, María Teresa Escobar, Cartas para um Santo.

[10] Marcelo Henrique Câmara (1979 – 2008) era um leigo brasileiro, advogado e professor, conhecido por sua profunda vida de fé e de apostolado no Opus Dei. Destacou-se por sua alegria, espírito de serviço e testemunho cristão na vida cotidiana. Está em processo de beatificação.

[11] Maria Zoê Bellani Lyra Espindola. No caminho da santidade; A vida de Marcelo Câmara, um promotor de justiça (Portuguese Edition) (p. 55). Cia do eBook. Edição do Kindle.

[12] Arturo Álvares Ramírez (1935 – 1992) era um engenheiro químico e professor mexicano, reconhecido por sua dedicação à docência na Universidade de Guadalajara durante mais de trinta anos. Destacou-se por sua amabilidade e disponibilidade para com todos. Seu processo de beatificação teve início em 2021 em Guadalajara.

[13] Javier Galindo Michel, La vida plena de Arturo Álvarez Ramírez, Minos, Cidade do México 2018, 71.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/para-iluminar-ter-o-fogo-aceso-matrimonio-e-celibato-apostolico-2/

“Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais”, a fé na canção de Alceu Valença

Donatas Dabravolskas | Shutterstock

Paulo Teixeira - publicado em 30/06/25

Uma canção da MPB que remete a um sentimento religioso

As canções fazem parte da nossa vida. Antes de ouvir músicas no rádio ou de assistir shows de grandes bandas, a música já fazia parte da nossa vida a partir das canções de ninar. Antes mesmo de nascer já temos contato com a harmonia dos sons e formamos nossa percepção sonora e montamos, digamos assim, nossa primeira playlist.  

Também, antes das bandas e grandes cantores, temos um referencial religioso para as canções. As cerimônias na Igreja são repletas de músicas. Momentos de silencio e leituras se intercalam com os cânticos entoados por grandes corais ou por solinas animadores do canto da assembleia.  

Além do som, além da música dos instrumentos, a poesia tem a importante função de levar os pensamentos para além das palavras. Na Bíblia temos diversos cânticos e os Salmos que são uma espécie de “livreto de cantos” do Povo de Deus. Os Salmos apresentam e forma poética diversas situações, que vão de louvor a angústia, ressaltando os atributos divinos. A linguagem poética transporta os sentimentos para além das palavras. No Evangelho de Lucas, por exemplo, Maria entoa um cântico de louvor a Deus no qual, de maneira poética, agradece a Deus pelos benefícios a si própria e reconhece a ação bondosa de Deus sobre a descendência de Abraão. Uma passagem do eu ao nós mostrada de forma sutil, profunda e poética nos versos deste canto de louvor e que ilustra o caminho do cristão.  

Anunciação

Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal

Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido
Eu não duvido, já escuto os teus sinais
Que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais

Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal

O compositor pernambucano Alceu Valença compôs em 1983 a famosa canção Anunciação. Uma música cantada também nas igrejas fazendo alusão ao messianismo, mas também interpretada de outras formas, como a retomada da democracia ou a chegada de um amor. O autor disse que queria exprimir um sentimento e não um contexto específico por meio de Anunciação. De fato, a arte tem essa característica de abertura e transcendência, em que vai além do que dizem as palavras e cabem variadas interpretações. 

Contudo, Anunciação traz elementos religiosos que carregam a composição de sentido cristão. Primeiramente, a canção fala de alguém que vem. Esse é um elemento ligado ao messianismo, desde os primeiros cristãos são comuns orações e invocações que clamam pela vinda de Jesus. 

Na canção, este que vem é chamado de tu, segunda pessoa do singular. Este é um indicativo de que é outro o que vem, o totalmente outro, como Deus que é “tão outro” como dizia Karl Barth. 

A expressão “tu vens” é repetida três vezes, como são as pessoas da Trindade, como Deus é invocado como três vezes santos na tradição bíblica e na espiritualidade cristã.  

Além disso, na canção aparece a figura do anjo longe de ser figura mística, é um anjo mensageiro como os que aparecem na Bíblia e traz uma mensagem sussurrada.  

Alceu Valença fala de sinais. Além daqueles do livro do Apocalipse, o evangelho de João é uma longa catequese sobre o que são chamados de milagres de Jesus, mas que foram escritos como a palavra grega semeion, que indica sinais.  

Além disso, Valença liga essa chegada à manhã de domingo, dia em que se celebra a ressurreição de Jesus  e evoca o som dos sinos das catedrais que comunicam momentos de alegria, além das cerimônias.  

Música de igreja?

Certamente a música de Alceu Valença não é uma canção litúrgica, não foi composta para animar as celebrações e nem para exprimir um sentimento religioso. Mas certamente as influências cristãs do artista o fizeram se exprimir com essa poesia tão próxima ao sentimento religioso. A expectativa pela presença, a mensagem discreta do anjo, o júbilo expresso pelos sinos, tudo isso expressa um sentimento muito bom. A melodia alegre reflete a esperança dos versos. A canção é religiosa no sentido que transcende às palavras e desperta um sentimento que aponta para Deus.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/06/30/tu-vens-tu-vens-eu-ja-escuto-os-teus-sinais-a-fe-na-cancao-de-alceu-valenca/

O cristianismo: uma história simples (Parte 1/4)

Deus chama Adão e Eva depois do pecado original. Capela Palatina, Palermo | 30Giorni

RECORDANDO PADRE GIACOMO...

Arquivo 30Dias nº 05 - 2012

O cristianismo: uma história simples

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.

pelo Padre Giacomo Tantardini

Gostaria de começar citando uma frase de uma poesia de Charles Péguy que resume um pouco o que acabamos de ouvir. Diz Péguy numa de suas poesias a Nossa Senhora de Chartres: “Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos / Perdemos o gosto pelos discursos / Já não temos altares, a não ser os Vossos / Nada mais sabemos senão uma oração simples”.

Creio que quando Péguy, no início do século, ia em peregrinação a Chartres para pedir a graça da cura para seus filhos... os filhos não eram batizados: Péguy convivia, digamos assim, com uma mulher judia que não tinha aceitado batizar seus filhos. Péguy nunca pôde casar-se de modo cristão e não podia receber os sacramentos da Igreja, mas creio que Péguy tenha sido o maior testemunho poético destes últimos séculos, o maior depois de Dante. A graça do Senhor é dada segundo a medida do dom de Cristo, como Ele quer.

Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos / Perdemos o gosto pelos discursos / Já não temos altares, a não ser os Vossos / Nada mais sabemos senão uma oração simples”. Contudo, esta noite sou obrigado falar. Então gostaria de dizer simplesmente três coisas que me parecem as que a Tradição da Igreja, a simplicidade da Tradição (oração simples leva a pensar na simplicidade da Tradição), a simplicidade da Tradição cristã, por ocasião do Natal, volta a dizer, repete.

1. Há uma expressão dogmática que o mundo moderno, sobretudo nas últimas décadas, o mundo, este mundo que está dentro da Igreja, sobretudo este mundo que está dentro da Igreja, tentou como que censurar. No entanto, não há como entender nada da vida dos homens e não há como entender o cristianismo se não partirmos daqui: o pecado original. O pecado original. Pois todos os homens, exceto Maria, nascem com o pecado original. Não há como compreender nada da vida, não há como compreender nada – diz, usando uma expressão belíssima, o último Concílio Ecumênico da Igreja – da sociedade humana, se não partirmos daqui: que os homens nascem maus. Como diz Jesus: “Vós, que sois maus”. “Por que me chamas bom? Só Deus é bom”. “Si homo non periisset, Filius hominis non venisset”, é como Santo Agostinho resume a consciência da Igreja: se o homem não tivesse pecado, o Filho do homem não teria vindo.

Gostaria de me valer do início do hino O Natal, de Alexandre Manzoni...

Alexandre Manzoni, de muitos pontos de vista, não é, por assim dizer, um autor atual, pois descreve em seu fantástico romance, Os noivos, uma condição cristã como já dada e, portanto, não fala de nós, uma vez que hoje essa condição já não existe. Talvez a página mais atual dos Noivos seja aquela em que é descrita a conversão do Inominado, quando este, depois daquela noite em que vê o povo contente que vai receber o cardeal Federico se pergunta: “Mas o que tem toda essa gente para estar contente?” Essa, portanto, é a página mais atual. “O que tem toda essa gente para estar contente?” E nasce em seu coração a curiosidade de ver por que aquela gente está contente. É a página que descreve de que modo, hoje, uma pessoa pode se tornar cristã... Os antepassados de Alexandre Manzoni são da minha cidade, Barzio, um vilarejo perto de Lecco, e o avô de Alexandre Manzoni se chama Alexandre porque o padroeiro de Barzio, como de Bérgamo, é Santo Alexandre. Portanto, creio que também o autor dos Noivos se chame Alexandre por isso... Outros motivos o fazem próximo de mim, embora, repito, Manzoni, de muitos pontos de vista, não seja atual, não certamente como Péguy.

O hino O Natal começa com a imagem de uma rocha que caiu do alto da montanha e está no fundo do vale: “Lá onde caiu, imóvel / Jaz em sua lenta grandiosidade; / Nem que passem séculos / É possível que reveja o sol / De seu cume antigo, / Se uma virtude amiga / Para o alto não a levar”. A pedra que cai do alto da montanha no vale não pode rever o sol do cume, se uma força amiga não a tomar e a levar para cima. “Assim jazia o mísero / Filho da queda primeira”. Assim jazia o homem, filho do primeiro pecado. Assim. “Onde o soberbo cume / mais não se podia elevar”. Creio que essa seja a definição mais realista do pecado original.

O que é o pecado original? Dom Giussani, no último livro da coleção que reúne os diálogos numa casa dos Memores Domine, diz: “O que é o pecado original? O que é o orgulho do pecado original? É a afirmação de si antes da realidade”. O homem não vê nada além de si mesmo. Caído daquela altura, não vê nada além de si mesmo. A afirmação de si mesmo antes da realidade. Leio mais adiante uma estrofe inteira desse hino, porque é extremamente realista: “Quem entre os nascidos para o ódio”. Nascidos para o ódio. Assim. É essa a condição humana. Há algumas semanas, fiquei impressionado quando um escritor não cristão, não católico, Bobbio, ao receber um prêmio na Universidade de Stuttgart, citou Hegel (Hegel, mestre de todos, infelizmente, nestas décadas), citou Hegel, repetindo uma de suas poucas expressões realistas, quando diz que a história humana nada mais é que um grande matadouro. É verdade. A história humana nada mais é que um grande matadouro. A história humana, diz Santo Agostinho, tomando Roma como exemplo, a história de Roma, que nasce de um fratricídio, caminha de homicídio em homicídio. “Quem entre os nascidos para o ódio”. Nascidos para o ódio. Não pelo gesto criador. A criação é boa. Mas, de fato, pelo pecado original, nascemos para o ódio. E mesmo as coisas boas, mesmo as coisas bonitas, imediatamente caem na estranheza. E todos podemos fazer experiência dessa condição do pecado original; o homem faz experiência dela. A grande poesia nada mais faz senão falar disso. Para reconhecer os efeitos do pecado original, não é preciso ter fé, basta a inteligência humana. Não reconhecer os efeitos do pecado original é questão de falta de inteligência, é questão de ilusão, é questão de idealismo.

Quem entre os nascidos para o ódio, / Que pessoa havia / Que ao Santo inacessível...”. Como Manzoni é cristão nesse momento! “Inacessível”: ao Santo a quem não podemos alcançar, ao Santo desconhecido, ao Santo cujo rosto não conhecemos. Se uma pessoa diz Deus existe mas não O vê (diz São Bernardo numa carta que lemos no Breviário no tempo de Natal), como pode, depois de algum tempo, reconhecer que Ele existe, se não pode chegar até Ele, se é lançado no fundo do precipício, e não pode chegar à luz do início, à luz da aurora do primeiro início da criação? Como pode dizer que existe? “Que pessoa havia / Que ao Santo inacessível/ Pudesse dizer: perdoa?” Perdão! “A quem agradecer, contra quem blasfemar?”, perguntava Cesare Pavese numa das últimas frases de seu diário. A quem agradecer, contra quem blasfemar, se o Mistério existe mas é inacessível, existe mas não tem rosto, existe mas é incompreensível, existe mas não pode ser conhecido? “Fazer novo pacto eterno? / Ao vencedor inferno / Sua presa arrancar?”. Quem poderia arrancar ao diabo a sua presa?

Esta é a primeira sugestão: nascemos com o pecado original. E o dogma da Igreja diz que o pecado original fere o homem in naturalibus, nas suas dimensões naturais. Não só torna impossível a coerência. Por exemplo, a pessoa sabe que o aborto é pecado, mas depois é incoerente. Não é só isso. O pecado original impede com o tempo também que nos demos conta de que o aborto é pecado, porque o pecado original fere os homens na inteligência natural: pelo pecado original é ofuscada a inteligência enquanto tal, não apenas é enfraquecida a vontade. Por isso, o homem é obnubilado ao reconhecer também o que é natural, o que é criatural, o que é contra o coração, contra o gesto criatural. Não é que não o possa reconhecer, mas é obnubilado por dentro. Não entendemos a realidade, não entendemos o mundo, sem partir daqui. Não entendemos o mundo em que vivemos, não entendemos as circunstâncias em que estamos.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Cruzando o limiar da esperança com São João Paulo II

João Paulo II em oração na Arena de Zakopane, Polônia. (© EPA/Anja Niedringhaus)  (ANSA)

"Não tenhais medo se tornou um slogan, um enunciado mais característico do seu Pontificado, o coração do seu ensinamento, da sua obra, da sua missão. João Paulo II não só proclamou o direito de todo o ser humano e de todo povo à liberdade, mas levou a liberdade, fez com que ela fosse vivida e, por conseguinte, levou a esperança a pessoas e povos de todo o mundo".

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

“Embora eu tenha vivido no meio de muitas trevas, sob duros regimes totalitários, tive suficientes motivos para me convencer de maneira inabalável de que nenhuma dificuldade e nenhum temor é tão grande a ponto de poder sufocar completamente a esperança que jorra sem cessar no coração dos jovens. Vós sois a nossa esperança, os jovens são a nossa esperança! Não permitais que esta esperança morra. Comprometei a vossa vida com ela. (São João Paulo II)”

Essas palavras de São João Paulo II, dirigida em 2002 aos jovens reunidos em Toronto, em sua XVII Jornada Mundial, é um verdadeiro hino à resiliência da esperança, especialmente em contextos difíceis, bem como à sua capacidade de persistir e regenerar-se, especialmente nos jovens.

Dando sequência a sua série de reflexões neste Ano Jubilar sobre os "Papas e a Esperança", Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão "Cruzando o limiar da esperança com São João Paulo II":

"Na homilia do início de seu Pontificado, o novo Papa eleito, João Paulo II, esboçando um leve sorriso, encarou o povo de frente e, com um ar jovial, seguro, tranquilo, lançou com voz clara e forte um apelo, como num grito ao mundo: – “Não tenhais medo! Abri as portas ou, melhor, escancarai as portas a Cristo!”. Este apelo, que conclamava os católicos e os homens de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o Papa como que o “refrão” do seu longo Pontificado de 26 anos.

Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele mesmo glosou essas palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio Messori, transcrita no livro “Cruzando o limiar da esperança”. Esse anúncio querigmático, o Papa João Paulo II explica nesse livro nestes termos: “Não tenhais medo!, dizia Cristo aos Apóstolos (Lc 24,36) e às mulheres (Mt 28,10), depois da Ressurreição […]. Quando pronunciei estas palavras na praça de São Pedro não me podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a mim e à Igreja inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido pelo Senhor Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as pronunciava. Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias circunstâncias. Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação mundial […]. Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo ressuscitado: “Não tenhais medo!”. Precisa delas o homem […], precisam delas os povos e as nações do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência, retome vigor a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste mundo que passa; Alguém que tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito homem, Amor crucificado e ressuscitado. Amor continuamente presente entre os homens. É Amor eucarístico. É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que dá a plena garantia às palavras: «Não tenhais medo».

No Livro Cruzando o limiar da esperança, o Papa pergunta-se: «Por que não devemos ter medo?». E responde: «Porque o ser humano foi redimido por Deus […]. Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho Unigênito (Jo 3,16). Este Filho continua na história da humanidade como Redentor. A revelação divina perpassa toda a história do ser humano, e prepara o seu futuro... É a luz que resplandece nas trevas (cfr. Jo 1,5). O poder da Cruz de Cristo e da sua Ressurreição é maior que todo o mal de que o homem poderia e deveria ter medo» – conclui, grifando explicitamente a última frase[1].

É emocionante verificar que a mesma esperança da primeira mensagem de São João Paulo II animou a sua última mensagem. No domingo, dia 3 de abril de 2005, quando partiu, o arcebispo Leonardo Sandri, substituto da Secretaria de Estado, leu à multidão congregada na praça de São Pedro a última alocução preparada com antecedência pelo Papa, que tinha falecido no dia anterior. Ele desejava ter podido pronunciá-la no encontro tradicional da hora do Angelus desse dia (do Regina Coeli, pois era tempo pascal): “…À humanidade – dizia – , que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece a sua misericórdia como dom do seu amor que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança”.

João Paulo II começava seu Pontificado com o texto bíblico esperançoso: “Não tenhais medo”, que se tornou uma espécie de seu lema papal. Confessou mais tarde que nem ele se dava conta plenamente do significado mais profundo dessas palavras proferidas e proféticas. “Só mais tarde entendeu que aquilo que havia dito era trazido dentro de si mesmo há muito tempo. Fazia parte da sua memória, da sua experiência, e consequentemente da herança de fé, de cultura e de história que carregava consigo de sua pátria”, disse o escritor Gian Franco Svidercoschi, no livro João Paulo II, um Papa que não morre[2].  Não tenhais medo se tornou um slogan, um enunciado mais característico do seu Pontificado, o coração do seu ensinamento, da sua obra, da sua missão. João Paulo II não só proclamou o direito de todo o ser humano e de todo povo à liberdade, mas levou a liberdade, fez com que ela fosse vivida e, por conseguinte, levou a esperança a pessoas e povos de todo o mundo[3].

É essa esperança que o Papa João Paulo II pregava aos jovens nas grandes Jornadas mundiais da Juventude, criadas por ele e que reunia multidões de rostos joviais. Quando as Nações Unidas declararam 1985 o Ano Internacional da Juventude, São João Paulo II quis enviar uma carta apostólica aos jovens de todo o mundo. As palavras que, como um refrão, são repetidas nesta carta são as de São Pedro Apóstolo: "Sempre pronto para responder a qualquer pessoa que lhe perguntar o motivo da esperança que existe em você" (1Pd 3,15). Começa essa carta com esse apelo e termina também dizendo aos jovens: “Vocês, jovens, são a esperança da Igreja que, precisamente sob este aspecto, em vocês se vê a si mesma e à sua missão no mundo, pois a esperança está relacionada a vocês. “Trata-se, mais uma vez, de estar prontos a dar uma resposta vitoriosa a todo aquele que lhes perguntar acerca da esperança que os anima”[4]. Na abertura solene do III CELAM – A Conferência Geral dos bispos Latino-americanos, presentes em Puebla, 350 bispos presentes, conclui sua mensagem com algumas tarefas prioritárias, entre elas a Juventude e assim disse: “Quanta esperança põe na juventude a Igreja! Quantas energias circulam na juventude na América latina, de que a Igreja precisa. Como temos nós, pastores, de procurar aproximar-nos da juventude, para que Cristo e a Igreja e para que o amor dos irmãos calem profundamente no seu coração”. Dizia costumeiramente: “Peço a você! Nunca, nunca desista da esperança, nunca duvide, nunca se canse, e nunca desanime. Não tenha medo”."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1995, págs. 202.
[2] SVIDERCOSCHI, Gian Franco. João Paulo II, um Papa que não morre, Paulinas, 2011, SP, p. 36.
[3] Cf. idem, p.37.
[4] Carta apostólica de João Paulo II por ocasião do ano Internacional da Juventude – 1985, Paulinas, 61.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

domingo, 29 de junho de 2025

Papa no Angelus: como os Santos Pedro e Paulo, confiar e perdoar

Angelus de 29/06/2025 - Papa Leão XIV (Vatican News)

Na Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Leão XIV rezou o Angelus e recordou que a Igreja nasce do testemunho, do sangue e da conversão contínua dos seus membros.

https://youtu.be/jJajhdE-9pE

Thulio Fonseca – Vatican News

O Papa Leão XIV rezou o Angelus neste domingo (29/06) com os fiéis reunidos na Praça São Pedro após presidir a Missa na Basílica Vaticana pela Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo. A data, que é feriado no Vaticano e em Roma, marca a celebração dos padroeiros da capital italiana.

O Pontífice iniciou sua reflexão recordando que a Igreja de Roma foi “gerada pelo testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo e fecundada pelo seu sangue e pelo de muitos mártires”. E, olhando para os desafios do tempo presente, destacou que ainda hoje há cristãos que, movidos pelo Evangelho, são capazes de gestos de grande generosidade e coragem, muitas vezes à custa da própria vida:

“Existe um ecumenismo de sangue, uma unidade invisível e profunda entre as Igrejas cristãs, mesmo que não vivam ainda uma comunhão plena e visível entre si. Por isso, nesta solene festa, quero confirmar que o meu serviço episcopal é um serviço à unidade e que a Igreja de Roma está empenhada, pelo sangue dos Santos Pedro e Paulo, em servir com amor a comunhão entre todas as Igrejas.”

A pedra que foi rejeitada

Ao comentar a passagem do Evangelho do dia, Leão XIV destacou que a pedra sobre a qual Pedro recebeu o próprio nome é Cristo. “Uma pedra rejeitada pelos homens e que Deus fez pedra angular.” E com um olhar simbólico sobre os lugares de Roma, o Papa recordou que tanto a Basílica de São Pedro como a de São Paulo foram erguidas “fora dos muros” da cidade antiga. “O que hoje nos parece grandioso e glorioso, antes foi descartado, porque estava em contradição com a lógica mundana.”

Seguir Jesus, explicou o Santo Padre, significa trilhar o caminho das bem-aventuranças, onde os pobres de espírito, os mansos, os misericordiosos e os que promovem a paz muitas vezes encontram oposição, incompreensão e até perseguição, “no entanto, a glória de Deus brilha nos seus amigos e os vai moldando, ao longo do caminho, de conversão em conversão”.

Jesus nos chama sempre

Diante dos túmulos dos Apóstolos, que há milênios acolhem peregrinos do mundo inteiro, Leão XIV ressaltou que a santidade de Pedro e Paulo não nasceu da perfeição, mas da experiência do perdão.

“O Novo Testamento não esconde os erros, as contradições, os pecados daqueles que veneramos como os maiores entre os Apóstolos. Na verdade, a sua grandeza foi moldada pelo perdão. O Ressuscitado foi buscá-los, mais do que uma vez, para os colocar de novo no seu caminho. Jesus nunca chama apenas uma vez. É por isso que todos nós podemos sempre ter esperança, como também nos recorda o Jubileu.”

A unidade começa nas famílias e comunidades

O Santo Padre concluiu sua reflexão fazendo um apelo à unidade, que não é fruto de discursos, mas de práticas concretas:

 “A unidade na Igreja e entre as Igrejas alimenta-se do perdão e da confiança mútua. A começar pelas nossas famílias e comunidades. Porque se Jesus confia em nós, também nós podemos confiar uns nos outros, em seu Nome.”

Por fim, Leão XIV confiou à intercessão dos Santos Pedro e Paulo, juntamente com a Virgem Maria, o caminho da Igreja no mundo de hoje: “Que, neste mundo dilacerado, a Igreja seja sempre casa e escola de comunhão.”

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Pedro: como um pescador pobre se tornou o primeiro papa da Igreja

'Os evangelhos deixam claro que era uma pessoa de personalidade forte e espírito de liderança' (Crédito: Dominio Público)

Por Edison Veiga

De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

27 novembro 2021 - Atualizado 29 junho 2023

Esta reportagem foi originalmente publicada pela BBC News Brasil em 27 de novembro de 2021 e republicada em 29 de junho de 2023.

Em latim, chama-se "anulus piscatoris". Em bom português, é o anel do pescador. Na joia há a imagem em baixo relevo de Simão Pedro, o apóstolo, pescando a bordo de um barco.

De acordo com a tradição católica, o primeiro papa a usar esse símbolo foi Damásio I (305-384), que comandou a Igreja por 18 anos na segunda metade do século 4°.

A mensagem remonta ao evangelho de São Marcos, mais especificamente à passagem que define os apóstolos — e, por extensão, os religiosos que os sucederam — como "pescadores de homens".

Mas o anel também carrega uma certeza histórica. Pela tradição católica, o primeiro papa foi o homem que tem sua imagem ali impressa: Pedro, um dos doze homens que foram escolhidos pelo próprio Jesus Cristo para acompanhá-lo e auxiliá-lo em suas andanças repletas de pregações e relatos de milagres.

E quem foi esse apóstolo, de fato? Por que é considerado o primeiro papa? Era mesmo um homem simples, um pescador pobre? Não é tão fácil separar biografia de mito no caso de uma figura alçada à santidade há quase 2 mil anos, é claro.

No fim, os elementos mais detalhados sobre sua vida estão mesmo na Bíblia, salpicados em diversas passagens — Pedro é o apóstolo de Cristo com mais menções no livro sagrado.

"Tudo o que sabemos, concretamente, sobre Pedro está nos evangelhos", comenta o pesquisador e estudioso da vida de santos José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará.

"Existem pesquisas posteriores, mas a fonte mais confiável é a Bíblia."

Segundo o texto sagrado, ele e seu irmão, André, viviam da pesca no imenso lago conhecido como mar da Galileia.

"Eles teriam sido os primeiros a ouvir o chamado de Jesus", diz Lira. Acredita-se que Pedro havia nascido no povoado de Betsaida e, na época, morava na cidade de Cafarnaum.

De origem simples, ele deve ter impressionado Jesus pelo seu jeito.

"Os evangelhos deixam claro que era uma pessoa de personalidade forte e espírito de liderança", comenta a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

"Tanto que o próprio Jesus se hospedou em sua casa quando iniciou sua missão. Talvez por causa desse seu jeito, o Messias o tenha escolhido como seu mais importante colaborador."

Professor na Faculdade de Teologia São Bento, padre Jorge Luiz Neves da Silva enaltece o fato de ele ter sido um pescador iletrado e, mesmo assim, assumido papel importante na missão cristã.

"Os evangelhos são unânimes nessa realidade e é preciso ter em conta a lógica da vocação na sagrada escritura: é uma constante que sejam chamadas as figuras que não seriam naturalmente escolhidas sob a perspectiva humana", comenta.

Antes do encontro com Cristo, ele não era um religioso.

"Sabe-se que fora casado porque nos evangelhos lemos que Jesus curou a sogra dele. Jesus era de Nazaré e se mudou, em sua vida pública, para Cafarnaum. Morou na casa de Pedro. Não é claro se sua mulher ainda era viva", contextualiza Lira.

"Em dado momento do evangelho de Mateus, Pedro pergunta a Jesus se é lícito pagar impostos, e o mestre afirma que sim. E pede para que Pedro pagasse seu imposto e o de Jesus também, com uma moeda que encontraria na boca de um peixe que pescaria. É um milagre, mas, se observa a importância do apóstolo. É ele também que reconhece que Jesus é o filho de Deus", acrescenta o hagiólogo.

"A ele Jesus determina 'apascentar as ovelhas' e diz, 'tu és pedra e sobre esta pedra edificarei minha Igreja', ou seja, sobre sua liderança. O interessante é que o próprio texto bíblico afirma que o apóstolo que Jesus amava era João, mas, foi a Pedro que ele confiou a Igreja, mesmo considerando que ele era impetuoso às vezes, aparentemente corajoso, forte", completa.

Pedra fundamental

A passagem bíblica que justifica o entendimento dele como primeiro papa da Igreja está no capítulo 16 do evangelho escrito por São Mateus. Nela, Jesus olha para o apóstolo Simão e afirma:

"Pois eu também te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela".

Quem era Simão torna-se Pedro. E Pedro porque pedra. Daí o entendimento cristalizado, com o passar dos anos, de que ele teria então sido nomeado o primeiro líder da Igreja, a rocha sobre a qual a nova religião seria erguida.

Baseada em suas pesquisas sobre a história do cristianismo, Medeiros pondera: é preciso compreender o que significava "papa" naquele contexto primitivo.

"É preciso entender esse título como ele era empregado nos primórdios do cristianismo", explica.

"A palavra, cujo significado é 'pai', era bastante difundida entre os primeiros cristãos", pontua. Ela lembra que, então, não era apenas "o bispo de Roma" que merecia tal tratamento.

"Vários bispos eram chamados assim, bem como alguns sábios da própria comunidade", acrescenta.

"É tão verdade que, até hoje, o líder máximo da Igreja Copta, no Egito, também é chamado de 'papa'", exemplifica.

"Por isso mesmo, nós, historiadores, preferimos chamá-lo de 'bispo de Roma' quando tratamos do 'papado' dos primeiros séculos do cristianismo."

Ela ressalta que o papado, enquanto instituição, ainda não existia. O primeiro movimento em direção a reconhecer uma primazia do bispo de Roma sobre os demais data do século 3°, sob o comando do papa Calisto 1° (155-222).

"Damásio 1° ampliou essa discussão [no século seguinte], pontuando que existia uma autoridade moral da qual o bispo de Roma era revestido, que o distinguiria dos demais", conta Medeiros.

"A instituição 'papado', que assume um papel jurídico e institucional, só foi acontecer com Leão 1°, no século 5°, e Gregório Magno, no século 6°. No século 8°, essa instituição começou a se consolidar, pois o papa não somente se destacava como uma autoridade religiosa, mas também temporal", argumenta ela.

Lideranças e divergências

Padre Silva ressalta que as escrituras deixam evidente esse papel fundamental de Pedro à frente dos primeiros cristãos.

"Fica claríssimo que ele era aquele que dava os contornos daquela comunidade nascente", diz.

Apesar de sua proeminência sobre os demais apóstolos, o papel de liderança exercido por Pedro não foi um privilégio dele.

Na realidade, todos os primeiros seguidores de Cristo acabaram se espalhando e fundando comunidades em diversas regiões.

Medeiros conta que como "coordenador e fundador", atribui-se a Pedro a "organização de um grupo de adeptos da nova religião em Antioquia, na atual Turquia", isso logo depois dessa dispersão inicial dos primeiros cristãos.

"Essa organização não ocorreu como um processo imediato. Foi um processo longo e orgânico, que não se deu de forma homogênea", lembra Silva.

Havia desentendimentos, é claro. No encontro de lideranças que acabou entrando para a história como o primeiro concílio da Igreja, no ano de 51, em Jerusalém, Pedro assumiu uma postura mais conservadora frente a Paulo.

"Naquele que ficou conhecido como o primeiro concílio da Igreja, o de Jerusalém, vemos a divergência dele com Paulo. Para Pedro, os cristãos tinham de se submeter aos costumes judaicos. Paulo, e também Barnabé, defendia que o cristianismo era para todos", relata Lira.

Lira conta que nesse primeiro concílio, o próprio Pedro se afirma o encarregado da missão de tomar as rédeas do cristianismo.

Segundo o hagiólogo, essa liderança já era notada em passagens do evangelho.

"É interessante observar que, no momento do anúncio da ressurreição feito por Santa Maria Madalena e as outras mulheres que a acompanharam ao santo sepulcro, João, muito mais jovem que Pedro, chegou antes ao túmulo. Mas esperou Pedro, para que ele ingressasse primeiro, demonstrando, claramente, a hierarquia. Pedro era o líder."

Roma

Se é certo que Pedro esteve em Antioquia e em Corinto, sua presença em Roma, onde estaria seu túmulo e onde a sede da Santa Sé acabaria erguida em sua memória, ainda hoje é controversa — trata-se de uma questão de fé, mais do que de historiografia.

"É, ainda hoje, é um tema que continua sendo alvo de debates e controvérsias. Pedro teria se estabelecido ou não na cidade de Roma?

A maioria dos historiadores, tendo como base as fontes do segundo século do cristianismo, principalmente aquelas que trazem relatos de alguns escritores cristãos quase contemporâneos de Pedro, como Inácio de Antioquia e Clemente Romano, ambos do século 2°, não são completamente céticos em relação a isso", diz Medeiros.

"Há inclusive uma forte chance de que ele tenha sido martirizado no ano de 64, durante a famosa perseguição de Nero, realmente", acrescenta ela.

A pesquisadora ressalta, contudo, que não é verdade que Pedro tenha sido o fundador da primeira comunidade cristã de Roma.

"Todos são unânimes em considerar que ele não fundou a comunidade de Roma. Quando ele chegou por lá, pelos idos de 62, a comunidade já existia. Acredita-se que alguns soldados romanos, convertidos à nova religião, tenham difundido o cristianismo na capital do império", diz Medeiros.

"É certo que esteve em Antioquia e Corinto. Depois da reforma protestante se incrementou essa ideia de que ele não esteve e não teria morrido em Roma, mas, isso hoje já é pacífico tanto na história quanto na hagiologia e até mesmo entre os protestantes. Dados ainda do primeiro século dão notícias da morte ou martírio de Pedro em Roma", acredita Lira.

"E depois de seu apostolado é que se têm os pontificados por ele iniciado e que têm no atual Papa seu sucessor. A questão de ele ter ido a Roma é parte da ordem de Jesus: 'Ide por todo o mundo…'. Roma era o centro do mundo de então e foi ali que se formalizou a Igreja Católica, a igreja cristã."

Para considerá-lo primeiro papa, isso pouco importa.

"A Igreja Católica não o considera o primeiro papa por ele ter sido fundador da comunidade local ou bispo de Roma. Ele não foi nenhum dos dois. Mas pelo seu martírio. A morte dele, na verdade, segundo a crença católica, teria transformado o local em cidade-sede do cristianismo ocidental. Seria o evento fundante do episcopado romano", conta Medeiros.

Anel do pescador, símbolo usado pela primeira vez pelo papa Damásio 1° (Crédito: Dominio Público)

"A ideia de que ele é o primeiro papa foi se desenvolvendo com o passar do tempo", diz padre Silva.

Em diversos textos antigos há referências ao martírio de Pedro, juntamente com Paulo.

Os indícios seriam de que ambos teriam sido executados por romanos no antigo Circo de Nero, que ficava justamente onde hoje é a Cidade do Vaticano.

Lira atenta para o fato de que era de se supor que os primeiros cristãos buscassem preservar o túmulo de Pedro.

Medeiros atenta para o fato de que na época da construção da primeira Basílica de São Pedro, "edificada por Constantino no século 4°, a tumba foi posicionada ali".

No século 20, esforços arqueológicos foram empreendidos para tentar localizar resquícios do túmulo.

Trabalhos conduzidos pela arqueóloga Margherita Guarducci (1902-1999) localizaram, junto aos restos dessa antiga igreja, uma tumba com a inscrição, em grego: 'Pedro está aqui'.

"E há relatos que confirmam que esses restos mortais, antes de se estabelecerem num local fixo, tinham sido preservados nas catacumbas de São Sebastião, também em Roma", acrescenta Medeiros.

"Por lá, há inclusive algumas inscrições de peregrinos que pediam a intercessão de Pedro, os quais, em passagem por Roma, faziam essas visitas aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo."

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/

Solenidade de São Pedro e São Paulo (C)

São Pedro e São Paulo (Vatican News)

Que a celebração dessas duas colunas da Igreja seja uma ocasião de graças para o crescimento do Reino de Deus de nossa vida cristã»!

Vatican News

«Quando desejamos refletir bem, sem influência alguma de pessoas ou situações, nos retiramos para um local afastado e silencioso. Queremos estar a sós conosco na natureza e na presença de Deus. Foi o que Jesus fez com seus discípulos quando escolheu aquele que iria governar seu rebanho. O Senhor se dirigiu com eles a Cesaréia de Filipe, um lugar afastado do mundo judeu e significativo pela natureza, próximo ao monte Hermom e a uma das fontes do Jordão. Lá, na solidão e apenas na presença do Pai, checou o coração de Simão e o fez seu vigário. O eleito estava tão purificado, tão livre de apegos e amarras mundanas e tão cheio do Espírito que declarou a identidade de Jesus, reconhecendo-o como o Messias de Deus.

Por outro lado, Jesus confirmou seu nascimento na fé, dando-lhe outro nome, o de Pedro, pedra e indicando seu novo e definitivo encargo: confirmar seus irmãos na fé.

Além de graças para viver plenamente essa missão, Pedro as recebeu também para levá-la até o fim, quando dará glória a Deus através de sua morte na cruz, como o Mestre, só que de cabeça para baixo.

Simão nasceu de novo, recebeu outro nome, outra função na sociedade, aumentou enormemente seu compromisso na fé. Ao entregar-se na condução de seus irmãos, Pedro viveu momentos de alegria e de tristeza, de certezas e de abandono total na fé. O que passou a guiar sua vida, a ser fiel na missão recebida e abraçada foi a certeza da fidelidade do Senhor. Agora Pedro vai deixando Deus ser o oleiro, fazer dele um homem à imagem de Jesus. Por isso ele é pedra, não por causa de sua dureza, mas por causa de sua solidez e confiabilidade. Da dureza da pedra Pedro apenas guardou a resistência às investidas do inimigo. Nada pode vencê-lo.

Como chefe da Igreja, Pedro recebeu o poder de ligar e desligar, isto é, declarar o que está de acordo ou em desacordo com o projeto de Jesus. Por isso ele foi sempre esse homem renascido para a missão. Não será por este motivo que os papas mudam de nome?

Mas hoje também é o dia de São Paulo, a outra coluna da Igreja. Pedro é a coluna que nos confirma na fé e Paulo é a que evangeliza.

A liturgia nos propõe como reflexão a carta a Timóteo, onde o Apóstolo faz seu testamento e a revisão de sua vida cristã. De qualquer modo, Paulo, antes da conversão Saulo, também será assemelhado a Jesus, vítima sacrificada em favor de muitos. Ele deduz que o momento de seu martírio, de dar testemunho de Deus, está próximo.

Nessa ocasião foi feita a revisão de vida. Paulo teve consciência de que foi fiel à missão, que cumpriu o encargo de anunciar ao mundo o Evangelho. Teve consciência do quanto sofreu e padeceu por esse motivo e agradeceu a Deus por ter guardado a fé.

Em seguida Paulo expressou sua certeza no encontro com o Senhor, quando então será recompensado por tudo, através da convivência eterna com Ele.

Festejar os santos é praticar seus ensinamentos e seguir seus testemunhos de fé.

Que o Senhor nos ajude a louvar São Pedro e São Paulo, fazendo com que cada dia, cada despertar nós seja par nós um novo dia, o reinício da vida nova iniciada com o nosso batismo. Para isso é necessário abandonarmo-nos nas mãos de Deus, permitindo a Ele nos refazer, nos moldar segundo seu coração e confiando no resultado final que, como Paulo, só veremos no final da vida.

Que as alegrias e os êxitos, as dificuldades e os sofrimentos do dia-a-dia não impeçam nosso crescimento na fé, mas amadureçam e solidifiquem a ação do Espírito.

Finalmente, sirva-nos de referencial para a fidelidade a Cristo e sua Igreja, a conformidade de nossa vida aos ensinamentos de Pedro.

Que a celebração dessas duas colunas da Igreja seja uma ocasião de graças para o crescimento do Reino de Deus de nossa vida cristã»!

