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segunda-feira, 17 de julho de 2023

A importância da comissão dos novos mártires pelo testemunho a Jesus, através da caridade

Imagem de Jesus na igreja em Negombo, Sri Lanla, após atentado na Páscoa de 2019 (Vatican Media)

"Os mártires foram testemunhas de Cristo nas horas difíceis, sobretudo na hora de suas mortes, porque eles doaram as suas vidas por Jesus e pelo Reino. Os mártires dos primeiros séculos estão em comunhão com os mártires da atualidade, porque estavam unidos ao Senhor e à Igreja. A Comissão dos mártires na atualidade instituída por Papa Francisco alude aos mártires que viveram na radicalidade o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo."

Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá (PA)

Em vista do Jubileu de 2025, o ano santo com o lema: “Peregrinos de Esperança”, o Papa Francisco instituiu a Comissão dos Novos Mártires, testemunhas da fé no Dicastério para as causas dos santos com o objetivo de elaborar um catálogo para todas as pessoas que derramaram o seu sangue para confessar Cristo Jesus e deram o seu testemunho pelo evangelho, nas quais aquelas pessoas não podem ser esquecidas, disse o Papa Francisco[1]

É importante fazer uma análise a respeito do martírio na Igreja antiga, e o martírio na Igreja atual. Na Igreja primitiva, os mártires foram as testemunhas prediletas do Senhor, pois eles e elas doaram as suas vidas pelo Reino de Deus, pela Igreja. Muitos homens e mulheres passaram pelos sofrimentos, pelas dores, pelas cruzes, mas não desanimaram diante da alegria interior da fidelidade para com o Senhor. Eles enfrentaram as autoridades, as prisões, os animais ferozes, as calúnias por serem cristãos, e a morte violenta porque amaram a Jesus e ao seu povo. Nos primeiros tempos do cristianismo, como era proibida a religião cristã, os mártires tiveram presentes à fidelidade, a alegria de dar a vida pelo Senhor, o amor a Ele. O martírio na realidade atual continua ainda pelo testemunho a Jesus, mas as circunstâncias são diferentes no sentido de pessoas que lutaram pela fidelidade ao cristianismo, a Jesus, como a luta pela terra, pela vida dos pobres, dos necessitados, por uma causa do evangelho, que se tornou a causa do Senhor.

O significado do martírio

Martírio vem do grego mártyr ou martyrion cujo significado é testemunho, isto é, a pessoa que vê o fato e diz a sua opinião. Na literatura cristã, tratou-se daquele ou daquela que deu testemunho de Jesus, ao derramar o seu sangue pela própria fé e deu a sua vida pelo Reino de Deus[2].

O martírio era o testemunho diante do público, no presente, para o Senhor, em vista da escatologia, o mundo futuro, pela ressurreição da carne. Nesse sentido, o próprio Cristo disse aos discípulos: “Devo ser batizado com um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra”(Lc 12,50). O Messias passou pelo sofrimento por parte das autoridades, morreu e ressuscitou no terceiro dia ( Mt 16,21). Ou mesmo na cruz ele disse ao bom ladrão arrependido: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”(Lc 23,43). No relato do martírio de Estêvão, este viu o céu aberto e a presença de Jesus à direita de Deus ( At 7,56). Havia uma grande multidão, todos com a palma na mão, fazendo a adoração a Deus e ao Cordeiro ( Ap 7, 9-17). Nos Padres da Igreja apareceu o dado da união com o Senhor, sobretudo em Inácio de Antioquia: “Não desejeis nada para mim, senão ser oferecido em libação a Deus, enquanto ainda existe altar preparado, a fim de que, reunidos em coro no amor, canteis ao Pai, por meio de Jesus Cristo”[3]. O mártir era aquele que seguia o mundo presente, mas ele possuía os olhos voltados para o futuro, a vida de Deus, a união com o Senhor pela qual eles davam as suas próprias vidas[4].

A graça do martírio

O martírio não era fruto de uma decisão humana, mas o supremo testemunho de amor na qual o fiel confirmava a sua opção por Deus e por Cristo. O fiel imitava a paixão do Mestre divino que requeria uma perfeita comunhão de sentimentos e de vontade. Mas foi sobretudo obra da graça divina que em seu desígnio imperscrutável chamou alguns a render a testemunha suprema e adiar alguns outros, pois ainda não chegou a sua hora. O discípulo devia ser disponível, a hora que o Senhor o chamasse a dar a sua vida, não podendo nem menos provocar a prova. As palavras de Cipriano refletiram o pensamento da Igreja antiga que dizia para ninguém dos fiéis apresentarem-se espontaneamente aos gentios: “Se alguma pessoa fosse presa e dada aos magistrados deveria falar, porque Deus presente na pessoa, falaria naquela hora. O Senhor prefere mais segundo o bispo de Cartago, a confissão pública que a autodenúncia"[5].

A essência do martírio

A natureza do martírio referiu-se ao conjunto das coisas, que, no caso desse ideal, alcançasse o seguimento a Jesus Cristo na sua radicalidade. Os mártires enfrentavam as forças do mal, com a graça de Deus que agia neles, para se unir aos sofrimentos do Senhor. Por isso, o martírio foi em certo sentido, a bebida do cálice que Jesus bebeu, fazendo a vontade de Deus ( Mt 20,22). Este é o cálice da salvação e quem o toma invocará o nome do Senhor para se unir a ele ( Rm 10,13)[6]. O martírio manifestava uma atitude pública. Se a pessoa proferiria uma confissão de fé, a ação da graça divina agia nela. Se Deus chamava, ele dava a ajuda necessária para que a prova alcançasse o seu fim[7].

O martírio, um segundo batismo

O martírio era visto um batismo verdadeiro, porque a pessoa derramava o seu sangue pela causa do Reino de Deus e do seguimento a Jesus Cristo. Segundo Tertuliano, esse era um segundo batismo, pelo derramamento de sangue, inspirado nas palavras de Jesus: “Devo ser batizado com um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra”(Lc 12,50), ainda que tivesse sido batizado. “Esse é único, batismo de sangue. Se o Senhor veio, segundo João, na água e no sangue, para, dessa forma, batizar-se na água, para ser glorificado no sangue[8].

O Sangue dos mártires

Tertuliano disse que o sangue dos mártires é semente de novos cristãos[9]. O fato era que o martírio impulsionava um engajamento de vida das pessoas em unidade com o Senhor Jesus até a sua morte. A pessoa que sofria o martírio era de comunidade, que participava da mesma, vivia a sua fé, esperança e caridade na família, na comunidade e no mundo. O sangue dos mártires era semente para o surgimento de novas pessoas para o seguimento a Jesus Cristo e à sua Igreja.

O mártir dos mártires aos de ontem e de hoje

O mártir dos mártires é Jesus Cristo. Ele doou tudo de si para a nossa salvação. Os mártires da Igreja antiga, como também os mártires do mundo atual, nestas últimas décadas, tiveram como modelo de vida, Jesus Cristo. Eles lutaram até o fim por este ideal para ser meditado, amado, vivido. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). Jesus fez isso, assumindo a sua palavra dita tornando-se para todos os mártires modelo de vida, de dar a sua vida pela causa de Jesus e de seu Reino.

O martírio nestas últimas décadas

São muitas as pessoas que nos tempos atuais deram as suas vidas pela causa do Reino de Deus e de Jesus. Eles assumiram a caridade de uma forma total. Eles confessaram a sua fé, a sua esperança e praticaram obras caritativas para o louvor de Jesus Cristo e de sua Igreja. Muitas pessoas, leigos, leigas, lideranças comunitárias e sociais, religiosos, religiosas, padres, bispos, derramaram o seu sangue por Jesus Cristo e à sua Igreja. Foram mortos de uma forma violenta, custando-lhes a vida. Muitas pessoas estão ligadas à luta pela terra, às causas dos povos indígenas, dos povos do campo e da cidade, das florestas, dando um grande testemunho de vida pela causa do Reino de Deus e de Jesus Cristo. O fascínio ao martírio é ainda grande no mundo atual, porque ele tem como ponto fundamental dar a vida por Cristo Jesus. É amá-lo nos irmãos e nas irmãs até o fim de suas vidas, até o derramamento do sangue.

Os mártires foram testemunhas de Cristo nas horas difíceis, sobretudo na hora de suas mortes, porque eles doaram as suas vidas por Jesus e pelo Reino. Os mártires dos primeiros séculos estão em comunhão com os mártires da atualidade, porque estavam unidos ao Senhor e à Igreja. A Comissão dos mártires na atualidade instituída por Papa Francisco alude aos mártires que viveram na radicalidade o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.

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[1] Cfr. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-07O Papa institui a Comissão dos Novos Mártires, testemunhas da fé.

[2] Cfr. V. Saxer, S. Heid. Martírio. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti, 2007, p. 3076.

[3] Cfr. Inácio aos Romanos, 2,2. In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995, p. 104.

[4] Cfr. Dom Vital Corbellini, O Martírio na Igreja Antiga. Brasília: Edições CNBB, 2019, p. 09.

[5] Ep81,4. In: Opere di San Cipriano, a cura di G. Toso. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinense, 1980.

[6] Cf. Origene. Esortazione al martirio,. Roma: Pontificia Università Urbaniana, 1985, p, 29.

[7] Cf. C. Noce. Il martiriotestimonianza e spiritualità nei primi secoli. Roma: Studium, 1987, p. 37.

[8] Cf. Tertulliano. De Bapt. 16,1. In Battesimo e Battisteri a cura di R. Iorio.  Bologna: Dehoniane, 1993, p. 98-99. Ver também O sacramento do batismo nas fontes cristãsTeologia e pastoral do batismo segundo Tertuliano. Introdução, Tradução dos originais e Comentários de U. Zilles. Porto Alegre: Est/Vozes, 1975, p.49-50.

[9] Cfr. Tertuliano. Apologético, 50,13. São Paulo: Paulus, 2021, p. 189.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF