Novos corações serão criados: Matrimônio e celibato
apostólico (1) – Parte II
Como amar a Cristo, uma pessoa viva a quem não vemos? E como amar os outros como Ele nos amou? No matrimônio e no celibato, o Espírito Santo transforma nossos sentidos para tornar nosso coração semelhante ao Dele.
22/05/2025
Um processo que conta com nossas fraquezas
Quando Jesus sobe ao céu e envia seu Espírito para, dessa
forma, estar junto a cada um de nós, de um modo novo, “todos os dias até o fim
do mundo” (Mt 28,20), o que Ele queria nos entregar exatamente? O que Ele
continua nos oferecendo? Jesus conhece nossas dificuldades para conhecê-lo e
para amá-lo. “Não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se de nossas
fraquezas” (Hb 4,15), diz São Paulo. Jesus sabe que o desejo de comunhão que
reside em nós foi ferido pelo pecado, que muitas vezes nos leva a agir às
cegas, com expectativas falsas, com uma consciência equivocada de nosso próprio
valor. E o Espírito Santo vem curar em todos, solteiros e casados, esse desejo
de dar e receber amor. Deus vem facilitar que encontremos a verdadeira fonte da
vida, que é Ele mesmo: “tem sede de que nós tenhamos sede dele”[12].
O Espírito enviado por Cristo vem resgatar a
capacidade dos discípulos para conhecê-lo e amá-lo, às vezes até usando seus
próprios pecados. Pedro, por exemplo, aprende que sua traição não tem a última
palavra, e que aquilo não deve obscurecer sua visão ou seu coração. Jesus mesmo
reacende sua vida, perguntando-lhe sobre o verdadeiro amor que está no fundo de
seu coração, para lançá-lo novamente à missão: “Apascenta minhas ovelhas” (v.
17). A ressurreição de Cristo e o envio do Espírito Santo em Pentecostes nos
lembram que podemos receber um fogo para conhecer e amar de modo novo,
independentemente da nossa idade ou do que possa acontecer. Ernesto Cofiño[13],
já com mais de cinquenta anos de idade, decidiu abrir-se mais intensamente a
esse trabalho do Espírito Santo. Sua esposa percebeu que algo novo estava
acontecendo e, talvez para encorajar esse impulso, disse a quem ajudava Ernesto
espiritualmente: “Eu não sei o que vocês fizeram com meu marido (…) mas é uma
maravilha!”[14].
Esta oferta do Senhor – esta graça – pode ser aproveitada por “todos os que
tiverem um coração grande, ainda que tenham sido maiores as suas fraquezas”[15].
Força que podemos moldar junto de Deus
Uma vez cheios do Espírito Santo, o Senhor nos impulsiona à
missão de modos variados. Envia Maria Madalena para anunciar aos apóstolos que
ressuscitou; envia os apóstolos para proclamar o Evangelho ao mundo inteiro;
Marta, Maria e Lázaro podem ser vistos como um modelo de acolhimento a Cristo
em seu próprio lar. Assim, cada santo é uma expressão de amor, movida pelo amor
de Deus. Essa maleabilidade ou flexibilidade da nossa capacidade de amar é uma
característica natural do ser humano que o Senhor reforça. Graças à liberdade,
não estamos necessariamente escravizados aos nossos impulsos, como a vida
animal, mas somos capazes de escolher o que amar, quanto amar e como amar.
Nas pessoas casadas, essa flexibilidade permite moldar a
vida matrimonial conforme as fases da vida. O amor experimentado no início do
namoro adquire nuances diferentes ao longo do tempo, com a paternidade e a
maternidade, e pode continuar a se desenvolver à medida que enfrentamos tempos
de prosperidade e crise. Quando o amor de Deus está no centro desse projeto, o
casamento encontra uma âncora e uma fonte inesgotável de amor e de vida. Tomás
Alvira[16],
já na maturidade, em uma conferência que ministrou para avós, refletiu sobre
sua própria experiência e disse: “O que são setenta ou oitenta anos diante de
uma eternidade? Nada. Diz-se que, comparado à eternidade, todo homem é sempre
jovem (…). Um jovem de dezesseis ou dezoito anos, com músculos bem
desenvolvidos, se sente jovem ao ajudar um idoso a se levantar ou a carregar um
objeto pesado. Uma pessoa mais velha não tem os músculos fortes para realizar
essas tarefas, mas pode ter um espírito firme, sentir-se jovem espiritualmente
e ajudar os jovens, seus netos, abrindo-lhes caminhos e as melhores rotas que
conhece por sua experiência”[17].
Assim, tanto uns como outros vão descobrindo a maneira de amar própria da sua
idade, impulsionados pelo Espírito Santo, que conserva um amor sempre jovem,
brotando do eterno e infinito coração de Deus.
A flexibilidade dessa força, desse amor, também se manifesta
quando ele parece ser instável, ou seja, quando surge com vigor e não
conseguimos direcioná-lo como gostaríamos. Vemos isso, por exemplo, nas
infidelidades, assim como quem alimenta desejos mundanos ou em quem gera
relações tóxicas ou abusivas. Esses casos costumam expressar um desejo
descontrolado de amar e ser amado, mostrando até que ponto o pecado original
enfraqueceu a condição humana. “Sinto-me capaz de todos os horrores e de todos
os erros que as piores pessoas cometeram”[18],
dizia São Josemaria. Por isso, podemos concluir com Santo Agostinho: “O homem é
realmente um grande mistério (...) os cabelos são muito mais facilmente
enumeráveis do que as afeições e sentimentos do coração”[19].
Contudo, a vida de Cristo nos lembra que a grandeza dessa
força de amar pode não apenas ser resgatada, mas também moldada
maravilhosamente pelo Espírito Santo. Isso se aplica até mesmo a situações em
que uma tentativa de vida matrimonial fracassou ou a momentos de dificuldade
especial. Vemos como o amor de Jesus acolhe com ternura a todos: crianças e
idosos necessitados; fortalece os apóstolos jovens e os que parecem já ter uma
vida estabelecida; oferece amizade aos que levarão a semente do Evangelho para
longe de seu lar e aos que evangelizarão a partir de casa.
Ele também dedica muita atenção àqueles que o consideram
adversário, fariseus, saduceus e mestres da lei, e até tenta atrair Judas
Iscariotes até o fim. Em resumo, seu amor se dirige não apenas à sua família em
Nazaré, a seus amigos próximos ou aos de sua região, mas a todo aquele que
deseja se abrir ao amor de Deus, em qualquer circunstância: essa é sua família
(cf. Mc 3,35).
Essa grande flexibilidade da capacidade de amar, que Cristo
deseja que também surja em nós – sustentada, fortalecida e moldada pelo
Espírito Santo –, é a que torna possível a grandeza tanto do matrimônio quanto
do celibato, para casados e solteiros.
O fluxo de amor que brota no coração humano pode se
direcionar tanto ao cônjuge e à própria família quanto se expandir – à imagem
de Jesus – para a grande família do Senhor, vivendo como Ele mesmo viveu. O
Espírito Santo habita essa flexibilidade da nossa capacidade de amar e eleva
qualquer caminho humano.
Por isso, seguindo os ensinamentos de São Josemaria, o
prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocáriz, recorda que “o matrimônio é um
‘caminho divino na terra’”, e que, por sua vez, o celibato é “um chamado a uma
especial identificação com Jesus Cristo, que também comporta, inclusive
humanamente, mas sobretudo sobrenaturalmente, mais capacidade para querer bem a
todo o mundo. Daí que o celibato, que não conta com a paternidade e a
maternidade físicas, torne possível uma maternidade ou paternidade espirituais
muito maiores”[20].
Por isso, pedimos na tradicional oração ao Espírito Santo: “Vinde Espírito
Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso
amor. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado. E renovareis a face da
terra”. Então, em quem vive o celibato, ou está casado, nos solteiros e viúvos,
novos corações serão criados.
***
Com a ausência física de Cristo e com a efusão do Espírito
Santo em Pentecostes, os apóstolos iniciavam uma etapa diferente. Tudo
permanecia igual e, ao mesmo tempo, tudo mudava. Em certo sentido, a missão
agora estava mais em suas mãos. Continuariam a fazer o mesmo, mas
com uma autonomia especial. Esse fato demonstra até que ponto
o Senhor valoriza e confia em nossa liberdade para continuar a buscá-Lo,
compreender o caminho e decidir o rumo da nossa missão. Por isso, em qualquer
caminho ao qual Deus nos chama, o crescimento como apóstolos passa por formar
verdadeiramente um time com o Espírito Santo. Embora a
felicidade na terra possa ser um pouco efêmera, a pessoa que vive no Espírito
Santo mostra que, tanto nos sucessos quanto nos fracassos, o Senhor continua
presente e nos atrai para si. Com sua graça, Ele transforma progressivamente
nossos sentidos para evitar que nos acomodemos e para que descubramos o quanto
deseja que cresçamos em seu amor, para depois abraçar-nos definitivamente no
céu.
Gerard Jiménez Clopés e Andrés Cárdenas Matute
Tradução: Mônica Diez
[12] Santo
Agostinho, De diversis quaestionibus octoginta tribus 64, 4.
Citado no Catecismo da Igreja Católica, n. 2560.
[13] Ernesto
Cofiño (1899-1991) foi um médico e pediatra guatemalteco, pioneiro na saúde
infantil em seu país. Ele dedicou sua vida ao cuidado das crianças e ao ensino,
influenciando, com sua vida cristã, diversas iniciativas sociais. Foi membro do
Opus Dei e seu processo de beatificação está em andamento.
[14] José
Luis Cofiño, José Miguel Cejas Arroyo, Ernesto Cofiño, Rialp,
Madrid 2003, 122.
[15] São
Josemaria, Instrucción, 1-IV-1934, n. 66. Citado em Andrés Vázquez
de Prada, O Fundador do Opus Dei, vol. I, Quadrante.
[16] Tomás
Alvira (1906-1992) foi um educador e cientista espanhol, doutor em Ciências e
professor catedrático. Membro do Opus Dei, destacou-se pelo compromisso
com a formação dos jovens e pelo exemplo de vida cristã no matrimônio e na
família. Seu processo de beatificação está em andamento.
[17] Alfredo
Méndiz, Tomás Alvira. Vida de un educador (1906-1992), Rialp, Madri
2023, 289-290.
[18] São
Josemaria, Via Sacra, capítulo XIV.
[19] Santo
Agostinho, As Confissões, Livro IV, XIV, 2.
[20] Mons.
Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 20 de outubro de 2020, n. 22. A citação
interna é de São Josemaria, recolhida em Conversaciones, n. 92.
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