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sábado, 28 de junho de 2025

Por que os católicos devem ajudar os cristãos do Líbano

Antoine Mekary | ALETEIA

Daniel R. Esparza - publicado em 25/06/25

O Patriarca Maronita exortou a comunidade internacional a apoiar as comunidades cristãs remanescentes na região como um investimento estratégico na estabilidade.

O Cardeal Bechara Raï, Patriarca da Igreja Católica Maronita, adverte que a contínua migração de cristãos do Oriente Médio poderia desestabilizar toda a região, removendo uma força vital para a moderação.

“Os cristãos contribuíram para formar um Islã moderado”, disse o Cardeal Raï em uma entrevista à Ajuda à Igreja que Sofre (ACN). “Se o Oriente Médio for esvaziado de cristãos, os muçulmanos perderão a sua moderação.”

As observações do patriarca ocorrem em meio à contínua turbulência na Síria, no Iraque e no Líbano, onde a guerra, a pobreza e a insegurança levaram dezenas de milhares a emigrar. No Líbano, o único país da região onde os cristãos não são uma minoria, as condições se deterioraram.

Segundo o Banco Mundial, a pobreza aumentou de 12% em 2012 para 44% em 2022. Nesse período, o Líbano também caiu 23 posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Desde então, naturalmente, o Líbano sofreu a ofensiva de Israel contra o Hezbollah, com muitas áreas destruídas.

Eles dependem da ajuda da Igreja

Enquanto os muçulmanos no Líbano frequentemente recebem apoio de países muçulmanos vizinhos, Raï afirmou que os cristãos dependem quase inteiramente de instituições da Igreja — muitas das quais estão sob severa pressão financeira.

“Os cristãos estão pobres, e isso afeta o acesso a alimentos, medicamentos e cuidados hospitalares”, observou ele.

O Cardeal Raï, de 85 anos, pediu aos governos que mudem sua abordagem em relação às comunidades cristãs na região.

“Não se trata de focar em números, mas no valor que a presença dos cristãos acrescenta”, disse ele.

Ele apontou para as escolas católicas, muitas das quais atendem a um corpo discente majoritariamente muçulmano, como exemplos do tipo de coexistência que é possível.

“No sul, em nossas escolas católicas, todos os alunos são muçulmanos. Essas escolas fazem de tudo para permanecer abertas — especialmente nas montanhas — para o bem dos cidadãos.”

Ele contrastou as proteções constitucionais do Líbano para a coexistência cristã-muçulmana com a situação na Síria, no Iraque e na Jordânia, onde os cristãos são frequentemente considerados cidadãos de segunda classe.

“O modelo libanês inclui valores cristãos e muçulmanos. Queremos que continue assim — não apenas para o Líbano, mas também para a Síria e o Iraque”, disse ele.

O cardeal também alertou para as consequências a longo prazo da "fuga de cérebros" que o Líbano tem enfrentado, com cerca de 77.000 profissionais deixando o país apenas em 2021. “Há o perigo de que cristãos e muçulmanos emigrem, e então quem controlará a Síria? Quem controlará o Iraque? Quem controlará o Egito? Ninguém sabe.”

Estratégia de estabilidade

O Patriarca Maronita instou a comunidade internacional a apoiar as comunidades cristãs remanescentes na região — não como uma questão de solidariedade religiosa, mas como um investimento estratégico na estabilidade.

“Se eles forem forçados a sair, as consequências não serão apenas espirituais — serão políticas.”

As instituições de caridade que apoiam os cristãos no Líbano incluem a Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), a Associação Católica de Bem-Estar do Oriente Próximo (CNEWA) e a Catholic Relief Services (CRS).

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/06/25/por-que-os-catolicos-devem-ajudar-os-cristaos-do-libano/

Missa hispano-moçárabe é celebrada na basílica de São Pedro pela quinta vez na história

Esse tipo de liturgia foi celebrado na Espanha principalmente no período visigótico, por volta do século VI d.C. | Daniel Ibáñez/EWTN

Por Victoria Cardiel

27 de junho de 2025

Uma missa na basílica de São Pedro, no Vaticano, foi celebrada ontem (26) no rito hispano-moçárabe, característica dos cristãos que viviam sob o domínio islâmico na península ibérica.

O arcebispo de Toledo e primaz da Espanha, Francisco Cerro Chaves, celebrou a missa no Altar da Cátedra, segundo esse antigo rito, uma das poucas liturgias ocidentais não-romanas que sobreviveram ao passar dos séculos.

Na homilia, o arcebispo defendeu a comunhão com Cristo, com a Igreja e com o sucessor de são Pedro, enfatizando que essas três realidades "não são negociáveis".

"Não se pode brincar com a comunhão com Cristo, não se pode brincar com a comunhão com a Igreja e não se pode brincar com a comunhão com Pedro", disse Chaves.

Inspirado pelo Evangelho do dia, o arcebispo centrou seu sermão na pergunta de Jesus: "E vós, quem dizeis que eu sou?" (cf. Lc 9, 20).

"Essa pergunta é dirigida a cada um de nós hoje”, disse o primaz da Espanha. “E a nossa resposta muda tudo: a história muda, a vossa paisagem muda, o vosso coração muda".

"É a pergunta mais importante que o Evangelho faz”, disse também o arcebispo de Toledo. “E Pedro responde: Tu és o Filho do Deus vivo”.

Citando Bento XVI, o arcebispo espanhol disse que o cristianismo nasce de um encontro pessoal com Cristo e que ser cristão implica também viver em comunhão com a Igreja e o Papa.

"Santo Inácio de Antioquia diz isso claramente: nada sem o bispo, nada sem Pedro", disse o primaz da Espanha.

Cerro também elogiou a missão do papa como guardião da fé e mensageiro do Evangelho ao mundo.

"A tarefa do papa é dizer a toda a humanidade: Tu és o Filho do Deus vivo”, disse o arcebispo espanhol. “Por isso, ele vai às periferias, às dioceses, às aldeias, para proclamar o amor de Cristo".

A missa mozárabe, que fez parte da peregrinação de 200 pessoas da arquidiocese de Toledo a Roma para o Jubileu da Esperança, teve a presença de vários representantes da cúria romana: entre eles, o bispo Alejandro Arellano Cedillo, decano da Rota Romana; o bispo Aurelio García Macías, subsecretário do Dicastério para o Culto Divino; o bispo auxiliar de Toledo, Francisco César García Magán, secretário-geral da Conferência Episcopal Espanhola; e o leigo espanhol Massimino Caballero Ledo, prefeito da Secretaria de Economia da Santa Sé.

O rito hispano-moçárabe

Junto com o rito romano, o rito galicano, o rito ambrosiano e o rito bracarense, o rito hispano-moçárabe faz parte do conjunto de ritos desenvolvidos em torno das antigas sedes metropolitanas do Ocidente.

“Esse rito faz parte das liturgias ocidentais que se formaram em torno de uma Sé: a liturgia romana (Roma), a liturgia Galicana (Lyon, França), a liturgia ambrosiana (Milão, Itália) e a liturgia bracarense (Braga, Portugal)”, diz o padre Salvador Aguilera, consultor do Dicastério para as Igrejas Orientais, a quem Cerró agradeceu por seu envolvimento para tornar possível a celebração na basílica de São Pedro desse rito, nascido no coração da antiga Igreja visigótica e ainda viva em Toledo.

Espanha visigoda

Segundo Aguilera, doutor em liturgia, esse modo de celebrar a missa atingiu seu auge no período visigótico, especialmente depois da conversão oficial do reino ao catolicismo no terceiro concílio de Toledo, em 589 d.C.

No entanto, sua história não foi isenta de momentos de perseguição, correndo o risco de desaparecer para sempre. Depois da invasão muçulmana à península ibérica em 711 d.C., muitos livros litúrgicos e relíquias tiveram que ser transferidos para o norte da Espanha para serem guardados em segurança.

Em 1080, a mando do papa são Gregório VII, foi convocado o concílio de Burgos, que aboliu o rito. No entanto, alguns anos depois, em 1085, com a reconquista de Toledo pelo rei Afonso VI, os moçárabes obtiveram o privilégio de preservar sua liturgia.

Desde então, a preservação do rito hispano-moçárabe tem sido obra de grandes figuras eclesiásticas. "Três nomes marcaram a história do rito desde a sua abolição até os dias atuais: os cardeais Cisneros, Lorenzana e González", diz o padre Aguilera.

O cardeal Francisco Jiménez de Cisneros, arcebispo de Toledo de 1495 a 1517, "empreendeu uma reforma que não só afetou questões materiais, como paróquias e livros litúrgicos, mas também promoveu a formação do clero, garantindo a continuidade de uma liturgia tão antiga", diz o especialista.

O cardeal Cisneros instituiu a capela moçárabe de Corpus Christi na catedral de Toledo e encomendou a publicação do Missale mixtum secundum regulam Beati Isidori (1500) e do Breviarium secundum regulam Beati Isidori (1502). Séculos depois, o cardeal Lorenzana publicou outras edições do breviário (1775) e do missal (1804), obras fundamentais para a preservação do rito.

No século XX, o cardeal Marcelo González Martín reacendeu o movimento reformista depois do concílio Vaticano II.

"Seguindo as instruções da constituição Sacrosanctum concilium sobre a reforma dos Ritos, ele nomeou uma comissão para produzir a edição latina do Missale Hispano-Mozarabicum em dois volumes... e do Liber commicus (Lecionário)”.

Trinta anos depois da reforma conciliar, em 1992, o primeiro volume do recém-publicado Novo Missal Hispano-Moçárabe foi apresentado ao papa são João Paulo II, e o papa quis celebrar a missa em seguida. O dia 28 de maio de 1992, solenidade da Ascensão do Senhor, marcou a primeira vez que um papa celebrou a missa conforme esse rito.

Segundo o padre Aguilera, na ocasião, o papa polonês expressou sua "profunda satisfação pelo meritório trabalho realizado na revisão do rito hispano-moçárabe, cumprindo assim os requisitos da constituição Sacrosanctum concilium sobre a Sagrada Liturgia”.

“Isso deu à Igreja da Espanha um fruto precioso, que também representa um eminente serviço à cultura, na medida em que representa uma recuperação das fórmulas com as quais seus antepassados ​​expressaram sua fé", disse também o padre.

Outras ocasiões em que este rito foi celebrado na basílica de São Pedro foram em 2000, por ocasião do Grande Jubileu, numa missa celebrada pelo então arcebispo de Toledo, cardeal Francisco Álvarez Martínez; e em 2015, no Jubileu da Misericórdia, em outra missa celebrada pelo então arcebispo de Toledo e atual arcebispo emérito, Braulio Rodríguez Plaza.

*Victoria Cardiel é jornalista especializada em temas de informação social e religiosa. Desde 2013, ela cobre o Vaticano para vários veículos, como a agência de noticias espanhola Europa Press, e o semanário Alfa y Omega, da arquidiocese de Madri (Espanha).

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/63409/missa-hispano-mocarabe-e-celebrada-na-basilica-de-sao-pedro-pela-quinta-vez-na-historia

Padre Francesco Ielpo é o novo Custódio da Terra Santa

Padre Francesco Ielpo (Vatican News)

Já delegado da Custódia na Itália, o franciscano sucede o padre Francesco Patton, nomeado em 2016 e reconfirmado em 2022. “O serviço que a Ordem e a Igreja me pediram – destaca o padre Ielpo – fez-me perceber de imediato a enorme desproporção entre a minha pobre pessoa e a tarefa que me é confiada, especialmente neste momento histórico”.

Vatican News

O Papa Leão XIV confirmou a eleição do padre Francesco Ielpo, O.F.M., como Custódio da Terra Santa e Guardião do Monte Sião, realizada pelo Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores com seu Definitório.

Uma longa missão

Padre Ielpo tem 54 anos, nasceu em Lauria, na província de Potenza, em 18 de maio de 1970. Ingressou no convento durante os estudos universitários, professou solenemente na Ordem dos Frades Menores em 1998 e foi ordenado presbítero em 2000. Recebeu diversas atribuições ao longo dos anos: foi professor de religião até 2010; desde 2000, Reitor do Instituto Franciscanum Luzzago, em Brescia; definidor provincial da Província da Lombardia por três anos, até 2010; pároco de Santo Antônio de Pádua, em Varese (2010–2013).

De setembro de 2013 a 2016, foi Comissário da Terra Santa na Lombardia, prosseguindo com o encargo de 2016 a 2023 para a Província do Norte da Itália. Desde 2014, é membro do Conselho Diretor da Associação Pro Terra Sancta. Desde 2022, é presidente da Fundação Terra Santa, delegado do Custódio da Terra Santa para a Itália e delegado geral para a reestruturação das Províncias na Campânia, Basilicata e Calábria.

“Uma enorme desproporção”

Em uma declaração aos meios de comunicação do Vaticano, padre Ielpo destacou que “o serviço que a Ordem e a Igreja me pediram, de imediato, fez-me perceber a enorme desproporção entre a minha pobre pessoa e a tarefa que me é confiada, especialmente neste momento histórico”. “O pai espiritual me disse: ‘essa desproporção é bela, essa incapacidade! Porque isso significa que há espaço para que Alguém Outro atue, para que o Espírito Santo atue!’ Assim, como no dia da minha Profissão religiosa – concluiu – confio-me a Deus, à Igreja, à minha Ordem e aos meus confrades!”

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF