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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

PAIS DA IGREJA: Sobre a Vida de Moisés (Parte 16/20)

São GREGÓRIO DE NISSA

(Aprox. 330-395)

Sobre a Vida de Moisés

Tradução segundo a Patrologia Grega de Migne
com base na versão de D. Lucas F. Mateo

História de Moisés

Capítulo 39

Isto é o mais paradoxal de tudo: como a quietude é o mesmo que o movimento. Com efeito, quem corre não está quieto, e quem está quieto não marcha para cima; aqui, ao contrário, o permanecer estável se origina do caminhar para cima. Isto quer dizer que quanto mais sólida e firmemente alguém se mantém no bem, tanto mais consuma a corrida da virtude. Quem é instável e vacilante quanto à base de suas convicções, por carecer de uma segura estabilidade no bem, sacudido pelas ondas e levado de um lado a outro, como diz o Apóstolo (Ef 4,14), ao estar agitado e duvidoso em sua concepção dos seres, jamais alcançará a virtude. Os que sobem uma costa de areia, ainda que dêem grandes passos, fadigam-se com pouco resultado, pois seus pés se afundam sempre juntamente com a areia; se esforçam no movimento, porem deste movimento não obtêm nenhum avanço. Porém se alguém, como diz o salmo, tira seus pés do seio do abismo (Sal 40, 3), e os coloca sobre a pedra, - e a pedra é Cristo, virtude perfeita (1Co 10, 4) -, quanto mais firme e imóvel se faz no bem conforme o conselho de São Paulo (1Co 15, 58), tanto mais veloz corre sua corrida, servindo-se da estabilidade como de asas: em sua marcha para cima, o coração, por sua segurança no bem, lhe serve de asas.

Capítulo 40

Assim pois Deus, ao mostrar a Moisés o lugar, o excita à corrida. Ao prometer-lhe estabilidade sobre a pedra, mostra-lhe a forma de correr este certame divino. Quanto ao espaço que há na fenda, ao que o relato chama buraco, formosamente o interpretou o divino Apóstolo com suas próprias palavras, dizendo que uma morada celestial não feita por mão de homem está preparada, na esperança, para aqueles cuja tenda terrena tenha sido desfeita (2Co 5, 1). Aquele que na verdade tiver consumado a corrida, como diz o Apóstolo (2Tm 4, 7), naquele estádio amplo e espaçoso a que a palavra divina chama lugar, e tiver guardado efetivamente a fé, como diz o símbolo, este, tendo assentado seus pés sobre a fenda, será recompensado com a coroa da justiça pelas mãos do presidente do certame. Este prêmio é chamado pela Escritura de diversas formas. O mesmo que é chamado aqui cavidade da fenda, em outros lugares é chamado jardim de felicidade, tenda eterna, morada junto do Pai, seio do patriarca, terra dos viventes, água do descanso, Jerusalém celestial, reino dos céus, prêmio dos eleitos, coroa de graças, coroa de felicidade, coroa de formosura, torre de poder, banquete de festa, estar sentado junto de Deus, trono para julgar, lugar ilustre, tenda escondida (Gn 3, 23; Lc 16, 9; Jo 14, 2; Lc 16, 22; Is 38, 11; Sal 23, 2; Ga 4, 26; Mt 3, 2; Flp 3, 14; Pr 1, 9 e 4, 9; Is 62, 3; Sal 61, 4; Ap 3, 21; Sal 89, 15; Is 56, 5; Sal 27, 5). Assim pois, dizemos que a entrada de Moisés na fenda designa a mesma realidade que todas estas expressões. Posto que a fenda é interpretada por Paulo como Cristo (1Co 10, 4), e cremos que em Cristo está a esperança de todos os bens, e sabemos, com efeito, que nEle estão todos os tesouros dos bens (Col 2, 3), quem alcançou algum bem, esse certamente está em Cristo, o qual contem todo bem. Quem avançou até este ponto e esteve protegido pela mão de Deus, como pôs em relevo o relato, a mão talvez seja a força de Deus, criadora dos seres, o Unigênito de Deus por meio do qual foram feitas todas as coisas (Jo 1, 3), o qual é também lugar para quem corre; é, segundo sua própria expressão (Jo 14, 6 e 1Tm 4, 7), caminho dos que correm, e é também rocha para quem está firme, e casa para os que alcançaram o repouso, esse se sentirá chamar, e verá as costas do que chama, isto é: marchará atrás do Senhor Deus (Dt 13, 5), conforme prescreve a Lei. Também o grande Davi, ao ouvir isto, o entendeu, quando diz a quem habita sob a proteção do Altíssimo: Ele cobrirá com suas asas (Sal 91, 4), que é o mesmo que encontrar-se atrás de Deus, pois as asas se encontram nas costas, e grita com relação a si mesmo: minha alma aderiu a Ti, tua direita me sustentou (Sal 53, 9). Vês como concorda o salmo com o relato? Da mesma forma que este diz que a direita protegeu a quem estava aderido a Deus, assim também ali a mão toca em quem espera na fenda a palavra divina, e lhe pede que o siga. Também o Senhor que, ao converter-se em plenitude da própria Lei, recebia a riqueza de Moisés, dirige-se de forma parecida a seus discípulos, e revela claramente as coisas que haviam sido ditas em figuras, quando diz se alguém quer vir atrás de Mim (Lc 9, 23). Não diz: "Se alguém quer ir adiante de Mim". E dirigiu o mesmo convite a quem suplicava pela vida eterna: Vem e segue-me (Lc 18, 22). Pois bem, quem segue vê as costas. Portanto, Moisés, que anseia por ver Deus, recebe o ensinamento de como é possível ver Deus: seguir a Deus aonde quer que Ele conduza, isto é ver Deus. Sua passagem indica que guia a quem o segue. Para quem ignora o caminho, não é possível percorrê-lo com segurança senão seguindo atrás de quem guia. Por esta razão aquele que guia, indo adiante, mostra o caminho a quem o segue, e quem segue não se separará do bom caminho se olhar continuamente para as costas de quem conduz.

Capítulo 41

Quem em seu movimento se deixa levar para os lados, ou se coloca olhando o guia de frente, inventa outro caminho para si, e não aquele que lhe mostra o guia. Por esta razão diz Deus ao que é guiado: Meu rosto não será visto por ti (Ex 33, 20), isto é, não te ponhas de frente a quem te guia, pois obviamente o caminho seria em sentido contrário. O bem não olha de forma oposta ao bem, mas o segue. O que conhecemos como contrário ao bem, isto se o põe de frente. O mal olha para a virtude em sentido contrário; ao passo que a virtude não é olhada de forma oposta pela virtude. Por esta razão, Moisés não olha agora a Deus de frente, mas vê o que está atrás dEle. Pois quem olha de frente não viverá, como atesta a palavra divina: Ninguém verá a face do Senhor e viverá (Ex 33, 20). Vês quão importante é aprender a seguir a Deus: aquele que aprendeu a colocar-se às costas de Deus, depois daquelas altas ascensões e daquelas terríveis e maravilhosas teofanias, já quase na consumação de sua vida, apenas se acha digno desta graça. A quem desta forma segue Deus, não detém nenhuma das contradições suscitadas pelo mal. Pois após isto, nasce a inveja dos irmãos. A inveja, a paixão malvada primordial, pai da morte, primeira porta do pecado, raiz do mal, origem da tristeza, mãe das desgraças, fundamento da desobediência, princípio do paraíso convertendo-se em serpente para dano de Eva. A inveja nos separou com um muro da árvore da vida, nos despojou das vestimentas sagradas e, para vergonha, nos revestiu com folhas de figueira. A inveja armou Caim contra sua natureza, e inaugurou a morte castigada sete vezes. A inveja fez escravo José. A inveja é incentivo portador de morte, arma oculta, enfermidade de nossa natureza, veneno bilioso, putrefação voluntária, dardo cruel, loucura da alma, fogo que abrasa o coração, chama que devora as entranhas. Para ele, é uma desgraça não o próprio mal, mas o bem alheio e, vice versa, é um bom sucesso não o bem próprio, mas o mal do próximo. A inveja, que se entristece com os êxitos dos homens e se alegra com suas desgraças. Dizem que os abutres, devoradores de cadáveres, são aniquilados pelo perfume, pois sua natureza se fez afim do insalubre e pútrido. Assim também quem está dominado por esta enfermidade se consome com a boa sorte do próximo como com a presença de um perfume, e ao ver algum sofrimento por alguma desgraça, revoa sobre ele, e mete seu bico torcido, trazendo à luz os aspectos ocultos da desgraça. A inveja atacou a muitos antes de Moisés. Arrojando-se contra este grande homem, se pulveriza como um vaso de argila estraçalhado contra uma pedra. Nisto, sobretudo, se mostrou o prêmio de caminhar atrás de Deus como fez Moisés; ele havia corrido no lugar divino, havia permanecido firme sobre a fenda e, metido em seu vão, havia sido protegido pela mão de Deus, e havia marchado atrás de quem guiava, sem vê-lo face a face mas olhando suas costas. E que ele alcançou por si mesmo a felicidade ao seguir a Deus se demonstra por ter se mostrado mais elevado que um tiro de arco. A inveja, com efeito, enviou seu dardo contra ele, porem o tiro não alcançou a altura em que se encontrava Moisés. A corda do arco da maldade não teve força suficiente para lançar esta paixão tão longe para que o contagiasse esta enfermidade partindo dos que já haviam caído nela. Aarão e Maria, roídos pela paixão da inveja, se converteram em um arco feito de selos de barril lançando contra ele a palavra como um dardo.

ECCLESIA Brasil

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF