Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20
entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e
ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro
mais estável e inclusivo.
Padre Dr. Marcus V. Brito de Macedo - Doutor em Relações
Internacionais e Comunicação Social/Professor da PUC-RJ
Anualmente, as vinte maiores economias mundiais reúnem-se em
um país-sede com um propósito em vista: ser um fórum de cooperação
internacional, buscando promover a estabilidade econômica. Assim pode ser
definido o encontro do G20, que acontece no Rio de Janeiro, a meados de
novembro.
Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20
entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e
ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro
mais estável e inclusivo, e ajudarão no enfrentamento a crises globais, como
mudanças climáticas e desigualdades sociais – o que demonstra uma constante
atualização a respeito da missão da entidade, que hoje alarga seu horizonte de
atuação para além do campo econômico.
No epicentro desse movimento internacional entre nações, o
Brasil assumiu a presidência rotativa da cúpula e sedia o encontro, que tem
como principais temas o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento
sustentável e a reforma da governança global. Mas não somente coordena as
negociações e acordos entre líderes ao longo de seu mandato. Nosso país propôs
iniciativas como o G20 Social, que buscou engajar a sociedade civil
globalmente, promovendo debates e ações concretas. As reuniões incluíram
jovens, mulheres, cientistas e outros setores da sociedade, reforçando a ideia
de inclusão e participação popular como legado do evento.
Foi justamente em um evento do G20 Social que o Brasil
propôs a Aliança Global contra a fome, tema caro aos governantes nacionais,
frequentemente preocupados com o país ocupando sua cadeira cativa no mapa da
fome ao longo de décadas.
É importante notar que em 2013, seu primeiro ano de
pontificado, Papa Francisco, em mensagem a Vladimir Putin, presidente da
Rússia, que naquele ano sediava o evento, dirigia uma firme mensagem: “o
contexto atual, altamente interdependente, exige uma moldura financeira
mundial, com regras justas, para conseguir um mundo mais equitativo e
solidário, no qual seja possível eliminar a fome…”.
Há uma espécie de simbiose entre o pensamento do Papa e os
temas centrais debatidos no solo da terra de Santa Cruz. O Arcebispo Paul
Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações
Internacionais, afirmou que “são as palavras de Francisco que inspiram e animam
a atividade diplomática da Santa Sé”. Dom Gallagher ressaltou ainda que é “por
meio de exortações e orações, encontros e encíclicas e, acima de tudo, por meio
de suas viagens a todos os cantos do globo que o Papa exerce incansavelmente
sua autoridade moral, confronta situações de injustiça, estende a mão a pessoas
abandonadas, adverte contra práticas nocivas que põem em risco nosso mundo e
nosso futuro”.
A partir da Encíclica Laudato Si, de 2015, o Santo Padre
lançou “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a
construir o futuro do planeta”, evitando a perigosa cultura do descarte -
expressão original criada pelo sucessor de São Pedro para tratar de longevos
problemas. Segundo o Pontífice, “custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos
ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas
que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que
fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma
nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo
de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar
resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de
produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que
exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o
seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e
reciclando-os”.
Ao longo do documento, Papa Francisco mostrou-se preocupado
em evidenciar o pensamento de seus predecessores, fazendo especial menção ao
pensamento de São Paulo VI, quando este sublinha “a necessidade urgente duma
mudança radical no comportamento da humanidade”, uma vez que “os progressos
científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o
desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um
progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.
Em consonância com os temas propostos pelo G20, a Encíclica
adverte que a destruição ambiental afeta particularmente os mais pobres e
marginalizados, que possuem menos recursos para enfrentar catástrofes
ambientais. O Papa exorta as nações a assumirem a responsabilidade coletiva
pelo cuidado com a “casa comum”, enfatizando a urgência de uma transição para
fontes de energia renováveis e políticas de desenvolvimento sustentável. Na
atual cúpula do G20, a transição energética e a adaptação climática estão no centro
das discussões, com os líderes debatendo maneiras de apoiar uma transição que
seja justa e acessível para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.
No ano de 2020, o Sumo Pontífice, através da Encíclica
Fratelli Tutti, apontou outra grave questão potencial a respeito do esgotamento
dos recursos naturais: “Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do
ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que
não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver,
vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, ‘é previsível que, perante o
esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas
guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações’ ”.
Assim, a mensagem de paz e unidade do Papa, tão difundida em
seus discursos e através de suas ações concretas, ganha relevância especial no
contexto atual, onde as tensões políticas e econômicas globais, assim como
conflitos armados, têm trazido impactos negativos para milhões de pessoas. O
Santo Padre tem insistido na necessidade de resolver conflitos por meio do
diálogo e de uma diplomacia paciente, lembrando que a paz é uma construção
coletiva que exige o esforço e a colaboração de todas as nações. Esse apelo
encontra respaldo no G20, que se esforça para ser um fórum de cooperação
internacional, buscando promover a paz, a estabilidade econômica e uma
recuperação pós-pandemia que seja justa e inclusiva.
Sob a liderança brasileira, o fórum abre mais uma janela de
oportunidade: a de implementar políticas que combatam a pobreza extrema e
incentivem parcerias entre nações em desenvolvimento, alinhando-se à
perspectiva papal de justiça global. Afinal, para Francisco, “enquanto não se
resolver radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas
do mundo”. A presidência brasileira no G20 pode canalizar essa mensagem para
promover a inclusão de países marginalizados no processo de tomada de decisões
globais.
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