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quinta-feira, 27 de julho de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (9/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

CARD. Alfons M. Stickler

        4. A fragmentação do sistema disciplinar no Oriente

Isto leva-nos ao ponto central na história do celibato ministerial na Igreja bizantina e nas Igrejas Orientais a ela associados. Algumas considerações preliminares ajudarão a entender a questão corretamente.

Como vimos até agora, um compromisso tão oneroso, humanamente falando, como o celibato, sempre teve que pagar ao longo da história o tributo da debilidade humana. Já Santo Ambrósio de Milão o testemunhou, afirmando que nem sempre correspondia o cumprimento com o preceito, sobretudo nas regiões mais remotas, também no Ocidente. O mesmo assinalava Epifânio de Salamina, falando do Oriente. Adverte-se, portanto, com claridade que há uma necessidade de permanente atenção e uma ajuda constante para manter esta prática. No Ocidente, os Concílios regionais e os Papas não cessaram de intervir, exortando à observância do celibato e para sustentá-la em todas as suas formas, garantindo o cumprimento do compromisso assumido, tão necessário para a Igreja.

Tudo indica, porém, essa atenção constante se perdeu no Oriente. Isso pode ser comprovado, por um lado, pela história dos Concílios regionais orientais. Certamente se pode notar o efeito benéfico dos esforços comuns a toda a Igreja Universal, presentes nos Concílios Ecumênicos convocados no primeiro milênio, no Oriente. Mas esses esforços se referem especialmente a questões dogmáticas e doutrinais. Os problemas disciplinares e de natureza pastoral eram enviados às assembleias das Igrejas particulares, tanto para responder às diferentes circunstâncias dos diferentes regiões, como, sobretudo por razão da organização patriarcal (Constantinopla, Antioquia, Alexandria, Jerusalém). Isso dava e implicava certa autonomia de governo, ainda mais acentuada pela separação de muitas Igrejas particulares, vítimas em maior ou menor grau de heresias, especialmente cristológicas, que agitavam o Oriente. Por esta razão, o Oriente como tal não pode chegar a uma atitude sistematicamente concordada em questões disciplinares, nem sequer sobre questões comuns de disciplina geral eclesiástica, como o celibato dos ministros sagrados. Cada Igreja particular emanava suas próprias regras, muitas vezes diferentes, em função da diversidade de convicções.

Faltava, portanto uma autoridade universal, reconhecida como tal por todo o Oriente, que poderia proporcionar uma efetiva coordenação da disciplina geral e que poderia tomar medidas eficazes de controle, vigilância e execução.

Esta situação se reflete claramente naquelas recopilações de normas da Igreja Oriental, que contêm as prescrições dos Concílios Ecumênicos e dos Concílios particulares dos primeiros séculos. Mas a legislação dos séculos sucessivos no foi incluída na recopilação comum formada anteriormente, o Syntagma canonum. Em lugar das disposições papais, que foram tão importantes para a coordenação geral da disciplina no Ocidente, foram recolhidos fragmentos de textos dos principais Padres Orientais, que eram por natureza ascética. Também foram recolhidas leis imperiais em matéria eclesiástica, fruto do cesaro-papismo reinante na Igreja bizantina, que eram realmente normas vinculantes que dava certa uniformidade nos pontos disciplinares que tratava.

Da disciplina ocidental, tanto particular como geral, o Oriente aceitou, na sua recopilação mais comum de direito eclesiástico, apenas a da Igreja africana que era mais conhecida e mais próxima, ainda que pertencia ao Ocidente romano. Além disso, a coleção mais importante e extensa, o Codex canonum ou Codex canonum Ecclesiae africanae in causa apiarii – causa na que tinha sido interpelado o Oriente – foi introduzido no seu Syntagma.

Pela posição e influência exercida no Oriente pelos imperadores existem os chamados Nomocanones, recopilações nas que eram reunidas leis eclesiásticas e leis estatais de matéria eclesiástica; a observância dessas leis nos territórios orientais da Igreja, que ainda estavam sujeitos ao imperador, estava sob a responsabilidade deste.

Com tal situação na Igreja oriental, se explica também a falta de uma ação eficaz geral contra a tentação sempre presente de ceder na observância do dever do celibato dos ministros sagrados. O que se manteve em quase todo o Oriente, pelo menos para os bispos, foi a antiga tradição da continência completa, incluindo àqueles que se tinham casado antes da Ordenação, pois muitos haviam sido eleitos entre os monges. Entretanto, se foi lentamente julgando impossível deter o uso, cada vez mais estendido, do matrimônio contraído antes da Ordenação por parte de sacerdotes, diáconos e subdiáconos, e ainda muito menos recuperável a obrigação da continência completa. Isto significa que, de fato, se cedeu ante a situação.

Não se deve surpreender de que as primeiras leis que sancionaram esta situação foram leis imperiais, posto que, não inspiradas certamente em considerações teológicas, tratavam de regular as condições civis concomitantes com o ministério sagrado. De fato, enquanto o Código Teodosiano (ano 434) mostrou que a continência pode ser guardada, ainda que se permita à mulher habitar com o marido também depois da Ordenação, pois o amor à castidade não exige expulsá-la de casa (sempre que o comportamento dela antes da Ordenação do marido tenha demonstrado que ela é digna dele), a legislação do Imperador Justiniano I em matéria eclesiástica, por sua parte, tanto no Código (ano 534) como nas “Novellae” (535-536) manifesta uma atitude diversa. Ainda se mantém a proibição de admitir na Ordem sagrada ao que se tivesse casado mais de uma vez, assim como a de casar-se depois da Ordenação, e isto para todos os graus, desde o sub-diaconado em diante. Mas agora se permite a coabitação com a esposa aos sacerdotes, diáconos e subdiáconos com o fim de que possam continuar usando do matrimônio, sempre que houvesse sido contraído uma só vez e com uma virgem.  

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF