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sexta-feira, 23 de maio de 2025

Novos corações serão criados: Matrimônio e celibato apostólico (1) – Parte II

Lanternas de papel (Opus Dei)

Novos corações serão criados: Matrimônio e celibato apostólico (1) – Parte II

Como amar a Cristo, uma pessoa viva a quem não vemos? E como amar os outros como Ele nos amou? No matrimônio e no celibato, o Espírito Santo transforma nossos sentidos para tornar nosso coração semelhante ao Dele.

22/05/2025

Um processo que conta com nossas fraquezas

Quando Jesus sobe ao céu e envia seu Espírito para, dessa forma, estar junto a cada um de nós, de um modo novo, “todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28,20), o que Ele queria nos entregar exatamente? O que Ele continua nos oferecendo? Jesus conhece nossas dificuldades para conhecê-lo e para amá-lo. “Não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se de nossas fraquezas” (Hb 4,15), diz São Paulo. Jesus sabe que o desejo de comunhão que reside em nós foi ferido pelo pecado, que muitas vezes nos leva a agir às cegas, com expectativas falsas, com uma consciência equivocada de nosso próprio valor. E o Espírito Santo vem curar em todos, solteiros e casados, esse desejo de dar e receber amor. Deus vem facilitar que encontremos a verdadeira fonte da vida, que é Ele mesmo: “tem sede de que nós tenhamos sede dele”[12].

O Espírito enviado por Cristo vem resgatar a capacidade dos discípulos para conhecê-lo e amá-lo, às vezes até usando seus próprios pecados. Pedro, por exemplo, aprende que sua traição não tem a última palavra, e que aquilo não deve obscurecer sua visão ou seu coração. Jesus mesmo reacende sua vida, perguntando-lhe sobre o verdadeiro amor que está no fundo de seu coração, para lançá-lo novamente à missão: “Apascenta minhas ovelhas” (v. 17). A ressurreição de Cristo e o envio do Espírito Santo em Pentecostes nos lembram que podemos receber um fogo para conhecer e amar de modo novo, independentemente da nossa idade ou do que possa acontecer. Ernesto Cofiño[13], já com mais de cinquenta anos de idade, decidiu abrir-se mais intensamente a esse trabalho do Espírito Santo. Sua esposa percebeu que algo novo estava acontecendo e, talvez para encorajar esse impulso, disse a quem ajudava Ernesto espiritualmente: “Eu não sei o que vocês fizeram com meu marido (…) mas é uma maravilha!”[14]. Esta oferta do Senhor – esta graça – pode ser aproveitada por “todos os que tiverem um coração grande, ainda que tenham sido maiores as suas fraquezas”[15].

Força que podemos moldar junto de Deus

Uma vez cheios do Espírito Santo, o Senhor nos impulsiona à missão de modos variados. Envia Maria Madalena para anunciar aos apóstolos que ressuscitou; envia os apóstolos para proclamar o Evangelho ao mundo inteiro; Marta, Maria e Lázaro podem ser vistos como um modelo de acolhimento a Cristo em seu próprio lar. Assim, cada santo é uma expressão de amor, movida pelo amor de Deus. Essa maleabilidade ou flexibilidade da nossa capacidade de amar é uma característica natural do ser humano que o Senhor reforça. Graças à liberdade, não estamos necessariamente escravizados aos nossos impulsos, como a vida animal, mas somos capazes de escolher o que amar, quanto amar e como amar.

Nas pessoas casadas, essa flexibilidade permite moldar a vida matrimonial conforme as fases da vida. O amor experimentado no início do namoro adquire nuances diferentes ao longo do tempo, com a paternidade e a maternidade, e pode continuar a se desenvolver à medida que enfrentamos tempos de prosperidade e crise. Quando o amor de Deus está no centro desse projeto, o casamento encontra uma âncora e uma fonte inesgotável de amor e de vida. Tomás Alvira[16], já na maturidade, em uma conferência que ministrou para avós, refletiu sobre sua própria experiência e disse: “O que são setenta ou oitenta anos diante de uma eternidade? Nada. Diz-se que, comparado à eternidade, todo homem é sempre jovem (…). Um jovem de dezesseis ou dezoito anos, com músculos bem desenvolvidos, se sente jovem ao ajudar um idoso a se levantar ou a carregar um objeto pesado. Uma pessoa mais velha não tem os músculos fortes para realizar essas tarefas, mas pode ter um espírito firme, sentir-se jovem espiritualmente e ajudar os jovens, seus netos, abrindo-lhes caminhos e as melhores rotas que conhece por sua experiência”[17]. Assim, tanto uns como outros vão descobrindo a maneira de amar própria da sua idade, impulsionados pelo Espírito Santo, que conserva um amor sempre jovem, brotando do eterno e infinito coração de Deus.

A flexibilidade dessa força, desse amor, também se manifesta quando ele parece ser instável, ou seja, quando surge com vigor e não conseguimos direcioná-lo como gostaríamos. Vemos isso, por exemplo, nas infidelidades, assim como quem alimenta desejos mundanos ou em quem gera relações tóxicas ou abusivas. Esses casos costumam expressar um desejo descontrolado de amar e ser amado, mostrando até que ponto o pecado original enfraqueceu a condição humana. “Sinto-me capaz de todos os horrores e de todos os erros que as piores pessoas cometeram”[18], dizia São Josemaria. Por isso, podemos concluir com Santo Agostinho: “O homem é realmente um grande mistério (...) os cabelos são muito mais facilmente enumeráveis do que as afeições e sentimentos do coração”[19].

Contudo, a vida de Cristo nos lembra que a grandeza dessa força de amar pode não apenas ser resgatada, mas também moldada maravilhosamente pelo Espírito Santo. Isso se aplica até mesmo a situações em que uma tentativa de vida matrimonial fracassou ou a momentos de dificuldade especial. Vemos como o amor de Jesus acolhe com ternura a todos: crianças e idosos necessitados; fortalece os apóstolos jovens e os que parecem já ter uma vida estabelecida; oferece amizade aos que levarão a semente do Evangelho para longe de seu lar e aos que evangelizarão a partir de casa.

Ele também dedica muita atenção àqueles que o consideram adversário, fariseus, saduceus e mestres da lei, e até tenta atrair Judas Iscariotes até o fim. Em resumo, seu amor se dirige não apenas à sua família em Nazaré, a seus amigos próximos ou aos de sua região, mas a todo aquele que deseja se abrir ao amor de Deus, em qualquer circunstância: essa é sua família (cf. Mc 3,35).

Essa grande flexibilidade da capacidade de amar, que Cristo deseja que também surja em nós – sustentada, fortalecida e moldada pelo Espírito Santo –, é a que torna possível a grandeza tanto do matrimônio quanto do celibato, para casados e solteiros.

O fluxo de amor que brota no coração humano pode se direcionar tanto ao cônjuge e à própria família quanto se expandir – à imagem de Jesus – para a grande família do Senhor, vivendo como Ele mesmo viveu. O Espírito Santo habita essa flexibilidade da nossa capacidade de amar e eleva qualquer caminho humano.

Por isso, seguindo os ensinamentos de São Josemaria, o prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocáriz, recorda que “o matrimônio é um ‘caminho divino na terra’”, e que, por sua vez, o celibato é “um chamado a uma especial identificação com Jesus Cristo, que também comporta, inclusive humanamente, mas sobretudo sobrenaturalmente, mais capacidade para querer bem a todo o mundo. Daí que o celibato, que não conta com a paternidade e a maternidade físicas, torne possível uma maternidade ou paternidade espirituais muito maiores”[20]. Por isso, pedimos na tradicional oração ao Espírito Santo: “Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado. E renovareis a face da terra”. Então, em quem vive o celibato, ou está casado, nos solteiros e viúvos, novos corações serão criados.

***

Com a ausência física de Cristo e com a efusão do Espírito Santo em Pentecostes, os apóstolos iniciavam uma etapa diferente. Tudo permanecia igual e, ao mesmo tempo, tudo mudava. Em certo sentido, a missão agora estava mais em suas mãos. Continuariam a fazer o mesmo, mas com uma autonomia especial. Esse fato demonstra até que ponto o Senhor valoriza e confia em nossa liberdade para continuar a buscá-Lo, compreender o caminho e decidir o rumo da nossa missão. Por isso, em qualquer caminho ao qual Deus nos chama, o crescimento como apóstolos passa por formar verdadeiramente um time com o Espírito Santo. Embora a felicidade na terra possa ser um pouco efêmera, a pessoa que vive no Espírito Santo mostra que, tanto nos sucessos quanto nos fracassos, o Senhor continua presente e nos atrai para si. Com sua graça, Ele transforma progressivamente nossos sentidos para evitar que nos acomodemos e para que descubramos o quanto deseja que cresçamos em seu amor, para depois abraçar-nos definitivamente no céu.

Gerard Jiménez Clopés e Andrés Cárdenas Matute

Tradução: Mônica Diez


[12] Santo Agostinho, De diversis quaestionibus octoginta tribus 64, 4. Citado no Catecismo da Igreja Católica, n. 2560.

[13] Ernesto Cofiño (1899-1991) foi um médico e pediatra guatemalteco, pioneiro na saúde infantil em seu país. Ele dedicou sua vida ao cuidado das crianças e ao ensino, influenciando, com sua vida cristã, diversas iniciativas sociais. Foi membro do Opus Dei e seu processo de beatificação está em andamento.

[14] José Luis Cofiño, José Miguel Cejas Arroyo, Ernesto Cofiño, Rialp, Madrid 2003, 122.

[15] São Josemaria, Instrucción, 1-IV-1934, n. 66. Citado em Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, vol. I, Quadrante.

[16] Tomás Alvira (1906-1992) foi um educador e cientista espanhol, doutor em Ciências e professor catedrático. Membro do Opus Dei, destacou-se pelo compromisso com a formação dos jovens e pelo exemplo de vida cristã no matrimônio e na família. Seu processo de beatificação está em andamento.

[17] Alfredo Méndiz, Tomás Alvira. Vida de un educador (1906-1992), Rialp, Madri 2023, 289-290.

[18] São Josemaria, Via Sacra, capítulo XIV.

[19] Santo Agostinho, As Confissões, Livro IV, XIV, 2.

[20] Mons. Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 20 de outubro de 2020, n. 22. A citação interna é de São Josemaria, recolhida em Conversaciones, n. 92.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/novos-coracoes-serao-criados-matrimonio-e-celibato-apostolico-1/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF