Por Victoria Cardiel
27 de junho de 2025
Uma missa na basílica de São Pedro, no Vaticano, foi
celebrada ontem (26) no rito hispano-moçárabe, característica dos cristãos que
viviam sob o domínio islâmico na península ibérica.
O arcebispo de Toledo e primaz da Espanha, Francisco Cerro
Chaves, celebrou a missa no Altar da Cátedra, segundo esse antigo rito, uma das
poucas liturgias ocidentais não-romanas que sobreviveram ao passar dos séculos.
Na homilia, o arcebispo defendeu a comunhão com Cristo, com
a Igreja e com o sucessor de são Pedro, enfatizando que essas três realidades
"não são negociáveis".
"Não se pode brincar com a comunhão com Cristo, não se
pode brincar com a comunhão com a Igreja e não se pode brincar com a comunhão
com Pedro", disse Chaves.
Inspirado pelo Evangelho do dia, o arcebispo centrou seu
sermão na pergunta de Jesus: "E vós, quem dizeis que eu sou?" (cf. Lc
9, 20).
"Essa pergunta é dirigida a cada um de nós hoje”, disse
o primaz da Espanha. “E a nossa resposta muda tudo: a história muda, a vossa
paisagem muda, o vosso coração muda".
"É a pergunta mais importante que o Evangelho faz”,
disse também o arcebispo de Toledo. “E Pedro responde: Tu és o Filho do Deus
vivo”.
Citando Bento XVI, o arcebispo espanhol disse que o
cristianismo nasce de um encontro pessoal com Cristo e que ser cristão implica
também viver em comunhão com a Igreja e o Papa.
"Santo Inácio de Antioquia diz isso claramente: nada
sem o bispo, nada sem Pedro", disse o primaz da Espanha.
Cerro também elogiou a missão do papa como guardião da fé e
mensageiro do Evangelho ao mundo.
"A tarefa do papa é dizer a toda a humanidade: Tu és o
Filho do Deus vivo”, disse o arcebispo espanhol. “Por isso, ele vai às
periferias, às dioceses, às aldeias, para proclamar o amor de Cristo".
A missa mozárabe, que fez parte da peregrinação de 200
pessoas da arquidiocese de Toledo a Roma para o Jubileu da Esperança, teve a
presença de vários representantes da cúria romana: entre eles, o bispo
Alejandro Arellano Cedillo, decano da Rota Romana; o bispo Aurelio García
Macías, subsecretário do Dicastério para o Culto Divino; o bispo auxiliar de
Toledo, Francisco César García Magán, secretário-geral da Conferência Episcopal
Espanhola; e o leigo espanhol Massimino Caballero Ledo, prefeito da Secretaria
de Economia da Santa Sé.
O rito hispano-moçárabe
Junto com o rito romano, o rito galicano, o rito ambrosiano
e o rito bracarense, o rito hispano-moçárabe faz parte do conjunto de ritos
desenvolvidos em torno das antigas sedes metropolitanas do Ocidente.
“Esse rito faz parte das liturgias ocidentais que se
formaram em torno de uma Sé: a liturgia romana (Roma), a liturgia Galicana (Lyon, França),
a liturgia ambrosiana (Milão, Itália) e a liturgia bracarense (Braga,
Portugal)”, diz o padre Salvador Aguilera, consultor do Dicastério para as
Igrejas Orientais, a quem Cerró agradeceu por seu envolvimento para tornar
possível a celebração na basílica de São Pedro desse rito, nascido no coração
da antiga Igreja visigótica e ainda viva em Toledo.
Espanha visigoda
Segundo Aguilera, doutor em liturgia, esse modo de celebrar
a missa atingiu seu auge no período visigótico, especialmente depois da
conversão oficial do reino ao catolicismo no terceiro concílio de Toledo, em
589 d.C.
No entanto, sua história não foi isenta de momentos de
perseguição, correndo o risco de desaparecer para sempre. Depois da invasão
muçulmana à península ibérica em 711 d.C., muitos livros litúrgicos e relíquias
tiveram que ser transferidos para o norte da Espanha para serem guardados em
segurança.
Em 1080, a mando do papa são Gregório VII, foi convocado o
concílio de Burgos, que aboliu o rito. No entanto, alguns anos depois, em 1085,
com a reconquista de Toledo pelo rei Afonso VI, os moçárabes obtiveram o
privilégio de preservar sua liturgia.
Desde então, a preservação do rito hispano-moçárabe tem sido
obra de grandes figuras eclesiásticas. "Três nomes marcaram a história do
rito desde a sua abolição até os dias atuais: os cardeais Cisneros, Lorenzana e
González", diz o padre Aguilera.
O cardeal Francisco Jiménez de Cisneros, arcebispo de Toledo
de 1495 a 1517, "empreendeu uma reforma que não só afetou questões
materiais, como paróquias e livros litúrgicos, mas também promoveu a formação
do clero, garantindo a continuidade de uma liturgia tão antiga", diz o
especialista.
O cardeal Cisneros instituiu a capela moçárabe de Corpus
Christi na catedral de Toledo e encomendou a publicação do Missale
mixtum secundum regulam Beati Isidori (1500) e do Breviarium
secundum regulam Beati Isidori (1502). Séculos depois, o cardeal
Lorenzana publicou outras edições do breviário (1775) e do missal (1804), obras
fundamentais para a preservação do rito.
No século XX, o cardeal Marcelo González Martín reacendeu o
movimento reformista depois do concílio Vaticano II.
"Seguindo as instruções da constituição Sacrosanctum
concilium sobre a reforma dos Ritos, ele nomeou uma comissão
para produzir a edição latina do Missale Hispano-Mozarabicum em
dois volumes... e do Liber commicus (Lecionário)”.
Trinta anos depois da reforma conciliar, em 1992, o primeiro
volume do recém-publicado Novo Missal Hispano-Moçárabe foi apresentado ao papa
são João Paulo II, e o papa quis celebrar a missa em seguida. O dia 28 de maio
de 1992, solenidade da Ascensão do Senhor, marcou a primeira vez que um papa
celebrou a missa conforme esse rito.
Segundo o padre Aguilera, na ocasião, o papa polonês
expressou sua "profunda satisfação pelo meritório trabalho realizado na
revisão do rito hispano-moçárabe, cumprindo assim os requisitos da
constituição Sacrosanctum concilium sobre a Sagrada Liturgia”.
“Isso deu à Igreja da Espanha um fruto precioso, que também
representa um eminente serviço à cultura, na medida em que representa uma
recuperação das fórmulas com as quais seus antepassados expressaram sua fé",
disse também o padre.
Outras ocasiões em que este rito foi celebrado na basílica
de São Pedro foram em 2000, por ocasião do Grande Jubileu, numa missa celebrada
pelo então arcebispo de Toledo, cardeal Francisco Álvarez Martínez; e em 2015,
no Jubileu da Misericórdia, em outra missa celebrada pelo então arcebispo de
Toledo e atual arcebispo emérito, Braulio Rodríguez Plaza.
*Victoria Cardiel é jornalista especializada em temas de
informação social e religiosa. Desde 2013, ela cobre o Vaticano para vários
veículos, como a agência de noticias espanhola Europa Press, e o semanário Alfa
y Omega, da arquidiocese de Madri (Espanha).
Nenhum comentário:
Postar um comentário