Lanternas de papel (Opus Dei)
Novos corações serão criados: Matrimônio e celibato
apostólico (1) – Parte I
Como amar a Cristo, uma pessoa viva a quem não vemos? E como
amar os outros como Ele nos amou? No matrimônio e no celibato, o Espírito Santo
transforma nossos sentidos para tornar nosso coração semelhante ao Dele.
22/05/2025
As pessoas que caminharam com Jesus durante sua passagem
pela terra, teriam imaginado durante aqueles anos que, em algum momento, teriam
que continuar sua existência sem Ele? Ao vê-lo morrer na Cruz, teriam
vislumbrado como continuariam, na sua ausência, durante todos os anos que ainda
viveriam? Mais cedo ou mais tarde, tiveram que enfrentar esses pensamentos.
Talvez por isso se esforçaram para guardar cada momento. Verônica procura
manter as feições de Cristo na tela; a Virgem Maria, Maria Madalena e, perto
delas, São João, gravam em seu coração cada gesto e cada palavra do Senhor.
Outros apóstolos talvez também tenham tentado conservar esses momentos,
contemplando-os à distância, por medo de serem reconhecidos. Em todos os casos,
a separação foi dolorosa, pois nunca é fácil dizer adeus a quem se ama.
Três dias depois da sua morte, no entanto, Jesus volta.
Podemos imaginar a alegria dos apóstolos. Talvez tenham recuperado uma
esperança, mais forte desta vez, de permanecer o resto de suas vidas junto ao
Mestre, com a certeza de que Ele não partiria novamente. Os encontros com os
discípulos de Emaús, com Maria Madalena e com os outros discípulos parecem
apontar para isso. “Fica conosco” (Lc 24,29), pedem os que o encontraram
afastando-se de Jerusalém. No entanto, o Senhor pede, a cada um, de diferentes
modos, que não o retenha. “Não me segures” (Jo 20,17), pede a Maria Madalena,
enquanto “desaparecia” (Lc 24,31) da presença dos discípulos de Emaús. Depois
de transmitir seus últimos ensinamentos aos apóstolos, parece que desta vez Ele
realmente parte definitivamente: “Afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc
24,51).
Como entender essa separação anunciada e desejada pelo
próprio Jesus? Mais ainda, como entendê-la quando Ele já não estava sujeito às
limitações do tempo nem do espaço? Jesus ressuscitado podia aparecer em uma
casa fechada, caminhar junto aos discípulos sem ser reconhecido e desaparecer
em um instante. Já não havia distâncias que O separassem dos seus, nem muros
que impedissem sua presença. Ele podia estar onde quisesse, com quem quisesse,
quando quisesse. E, no entanto, escolhe partir. Justo quando nada o prende,
justo quando o vemos manifestar-se sem restrições, decide subir ao céu. Essa
escolha, tão inesperada, nos fala de um mistério ainda mais profundo: o seu
desejo de nos ensinar a amar de outro modo.
Amar de um modo novo
Talvez nós também já tenhamos imaginado, em algum momento,
como teria sido emocionante ver e ouvir Jesus diretamente, viver em seu tempo,
senti-lo fisicamente mais perto. Em alguma ocasião, como aconteceu com São
Josemaria, pode ter vindo à nossa mente um pensamento como este: “Senhor, quero
te dar um abraço!”[1].
Assim como os discípulos de Jesus naquele dia da ascensão, nós também desejamos
entender o sentido dessa separação. Pode ser que naquele dia tenham lembrado as
palavras que Cristo havia pronunciado um tempo antes: “Quando eu tiver ido
preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu
estiver estejais também vós” (Jo 14,3). O próprio Jesus lhes havia dito que
essa separação era para nos atrair a um lugar melhor e, desta vez sim,
definitivo. Ele “precede-nos junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e
convida-nos a segui-lo”[2].
Embora surpreendente, sua ausência será como um ímã para que não nos detenhamos
aqui, mas para que nos aproximemos progressivamente do nosso destino, ao
encontro definitivo com Jesus.
Os primeiros homens e mulheres que seguiram o Senhor
ressuscitado tiveram que aprender algo realmente novo, algo que ninguém havia
tido que realizar antes: aprender a amar uma pessoa viva, relacionar-se
realmente com ela no presente, mas sem estar fisicamente perto
dela. Tiveram que descobrir modos diferentes de se comunicar e de expressar o
afeto. A partida de Jesus para o céu inaugura, para todos, um novo modo de
amar. Os discípulos foram os primeiros que tiveram que descobrir essa realidade
que, agora, todos os cristãos vivem, pois não podemos amar Jesus exatamente da
mesma maneira que amamos outra pessoa. Por exemplo, diante de sua presença real
na Eucaristia, nossos sentidos ficam confusos: “A vista, o tato, o gosto se
enganam”[3],
nos lembra São Tomás de Aquino. Que maneira peculiar de se tornar íntimo de
alguém! À primeira vista pode parecer insuficiente, e por isso pressupõe uma
nova educação dos sentidos; um processo que não será imediato, nem se realizará
sem esforço. “Ai, quem poderá me curar!” – dizia São João da Cruz que, como
todos, viveu constantemente esse aprendizado. “Entrega-te, pois, já deveras, e
não queiras enviar-me mais mensageiro algum, pois não sabem dizer-me o que
desejo[4]”.
Aprender a relacionar-se com um Deus que se revela e que ao
mesmo tempo se esconde não é questão de um dia, nem apenas tarefa do nosso
próprio engenho. Desde o início, os próprios apóstolos precisaram de uma ajuda
especial para entrar nesse novo modo de conhecer e amar. Jesus prometeu essa
ajuda, que seria o Espírito Santo, pois Ele é quem “manifesta-lhes o Senhor
ressuscitado, lembra-lhes sua palavra, abrindo-lhes o espírito à compreensão de
sua Morte e Ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo (...) a fim
de reconciliá-los, de colocá-los em comunhão com Deus”[5].
Por isso, em um famoso hino da tradição cristã, pedimos ao Espírito Santo que
desperte em nós os sentidos espirituais: “Vinde, Espírito Criador, visitai a
alma dos vossos fiéis; enchei de graça celestial os corações que Vós criastes
(...). Acendei a vossa luz em nossas almas, infundi o vosso amor em nossos
corações; e a fraqueza da nossa carne, fortalecei-a com perpétua força”[6].
Os santos, casados ou não, aprenderam isso
Todos os cristãos, solteiros e casados, jovens e idosos,
sacerdotes e leigos, precisam aprender este jogo de nos deixar atrair por um
Deus que se manifesta e se esconde de um modo particular. Talvez naqueles que
receberam o dom do celibato ou nas pessoas solteiras, essa necessidade de
aprender a amar pela fé seja mais evidente, pois sua vida, também destinada a
dar e receber amor, não conta com a presença física de uma pessoa com quem
compartilhar sua existência e sua intimidade. No entanto, também na vida matrimonial,
é Jesus Cristo quem preenche totalmente a necessidade de amor de cada cônjuge.
Em uns e outros, assim como nos primeiros discípulos, o Espírito Santo é quem
torna possível essa transformação.
Eduardo Ortiz de Landázuri[7],
médico supernumerário do Opus Dei, casado com Laura Busca, contava que
aprendeu sobretudo duas coisas de São Josemaria: amar todas as pessoas, com
seus defeitos e limitações normais, porque via em cada uma um filho de Deus; e
descobrir nas atividades normais de cada dia uma profundidade sobrenatural,
espiritual, divina[8].
Ambas as coisas requerem ver além da superfície, do que aparece diante de
nossos olhos, captar o verdadeiro valor das pessoas e até das coisas mais
insignificantes. “As pessoas, geralmente, têm uma visão plana, pegada à terra,
de duas dimensões – escrevia São Josemaria-. Quando a tua vida for
sobrenatural, obterás de Deus a terceira dimensão: a altura. E, com ela, o
relevo, o peso e o volume”[9].
Essa nova maneira de ver a realidade é especialmente importante nos momentos
difíceis. Anos mais tarde, Eduardo contou a um jornal como estava vivendo sua
doença, tinha sido diagnosticado com um câncer. Em resposta a seu testemunho,
outro paciente escreveu-lhe uma carta de agradecimento e disse-lhe o quanto o
havia achado inspirador, mesmo sendo ateu. Eduardo respondeu: “Pode ter certeza
de que, como médico, estou totalmente convencido de que o Senhor acampa sempre
junto ao doente. Isso faz muito bem a eles. Seus ouvidos são muito mais
sensíveis e sua visão mais profunda”[10].
Os santos são os mestres dos sinais discretos de Deus e os
que melhor aprenderam a olhar, compreender e amar desse modo novo. São
Josemaria aprendeu a reconhecer a presença de Deus no que poderia parecer mais
banal. Na sua adolescência, ao ver as pegadas de um carmelita na neve,
acendeu-se nele a chama da vocação; nos primeiros anos de sacerdócio, vivendo
com poucos recursos, atreveu-se a pedir ao seu anjo da guarda que o despertasse
pela manhã; mais tarde, durante a guerra civil espanhola, saiu de uma grande
perturbação interior quando, ao encontrar uma rosa de madeira (parte de um
retábulo de uma igreja destruída), compreendeu que deveria seguir em frente em
seu caminho; e posteriormente, durante sua vida e como parte desse aprendizado
alcançado, gostava de decorar a casa em que vivia com objetos que despertassem
o sentido da presença de Deus, essa nova maneira de se comunicar com Jesus. Os
santos aprenderam a se guiar e a amar pelos sentidos espirituais. Sua tarefa
agora é “despertar o desejo de Deus, naqueles que tem a felicidade de deles se
aproximar”[11].
Gerard Jiménez Clopés e Andrés Cárdenas Matute
Tradução: Mônica Diez
[1] Pilar
Urbano, O homem de Villa Tevere, Quadrante, São Paulo.
[2] Bento
XVI, Homilia, 26 de maio de 2005.
[3] São
Tomás de Aquino, Hino Adoro te devote
[4] São
João da Cruz, Cântico Espiritual, Cântico 6-7.
[5] Catecismo
da Igreja Católica, n.737.
[6] Hino Veni
Creator.
[7] Eduardo
Ortiz de Landázuri (1910-1985) foi um médico espanhol especializado em medicina
interna, reconhecido por seu trabalho na Clínica da Universidade de Navarra.
Destacou-se por sua profunda consciência da vocação cristã e sua dedicação ao
atendimento dos pacientes.
[8] Cfr.
Esteban López-Escobar, Pedro Lozano, Eduardo Ortiz de Landázuri,
Palabra, Madrid 1994, 267-268.
[9] São
Josemaria, Caminho, n.279.
[10] Juan
Antonio Narváez Sánchez, El doctor Ortiz de Landázuri. Un hombre de
ciencia al encuentro con Dios, Palabra, Madri 1997, 177.
[11] São
João Paulo II, Homilia, 18 de outubro de 1991.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/novos-coracoes-serao-criados-matrimonio-e-celibato-apostolico-1/