"Não tenhais medo se tornou um slogan, um enunciado
mais característico do seu Pontificado, o coração do seu ensinamento, da sua
obra, da sua missão. João Paulo II não só proclamou o direito de todo o ser
humano e de todo povo à liberdade, mas levou a liberdade, fez com que ela fosse
vivida e, por conseguinte, levou a esperança a pessoas e povos de todo o
mundo".
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
“Embora eu tenha vivido no meio de muitas trevas, sob
duros regimes totalitários, tive suficientes motivos para me convencer de
maneira inabalável de que nenhuma dificuldade e nenhum temor é tão grande a
ponto de poder sufocar completamente a esperança que jorra sem cessar no
coração dos jovens. Vós sois a nossa esperança, os jovens são a nossa
esperança! Não permitais que esta esperança morra. Comprometei a vossa vida com
ela. (São João Paulo II)”
Essas palavras
de São João Paulo II, dirigida em 2002 aos jovens reunidos em Toronto,
em sua XVII Jornada Mundial, é um verdadeiro hino à resiliência da esperança,
especialmente em contextos difíceis, bem como à sua capacidade de persistir e
regenerar-se, especialmente nos jovens.
Dando sequência a sua série de reflexões neste Ano Jubilar
sobre os "Papas e a Esperança", Pe. Gerson Schmidt* nos
propõe hoje a reflexão "Cruzando o limiar da esperança com São João Paulo
II":
"Na homilia do início de seu Pontificado, o novo Papa
eleito, João Paulo II, esboçando um leve sorriso, encarou o povo de frente e,
com um ar jovial, seguro, tranquilo, lançou com voz clara e forte um apelo,
como num grito ao mundo: – “Não tenhais medo! Abri as portas ou, melhor,
escancarai as portas a Cristo!”. Este apelo, que conclamava os católicos e os
homens de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o
Papa como que o “refrão” do seu longo Pontificado de 26 anos.
Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele mesmo glosou essas
palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio Messori, transcrita
no livro “Cruzando o limiar da esperança”. Esse anúncio querigmático, o Papa
João Paulo II explica nesse livro nestes termos: “Não tenhais medo!, dizia
Cristo aos Apóstolos (Lc 24,36) e às mulheres (Mt 28,10), depois da
Ressurreição […]. Quando pronunciei estas palavras na praça de São Pedro não me
podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a mim e à Igreja
inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido pelo Senhor
Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as pronunciava.
Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias circunstâncias.
Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação mundial […].
Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo ressuscitado: “Não
tenhais medo!”. Precisa delas o homem […], precisam delas os povos e as nações
do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência, retome vigor a certeza
de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste mundo que passa; Alguém que
tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do
ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito homem, Amor crucificado e
ressuscitado. Amor continuamente presente entre os homens. É Amor eucarístico.
É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que dá a plena garantia às
palavras: «Não tenhais medo».
No Livro Cruzando o limiar da esperança, o
Papa pergunta-se: «Por que não devemos ter medo?». E responde: «Porque o ser
humano foi redimido por Deus […]. Deus amou tanto o mundo que entregou seu
Filho Unigênito (Jo 3,16). Este Filho continua na história da humanidade como
Redentor. A revelação divina perpassa toda a história do ser humano, e prepara
o seu futuro... É a luz que resplandece nas trevas (cfr. Jo 1,5). O poder da
Cruz de Cristo e da sua Ressurreição é maior que todo o mal de que o homem
poderia e deveria ter medo» – conclui, grifando explicitamente a última frase[1].
É emocionante verificar que a mesma esperança da primeira
mensagem de São João Paulo II animou a sua última mensagem. No domingo, dia 3
de abril de 2005, quando partiu, o arcebispo Leonardo Sandri, substituto da
Secretaria de Estado, leu à multidão congregada na praça de São Pedro a última
alocução preparada com antecedência pelo Papa, que tinha falecido no dia
anterior. Ele desejava ter podido pronunciá-la no encontro tradicional da hora
do Angelus desse dia (do Regina Coeli, pois era tempo pascal): “…À humanidade –
dizia – , que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo
e do medo, o Senhor ressuscitado oferece a sua misericórdia como dom do seu
amor que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança”.
João Paulo II começava seu Pontificado com o texto bíblico
esperançoso: “Não tenhais medo”, que se tornou uma espécie de seu lema papal.
Confessou mais tarde que nem ele se dava conta plenamente do significado mais
profundo dessas palavras proferidas e proféticas. “Só mais tarde entendeu que
aquilo que havia dito era trazido dentro de si mesmo há muito tempo. Fazia
parte da sua memória, da sua experiência, e consequentemente da herança de fé,
de cultura e de história que carregava consigo de sua pátria”, disse o escritor
Gian Franco Svidercoschi, no livro João Paulo II, um Papa
que não morre[2].
Não tenhais medo se tornou um slogan, um enunciado mais característico do
seu Pontificado, o coração do seu ensinamento, da sua obra, da sua missão. João
Paulo II não só proclamou o direito de todo o ser humano e de todo povo à
liberdade, mas levou a liberdade, fez com que ela fosse vivida e, por
conseguinte, levou a esperança a pessoas e povos de todo o mundo[3].
É essa esperança que o Papa João Paulo II pregava aos jovens
nas grandes Jornadas mundiais da Juventude, criadas por ele e que reunia
multidões de rostos joviais. Quando as Nações Unidas declararam 1985 o Ano
Internacional da Juventude, São João Paulo II quis enviar uma carta apostólica
aos jovens de todo o mundo. As palavras que, como um refrão, são repetidas
nesta carta são as de São Pedro Apóstolo: "Sempre pronto para responder a
qualquer pessoa que lhe perguntar o motivo da esperança que existe em
você" (1Pd 3,15). Começa essa carta com esse apelo e termina também
dizendo aos jovens: “Vocês, jovens, são a esperança da Igreja que, precisamente
sob este aspecto, em vocês se vê a si mesma e à sua missão no mundo, pois a
esperança está relacionada a vocês. “Trata-se, mais uma vez, de estar prontos a
dar uma resposta vitoriosa a todo aquele que lhes perguntar acerca da esperança
que os anima”[4].
Na abertura solene do III CELAM – A Conferência Geral dos bispos
Latino-americanos, presentes em Puebla, 350 bispos presentes, conclui sua
mensagem com algumas tarefas prioritárias, entre elas a Juventude e assim
disse: “Quanta esperança põe na juventude a Igreja! Quantas energias circulam
na juventude na América latina, de que a Igreja precisa. Como temos nós,
pastores, de procurar aproximar-nos da juventude, para que Cristo e a Igreja e
para que o amor dos irmãos calem profundamente no seu coração”. Dizia
costumeiramente: “Peço a você! Nunca, nunca desista da esperança, nunca duvide,
nunca se canse, e nunca desanime. Não tenha medo”."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro
de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em
Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Livraria
Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1995, págs. 202.
[2] SVIDERCOSCHI,
Gian Franco. João Paulo II, um Papa que não morre, Paulinas,
2011, SP, p. 36.
[3] Cf.
idem, p.37.
[4] Carta
apostólica de João Paulo II por ocasião do ano Internacional da Juventude –
1985, Paulinas, 61.
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