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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Igreja no Brasil realiza tempo de oração pelo Papa Francisco

O Papa num momento de oração pela paz  (Vatican Media)

Iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), convida fiéis e comunidades brasileiras a viverem tempo especial de oração, sobretudo nas celebrações, com uma intenção especial pelo pontífice.

Victor Hugo Barros - Cidade do Vaticano

Um tempo de oração pela plena recuperação do Papa Francisco. É isto que a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe para as comunidades de todo o país. A proposta foi comunicada por meio de uma carta, enviada ao episcopado brasileiro na última quarta-feira (19). Na missiva, há ainda a sugestão de momentos de oração pelo pontífice em celebrações.

“Convido a todos a unir corações, rezando em prol da saúde do nosso querido Papa Francisco. Como Igreja também nós nos dirigimos de uma forma toda especial ao Senhor, pedindo pela pronta recuperação de sua saúde”, enfatiza o presidente da CNBB, Dom Jaime Spengler.

A carta recorda a possibilidade de aproveitar as Celebrações da Palavra e da Eucaristia como momentos privilegiados para o incentivo deste momento de oração. Sugere-se ainda a inserção de uma intenção na Oração dos Fiéis em todas as celebrações, escrita pela Comissão Episcopal de Liturgia da CNBB: Senhor Deus, vosso servo, o Papa Francisco, tornou-se para nós "testemunha dos sofrimentos de Cristo". Nós vos suplicamos, vinde em seu auxílio, aliviando suas dores, na esperança da pronta recuperação da sua saúde, para continuar nos confirmando na fé.

O tempo de oração se insere ainda no contexto da festa da Cátedra de São Pedro, celebrada no próximo sábado (22). A comemoração litúrgica, que remonta ao século III, recorda a missão que Jesus confiou a Pedro, confiada hoje a Francisco, que sucede o Príncipe dos Apóstolos.

“Uma oportunidade ainda mais especial para rezarmos por Pedro, pelo Papa. Unamos corações, elevemos nossa oração aos céus pela recuperação de nosso Papa Francisco”, convida Dom Jaime.

Além da sugestão proposta para as celebrações, os fiéis são convidados a rezar pela saúde do pontífice também em suas orações pessoais. Esta é também uma forma de acolher o pedido feito sempre pelo Santo Padre, que desde o início de seu pontificado pede: “não se esqueçam de rezar por mim”. 

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Santo Eleutério

Santo Eleutério (A12)
20 de fevereiro
Localização: Bélgica
Santo Eleutério

Nascido por volta de 470, Eleutério viveu em Tournai, então norte da França e hoje Bélgica. Este foi um período difícil na região, com povos em conflito pela disputa de terras e apenas início da estruturação eclesiástica local. E, sem a ação da Igreja, a obediência popular era obtida normalmente por mera força militar, representa pelos reis e generais.

Um dos primeiros registros da história eclesiástica na França foi de São Gregório de Tours, que menciona ter Eleutério, ainda menino, ouvido a predição de que seria bispo. De fato, seguiu ele a carreira eclesiástica e foi em tempo eleito o primeiro bispo de Tournai, dez anos antes da conversão de Clodoveu, rei dos francos, ao Catolicismo. Portanto coube a ele organizar, em meio às populações beligerantes e sem maiores auxílios civis e administrativos, o funcionamento inicial da diocese (hoje uma das maiores do mundo, com 550 paróquias).

Além das dificuldades normais para estabelecer o clero, construir igrejas, formar núcleos de evangelização, havia o imenso esforço de pacificação dos habitantes. Além disso, um outro enorme problema era comum na época, as conversões “obrigatórias” das nações por causa da conversão dos reis. A ideia era a de que a unidade da nação deveria seguir a postura do rei, também na área religiosa.

Na prática, significava muitas pseudo-conversões, puramente exteriores e com fins políticos, e não adesões sinceras à Fé. Eleutério muito trabalhou para que houvesse veracidade nestas atitudes, contando com a ajuda de poucos padres e monges. Cuidou com enorme zelo e perseverança para evitar a infiltração de heresias, agindo com bondade e energia.

 Em 532, não se sabe ao certo como, foi ele martirizado por hereges.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

A lógica do Evangelho, a História, e a observação do senso comum testemunham que a ação da Igreja promove a pacificação e união das pessoas e dos povos. Como esta ação é obra do Espírito Santo, mesmo uns poucos homens podem com sucesso iniciar e desenvolver uma grande obra evangelizadora, e este é o caso de São Eleutério, a exemplo dos 12 Apóstolos com os quais se iniciou formalmente a atividade da Igreja, em Pentecostes. A condição é a abertura da alma ao chamado de Cristo, em obediência e verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Não há ser humano que não possa servir ao Pai Celeste: os frutos sempre serão abundantes, a curto ou a longo prazo, em maior ou menor quantidade segundo as disposições divinas, mas inevitáveis quando nós, os ramos, estamos conectados à árvore da Vida: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em Mim, e Eu nele, produz muito fruto, porque, sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5). E o fruto da videira, a uva, produz o vinho, o qual, consagrado, é o Sangue de Cristo, que sacia a sede da alma. Assim, também, podemos ter participação, com Jesus, nas boas obras que levam ao Céu.

Oração:

Senhor Deus, que sempre nos assistis em tudo o que nos pedes, concedei-nos por intermédio de São Eleutério a sinceridade de conversão, para que então vivendo em santidade possamos contribuir para a verdadeira paz na alma, na família, no país e no mundo. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso filho, e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O Jubileu da Esperança nas pegadas de Papa Luciani

O Papa João Paulo I (Vatican News)

O Musal, Museu Albino Luciani da cidade italiana de Canale d'Agordo, junto à Fundação Papa Luciani Onlus para o Jubileu 2025, lança a proposta de três peregrinações a serem realizadas sob o signo do Pontífice dos 34 dias. No prefácio dos três guias, escritos para a ocasião, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Parolin, enfatiza que se trata de uma iniciativa importante para aproximar os peregrinos dos ensinamentos desse Papa.

Alvise Sperandio - Belluno

Três itinerários intitulados: “Das Dolomitas à Cátedra de Pedro”; “O Papa das Dolomitas” e “O Jubileu dos Pontífices”. O Musal e a Fundação Papa Luciani Onlus para o Jubileu 2025 propõem três itinerários e uma exposição itinerante para viver o Ano Santo da Esperança com o Beato João Paulo I, Papa “de um pontificado breve, intenso e esplêndido”, como diz a placa comemorativa afixada sobre a pia batismal da igreja de sua cidade natal na Itália, Canale d'Agordo, nas montanhas de Belluno. “Se com 'Das Dolomitas à Cátedra de Pedro' e 'O Papa das Dolomitas' os protagonistas serão as vilas, cidades e santuários queridos por Luciani, com 'O Jubileu dos Pontífices' também será possível visitar os lugares dos outros quatro Papas italianos que lideraram a Igreja no século XIX”, enfatiza Loris Serafini, diretor do Musal - Museo Albino Luciani.

Uma viagem pela vida de Luciani

“Das Dolomitas à Cátedra de Pedro" é a proposta para quem deseja reviver as etapas fundamentais da vida do Papa Luciani: parte de Canale d'Agordo, cidade italiana onde nasceu em 17 de outubro de 1912, passando por todos os lugares que marcaram sua missão na Igreja, ‘guiado pela Providência’, como escreve o cardeal Pietro Parolin, presidente da Fundação Vaticana João Paulo I e secretário de Estado, no prefácio comum aos três guias. “Providência”, lê-se, "que levou Albino Luciani a aceitar escalar picos que não havia previsto, nem desejado, para assumir papéis de serviço e responsabilidade aos quais nunca havia aspirado, buscando sempre o último lugar".

Daí as paradas em Feltre, sede do seminário da diocese de Belluno, na cidade de Belluno e em Agordo, antes de chegar a Vittorio Veneto, onde foi bispo, e a Veneza, que liderou por 9 anos como patriarca e cardeal. E, finalmente, Roma e Cidade do Vaticano: aqui Luciani foi eleito Papa em 26 de agosto de 1978 e viveu seus últimos dias até 28 de setembro, quando faleceu após apenas 34 dias de pontificado. No centro da segunda proposta, “O Papa das Dolomitas”, estão os santuários ligados ao bem-aventurado Papa João Paulo I: “vamos refazer juntos o caminho que o Papa Luciani percorreu, desde jovem, visitando e permanecendo nos lugares de fé em suas amadas Dolomitas”, enfatiza Loris Serafini, listando as etapas planejadas: Canale d'Agordo (Belluno), Pietralba (Bolzano), San Romedio (Trento), Pinè (Trento), cidade de Trento e Bressanone (Bolzano). “Lugares, encontros e temas diferentes, mas densos de espiritualidade, que encantam os peregrinos entre os abetos e as rochas das Dolomitas aos quais o Beato João Paulo I estava ligado”, explicou o cardeal Parolin, enfatizando que se trata de "uma contribuição significativa para conhecer melhor a espiritualidade mariana das Dolomitas do Papa Luciani".

Em memória dos Papas italianos do século XX

O terceiro itinerário proposto é intitulado “O Jubileu dos Pontífices” e envolve duas regiões, Vêneto e Lombardia. É uma rota que levará os peregrinos às cidades nativas dos Papas italianos do século XX: de Riese Pio X (Treviso), onde nasceu Giuseppe Melchiorre Sarto - São Pio X, o primeiro Papa moderno -, a Canale d'Agordo (Belluno), local de nascimento de Albino Luciani - João Paulo I. As outras paradas desse itinerário estão na Lombardia: Desio (Monza - Brianza), com Pio XI; Sotto il Monte (Bergamo), com São João XXIII; e Concesio (Brescia), local de nascimento de São Paulo VI.

Um itinerário que permitirá a todos visitar essas pequenas cidades da província italiana onde cinco importantes Papas do século passado nasceram e passaram seus primeiros anos de vida. O cardeal Parolin escreve no prefácio: “é bonito ver como os cinco lugares de nascimento desses Pontífices se uniram para promover a figura de seus filhos mais ilustres. Todos os cinco, de alguma forma, compartilharam puramente o sofrimento de uma ou de ambas as devastadoras guerras mundiais do século passado. Alguns procuraram evitá-las, como Pio X ou Pio XI; outros trabalharam para aliviar as consequências, como Angelo Roncalli, Giovanni Battista Montini e Albino Luciani. Todos foram pacificadores de acordo com o Evangelho”.

Do amor pelas montanhas ao encontro com Ratzinger

No prefácio, o cardeal Parolin recorda que o Beato João Paulo I “desde muito cedo, foi acostumado por seus avós e pais a fazer longas peregrinações a pé aos locais marianos mais queridos pelos montanheses. Entre eles, ele certamente estava ligado ao Santuário de Nossa Senhora de Pietralba-Weissenstein, no sul do Tirol, e aos Santuários de Nossa Senhora de Pinè e San Romedio, no Trentino”. Por fim, recorda o cardeal Parolin, entre os lugares mais significativos que ligam Albino Luciani às Dolomitas do Trentino-Alto Ádige, não se pode deixar de mencionar o famoso primeiro encontro, ocorrido no seminário no início de agosto de 1977, com o então recém-nomeado arcebispo de Munique-Freising Josef Ratzinger, o futuro Papa Bento XVI. “Bento XVI foi o único Papa emérito a testemunhar em um processo de canonização, o de seu antecessor João Paulo I”, observou o cardeal. “O Jubileu“, conclui Parolin, "é uma ocasião importante para aproximar os peregrinos da bela figura e dos ensinamentos desse Papa abençoado, cujo valor do pontificado ’é inversamente proporcional à sua duração', como felizmente disse dele seu sucessor São João Paulo II”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Grande Mesquita de Paris propõe encontro inter-religioso com o Papa Francisco

O Encontro Aconteceu Na Residência Do Papa Na Casa Santa Marta Foto: Vatican Media

Grande Mesquita de Paris propõe encontro inter-religioso com o Papa Francisco

Embora a Sala de Imprensa do Vaticano não tenha emitido uma declaração oficial sobre o assunto, a Grande Mesquita de Paris informou que o Papa confiou a proposta ao Dicastério para o Diálogo Inter-religioso para análise posterior.

16 DE FEVEREIRO DE 2025

(ZENIT News / Cidade do Vaticano, 16.02.2025).- Chems-eddine Hafiz, reitor da Grande Mesquita de Paris, propôs um encontro inter-religioso histórico na capital francesa para promover o diálogo e a fraternidade. A iniciativa, inspirada na encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti”, foi apresentada durante uma audiência privada no Vaticano em 10 de fevereiro, onde Hafiz foi acompanhado por uma delegação do Conselho Europeu de Coordenação AMMALE, uma organização dedicada a melhorar a integração e a prática do islamismo na Europa.

O encontro, que marcou o segundo encontro de Hafiz com o Papa após a conversa inicial em 2022, ocorreu na residência do Papa, na Casa Santa Marta, em vez do Palácio Apostólico. Em um vídeo postado pela Grande Mesquita de Paris, o Papa explicou sua decisão dizendo: “Tenho bronquite, moro aqui e não posso sair”. Poucos dias depois, ele foi hospitalizado por causa de uma infecção respiratória, o que deu peso aos seus comentários anteriores.

Apesar das preocupações com a saúde do Papa, o encontro teve implicações significativas para as relações inter-religiosas na Europa. Hafiz apresentou uma mensagem escrita enfatizando os profundos laços históricos entre cristãos e muçulmanos e a necessidade urgente de fortalecer seu compromisso compartilhado com a paz. A proposta que ele apresentou prevê um encontro inter-religioso em larga escala em Paris, inspirado nos históricos encontros de Assis, iniciados pelo Papa João Paulo II em 1986. Esses encontros reuniram líderes religiosos do mundo todo para orar pela paz e afirmar o poder do diálogo sobre a divisão.

Embora a Sala de Imprensa do Vaticano não tenha emitido uma declaração oficial sobre o assunto, a Grande Mesquita de Paris informou que o Papa confiou a proposta ao Dicastério para o Diálogo Inter-religioso para análise posterior.

Uma mensagem de fraternidade em meio às crescentes tensões

Em sua carta ao Papa Francisco, Hafiz refletiu sobre o longo e complexo relacionamento entre o cristianismo e o islamismo, reconhecendo tanto momentos de colaboração frutífera quanto tensões históricas. Sua mensagem transmitiu uma sensação de urgência, alertando sobre o crescente medo e rejeição aos muçulmanos na Europa, alimentados por narrativas extremistas que equiparam o islamismo à violência. Ela expressou preocupação de que esses estereótipos negativos estejam aprofundando as divisões sociais e minando a estrutura da unidade europeia.

Ao mesmo tempo, ele elogiou os esforços consistentes do Papa para superar as divisões religiosas, destacando os encontros históricos de Francisco com líderes muçulmanos, como o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed el-Tayeb, e sua visita histórica ao Iraque em 2021. Hafiz enfatizou que em um mundo onde as diferenças religiosas são frequentemente exploradas para ganho político, os líderes religiosos devem tomar medidas ousadas para promover a compreensão e a coexistência.

A perspectiva de uma cúpula entre cristãos e muçulmanos em Paris se alinha à visão do Papa Francisco de um mundo onde a fé é uma força de unidade e não de divisão. Sua encíclica Fratelli Tutti apela a um renovado senso de fraternidade humana, enfatizando que as crenças religiosas devem servir como uma ponte entre as comunidades e não como um muro que as separa.

Querido Papa, estamos rezando e torcendo!

Antoine Mekary | ALETEIA

Paulo Teixeira - publicado em 18/02/25

Estado de saúde do Papa é estável. Pontífice se encontra em repouso e tratando a infecção.

O Papa Francisco tem uma infecção polimicrobacteriana nas vias respiratórias e por isso precisa de hospitalização para o adequado tratamento, informou por meio de um boletim a Sala de Imprensa Vaticana, na segunda-feira 17 de fevereiro.

O Vaticano também anunciou que foi cancelada a tradicional audiência geral desta quarta-feira. Atualizações da Sala de Imprensa dão conta que o Papa está sem febre e de bom humor.

Papa agradece manifestações de afeto e pede orações

O Papa recebeu a comunhão, leu noticiários e materiais de trabalho, e mantém repouso. O Pontífice pediu que fosse transmitido seu agradecimento aos fiéis que oram por ele, agradeceu as manifestações de afeto, de modo especial os desenhos que as crianças enviam. Francisco também pediu orações e agradece também a todos os pacientes hospitalizados juntamente com ele, que manifestam carinho e lembrou-se várias vezes, pedindo orações para todos que trabalham na area da saúde.

O Papa Francisco, de 88 anos, está internado desde a última sexta-feira, 14 de fevereiro, quando foi ao Hospital Policlínico Agostino Gemelli para exames detalhados das vias respiratórias após tratamento domiciliar. Em março de 2023, no mesmo hospital, o papa esteve internado por uma bronquite. 

Francisco, não esteve presente no Jubileu dos Artistas no último final de semana e também estará ausente do Jubileu dos Diáconos que acontecerá no próximo final de semana. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/02/18/querido-papa-estamos-rezando-e-torcendo

A HISTÓRIA DE JOSEPH RATZINGER: Os anos difíceis de Tübingen (VI)

Joseph Ratzinger com Karl Rahner | 30Giorni

A HISTÓRIA DE JOSEPH RATZINGER

Arquivo 30Giorni  n. 05 - 2006

Os anos difíceis de Tübingen

Antigos colegas e ex-alunos falam de Ratzinger como professor na cidadela teológica de Tubinga. Onde a sua adesão impenitente à reforma conciliar foi submetida ao teste dos novos triunfalismos clericais e das rebeliões burguesas.

por Gianni Valente

Um arrependido do Concílio? 

A mudança de Ratzinger de Tübingen para Regensburg é frequentemente rotulada como o momento da metamorfose, quando o teólogo reformador do Concílio, traumatizado pela experiência de Tübingen, começou sua transformação em um conservador lúcido (ou insidioso, dependendo da mentalidade da pessoa que repropõe o clichê). Aqui nasceram os mitos de Ratzinger como um titã da contraofensiva ortodoxa aos males da época, e o mito oposto de Ratzinger como um criptoconservador que tirou a máscara de teólogo reformista e revelou seus impulsos reacionários viscerais. O primeiro a escapar repetidamente do papel de arrependido que tanto a direita quanto a esquerda querem lhe impor foi o próprio Ratzinger. “Eu não mudei, eles mudaram”, disse ele em 1984 no livro-entrevista editado por Vittorio Messori, falando dos teólogos que escreveram com ele sobre o Concilium . «A mesma relutância em reconhecer uma mudança radical na própria visão das coisas a partir de Tübingen», diz Victor Hahn, o redentorista que foi o primeiro aluno a «doutorar-se» com Ratzinger, «já se encontra na entrevista dada pelo nosso professor ao semanário diocesano de Munique em 1977, pouco depois da sua nomeação como arcebispo da capital da Baviera».

O que muda não é o coração e o olhar do teólogo do Concílio, mas as circunstâncias que ele enfrenta. Para ele, como para muitos protagonistas entusiastas da temporada conciliar – Congar, De Lubac, Daniélou, Le Guillou –, a espera ansiosa para ver amadurecer os bons frutos das cem flores do Concílio transformou-se na desolação de uma celebração perdida. O desmoronamento de todas as práticas mais ordinárias e de todos os dados essenciais da Tradição teorizados no seio das faculdades teológicas parece-lhe um verdadeiro processo de autodemolição da Igreja. Mas o claro reconhecimento da condição em que a Igreja se encontra nunca transborda na abjuração ou na damnatio memoriae da fonte conciliar. Peter Kuhn diz: «Lembro-me que na época em que nós, seus alunos, ainda estávamos eufóricos com o Concílio, ele, citando a imagem do Evangelho, repetia: abrimos a porta para varrer um demônio para fora da casa, esperemos que sete deles não voltem a entrar. Ele também escreveu a mesma coisa em um artigo na revista Hochland , em 1969. Mas nunca o ouvi dizer: o que fizemos, não deveríamos ter feito."

Em Roma, Paulo VI vê as mesmas coisas. «Acreditávamos», disse ele em 29 de junho de 1972, «que depois do Concílio chegaria um dia ensolarado para a história da Igreja. Em vez disso, chegou um dia de nuvens e tempestades, de escuridão, de buscas e incertezas, é difícil dar a alegria da comunhão". Precisamente em 1968, diante da encíclica Humanae vitae , com seu reiterado não aos métodos contraceptivos modernos, a dissidência intereclesial contra o Magistério atingiu seu ápice. O canadense Tremblay vê uma caricatura irônica de Paulo VI em uma revista católica. Ele a acha espirituosa e decide levá-la a uma das reuniões para alunos de doutorado que o professor realiza aos sábados. “Quando mostrei a ele de forma sedutora, ele olhou para mim.” A mensagem é clara: o Papa não é para brincadeira. «Mas precisamente o sentido muito católico e livre que ele tinha da relação com a Sé Apostólica», nota Tremblay, «também o imunizou daquele “fundamentalismo magistral” que hoje me parece estar em voga. A daqueles que abrem a boca apenas para citar frases tiradas de documentos do Vaticano recentemente divulgados." Como padre bávaro, diante da tempestade que atinge com mais força as Igrejas do Norte da Europa, Ratzinger não invoca a intervenção do gendarme romano como uma panaceia. Cabe a cada bispo proclamar a fé dos apóstolos, dos quais são sucessores, e defender os fiéis simples daqueles que envenenam as fontes da graça. «Em 1965», Beinert observa «Ratzinger escreveu, juntamente com Karl Rahner, o livro-chave Primazia e Episcopado, onde em certo sentido a palavra mais relevante era a conjunção que unia os dois termos. Sobre a questão controversa da relação entre o Papa e os bispos, Ratzinger sempre se manteve na linha que expressou no Concílio." Mesmo com seus alunos, ele às vezes faz uma piada espirituosa sobre o conformismo dos círculos acadêmicos romanos. Beinert ainda lembra: «Eu estava em Roma há dez anos. Estudei na Pontifícia Universidade Gregoriana e fui aluno por muito tempo no Pontifício Colégio Alemão. Durante uma conversa com o grupo de alunos de doutorado, o professor fez uma pergunta perguntando o que nós, alunos, pensávamos sobre isso. E então ele acrescentou sorrindo: não adianta perguntar ao Sr. Beinert, ele estudou em Roma e vocês já sabem o que ele pensa e o que ele tem a dizer...". 

Saber sorrir para si mesmo

«Em 1965», observa Beinert, «Ratzinger havia escrito, junto com Karl Rahner, o livro-chave Primazia e Episcopado, onde, em certo sentido, a palavra mais relevante era a conjunção que unia os dois termos. Sobre a questão controversa da relação entre o Papa e os bispos, Ratzinger sempre se manteve na linha que havia expressado no Concílio»

Um episódio marginal ocorrido no final do período de Tübingen é particularmente esclarecedor. No verão de 1969, alguns professores de Tübingen escreveram um artigo no qual lançaram uma proposta sensacional: abolir o mandato vitalício do episcopado, estabelecendo um limite de tempo para o ministério dos bispos residenciais. O texto é publicado com destaque na Theologische Quartalschrift , a prestigiosa revista de Tübingen que ostenta a primogenitura entre os periódicos teológicos alemães. Antes da publicação, todos os professores da faculdade católica, incluindo Ratzinger, assinaram o artigo. As doze páginas densas acumulam argumentos sociológicos para demonstrar que "a estrutura e a concepção da lei da Igreja, comparadas à imagem atual da sociedade, parecem um mundo passado e estranho".

Segundo os autores, mesmo a configuração atual da jurisdição episcopal não se refere “ao Evangelho, nem mesmo à estrutura das primeiras comunidades cristãs, mas apenas a uma tradição surgida depois”, que “em vários aspectos já não é adequada”. Em seguida, eles apresentam sua proposta para adaptar o poder episcopal aos novos tempos. Segundo os professores de Tübingen, "o mandato dos bispos residenciais no futuro deve ser de oito anos. A reeleição ou a prorrogação do período do ministério só são possíveis em circunstâncias excepcionais e por razões objetivas, externas, devido ao contexto político eclesial". Os autores especificam que a proposta "é feita por enquanto apenas com relação à Europa Ocidental" e que "as implicações para a eleição do papado estão além do escopo da presente exposição e, portanto, não são discutidas aqui". Outra desculpa não pedida , dado que a provocação lançada implica ipso facto a possibilidade de se hipotetizar um mandato ad tempus também para o bispo de Roma.

O apoio do professor Ratzinger à proposta de seus colegas não se encaixa bem no perfil de um antagonista ferrenho que se entrincheira para resistir às derivas teológicas da época. Mas não pode sequer ser invocado para confirmar o estereótipo oposto, o de Ratzinger como um teólogo incendiário destinado a mudar de lado pouco tempo depois. O professor Seckler, que foi um dos autores desse artigo e agora o lembra como um “pecado da juventude”, conta ao 30Giorni: «Ratzinger foi o único que não quis assinar o texto no início. Sua concepção de episcopado não era compatível com as teses sustentadas em nossa proposta. Então fui até a casa dele para tentar convencê-lo. Tomamos um café e conversamos por um longo tempo. E quando saí eu já tinha obtido a aprovação dele." Até mesmo seus alunos mais próximos ficaram perplexos naquela época. Trimpe relembra: “O professor geralmente era determinado em defender suas crenças. Nesse caso, talvez ele não tenha lido o artigo com atenção, ou talvez tenha cedido à pressão para manter uma vida fácil. Ele queria evitar mais discussões com colegas." E talvez o que lhe pediam – uma simples adesão a um texto coletivo – não lhe parecesse relevante. Após a publicação do artigo, enquanto estudantes e colaboradores estão preocupados, Ratzinger não parece muito preocupado com sua reputação. Ele mesmo indica uma maneira sutilmente humorística de acalmar suas perturbações. Trimpe relata: “Quando viu que alguns de nós estávamos indignados, ele sorriu e disse: Bem, se vocês estão com raiva, escrevam alguma coisa, escrevam um artigo contra essa proposta, e eu os ajudarei a publicá-lo.” Assim, o assistente Kuhn e Martin Trimpe prepararam um longo artigo que seria publicado em duas partes na revista Hochland , para refutar, por sugestão de seu professor, as teses sobre o episcopado temporário que ele próprio havia subscrito. Kuhn não segura a piada: «Só publicamos esse artigo quando o professor e eu já tínhamos nos mudado para Regensburg. Talvez em Tübingen nos considerassem hereges." continua... (Pierluca Azzaro colaborou)

Fonte: https://www.30giorni.it/

Esperança é a última que morre

Cruz e Âncora, amor de Cristo Crucificado, esperança do mundo!   (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

"Jesus é o autor da verdadeira esperança. Nele não nos confundimos. É nele que devemos colocar nossa esperança que não se ilude, que não se apaga."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

«Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?», pergunta São Paulo na Carta aos Romanos. "Na verdade - explica o Papa na Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025 - é o Espírito Santo, com a sua presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida. Com efeito - acrescentou Francisco - a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino".

Dando sequência à sua série de reflexões sobre a virtude teologal da esperança, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje "Esperança é a última que morre":

"A esperança é a última que morre, diz o provérbio popular. O ano jubilar reflete sobre a virtude da esperança que não decepciona. O Catecismo da Igreja católica, afirma que “a esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo” (CIgrC,1817).  A esperança não se apoia em nós mesmos, mas naquele que venceu e Ressuscitou, razão de nossa fé e esperança.

O arcebispo de Juiz de Fora, Minas Gerais, dom Gil Antônio Moreira refletia com grandeza sobre a virtude da Esperança. Escrevia assim: “Esperança é uma palavra vencedora. Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece para salvar. Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio da morte os que não veem mais razão para viver.  Indigentes se tornam nobres, miseráveis se tornam ricos, criminosos passam a ser bons, corruptos se convertem, ladrões devolvem quatro vezes mais o que roubaram, como os Zaqueus que se repetem no caminhar da história (cf. Lc 19, 1-10). A esperança transforma as cinzas em fênix, a cruz em sinal de vida, as lágrimas em vitória. A esperança é a última que morre, diz o jargão popular. Ela é desprezada pelos pessimistas, ameaçada pelos gananciosos, agredida pelos incrédulos. Da esperança tudo renasce, ainda que pareça impossível recomeçar. O pecado costuma tirar a esperança, causar o desânimo e desiludir quem ia bem e de repente cai. A esperança é uma senhora que vem dar a mão àquele que se desiludiu consigo mesmo ou com a situação em que foi precipitar-se”[1]. Pois onde humanamente não existe mais esperança nas mais variadas realidades cruciais, é ali justamente que a esperança brota como uma luz no fundo do túnel, ou como o Papa Francisco proclama em seu livro, “La speranza è una luce nella notte" - "A esperança é uma luz na noite". Quando tudo parece perdido, surge um novo horizonte que se descortina, uma nova luz a irradiar nas trevas. É a experiência que os apóstolos sentiram quando tudo pareceu acabar no madeiro da cruz e na sepultura do corpo de Jesus no santo sepulcro.

Na tentativa de conceituarmos a Esperança cristã, o teólogo Achim Schütz, faz algumas reflexões no Caderno do Jubileu número 23, “A Igreja Peregrina rumo à plenitude”, no capítulo 4 intitulado: “A virtude Escatológica da Esperança”.  Falando sobre a esperança na história, aponta assim Schütz: “Com toda a sinceridade, é necessário sublinhar o quão pouco a Tradição Cristã pode reivindicar, exclusivamente, o conceito de esperança. Definem-se como esperança muitas coisas que estão bem distantes de alcançar o ponto autêntico do significado desta virtude e proclamada eclesialmente. Constantemente, as ideias e as atitudes são definidas como esperanças, mas haveriam ser chamadas, ao invés disso, de fantasias ou utopias. Existem, porém, esperanças que merecem certamente esses nomes, sem tocar a essência da Esperança Cristã. A história intelectual europeia está repleta delas”[2].

E completa o autor no Caderno Conciliar – “A igreja é uma autoridade que assegura e tranquiliza. Protege das falsas esperanças. No seu aqui e agora, é garantia da eternidade. Segundo o pleno sentido da palavra, a Igreja tem uma índole escatológica, como já resumido no título do sétimo capítulo da Lumen GentiumNela, não menos importante, terminam e perecem ideias de esperança que tem pouco em comum com a mensagem cristã de salvação. Mesmo que apenas Jesus Cristo tenha direito de ser definido como mediador em sentido completo, a Igreja realiza, contudo, um papel de mediação de muitos modos”[3].

A missão da Igreja, portanto, de cada cristão batizado, é de proteção contra as falsas esperanças, esperanças ilusórias e fantasiosas. Sucumbimos facilmente no mundo hodierno em esperanças sem sentido, utópicas, colocando nossa vida alicerçada na idolatria do dinheiro, sucesso, projetos econômicos e mirabolantes. Jesus é o autor da verdadeira esperança. Nele não nos confundimos. É nele que devemos colocar nossa esperança que não se ilude, que não se apaga."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
___________________

[1] https://www.cnbb.org.br/nao-deixem-que-lhes-roubem-a-esperanca/
[2] SCHUTZ, Achim. A Igreja Peregrina rumo à plenitude, Caderno do Jubileu número 23, Ed. CNBB, 2023, p. 37
[3] Idem, 42.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Dos Sermões contra os Arianos, de Santo Atanásio, bispo

O conhecimento do Pai através da sabedoria criadora e humana (KYRIOS)

Dos Sermões contra os Arianos, de Santo Atanásio, bispo

(Oratio 2,78.81-82: PG 26,311.319)

(Séc. IV)

O conhecimento do Pai através da Sabedoria criadora e humana

A unigênita Sabedoria de Deus é quem cria e dá realidade a tudo. Tudo, como se disse, fizeste na sabedoria; e também: A terra está repleta de tua criação.

Para que as coisas não apenas existissem, mas existissem boamente, aprouve a Deus doar-se, por meio de sua Sabedoria, a todas as suas criaturas, imprimindo-lhes alguma coisa da semelhança e da beleza de si mesmo em todas e em cada uma. Deste modo tornou claro serem todas as criaturas ornadas de sabedoria e obras dignas de Deus.

Assim como nossa palavra ou verbo é a imagem do Verbo, o Filho de Deus, também a sabedoria posta em nós é a sua imagem da sabedoria do Verbo de Deus, isto é, da própria Sabedoria. Na sabedoria posta em nós, tendo a capacidade de saber e de compreender, nós nos tornamos aptos a receber a Sabedoria criadora e, por ela, a conhecer o seu Pai. Porque quem tem o Filho, diz ele, tem também o Pai, e: Quem me recebe, recebe aquele que me enviou. Por conseguinte, já que uma forma criada da Sabedoria existe em nós e em tudo, é justo que a verdadeira e criadora Sabedoria reconheça pertencer-lhe esta forma e diga: O Senhor me criou em suas obras.

Mas porque, como já explicamos, o mundo não conheceu a Deus pela sabedoria, foi do agrado de Deus salvar os que creem pela estupidez da pregação. Já não mais, como nos tempos antigos, Deus quis ser conhecido pela imagem e sombra da sabedoria existente nas coisas criadas, mas quis que a verdadeira Sabedoria, ela mesma, assumisse a carne, se fizesse homem e padecesse a morte da cruz, a fim de que nela firmados pela fé, todos os que creem pudessem ser salvos de então em diante.

Portanto, é a Sabedoria de Deus, a mesma que anteriormente, por sua própria imagem impressa nas criaturas – e por isso a chamamos sabedoria criada – se fazia conhecer não somente a si, como ainda, através de si, o seu Pai. Depois, ela ainda, que é o Verbo, fez-se carne, como disse São João e, destruída a morte e libertada nossa raça, manifestou-se a si mesma e, em si, também ao Pai, de modo ainda mais claro. Daí estas palavras: Dá-lhes que te conheçam a ti, único verdadeiro Deus, e ao que enviaste, Jesus Cristo.

Por isto, a terra inteira está cheia de seu conhecimento. Na verdade, um só é o conhecimento que temos do Pai através do Filho e do Filho a partir do Pai. O Pai alegra-se com a única e mesma alegria com que o Filho se delicia no Pai, dizendo: Era eu que fazia sua alegria, em sua presença, cada dia, eu me deliciava.

Fonte: https://liturgiadashoras.online/

A liberdade humana

A liberdade humana (Opus Dei)

A liberdade humana

A Igreja considera que a liberdade é sinal eminente da imagem divina no homem. A participação dos homens na bem-aventurança divina é um bem tão grande e tão desejado pelo Amor divino, que Deus quis correr o risco da liberdade humana. Em sentido moral, a liberdade não é tanto uma propriedade natural da pessoa, mas uma conquista, fruto da educação, das virtudes morais possuídas e da graça de Deus.

20/10/2022

1. Deus criou o homem livre

A Sagrada Escritura nos diz que Deus criou o homem como um ser livre. “Desde o princípio Deus criou o ser humano e o entregou às mãos do seu arbítrio. Acrescentou-lhe seus mandamentos e preceitos e a inteligência, para fazer o que lhe é agradável. Se quiseres guardar os mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás. Diante de ti, ele colocou o fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão. Diante do ser humano estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir”[1].

A Igreja considera que a liberdade “é sinal eminente da imagem divina no homem”[2]. E ao mesmo tempo nos ensina porque e para que Deus nos deu a liberdade: “Deus quis ‘deixar ao homem o poder de decidir’, para que assim procure espontaneamente o seu Criador e livremente chegue à perfeição plena e feliz, aderindo a Ele”[3]. Criando o homem à sua imagem e semelhança, Deus coloca em prática seu desígnio de criar seres que sejam capazes de participar da sua própria vida divina e entrar em comunhão com Ele.

Para que os homens possam aderir livremente a Deus, como diz a constituição Gaudium et spes, é necessário que os homens sejam livres, ou seja, capazes de conhecer e afirmar o bem autonomamente. Isto supõe que haja no homem, que é um ser finito e falível, a triste possibilidade de fazer mau uso da liberdade que Deus lhe deu, negando o bem e afirmando o mal. Mas se não fosse verdadeiramente livre, o homem não poderia participar da felicidade divina, que consiste em conhecer e amar o Sumo Bem que é o próprio Deus. Os astros seguem com absoluta exatidão as leis que Deus lhes deu, mas não podem conhecer e amar, e, por isso, não podem participar da felicidade de Deus. Como escreve São Josemaria, “apenas nós, os homens – não falo aqui dos anjos – nos unimos ao Criador mediante o exercício da nossa liberdade”[4]. A participação dos homens na bem-aventurança divina é um bem tão grande e tão desejado pelo Amor divino, que Deus quis correr o risco da liberdade humana. Para entender melhor tudo isso, consideraremos a seguir os diversos sentidos em que se fala de liberdade, a essência da liberdade e depois a liberdade vista do ponto de vista da história da salvação.

2. As dimensões da liberdade humana

A liberdade humana tem várias dimensões. A liberdade de coação é a que tem a pessoa que pode realizar externamente o que decidiu fazer, sem imposição ou impedimentos de agentes externos. Geralmente se entende assim a liberdade em direito e política: fala-se assim de liberdade de expressão, liberdade de reunião etc, para expressar que ninguém pode impedir legitimamente uma pessoa de exprimir o seu pensamento e de se reunir com quem quiser, sempre dentro dos limites estabelecidos pelas leis. Os presos e prisioneiros de guerra, por exemplo, carecem desta liberdade.

liberdade de escolha ou liberdade psicológica significa a ausência de necessidade interna para escolher uma coisa ou outra; já não se refere às possibilidades de fazer, e sim a de decidir autonomamente, sem estar subordinado a um determinismo interior, ou seja, sem que uma força interna diferente da vontade leve a escolher necessariamente uma coisa, impedindo escolher as outras possíveis alternativas. A liberdade psicológica é a capacidade de autodeterminação. Algumas doenças mentais agudas, algumas drogas ou um estado de muita agitação (num incêndio, por exemplo) podem privar total ou parcialmente da liberdade psicológica.

liberdade moral é a que tem uma pessoa que não está escravizada pelas paixões ruins, pelos vícios ou pelo pecado. Entendida neste sentido, a liberdade não é tanto uma propriedade natural da pessoa, mas uma conquista, fruto da educação, das virtudes morais possuídas e da graça de Deus. A Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja falam com frequência da liberdade neste sentido, ao dizer que Cristo nos faz livres.

3. A essência da liberdade

Nas três dimensões que acabamos de explicar, a liberdade se apresenta como negação de algo. A liberdade nega a existência de impedimentos exteriores para agir, de condicionamentos interiores para escolher e de obstáculos morais para exercê-la retamente. A ausência desses impedimentos, condicionamentos e obstáculos é um requisito para que o homem seja livre, mas não manifesta a essência positiva da liberdade. Deus é livre, e a sua liberdade não pode ser a negação de condicionamentos exteriores, nem interiores, porque Ele não tem e nem pode ter. A liberdade tem que consistir em algo diferente da mera ausência de condições determinantes.

Efetivamente, a essência da liberdade (o que tem que existir para haver liberdade) e o seu ato próprio é a adesão autônoma ao bem, ou seja, o amor do bem, que é o ato por excelência da liberdade. Liberdade e amor estão unidos: não há amor verdadeiro que não seja livre, nem verdadeira liberdade que não se exercite como amor a algo ou alguém. A liberdade de Deus, a de Cristo e a dos homens se expressa como reconhecimento e amor do bem enquanto tal, simplesmente pela razão de que é bom.

A adesão autônoma ao bem expressa muito mais a essência da liberdade do que a possibilidade de escolher entre várias alternativas. Para uma boa mãe, não amar seu filho não se apresenta como uma alternativa possível, mas nem por isso o amor a seu filho deixa de ser uma escolha livre. Nem o sacrifício que esse amor pode trazer consigo diminui sua liberdade. São Josemaria o expressa assim: “Reparemos: quando uma mãe se sacrifica por amor aos seus filhos, fez uma opção; e, conforme for a medida desse amor, assim se manifestará a sua liberdade. Se esse amor for grande, a liberdade se mostrará fecunda, e o bem dos filhos procederá dessa bendita liberdade, que implica entrega, e procederá dessa bendita entrega, que é precisamente liberdade”[5].

O sacrifício e a entrega ao que se ama são expressão da liberdade, porque são sacrifício e entrega que nascem do amor, e o amor não pode não ser livre. Na oração no horto das oliveiras, foi muito difícil para Jesus carregar os pecados humanos e enfrentar a sua Paixão redentora, mas Ele entregou a sua vida livremente: “O Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la”[6].

Além disso, em nós, a inclinação ao mal decorrente do pecado original pode fazer com que a livre adesão ao bem seja mais difícil. Como dizia São Josemaria, “a oposição entre liberdade e entrega é sinal de que o amor está vacilante, pois nele reside a liberdade”[7]. Se não houvesse uma adesão autônoma ao bem que requer sacrifício, se não se amasse verdadeiramente o bem que comporta sacrifício, então sim haveria oposição entre a liberdade e a entrega que esse bem requer. “Quereria gravá-lo a fogo em cada um: a liberdade e a entrega de si não se contradizem; apoiam-se mutuamente. A liberdade só pode ser entregue por amor; outro gênero de desprendimento, eu não o concebo. Não é um jogo de palavras, mais ou menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o amor, e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais e de grandes sacrifícios”[8].

4. A liberdade do ponto de vista histórico-salvífico

A Sagrada Escritura considera a liberdade humana com a perspectiva da história da salvação. Por causa da primeira queda, a liberdade que o homem tinha recebido de Deus fiou submetida à escravidão do pecado, apesar de não ter se corrompido por completo[9]. São Paulo afirma de modo claro, principalmente na Carta aos Romanos, que o pecado que se introduziu no mundo como consequência do pecado de Adão é mais forte que a inteligência e a vontade humanas, e inclusive do que a lei de Moisés, que ensinava o que se deve fazer, mas não dava a força para fazê-lo sempre. Cada um dos pecados humanos são um ato livre, senão não seriam pecados, mas a força do pecado se manifesta em que de fato, e considerando as coisas em conjunto, os homens, sem a graça de Cristo, não conseguiriam evitar o pecado sempre, porque têm a inteligência obscurecida e a vontade debilitada. Por sua Cruz gloriosa, anunciada e preparada pela economia do Antigo Testamento, “Cristo obteve a salvação de todos os homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão”[10]. Com a graça de Cristo os homens podem evitar o pecado, como se vê não só na vida dos santos canonizados, mas na vida de tantos cristãos que vivem em graça e evitam os pecados graves e inclusive quase sempre os veniais deliberados. Colaborando com a graça que Deus dá por meio de Cristo, o homem pode gozar da plena liberdade em sentido moral: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou”[11].

A possibilidade de que o homem pecasse não fez com que Deus renunciasse a criá-lo livre. A necessidade que o homem tem de ser livre para ser feliz faz com que Deus leve a sério a liberdade humana e as consequências que os nossos atos livres têm no tempo[12]. O modo em que a redenção se realizou, mediante o sangue de Cristo, confirma o valor e o respeito de Deus pela liberdade humana. Nossa liberdade é verdadeira liberdade, o seu exercício tem um grande valor, positivo ou negativo, e traz consigo uma responsabilidade.

5. A liberdade e o bem moral

Como já dissemos, a liberdade está dirigida ao bem moral de modo que a sua posse faz ao homem feliz. Para ajudar a reconhecer e aderir a esse bem, o homem tem à sua disposição a lei moral, que é a capacidade de discernir o bom e o mau da realidade segundo os planos de Deus, que são sempre bons. As demais leis humanas também conduzem ao bem quando estão em harmonia com a lei moral.

De qualquer forma, às vezes, alguns consideram que a lei já delimita sua liberdade, como se a liberdade começasse onde acaba a lei e vice-versa.

A realidade é que o comportamento livre é regulado por cada pessoa de acordo com o conhecimento que ela tem do bem e do mal: realiza livremente o que considera bom e evita livremente o que vê como mau. A lei moral é como uma luz para facilitar a escolha do bom e evitar o mau.

Por isso, o que se opõe à lei moral é o pecado, não a liberdade. A lei certamente indica que é necessário corrigir os desejos de realizar ações pecaminosas que uma pessoa pode experimentar: os desejos de vingança, de violência, de roubar, etc., mas essa indicação moral não se opõe à liberdade, que visa sempre a afirmação livre do bom por parte das pessoas, e também não supõe uma coação da liberdade, que sempre conserva a triste possibilidade de pecar. “Entregar-se ao mal não é uma libertação, mas uma escravidão (...) Revela talvez que se comportou de acordo com as suas preferências, mas não conseguirá pronunciar a voz da verdadeira liberdade, porque se fez escravo daquilo por que se decidiu, e decidiu-se pelo pior, pela ausência de Deus, e nisso não há liberdade”[13].

Uma questão diferente é que as leis e regulamentos humanos, por causa da generalidade e concisão dos termos com que se expressam, podem não ser, em algum caso particular, um indicador fiel do que uma pessoa determinada deve fazer. A pessoa bem formada sabe que nesses casos concretos é preciso fazer o que sabe com certeza que é bom[14]. Mas não existe nenhum caso no qual seja bom realizar as ações intrinsecamente más, ou seja, ações proibidas pelos preceitos negativos da lei moral natural ou da lei divino-positiva (adultério, homicídio deliberado, etc.)[15].

Como dissemos, o homem pode usar mal a sua liberdade, porque tanto o seu conhecimento como a sua vontade são falíveis. Às vezes a consciência moral erra, e considera como bom o que, na realidade é mau, ou como mau o que na realidade não é mau. Por isso, o reto uso da liberdade e o agir segundo a própria consciência não são sempre a mesma coisa, por causa do possível erro da consciência. Daí a importância de formá-la bem, de modo que seja possível evitar os erros de juízo em que frequentemente caem as pessoas que têm pouca formação ou as que têm convicções deformadas pelo vício, ignorância ou superficialidade.

6. O respeito da liberdade

De tudo o que foi dito até agora se entende que a liberdade é um grande dom de Deus, que comporta uma enorme responsabilidade pessoal, e que os homens – as autoridades humanas, civis e eclesiásticas – não devem limitar além do exigido pela justiça e por claros imperativos do bem comum da sociedade civil e da eclesiástica. A este propósito, São Josemaria escrevia: “é necessário amar a liberdade. Evitai esse abuso que parece exasperado nos nossos tempos – está patente e continua se manifestando de fato em nações de todo o mundo – que revela o desejo, contrário à independência lícita dos homens, de obrigar a todos a formar um só grupo no que é opinável, a criar como dogmas doutrinais temporais; e a defender esse falso critério com intenções e propaganda de natureza e substância escandalosas, contra os que têm a nobreza de não se submeterem. (...) temos de defender a liberdade. A liberdade dos membros, mas formando um só corpo místico com Cristo, que é a cabeça, e com seu Vigário na terra”[16].

As relações interpessoais também, já fora do âmbito do governo humano, têm que ser presididas pelo respeito da liberdade e compreensão dos pontos de vista diferentes. E este mesmo estilo tem que ser o do apostolado cristão. “Amamos, em primeiro lugar, a liberdade das pessoas que ajudamos a se aproximarem do Senhor, no apostolado de amizade e confidência, que São Josemaria nos convida a realizar com o testemunho e a palavra (...) A verdadeira amizade implica um sincero carinho mútuo, que é a verdadeira proteção da liberdade e da intimidade recíprocas”[17].

O respeito à liberdade alheia não significa pensar que tudo o que outras pessoas fazem livremente é bom. O reto exercício da liberdade pressupõe o conhecimento do que é bom para cada um. Propor ou ensinar aos outros o que é verdadeiramente bom não é um atentado contra a liberdade alheia. Que uma pessoa livre proponha a verdade a outra pessoa igualmente livre, explicando as razões que a sustentam, é sempre algo bom. O que não se deve fazer é impor a verdade mediante violência física ou psicológica. Apenas a legitima autoridade pode usar a coação nos casos e com as modalidades previstas pelas leis justas.

Ángel Rodríguez Luño


Bibliografia básica

— Catecismo da Igreja Católica, 1730-1748.

— São Josemaria, homilia A liberdade, dom de Deus, em Amigos de Deus, 23-38.

Leituras recomendadas

— Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 9/01/2018.

— E. Colom, A. Rodríguez Luño, Escolhidos em Cristo para ser santos. Curso de Teologia Moral, Quadrante, São Paulo.


[1] Sir 15, 14-18. Ver também Dt 30, 15-19.

[2] Gaudium et spes, n. 17; Cf. Catecismo, n. 1731.

[3] Gaudium et spes, n. 17.

[4] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 24.

[5] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 30.

[6] Jo 10, 17-18.

[7] São Josemaria, junho 1972, citado por dom Javier, Carta 14/02/1997, n. 15.

[8] São Josemaria, Amigos de Deus, n. 31.

[9] Catecismo, n. 1739-1740.

[10] Ibid., n. 1741.

[11] Ga 5, 1; Cf. Catecismo, n. 1742.

[12] Como se disse antes, “Diante do ser humano estão a vida e a morte, o bem e o mal; ele receberá aquilo que preferir” (Ec 15, 18).

[13] São Josemaria, A liberdade, dom de Deus, em Amigos de Deus, n. 37.

[14] Cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I-II, q. 96, a. 6 e II-II, q. 120.

[15] Cf. João Paulo II, Veritatis splendor, nn. 76, 80, 81 y 82.

[16] São Josemaria, Carta 9/01/1932, n. 1-2, no volume: Josemaria Escrivá de Balaguer, Cartas I, ed. crítica preparada por L. Cano, Rialp, Madrid 2020.

[17] Fernando Ocáriz, Carta pastoral 9/01/2018, n. 14.

 Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/tema-7-a-liberdade-humana/

A HISTÓRIA DE JOSEPH RATZINGER: Os anos difíceis de Tübingen (V)

Estudantes católicos e evangélicos manifestam-se nas ruas de Bonn em maio de 1966 | 30Giorni

A HISTÓRIA DE JOSEPH RATZINGER

Arquivo 30Giorni  n. 05 - 2006

Os anos difíceis de Tübingen

Antigos colegas e ex-alunos falam de Ratzinger como professor na cidadela teológica de Tubinga. Onde a sua adesão impenitente à reforma conciliar foi submetida ao teste dos novos triunfalismos clericais e das rebeliões burguesas.

por Gianni Valente

O orgulho profissional dos clérigos

As relações de Ratzinger com seus colegas em Tübingen permaneceram formalmente corretas e corteses até o fim. Em aula, Küng proclama em voz alta sua estima pelo teólogo bávaro e reafirma repetidamente suas visões compartilhadas. Ratzinger também confirma publicamente que não há problemas com seu mentor suíço. Desculpas não são pedidas .

Entre os dois grandes nomes do corpo docente, titulares das duas cátedras de Teologia Dogmática, as diferenças humanas e de caráter sempre foram evidentes. O impetuoso suíço dirige seu Alfa Romeo branco, vestido com elegância burguesa. Jornalistas o procuram quando precisam de alguém para contar histórias fantásticas sobre as polêmicas acaloradas que estão varrendo a Igreja pós-Vaticano II. O gentil bávaro caminha ou usa transporte público, celebra missa todas as manhãs na capela de uma residência estudantil feminina e, de outra forma, estuda e prepara suas aulas, permanecendo fiel ao seu estilo austero e reservado. “Certa vez, quando eu estava viajando com alguns estudantes e paramos em uma taverna para almoçar”, lembra Kuhn, “ele pediu apenas salsichas vienenses para ele e para nós também. Ele achava que éramos todos econômicos como ele. Naquela época não ousamos deixá-lo saber que éramos jovens e famintos. Talvez ele próprio o tenha compreendido e, em outras ocasiões deste género, certificou-se de que todos escolhiam cuidadosamente no menu os pratos que preferiam…». Mas é na experiência concreta da vida docente, entre aulas, seminários, conferências e exames, que, por trás da aparente unanimidade "conciliar", a distância crescente entre Ratzinger e alguns de seus colegas atinge níveis muito mais cruciais.

Ratzinger acredita que todas as coisas importantes que o fizeram exultar durante o Concílio – a renovação bíblica e patrística, a abertura ao mundo, o pedido sincero de unidade com outros cristãos, a libertação da Igreja de todas as armadilhas que a sobrecarregam e a impedem em sua missão – não têm nada a ver com a mania corrosiva e iconoclasta que agita muitos de seus colegas. O papel desempenhado por muitos teólogos na orientação dos trabalhos do Concílio transformou-se, para muitos deles, num orgulho profissional que pretende submeter até os fatores mais elementares da doutrina e da vida da Igreja ao tribunal dos "especialistas". «Durante as aulas», diz Moll, «parecia não haver consenso entre os vários professores, nem mesmo sobre dados essenciais da fé. E nossas cabeças como estudantes giravam. Sempre foi necessário tomar posição sobre coisas que antes pareciam inquestionáveis: o diabo existe ou não? Existem sete sacramentos ou apenas dois? Pessoas não ordenadas podem celebrar a Eucaristia? Existe uma primazia do bispo de Roma ou o papado é apenas um regime despótico a ser derrubado? O redentorista Réal Tremblay, que veio do Canadá para Tübingen em 1969 para obter seu doutorado com Ratzinger e agora é professor na Academia Alfonsiana, arrisca: «Sempre acreditei que uma certa agressividade de Küng também surgiu dos problemas que ele encontrou em Roma como estudante. Ele é um daqueles que não conseguiu expressar o ódio antirromano acumulado em suas próprias experiências pessoais de juventude. Ratzinger não teve esses problemas, também porque não havia estudado em Roma."

O teólogo bávaro, criado na escola de Santo Agostinho, Newman e Guardini, sofre com a nuvem de novo conformismo que parece ter infectado muitos de seus colegas: o exegeta Herbert Haag, o moralista Alfons Auer, o canonista Johannes Neumann. Ele, que no Concílio havia travado amizade com Congar e De Lubac, não escondeu seu não alinhamento com as palavras de ordem do novo triunfalismo “progressista”. O padre Martin Trimpe, um dos alunos mais próximos de Ratzinger durante seus anos em Tübingen e Regensburg, relembra: «Certa vez, em uma sala de aula lotada, houve um debate entre vários professores sobre a primazia do Papa. Küng havia dito que o tipo autêntico de papa era aquele representado por João XXIII, porque sua primazia era pastoral e não jurisdicional por natureza. Ratzinger não falou nada, e então os estudantes começaram a gritar seu nome: Ratzinger! Zoeira de rato! Eles queriam saber o que ele pensava. Ele respondeu calmamente que o quadro descrito por Küng precisava ser corrigido, pois era necessário levar em conta todos os aspectos ligados ao ministério petrino. Caso contrário, ao insistir apenas no aspecto pastoral, corremos o risco de retratar não o pastor da Igreja universal, mas um fantoche universal a ser manipulado a nosso bel-prazer." Ratzinger não se alinha, mantém seu espírito crítico, mas certamente não é aquele que busca polêmica e conflito com seus colegas. Por natureza ele não é um boxeador, não gosta de cruzar luvas e evita brigas acadêmicas. Ele não tem intenção de assumir o papel de opositor que organiza a resistência à tendência crescente. O fato é que durante os anos de Tübingen não houve conflitos evidentes entre Ratzinger e o resto do corpo acadêmico, que até o escolheu como reitor. Até mesmo a relação com Küng se desfaz através de um lento e silencioso distanciamento interno, um afastamento progressivo, mas sem confrontos sangrentos. “Küng atacou Ratzinger apenas uma vez”, observa Seckler, “e não foi por causa da teologia”. Houve um acordo entre os dois de que, a cada semestre, se um lecionasse a disciplina principal de Teologia Dogmática, o outro faria a disciplina de apoio e, assim, teria mais tempo disponível para planejar livremente suas próprias atividades. Quando Ratzinger anuncia que está prestes a deixar Tübingen após receber o “chamado” da nova faculdade de teologia de Regensburg, sua decisão atrapalha os planos do colega, que já havia preenchido a agenda do seu semestre “leve” com compromissos. Seckler continua: «Küng deu tudo de si. Ele atacou Ratzinger com veementes insultos, insistindo em respeitar o acordo. Ratzinger permaneceu calmo, mas inflexível em suas decisões." Antes dessa explosão, para convencer ainda mais Ratzinger de que era melhor mudar de ares, o movimento dos Sessenta e Oito caiu "na velocidade da luz" (como o então prefeito do antigo Santo Ofício expressou em sua autobiografia) sobre aquelas relações já desgastadas pela turbulência pós-conciliar.

Hans Kung | 30Giorni

De Tübingen a Regensburg

A burguesia contesta a si mesma. Crianças de classe média se rebelam contra seus pais. Em Berlim, durante manifestações contra leis de emergência introduzidas para proteger a segurança nacional, alguém morre. A explosão começou nos centros universitários de Berlim e Frankfurt, mas logo atingiu também as faculdades de teologia. É precisamente em Tübingen, na Faculdade de Filosofia, que Ernst Bloch leciona. Em seu livro O Princípio da Esperança, ele indica um messianismo judaico-cristão secularizado como a fonte última do vento revolucionário que está varrendo o Ocidente. Uma perspectiva que – escreve Ratzinger na sua autobiografia – «precisamente porque se baseava na esperança bíblica, distorceu-a, de modo a preservar o fervor religioso, mas eliminando Deus e substituindo-o pela ação política do homem». A fé – explica Ratzinger em seu ensaio introdutório escrito em 2000 para a reedição de seu best-seller Introdução ao Cristianismo – «cedeu à política o papel de força salvadora». Nessa "nova fusão de impulso cristão e ação política global", muitos cristãos experimentam a emoção de serem novamente protagonistas da história. Depois de a cultura ocidental mais avançada ter tentado relegar a religião à esfera subjetiva e íntima, agora com «uma Bíblia reinterpretada numa nova chave e uma liturgia celebrada como pré-conclusão simbólica da revolução e como preparação para ela […] o cristianismo com esta curiosa síntese reentrava no mundo, propondo-se como uma mensagem “de época”». Até mesmo a agenda “democratizante” dos teólogos à la pageé passado com um estrondo. Não se trata mais de fazer ajustes na estrutura eclesial e favorecer sua abertura ao mundo. A forma histórica assumida pela Igreja também deve ser demolida na derrubada do antigo regime. “Sob as batinas de mil anos”, gritam os estudantes das faculdades de teologia; sob as batinas dos padres, a imundície de mil anos. A convulsão revolucionária atinge os interstícios da vida cotidiana docente, derruba e desarticula práticas centenárias no relacionamento entre professores e alunos. Não há zonas seguras para protestos. Em Tübingen, Küng e seus amigos também pagam o preço. Os “rebeldes” também monopolizam a paróquia universitária de St. John e exigem a eleição democrática do capelão. Então eles se deitam nos degraus da faculdade, impedindo a entrada dos professores: não há mais tempo para ouvir palestras inúteis, precisamos nos preparar para a revolução que se aproxima. Ratzinger suporta repetidamente essas “provas populares” por parte dos estudantes. Martin Trimpe relata: «Eles interrompiam a aula gritando, ou subiam na mesa do professor e o forçavam a responder às suas perguntas “revolucionárias”». Outros professores tentam piscar para os manifestantes. O professor bávaro responde com seu argumento lógico e calmo. Mas sua voz fraca é frequentemente abafada por gritos. Seckler também observa: «Ele é muito bom em discussões calmas e fundamentadas. Mas na oposição violenta ele se perde. Ele não consegue gritar, é incapaz de falar de forma autoritária."

No entanto, Ratzinger sente sincera simpatia humana, tingida de tristeza, por muitos dos jovens que complicam sua vida.

Uma delas se chama Karin. Ela é uma linda garota loira e, embora pareça irritante, percebe-se que ela está em busca de algo, que seu sonho revolucionário expressa confusamente a expectativa de uma vida diferente, boa, o desejo de ser feliz. Ratzinger a escuta, ele perde seu tempo. Mas então acontece que Karin morre de repente. Trimpe diz: «Fui eu quem contou ao professor, durante o almoço. Ele ficou triste com isso e não falou mais. Então, tenho certeza, ele teria levado à missa, ao altar, sua compaixão pela vida e pela morte daquela menina, confiando a salvação de sua alma à misericórdia do Senhor."

Mesmo em suas palestras, como é seu costume, Ratzinger inicialmente leva a sério e valoriza as exigências da crítica marxista, que também pode expressar a expectativa de uma salvação histórica real, não encerrada no gueto da individualidade subjetiva. Mas seu choque é tremendo quando o protesto se torna uma paródia sacrílega, uma rebelião burguesa, uma corrosão devastadora das coisas que lhe são mais queridas. O ex-aluno de Ratzinger, Werner Hülsbusch, um pároco aposentado perto de Münster, diz hoje: «Ele não suportava mais ler cartazes que descreviam Jesus e São Paulo como sexualmente frustrados, nem ouvir discursos daqueles que ridicularizavam a cruz como um símbolo de sadomasoquismo. Ele estava se sentindo mal."

O clima cada vez mais venenoso de Tübingen atrasou sua transferência para a nova faculdade de teologia inaugurada em 1967 na Baviera. No último encontro com o círculo de estudantes de doutorado de Tübingen, o professor chega um pouco atrasado no Citroen “Dois Cavalos”, de Peter Kuhn. O motorista freia bruscamente na frente dos estudantes que esperavam, e a placa de Tübingen cai do carro. Todos caem na gargalhada. 

Fonte: https://www.30giorni.it/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF