O teólogo Jorge Cunha assinala a possibilidade de que no
pontificado de Leão XIV seja produzido um texto orientador sobre a inteligência
artificial no mundo do trabalho.
Rui Saraiva - Portugal
Analisando o novo Papa Leão XIV, o padre Jorge Cunha
assinala a importância de um pronunciamento da Igreja com “um texto orientador
acerca do trabalho humano, do trabalho confrontado com a inteligência
artificial”.
Na segunda parte da entrevista conjunta à Rádio Renascença e
Agência Ecclesia, o professor catedrático da Faculdade de Teologia da
Universidade Católica Portuguesa afirma a “necessidade de uma nova Rerum
Novarum”.
O sacerdote da diocese do Porto espera que Leão XIV seja
sucessor de Leão XIII, “que é o homem da Igreja que se volta finalmente
para observar aquilo que se passa à sua volta”.
Uma entrevista conduzida por Henrique Cunha da Rádio
Renascença e Octávio Carmo da Agência Ecclesia.
O Papa americano terá mais força perante uma
administração Trump?
O Papa americano vai ter força para isso, vai ter força para
comunicar aos seus concidadãos e ao presidente da América. E, na minha
opinião, o presidente da América tem um estilo. É um estilo, mas ele no fundo
está em sintonia com a América profunda e a imagem que nós temos na Europa
do presidente é um pouco distorcida, é a ideia que me dá. Ele não põe em
causa as instituições, ele não põe em causa o funcionamento da democracia,
a substituição do poder, o respeito pelos direitos dos cidadãos, nunca pôs
isso em causa. Ele põe em causa algumas questões económicas, algumas
distorções que nós temos, que são distorções, por exemplo, a respeito das
diversidades, a respeito das questões fraturantes que nós temos hoje, que
são pensadas com menos interioridade, com menos ética. Eu calculo que ele pode
ter esse efeito benéfico e pode levar a América a desempenhar o seu papel
de líder do mundo, de administração ao serviço da paz, de inovação da
economia, de inovação da tecnologia, de construção de uma tecnologia que
respeite e aproxime os seres humanos e não propriamente aquilo que tem sido
até agora, portanto, de uma artificialização que põe em causa a nossa
interioridade. O Papa é agostinho, Santo Agostinho é o inventor da
interioridade, eu creio que ele vai dar esse contributo ao nosso mundo da
tecnologia.
Leão XIII é ainda hoje uma referência do pensamento
social católico com a sua ‘Rerum Novarum’. Num tempo de tantas
novidades na esfera do trabalho e com o advento da
inteligência artificial, é mesmo preciso um Leão XIV?
É muito preciso um Leão XIV, que é sucessor de vários, não
só do Leão XIII, para mim. Eu espero que ele seja sucessor do Leão Magno,
aquele que enfrentou Átila, que seja até sucessor do Leão X, que foi
o Papa do Renascimento e que seja também o sucessor do Leão XIII, que é o
homem da Igreja que se volta finalmente para observar aquilo que se passa à sua
volta.
Nós hoje temos necessidade de uma nova ‘Rerum Novarum’ e de
uma nova encíclica sobre o trabalho humano. As inovações que estão a
acontecer no trabalho humano são, por um lado, uma fonte de grande
esperança para o nosso mundo. O robô vai-nos livrar de muita escravatura
do trabalho produtivo, mas o robô pode-nos também parasitar a alma. O
robô, quando aplicado à comunicação, quando aplicado à tomada de decisões,
vai exigir de nós uma grande capacitação para sermos os inventores do
robô, os planeadores do robô, os controladores do robô e, portanto, vamos
precisar de uma grande educação moral, de uma grande educação espiritual
para não nos perdermos nisso.
Eu espero muito que o Papa, que escolheu o nome de Leão,
siga por diante e nos faça, por exemplo, um texto orientador acerca do
trabalho humano, do trabalho confrontado com a inteligência artificial, da
preservação da liberdade no tempo da comunicação avançada que nos
substitui e nos facilita a vida, mas, por outro lado, que pode tomar conta
de nós se nós não estivermos advertidos.
Portanto, nós precisamos de uma grande educação moral,
precisamos de um crescimento em espiritualidade, precisamos de pensar de
novo a questão da justiça, porque o robô vai substituir-nos na produção,
nós vamos ter no futuro o problema da distribuição de riqueza no
contexto novo. Temos um grande mundo à nossa frente e o Papa Leão vai ser
capaz disso, não tenho dúvida disso, e que vai ter a força de um leão.
Ah, eu também gostava que ele fosse substituto de outro
leão, que é o leão das ‘Crónicas de Nárnia’, que é um livrinho que diz
respeito a toda a gente, que muita gente conhece, que é um livro de
ficção, mas é uma ficção sobre a guerra e sobre as consequências da
guerra, e que nos faz pensar que ao inverno da guerra que nós estamos a
viver há de suceder a primavera. Há uma personagem leonina que é
assimilada ao Cristo, que é o Cristo pacificador do mundo, o Cristo que
nos anuncia continuamente a primavera. Espero que seja também sucessor do
leão das ‘Crónicas de Nárnia’.
O novo Papa é um religioso que tem como referência
espiritual Santo Agostinho, bispo do século IV e V, que inspirou muito o
pensamento teológico da Igreja ao longo do século. Nesse sentido podemos
esperar um perfil um bocadinho mais clássico, digamos assim, de Leão XIV
nas suas intervenções?
Sim, eu espero que ele possa pôr no terreno essas velhas
intuições do Santo Agostinho. O Santo Agostinho, como já dissemos, é o
inventor da interioridade e da teologia a partir da nossa subjetividade,
da assimilação interior do mistério de Cristo. Nesse sentido o Santo
Agostinho escreveu as obras mais importantes do cristianismo, as “Confissões”,
a “Cidade de Deus”, que são livros orientadores para todos os tempos.
Ele referiu-se logo ao Santo Agostinho, dizendo “eu venho de
Santo Agostinho”. E se ele puder dar esse contributo ao nosso mundo será
um contributo muitíssimo importante para que a Igreja se situe no seu
lugar no coração, que já é uma dimensão que vem de trás. Nós somos do
coração, nós não somos da força, nem da política da força, ele disse isso,
nós somos do coração, somos da força da razão, somos da expansão das
energias infinitas da nossa alma habitada por Cristo. E, portanto, eu
espero muito dele nesse capítulo que possa inaugurar uma era com o melhor
que tem o pensamento agostiniano. Uma era agostiniana no seu melhor.
O padre Jorge Cunha é professor catedrático da Faculdade de
Teologia da Universidade Católica Portuguesa e sacerdote da diocese do Porto.
Neste início de pontificado destaquemos as palavras do Papa
Leão na sua homilia de domingo passado na Praça de S. Pedro. Ditas com temor e
tremor, apresentando-se como irmão para percorrer o caminho do amor de Deus.
“Fui escolhido sem qualquer mérito e, com temor e tremor,
venho até vós como um irmão que deseja fazer-se servo da vossa fé e da vossa
alegria, percorrendo convosco o caminho do amor de Deus, que nos quer a todos
unidos numa única família. Amor e unidade: estas são as duas dimensões da
missão confiada a Pedro por Jesus”, disse Leão XIV.
“Irmãos, irmãs, esta é a hora do amor!”, declarou o Papa.
Laudetur Iesus Christus
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