A CRISE DA IGREJA CATÓLICA E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
14/08/2025
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
(Síntese crítica a partir de Clodovis Boff e Leandro
Adorno, org.)
A obra organizada por Clodovis Boff e Leandro Adorno tem
despertado o interesse de muitos leitores. Ao examinar o “declínio atual da
Igreja Católica”, não se limita à análise de dados estatísticos, mas apresenta
um diagnóstico que integra dimensões espirituais, pastorais e teológicas. A
questão central vai além dos números ou índices de frequência religiosa,
manifestando-se, sobretudo, na perda de vitalidade espiritual e na inversão de
prioridades quanto à missão e à identidade eclesial.
Segundo os autores, o declínio simultâneo — quantitativo
(redução do número de fiéis) e qualitativo (enfraquecimento da fé) — não se
deve apenas a transformações socioculturais, mas a um déficit de
espiritualidade. A Igreja perde fiéis porque, em muitos contextos, deixou de
comunicar de forma viva o mistério de Deus, oferecendo respostas mais
sociológicas que espirituais. Não se trata apenas de uma questão numérica ou de
dimensão institucional; a gravidade está no deslocamento do centro da Igreja de
Cristo para o mundo, priorizando demandas sociais em detrimento da experiência
teologal.
A análise critica a “secularização interna”, processo pelo
qual o social passa a ditar os rumos da fé, e não o contrário. Isso produz uma
fé funcionalista, instrumentalizada para legitimar causas temporais, ainda que
legítimas, relegando a Palavra de Deus a um papel secundário. Assim, para
muitos na comunidade eclesial, as questões religiosas e espirituais só
despertam interesse quando vinculadas a agendas sociais, sinalizando uma
“mundanização” que ameaça a identidade sobrenatural da Igreja.
Esse deslocamento afasta, em especial, o homem
“pós-moderno”, mais sensível à espiritualidade, mas que não encontra na Igreja
a profundidade que busca. Desse contexto emerge o fenômeno crescente dos “sem
religião”, ou seja, de pessoas que preservam crença ou espiritualidade, mas se
distanciam das instituições. Uma pastoral excessivamente sociocentrada não
responde à demanda espiritual contemporânea, desperdiçando um kairós favorável
à evangelização.
A crítica se estende também à teologia contemporânea que,
sob forte influência antropocêntrica, teria abandonado a “agenda dos mistérios”
para privilegiar questões transitórias. Conceitos centrais como “sobrenatural”
e “alma” são minimizados, temas escatológicos relegados e a linguagem
espiritual tradicional evitada. Esse viés, segundo os autores, acaba por
oferecer fundamentos teóricos e justificativas racionais para um esvaziamento
espiritual dentro da própria Igreja, ao deslocar a atenção do núcleo da fé para
preocupações meramente temporais.
No plano pastoral, os autores afirmam que reformas
estruturais ou posicionamentos ideológicos — sejam “progressistas” ou
“conservadores” — têm pouca eficácia sem a renovação da fé viva em Cristo. É
ilusão pensar que o simples engajamento social possa revitalizar a Igreja; sem
base espiritual sólida, o resultado será um “cristianismo sem mistérios”,
talvez útil à sociedade, mas incapaz de cumprir sua missão divina.
A saída proposta é retomar a centralidade existencial e
operativa de Cristo. Tal primazia exige entrega total — “dar o sangue e receber
o Espírito” — e se expressa numa espiritualidade de oração profunda, livre de
instrumentalizações. A Igreja que reza se salva; a que não reza, se perde. É
preciso recuperar uma fé viva, mística e missionária, capaz de gerar novo
impulso evangelizador e de unir, de modo inseparável, o serviço ao mundo e o
anúncio explícito da salvação. A Igreja só poderá reverter o declínio ao
voltar-se para o seu “coração pulsante”: Jesus Cristo, Senhor absoluto e fonte
de sua missão.
Em síntese, para Boff e Adorno, a crise da Igreja não se
resolverá com simples reformas estruturais ou com mera atualização
sociocultural, mas com o retorno à sua essência: ser mistério de comunhão com
Deus, centrada no senhorio de Cristo e movida pelo Espírito, para então, e
somente então, transformar o mundo.
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