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sábado, 15 de julho de 2023

SÃO CARLOS BORROMEU: A casa construída sobre a rocha (2/4)

São Carlos salvo milagrosamente do atentado, Giovanni Battista della Rovere, chamado o Fiammenghino, Catedral de Milão

Arquivo 30Dias – 07/08 - 2011

SÃO CARLOS BORROMEU:
A casa construída sobre a rocha

“Tudo o que São Carlos fez e realizou, o edificou sobre a rocha indestrutível que é Cristo, na plena coerência e fidelidade ao Evangelho, no amor incondicionado pela Igreja do Senhor”. O discurso do arcebispo emérito de Milão no Meeting de Rímini

pelo Cardeal Dionigi Tettamanzi

O centenário de Milão a Rímini

Para mim é uma grande alegria que o centenário de São Carlos, iniciado com a palavra do Papa, em um certo sentido se conclua aqui em Rímini, com este evento que se apresenta com sua dupla face; cultural e espiritual.

Sem qualquer dúvida há o aspecto cultural: com efeito, hoje é inaugurada uma mostra didática sobre a vida e a obra pastoral de Carlos Borromeu; há painéis, legendas, materiais de multimídia; há um catálogo com contribuições científicas. Tudo isso é importante, porque permite que se conheça sempre melhor, além das muitas simplificações e outras leituras parciais ou até mesmo ideologicamente preconceituosas, a verdadeira face deste grande bispo, autêntico intérprete da reforma tridentina da Igreja.

Pessoalmente, faço questão de evidenciar principalmente o aspecto espiritual da iniciativa, como claramente emerge no título escolhido pelos organizadores para esta mostra: “A casa construída sobre a rocha”. A referência é à célebre página que conclui o Discurso da Montanha, com a parábola dos dois homens que constroem a sua casa, o primeiro sobre a areia, e o outro sobre a rocha. O resultado é obviamente previsível: a casa do primeiro, diante das primeiras adversidades da vida e às tempestades da história, desaba inexoravelmente; a casa do segundo, apesar das dificuldades da vida e dos transtornos da história fica em pé e resiste. E a rocha sobre a qual a casa foi construída é Cristo Senhor, é o seu Evangelho de verdade e de vida (cf. Mt 7, 24-27).

Na verdade essa parábola pode ser referida de modo particular a São Carlos e à sua obra: tudo o que ele fez e realizou, o edificou sobre a rocha indestrutível que é Cristo, na plena coerência e fidelidade ao Evangelho, no amor incondicionado pela Igreja do Senhor. Por isso o que São Carlos edificou resistiu às tempestades dos seus tempos; resistiu também às intempéries dos séculos que passam, como testemunha o fato de que hoje muitas das suas intuições, muitas das soluções pastorais e institucionais propostas por ele ou prefiguradas conservam uma sua permanente validade, uma sua incisiva atualidade, não apenas para a diocese de Milão, para também para toda a Igreja latina ocidental.

Um santo atual ou inatual?

Não falo por acaso de “atualidade”, porque devo confessar a vocês que muitas vezes, durante este centenário, perguntei-me, repassando os aspectos salientes da santidade de Carlos Borromeu, se ele ainda hoje é realmente um santo “atual”: ou seja, se tem alguma coisa de grande significado para dizer ao nosso presente, se ainda hoje é para nós – como foi quatrocentos anos atrás – um modelo de vida evangélica não apenas para admirar, mas também de várias maneiras para imitar.

Talvez seja uma pergunta meio desnecessária, à qual podemos sem dúvida responder positivamente: sim! Ainda hoje São Carlos fala a nós, ainda hoje para nós é um válido modelo de santidade. E a carta do Papa da qual nos inspiramos, a própria mostra organizada aqui em Rímini, as iniciativas de vários tipos que constelaram este ano “carolino”, provam isso de maneira irrevogável.

Certamente não podemos correr o risco de cair em algum anacronismo, porque devemos reconhecer abertamente que muitas coisas na Igreja e no mundo de hoje mudaram com relação à situação da Igreja e da sociedade do final do séc. XVI. Devemos também reconhecer que alguns aspectos da ação pastoral de São Carlos – assim como alguns aspectos do seu estilo de vida (pensemos principalmente à sua rigorosíssima ascese penitencial) – não são material e automaticamente reproponíveis hoje sem necessárias e adequadas mediações.

Mas, apesar desta óbvia constatação, que por outro lado vale sempre quando nos referimos aos personagens do passado, há alguns pontos salientes da santidade de Carlos Borromeu que, no seu significado mais profundo e evangélico, realmente têm um valor perene. E portanto um valor também para a nossa vida de cristãos do terceiro milênio, na medida em que também nós, hoje como ele quatrocentos anos atrás, queremos “construir a nossa casa sobre a rocha”, como “homens sábios”.

E ainda assim, deste ponto de vista, a figura de São Carlos é muito provocatória, porque coloca em crise muitos aspectos do modo de pensar e de viver do mundo atual. É por isso que durante o centenário, reunindo algumas experiências e recordações pessoais do meu aproximar-me e do entrar em relação com a figura de Borromeu, decidi escrever também um livro com um título sugestivo e estimulante: São Carlos, um reformador inatual.

Gostaria de deter-me um pouco nesse adjetivo. “Inatual”, com efeito, contrapõe-se imediatamente a “atual”. Porém, são dois termos que só aparentemente se contrapõem, porque um pode facilmente traspassar no outro. Assim, se por exemplo por “atual” entende-se “segundo a moda do momento”, “segundo a mentalidade do tempo presente”, “segundo a opinião partilhada pela maioria”, é claro que São Carlos é “inatual”. Já dissemos isso e queremos sublinhar para uma melhor compreensão da atualidade-inatualidade: os tempos de Borromeu não são os nossos; o seu modo de ler os problemas e de resolvê-los não é o nosso, nem mecanicamente podemos tomar algumas das suas soluções e aplicá-las ao nosso mundo, “atual” precisamente.

E vice-versa: se por “inatual” entende-se aquilo que se enraíza nos valores fundamentais da tradição cristã, se por “inatual” entende-se ficar ancorados àquela rocha que é Jesus Cristo e que dá verdadeira firmeza à toda a construção da casa, se tudo isso é julgado inatual apenas porque não se adapta àquilo que hoje é considerado “politicamente correto”, devemos então perguntar-nos se a inatualidade de São Carlos não se transforma em uma singular e urgente “atualidade” de reconsideração, de reavaliação das nossas medidas de juízo, de reforma do nosso modo de viver e de conviver.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF