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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (6/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos 

CARD. Alfons M. Stickler

             7. O Celibato no direito canônico clássico.

Quase ao mesmo tempo começou a vida e a atividade do direito da Igreja direito. O monge camaldulense João Graciano compôs aproximadamente em 1142 em Bolonha seu “Concórdia discordantium canonum” em seguida simplesmente chamado de “Decreto de Graciano”, no qual foi recolhido todo o material jurídico do primeiro milênio da Igreja e harmonizou, pelo menos tentou fazê-lo, as mais variadas normas. Com ele começava a escola do Direito da Igreja, associada à sua paralela do Direito Romano, e que será chamada de escola dos glossistas ou glossadores, ou seja, dos intérpretes das compilações do direito eclesiástico (e do Direito Romano) e dos seus textos legais. 

O decreto de Graciano trata também, naturalmente, a questão e a obrigação da continência dos clérigos, especificamente, nas distinções 26 – 34 e mais adiante nas distinções 81 – 84, da primeira parte. O mesmo irá acontecer também em outras partes do Corpus Juris (Canonici), que desde então vai se formando, com a promulgação das respectivas leis. 

Para compreender corretamente as explicações que os canonistas deram destas leis devemos considerar que, tal como os seus colegas romanistas, não realizaram a investigações e estudos histórico-jurídicos, o que só ocorreu mais tarde na escola dos cultos, ou seja, na escola jurídica humanística dos séculos XVI em diante. Não devemos, portanto, nos surpreender que os glossadores, ou seja, a escola jurídica clássica, haja desconhecido – também no domínio da canonística – uma crítica em sentido próprio das fontes e dos textos. 

Isto é  importante para o nosso assunto, pois ao falar de Graciano imediatamente encontramos o fato de que na questão do celibato eclesiástico aceitou como algo realmente ocorrido no Concílio de Nicéia a fábula histórica de Pafnucio, e a assumiu acriticamente, junto com o cânon 13 do Concílio Trullano II de 691, a diferença da práxis celibatária da Igreja ocidental e da oriental. Embora esta não fosse uma ocasião para ele justificar a razão as diferentes práticas da Igreja Latina, tanto ele como a escola clássica de Direito Canônico colocam a atenção no motivo da diferente obrigação na questão da continência do clero maior oriental. Voltaremos a falar deste diferente tratamento histórico do celibato na Igreja Oriental. 

Temos de dizer agora, no entanto, que, precisamente devido a esta negligência crítica as dúvidas já existentes no Ocidente sobre este assunto, e que Gregório VII e outros reformadores, incluindo especialmente Bernoldo de Constança, tinham reconhecido, não produziram uma impressão decisiva sobre a escola canonística, que reconheceu também as deliberações do Concílio Trulano II como plenamente válidas para a Igreja Oriental. Nesse mesmo Concílio, como veremos, foi fixada a disciplina celibatária da Igreja bizantina e das dependentes dela.

 No entanto, como já mencionamos, não existia entre os canonistas medievais nenhuma dúvida sobre a obrigação para a Igreja Ocidental, da continência de todo o clero maior. E isto, na verdade, porque conheciam bem os documentos dos Concílios ocidentais, os já tratados anteriormente, sobretudo dos Concílios africanos (Graciano, no entanto, não demonstra conhecer o cânon 33 de Elvira), dos Pontífices Romanos e dos Padres. Todos os canonistas estavam, em geral, de acordo com que a proibição do casamento para os clérigos maiores devia ser atribuída aos Apóstolos: tanto ao exemplo deles como às suas disposições. Alguns atribuíam aos Apóstolos a proibição do uso do matrimonio contraído antes da Ordenação, outros a disposições legislativas posteriores, sobretudo dos Romanos Pontífices, começando por Siríaco. Tentavam explicar as razões sobre as que se baseia tal proibição, ainda que com argumentos em parte contrapostos. Uns o relacionavam com um voto, expresso ou tácito, ou com a Ordem anexa, ou com uma disposição solene da legítima autoridade. Frente à dificuldade de que ninguém pode impor a outro um votum, se tratava de encontrar a solução na constatação de que não se tentava impor à pessoa, mas somente ao ofício, que trazia anexa esta condição. Que a Igreja pudesse fazê-lo não oferecia nenhuma dúvida a qualquer canonista, que o explicavam com argumentos bem interessantes e convincentes.

A doutrina que mais convence afirma que esta disposição podia ficar unida através de uma lei, sobretudo Pontifica, à Ordem Sagrada, e que isso era o que realmente tinha sido realizado desde os primeiros tempos da Igreja pelos Concílios e pelos Romanos Pontífices, tanto para o caso dos bispos, como para os sacerdotes e diáconos. No caso dos subdiáconos só havia sido decidido definitivamente a partir do Papa Gregório I. Nenhum canonista medieval duvidada, por outro lado, que esta obrigação vinculava ilimitadamente desde o momento de sua introdução. É particularmente destacável o fato de que alguns glossadores façam referência explícita, como fontes da obrigação da continência clerical, a normas meramente tradicionais, que já existiam antes de sua prescrição legal, e a que uma obrigação originada por m voto não era dispensável nem mesmo pelo Papa. Por este motivo se inclinavam pela teoria que punha a causa eficiente da obrigação numa lei, pois o Papa sim podia dispensar de uma lei geral. De todos os modos, um bom número deles eram da opinião de que uma dispensa deste tipo podia ocorrer somente em alguns casos particulares e não em geral, porque isso equivalia à abolição de uma obrigação contrária ao status ecclesiae, coisa que nem para o Papa era possível. 

Após esta exposição sintética do pensamento dos glossistas sobre o celibato eclesiástico, corretamente entendido, vigente na Igreja, vale à pena mencionar alguns dos mais importantes textos sobre nosso tema, que podem ser considerados especialmente representativos dessa doutrina. 

Primeiro devemos mencionar Raimundo de Peñafort. Esse autor compôs também o Liber Extra do Papa Gregório IX (parte central do Corpus Iuris Canonici) e pode pois ser considerado como homem de confiança do Papa, e é também representante qualificado da ciência canonística, já então bem madura. No que diz respeito à origem e ao conteúdo da obrigação de continência dos homens casados antes da sagrada Ordenação diz: “Os bispos, sacerdotes e diáconos devem observar a continência também com sua esposa (de antes). Isto é o que os Apóstolos ensinaram com seu exemplo e também com suas disposições, como alguns dizem, para quem a palavra “ensinamento” (Dist. 84, can. 3) pode ser interpretada de maneira diversa. Isto foi renovado no Concílio de Cartago, como na citada disposição Cum in merito do Papa Siríaco”. Depois de resumir outras explicações, se refere Raimundo às razões para a introdução de tal obrigação: “a razão era dupla: uma, a pureza sacerdotal, para que possam obter com toda sinceridade o que com sua oração pedem a Deus” (Dist. 84 , cap. 3 e dict. 1 p. c. 1 Dist. 31); “a segunda razão é que possam orar sem impedimentos (1 Cor 7, 5) e exercer seu ofício, pois não podem fazer as duas coisas: servir à mulher e à Igreja, ao mesmo tempo”.

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF