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sexta-feira, 17 de março de 2023

Os dois cálices de Cristo na Última Ceia

Cálice usado na Santa Missa (Vatican Media)

Entre as centenas de alegados cálices da Última Ceia, dois atraem a atenção dos especialistas em relíquias. Segundo uma nova hipótese – apresentada agora em primeira mão –, ambos podem ter passado pelas mãos de Jesus Cristo no início de sua Paixão.

Fábio Tucci Farah

Há mais de cinco anos, o El País publicou uma matéria com o curioso título: “A batalha do Santo Graal: dois cálices reivindicam ser o tesouro perdido de Cristo”1. Entre centenas de pretendentes ao cálice da Última Ceia espalhados pelo mundo, duas pretensas relíquias foram destacadas pelo jornalista. E não era para menos. Ambos os objetos, custodiados na Espanha, carregavam séculos de história. E ambos mereciam cuidadosa atenção de qualquer estudioso do tema. Dois anos após a publicação daquela matéria, em um colóquio com professores do departamento de história e arqueologia da Universidade de Santiago de Compostela, fui confrontado com a questão: “Em sua opinião, qual é o Graal verdadeiro?”

Naquela época, a minha resposta estava na ponta da língua. O objeto exposto na catedral de Valência, na Capilla del Santo Cáliz, gozava de maior credibilidade, sem dúvida. Os dois antecessores do papa Francisco fizeram questão de venerá-lo e de utilizá-lo na celebração da missa, em 1982 e 2006. E em 2015, o atual Pontífice instituiu o ano jubilar eucarístico do Santo Cálice que, a partir de então, deveria ser celebrado a cada cinco anos. Segundo um estudo detalhado do Dr. Antonio Beltrán, apresentado em 19602, havia fortes evidências arqueológicas para sustentar que aquela era a verdadeira relíquia cristã. O artefato confeccionado em ágata cornalina, possivelmente em uma oficina do Oriente Médio (Egito, Síria ou Palestina), poderia ser datado entre os séculos IV a.C. e I d.C. Ou seja, havia uma probabilidade razoável de ter estado nas mãos de Cristo na Última Ceia.

A alegada história por trás daquele objeto também era fascinante e corroborava as evidências arqueológicas. Segundo uma larga tradição, aquele cálice teria sido herdado por São Pedro e levado a Roma, onde passaria pelas mãos de seus 23 sucessores. Durante a perseguição de Valeriano, no século III, São Lourenço recebeu uma missão do papa Sisto II: proteger os tesouros da Igreja. Graças ao diácono e tesoureiro, o Santo Cálice teria sido mandado secretamente à sua terra natal, a Hispania. E ali, teria passado por alguns esconderijos, inspirado lendas, sido remodelado à moda das taças reais medievais e, finalmente, desembarcado na catedral de Valência na primeira metade do século XV3.

Definitivamente, não seria tarefa fácil encontrar um competidor à altura. Em 2014, os autores espanhóis Margarita Torres e José Miguel Ortega abraçaram essa tarefa com o lançamento da obra Los Reyes del Grial. Com argumentos históricos, a obra alardeava a descoberta do verdadeiro Graal. E não era o de Valência. Para os autores, a autêntica relíquia havia se tornado conhecida como Cálice de Dona Urraca e estava esquecida na Real Colegiada de San Isidoro, em León. O sucesso do livro inspirou o documentário Onyx, los Reyes del Grial – estrelado por Jim Caviezel em 2018 – e arrastou multidões para apreciar o tesouro reencontrado, obrigando seus guardiões a trasladá-lo para uma sala especial.

Confeccionado em ônix, esse cálice apresentaria boas evidências a seu favor para ter estado nas mãos de Cristo na Última Ceia? A resposta é sim. Em visita a Terra Santa, peregrinos dos primeiros séculos registraram ali a presença do cálice da Última Ceia. Embora os relatos sejam divergentes em relação ao material e ao formato, um deles, o do peregrino anônimo de Piacenza, chama a atenção… Da Terra Santa, o cálice teria sido carregado ao Egito e de lá seguido para a Espanha, como presente à taifa de Denia pelo apoio durante a fome que assolou a região. Por sua vez, o sultão de Denia enviaria a relíquia como oferta de paz ao rei Fernando I, pai de Dona Urraca – daí o apelido do cálice. Os documentos descobertos por Gustavo Turienzo na Biblioteca do Cairo foram apresentados em Los Reyes del Grial como prova documental incontestável de que o Cálice de Dona Urraca seria o autêntico Cálice da Última Ceia, o verdadeiro Santo Graal.

Nesta seara, vale o ditado: "Devagar com o andor que o santo é de barro.” Com conclusões apressadas, a obra espanhola foi rechaçada por Turienzo e por estudiosos do

tema como uma peça mais fantasiosa que histórica. Para a pesquisadora Catalina Martin Llores, da Universidade Católica de Valência, a trajetória do Cálice da Última Ceia teria sido corretamente apontada na polêmica obra. A relíquia real teria sido trasladada para o Egito e de lá para a Espanha. Mas essa relíquia não se tratava do Cálice de Dona Urraca, e sim o de Valência, que teria chegado às mãos da Coroa de Aragão graças à petição do rei Jaime II, entre 1322 e 1327. Segundo a pesquisadora, a história do Cálice da Última Ceia herdado por São Pedro e enviado a Hispania por São Lourenço não passaria, portanto, de lenda dourada. E os relatos dos primeiros peregrinos poderiam ser descartados por patentes divergências entre si.

Volto ao colóquio com os professores na Universidade de Santiago de Compostela. Nos dias de hoje, teria respondido à indagação inicial com outra questão: “E se ambos os cálices tiverem passado pelas mãos de Cristo em sua última ceia com os apóstolos?” No último ano – pouco após minha pesquisa sobre a Coroa de Espinhos –, passei a me dedicar ao estudo dessa fascinante relíquia. Para tentar entendê-la, é preciso olhar com atenção para a tradição judaica da refeição pascal, o Seder de Pessach, que contemplava quatro cálices. Como Jesus afirmou, ele não veio revogar a Lei (cf. Mt, 5,17). Tampouco pretendia simplesmente participar da tradicional ceia pascal. Ele ofereceria, sim, algo novo em sua última refeição com os apóstolos. Em um dos Evangelhos, há indícios de que Jesus teria usado mais de um cálice na Última Ceia, bem como o significado de cada um deles…

Quando chegou a hora, ele se pôs à mesa com seus apóstolos e disse-lhes: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer; pois eu vos digo que já não a comerei até que ela se cumpra no Reino de Deus”.

Então tomando um cálice, deu graças e disse: “Tomai isto e reparti entre vós; pois eu vos digo que doravante não beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus”. (Lc 22, 14-18)

E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a eles, dizendo: “Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim”. E, depois de comer, fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado em favor de vós...” (Lc 22, 19-20)

Em São Lucas, dois cálices são mencionados. Essa passagem chegou a causar confusão em alguns tradutores e foi editada em versões da Bíblia4. Ao menos dois cálices passaram pelas mãos de Jesus com um significado que certamente o evangelista não ignorava. Há uma distinção clara entre o objeto usado na celebração do rito antigo da Páscoa judaica e um segundo, escolhido especialmente para selar a Nova Aliança.

Há algum tempo, como especialista em relíquias, meus olhos se acostumaram a buscar simbolismos ocultos em relíquias cristãs, simbolismos que revelam realidades elevadas e comprovam as verdades já consagradas da Fé. Um simbolismo oculto para nós – mas claro para o Protagonista – pode ser a chave para desvendar o grande mistério dos Cálices da Última Ceia. E iluminar a verdade por trás dessas relíquias. De que maneira os dois maiores pretendentes poderiam se encaixar no episódio bíblico?

Uma pista inicial foi trazida à luz na tese de María Mafé García. Para a doutora em história da arte, o volume do Cálice de Valência poderia servir como uma evidência de autenticidade. Era a medida usada pelos judeus. Mas haveria ainda outra evidência mais interessante do ponto de vista simbólico: o material. A pedra usada para a confecção do cálice teria sido catalogada na Antiguidade como sárdio, pedra que identificava a tribo de Judá (Casa de Davi), da qual Cristo provinha. Para muitos, isso bastaria para encerrar a discussão sobre o cálice verdadeiro. Para mim, ela aponta para algo mais amplo.

No século VI, o já mencionado peregrino anônimo de Piacenza registrou em detalhes sua viagem à Terra Santa. Na basílica de Constantino, ele esteve diante de um suposto cálice da Última Ceia. E nos ofereceu uma valiosa informação sobre a relíquia:

Há também a taça de ônix, a qual nosso Senhor abençoou na Última Ceia, e muitas outras relíquias.5

O cálice de ônix corresponderia ao Cálice de Dona Urraca. Possivelmente os autores de Los Reyes del Grial  tenham acertado ao descrever sua trajetória com base nas descobertas de Turienzo. Aquele cálice, venerado por um peregrino anônimo no século VI, teria sido trasladado para o Egito e de lá para a Espanha. Se a tese da Dra María Mafé García logrou defender a autenticidade do Cálice de Valência, evocando como uma das evidências a pedra ágata, poderíamos enxergar o cálice de ônix na Última Ceia com base no simbolismo da pedra?

No Êxodo, há informações detalhadas para a confecção das vestes sacerdotais. E há uma instrução específica para o Sumo Sacerdote carregar os nomes dos filhos de Israel diante do Senhor:

Tomarás duas pedras de ônix e gravarás nelas o nome dos filhos de Israel. Seis nomes em uma e os outros seis na outra, por ordem de nascimento (…) Porás as  duas pedras nas ombreiras do efod, como memorial para os filhos de Israel; e Aarão levará os seus nomes sobre os ombros à presença de Iahweh, para memória. (Ex 28,9;12)

Em pedras de ônix foram gravados os nomes dos filhos de Israel, que deram origem às doze tribos do Povo Escolhido por Deus, do povo com quem o Senhor firmou a primeira Aliança. Em São Lucas, a primeira parte da ceia segue o rito tradicional judaico, sem dúvida. O primeiro cálice do Seder de Pessach é baseado na promessa divina: “Eu sou Iahweh, e vos farei sair de debaixo da carga do Egito...” (Ex 6,6). Deus separou um povo, uma nação, para servi-Lo. Para esse momento do ritual, parece oportuno que Jesus tenha escolhido uma taça de ônix. Ele seria o Sumo Sacerdote que carregaria os nomes dos Filhos de Israel – originalmente gravados em pedra – à presença do Senhor. A escolha de uma taça de ônix serviu apenas para tornar mais grandioso o que ocorreria na segunda parte, a mais importante.

Após a divisão do pão, o evangelista nos apresenta um segundo cálice, o cálice da bênção ou da salvação – uma referência à promessa divina: “vos resgatarei com mão estendida” (Ex 6,6). A taça de ágata não foi uma escolha fortuita. Era um sinal evidente de que o Salvador já havia chegado de Judá e o seu sangue selaria a nova Aliança entre Deus e o Povo Eleito, uma aliança que se alargaria para abarcar toda a humanidade. O Sumo Sacerdote Jesus Cristo já não levaria os nomes “à presença de Iahweh, para memória”, mas instituiria a celebração eucarística que deveria ser feita em Sua memória para nos alçar todos ao Reino dos Céus!

No simbolismo dos dois cálices, a observação de Santo Agostinho se encaixa como uma luva: “O Novo (Testamento) está escondido no Antigo. E o Antigo é desvendado no Novo.” Nos dois cálices escolhidos para a última refeição, Deus nos mostra o caminho de nossa salvação. Não é possível assegurar que os cálices em Léon e Valência tenham estado na Última Ceia. Mas podemos enxergar ambos nas mãos de Jesus – um de ônix e outro de ágata. Ele teria escolhido, sim, aquelas peças – ou outras bastante similares – como uma história nas entrelinhas, uma história que confirma o mistério sublime de nossa redenção.

Fábio Tucci Farah é perito em relíquias sagradas da Arquidiocese de São Paulo, jornalista especializado em Arqueologia Sacra e curador adjunto da Regalis Lipsanotheca, em Ourém.

1 Ignacio Zafra. “A batalha do Santo Graal: dois cálices reivindicam ser o tesouro perdido de Cristo”. El País. Disponível em:  https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/internacional/1505806541_243723.html. Acesso em: 29 de fevereiro de 2023.
2 Beltrán, Antonio. Estudio sobre el Santo Cáliz de la Catedral de Valência. Valência, 1960.
3Essa versão da história do Cálice de Valência foi bem reconstruída por Janice Bennet na obra St. Laurence & The Holy Grail – The Story of The Holy Chalice of Valencia. (São Francisco: Ignatius Press, 2004).

A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2012, p. 1971.
5 Anônimo. Of the Holy Places Visited by Antoninus Martyr. Tradução: Aubrey Stewart, Ma. Comentários: Col. Sir C. W. Wilson, R.E. Londres: Palestine Pilgrims’ Text Society (PPTS), 1887, p. 17. Disponível em: https://archive.org/details/cu31924028534232/mode/2up. Acesso em: 29 de fevereiro de 2023.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Sessão solene faz homenagem à Campanha da Fraternidade 2023

Sessão solene na CLDF em homenagem à CF2023 | arqbrasilia

Sessão solene faz homenagem à Campanha da Fraternidade 2023

Na manhã desta quarta-feira, 15/03, a Câmara Legislativa homenageou a Campanha da Fraternidade 2023 em sessão solene no plenário. O pedido partiu do deputado distrital João Cardoso. Durante sua fala, Dom José Aparecido, Bispo Auxiliar de Brasília destacou a importância da campanha da fraternidade, e lembrou que a campanha coincide com o tempo quaresmal, e que devemos nos atentar ao tema proposto a campanha representa um chamamento para saciar a fome e a alma do próximo.

“O tema Fraternidade e Fome deve entrar pelos nossos ouvidos, permanecer em nosso coração e ser traduzido em ações concretas”, resumiu o padre Agenor Vieira, que coordenada a pastoral da arquidiocese de Brasília. Já o Vigário da Promoção Humana e Obras Sociais da Arquidiocese de Brasília, Frei Rogério Soares, destacou a participação da juventude na campanha, “Fiquei muito feliz em ver os jovens participando, me deu uma esperança muito grande de ver eles preocupados com esse tema, com essa temática, me reacendeu uma esperança muito grande…pois a geração de vocês pode fazer diferente da minha geração.”

O padre João Batista, assessor do setor Vida e Família, entende que “quando uma pessoa está privada de alimento, ela também está prejudicada em sua dignidade”, por isso o ato de dar o alimento está ligado à promoção da dignidade da pessoa humana. Ao final da sessão solene, foram entregues moções de louvor a personalidades que se destacaram em ações sociais no DF.

A CF 2023

Pela terceira vez a fome é tratada pela Igreja no Brasil, na Campanha da Fraternidade. A primeira foi em 1975, com o tema ‘Fraternidade é repartir’ e o lema Repartir o pão’, no clima do Ano Eucarístico que precedeu o Congresso Eucarístico Nacional de Manaus, que trazia o mesmo tema e lema e desejava intensificar a vivência da Eucaristia em nosso povo. A segunda foi em 1985, outro Ano Eucarístico, desta vez em preparação para o Congresso Eucarístico de Aparecida, com o lema ‘Pão para quem tem fome’.

*Com informações da CLDF e CNBB

Espanha tem menos de mil seminaristas pela primeira vez

Imagem referencial. - Crédito da foto: Cathopic/Moisés Becerra
Por Nicolás de Cárdenas/ACI Prensa

REDAÇÃO CENTRAL, 16 Mar. 23 / 10:43 am (ACI).-

Os seminários espanhóis estão cada vez mais vazios. Segundo dados oficiais da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), no ano letivo 2022-2023 o número total de aspirantes ao sacerdócio não chega a mil pela primeira vez na história.

Todo dia 19 de março, Solenidade de São José, a Igreja Católica celebra o Dia do Seminário. Por isso, a CEE oferece dados sobre seminaristas: 974 são candidatos ao presbitério diocesano.

Também as entradas caíram pela primeira vez abaixo de 200 (172) e as ordenações realizadas estão abaixo de cem (97).

A tendência de queda já dura anos. Havia cerca de 1,7 mil seminaristas no ano acadêmico de 2002-2003, quando mais de 350 entraram e quase 200 foram ordenados.

Já no ano acadêmico de 2016-2017, o número de aspirantes ao presbitério caiu pela primeira vez abaixo de 1,3 mil e no ano acadêmico de 2018-2019, 1,2 mil.

A Subcomissão Episcopal para os Seminários explica que a queda de 54 seminaristas em relação ao ano letivo 2021-2022 "se explica, entre outras coisas, pela nova metodologia na coleta de dados, que pela primeira vez foi nominal, e está a cargo do Gabinete de Transparência da Conferência Episcopal”.

Aponta também a necessidade de ter em conta «a secularização e o descompromisso de não poucos jovens, que se refletem também em outros dados estatísticos, como a diminuição do número de casamentos, tanto civis como eclesiásticos».

A estas causas deve-se acrescentar o problema demográfico de Espanha, onde nascem cada vez menos crianças.

Diante da gravidade dos dados, a CEE lançou em setembro de 2022 a Pastoral Vocacional, que se reporta ao Secretariado Geral e cujo objetivo é “criar em nossa Igreja que peregrina na Espanha uma cultura vocacional que ajude as crianças, jovens as pessoas e os adultos a considerar a sua vocação.

Fonte: https://www.acidigital.com/

Como os Magos para escrutar os sinais dos tempos: o caminho da Igreja na Ásia

Representação dos três Magos em visita ao Menino Jesus (Vatican Media)

O Documento final, intitulado "Caminhar juntos como povo da Ásia" consiste de 40 páginas e compreende 5 partes, de acordo com cinco passos: caminhar juntos; olhar para as realidades emergentes da Ásia; discernir o que o Espírito está dizendo à Igreja na Ásia; oferecer nossos dons, que são a cultura e a espiritualidade asiáticas; abrir novos caminhos. Na elaboração do texto, "também aprendemos com o CELAM da América Latina", ressalta o arcebispo de Bombaim, na Índia, o cardeal Oswad Gracias.

Vatican News

O Documento final da Conferência Geral da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC) - realizada em Bangcoc de 12 a 30 de outubro de 2022 - publicado esta terça-feira, 14 de março, cita missionários como Alessandro Valignano, Roberto de Nobili, Matteo Ricci e João de Brito que seguiram uma abordagem peculiar à missão na Ásia.

Logo da Assenbleia das Igrejas da Ásia (Vatican Media)

"Caminhar juntos como povo da Ásia"

O Documento final, intitulado "Caminhar juntos como povo da Ásia" consiste de 40 páginas e compreende 5 partes, de acordo com cinco passos: caminhar juntos; olhar para as realidades emergentes da Ásia; discernir o que o Espírito está dizendo à Igreja na Ásia; oferecer nossos dons, que são a cultura e a espiritualidade asiáticas; abrir novos caminhos. O cardeal Oswad Gracias, arcebispo de Bombaim (atual Mumbai), ressaltou que, na elaboração do texto, "também aprendemos com o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM)".

Em pleno espírito sinodal, os Bispos da Ásia reafirmam que querem "caminhar juntos", compartilhando os três elementos essenciais de uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão.

Passar "do diálogo à sinodalidade

A segunda parte do texto dá uma visão geral das realidades emergentes da Ásia, relacionando-as em seguida com a missão da Igreja. As identificadas são: migrantes, refugiados e indígenas, muitas vezes deslocados de suas terras de origem; a família, o fundamento da sociedade; questões de gênero, presentes na sociedade; o papel da mulher nas sociedades asiáticas; os jovens; o impacto da tecnologia digital; a promoção de uma economia equitativa diante da urbanização e da globalização; a crise climática; o diálogo inter-religioso.

Lançando a luz do Evangelho nestas macroáreas, para serem sempre "construtoras de pontes, instrumentos de diálogo e reconciliação na Ásia", as Igrejas na Ásia propõem "novos caminhos" rumo a uma "evangelização mais inculturada", passando "do diálogo à sinodalidade", abrangendo povos e culturas não-cristãs.

Ser tudo para os povos da Ásia

A inspiração vem do caminho dos Magos que foram capazes de escrutar os sinais dos tempos, e da obra de Matteo Ricci que "quis encarnar a fé em um contexto e cultura especificamente asiáticos".

Os bispos asiáticos concluem e expressam seus desejos para o futuro - "ser tudo para os povos da Ásia" - citando as palavras de São Paulo: "Para os fracos, fiz-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo. E isto tuto eu faço por causa do evangelho, para dele me tornar participante" (1 Cor 9,22-23).

(com Fides)

Santos Hilário e Taciano

SS. Hilário e Taciano | elpandelospobres
16 de março
Santos Hilário e Taciano, mártires de Aquileia

Documentos antigos testemunham o martírio do bispo Hilario e do diácono Tatian em 16 de março de 284. Suas relíquias, primeiro guardadas em Aquileia, foram transferidas para Grado por medo dos longobardos. Uma igreja, depois uma catedral, foi dedicada a eles na cidade de Gorizia, da qual são patronos.

Martirológio Romano: Em Aquileia, no território de Veneza (Itália), santos mártires Hilário, bispo, e Taciano, diácono ( † c.284).

Curta biografia

Hilário de Aquileia foi educado desde a infância no cristianismo. Renunciou ao comércio com o mundo para se dedicar ao estudo das Sagradas Escrituras. Ele foi ordenado diácono e mais tarde, por insistência de seus companheiros cristãos, foi consagrado bispo. Ele governou seu rebanho com sabedoria e prudência, foi ele quem ordenou um discípulo seu, chamado Taciano, como diácono para ajudá-lo em seu ministério.

César Numeriano emitiu um decreto que obrigava os cristãos a adorar ídolos. Beronio, prefeito da cidade, encarregou-se de sua execução. Por instigação de um certo Monofanto, sacerdote dos ídolos, Hilário e seu diácono Taciano foram os primeiros a comparecer perante o prefeito.

Eles foram informados de que deveriam obedecer às ordens do imperador:

“Desde a minha infância, disse Hilário a Beronio, aprendi a sacrificar ao Senhor, ao Deus Vivo, e adoro incessantemente a Jesus Cristo, seu Filho. Mas aos demônios vaidosos e ridículos que vocês chamam de deuses e não são, não ofereço nenhum sacrifício.

Beronio tentou em vão subjugá-lo com ameaças; não surtiram efeito. Sem sucesso, ele conduziu Hilário diante da estátua de Hércules em seu suntuoso templo. O bispo não tinha nada além de desprezo e desdém por aqueles deuses feitos pelas mãos dos homens e que não podiam falar nem andar.

Então, Beronio o fez despir-se e açoitá-lo com varas. Em seguida, ele o estendeu sobre o cavalete e seus lados foram rasgados com ganchos até que as entranhas aparecessem. Hilário não parava de cantar hinos ao Senhor em meio à tortura. Beronio ordenou que as torturas fossem multiplicadas e variadas. Mais tarde, ele o trancou em uma prisão para aplicar ainda mais tormento.

No dia seguinte, denunciaram Taciano, diácono do bispo Hilário, ao prefeito. Taciano teve que comparecer perante Beronio, mas todas as tentativas de fazê-lo sacrificar aos deuses foram igualmente infrutíferas. Os mesmos tormentos aplicados a Hilário, foram renovados em sua pessoa.

Ao encontrar Hilário na prisão, saudou-o com alegria e os dois oraram juntos para que o Senhor confundisse os que adoravam ídolos. Uma terrível tempestade irrompeu na cidade e aterrorizou os pagãos de Aquileia. Muitos morreram com o mero choque.

O templo de Hércules desabou no chão. Beronio deu ordem para decapitar Hilário e Taciano, a pedido dos sacerdotes dos ídolos. Outros cristãos que também haviam sido presos em nome de Cristo foram imolados com eles.

Todos morreram em 16 de março. No dia seguinte, o clero e os fiéis obtiveram autorização para recolher seus corpos e sepultá-los com honras fora dos muros da cidade.

Alban Butler (†)

quarta-feira, 15 de março de 2023

Exemplos de fé: São Pedro

Exemplo de fé: São Pedro | Opus Dei

Exemplos de fé: São Pedro e o caminho da fé

Continua a série de editoriais sobre a virtude da fé. O apóstolo São Pedro é um exemplo de discípulo de Cristo que pede, tem dúvidas, combate e alcança a fé.

Em um dos capítulos anteriores considerávamos como a vida de Santa Maria é modelo de fé para todo cristão, pois sua existência esteve sempre orientada para Deus e realizar a Sua Vontade. Além disso, “conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1, 14; 2, 1-4). Animados pelo exemplo e a proximidade da Virgem Maria, os apóstolos souberam dar um valente e frutuoso testemunho de fé, propagando o Evangelho pelo mundo inteiro.”

“No entanto, antes desse momento, os apóstolos tiveram que percorrer um longo caminho e amadurecer em sua fé. Enquanto acompanharam o Senhor pela terra, sua generosidade – tinham deixado tudo para seguir Jesus – era compatível com uma fé vacilante ou, às vezes, excessivamente humana, como o próprio Senhor os repreendeu em algumas ocasiões[1]. Ponhamos agora nosso olhar nos apóstolos, especialmente em São Pedro, cabeça do colégio apostólico, para acompanhá-lo em seu caminho até a maturidade da fé. Será uma nova oportunidade para acolher o convite eterno a “uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo”[2].

O caminho da fé

Lemos, no Evangelho, que, depois da multiplicação dos pães, o Senhor manda os apóstolos irem “adiante dele para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões”[3]. Os apóstolos, então, sobem a uma barca e começam a atravessar o mar de Tiberíades, deixando o Senhor para trás, que fica orando. A narração evangélica enfatiza essa separação que se produz entre Jesus e os discípulos: “entretanto, já a boa distância da margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário”[4].

Não é difícil imaginar a confusão de sentimentos que devia reinar no coração dos apóstolos. Acabavam de presenciar um grande prodígio: dar de comer a mais de cinco mil pessoas com apenas cinco pães e dois peixes. E o milagre se realizara em suas próprias mãos, enquanto distribuíam a pouca comida que tinham: bastara obedecer a Jesus. Mas a alegria e euforia diante daquele evento se desvaneceram. Agora, poucas horas depois, os apóstolos se encontram sem Jesus e brigando contra uma tempestade.

Jesus está, aparentemente, longe. São João Crisóstomo comenta esta passagem afirmando que, deixando-os ir adiante, sozinhos, Jesus queria despertar “em seus discípulos um desejo maior e uma contínua lembrança Dele mesmo”[5]. Fazê-los entender que a distância física é só uma distância aparente, porque Ele quer – e pode! – estar sempre próximo de seus discípulos. E por isso, “pela quarta vigília da noite, Jesus veio a eles, caminhando sobre o mar”[6]. Como isso era possível? Quem podia caminhar sobre o mar senão o que é criador do universo? Aquele de quem antigamente anunciara o Espírito Santo por meio do bem-aventurado Jó: “Ele só estendeu a terra e caminha pelas ondas dos mares”[7]. Os da barca se assustam, e começam a gritar “– É um fantasma!”[8]: não esperam a aparição: ainda não sabem que Ele quer e pode estar junto deles, estejam onde estiverem. Jesus então os acalma: “– Tranquilizai-vos, sou eu. Não tenhais medo!”[9].

É nesse momento que se manifesta o caráter de Pedro. Ao escutar essas palavras, pede para fazer algo que é impossível de modo natural: “– Senhor, se és tu, manda-me ir sobre as águas até junto de ti!”[10].O pedido contrasta com o pânico que tinha se desencadeado pouco antes na barca, e mostra o amor e a fé do príncipe dos apóstolos. Quer ir para junto do Senhor o quanto antes. Jesus, apoiando-se neste desejo, chama-o: “–Vem”[11]. Isso é o que Deus precisa de nós: um coração pronto, desejoso. Ainda que seja fraco. Como acontece com todas as coisas maravilhosas que Deus faz a favor dos homens, necessita o nosso pouco, como ocorreu com os pães e os peixes.

A negação de São Pedro (Caravaggio, 1610)

O apóstolo quer chegar ao Senhor o quanto antes, sentir-se seguro com Ele, porém não sabe muito bem o que pede. Seu amor o leva a lançar-se às águas, e começa a caminhar: porém logo deixa que o temor se apodere do seu coração, e começa a afundar[12]. A que se deve essa mudança de atitude? Por que assustar-se quando vê que Jesus cumpriu a sua palavra, que está andando sobre o mar? O Evangelho nos diz que o medo surgiu “ao ver que o vento era muito forte”[13], o suficiente para duvidar de que pudesse manter-se em pé sobre o mar agitado. Pedro teme cair e afogar-se, um temor que pode parecer absurdo visto que, de fato, está fazendo algo impossível. É como se Pedro perdesse de vista que o milagre só é possível porque Jesus o chamou, que é Ele quem o sustenta e lhe permite andar sobre as águas. Necessita outras seguranças, também a de que será capaz de resistir, de que a sua força natural é suficiente para resistir ao vento. E quando toma consciência de que essa confiança é infundada, deixa de crer na palavra de Jesus e começa a afundar.

Na vida do cristão, uma parte importante do caminho para a maturidade da fé está em aprender a confiar somente nas palavras de Jesus, sem deixar-nos empequenecer pela consciência das próprias limitações: “Viste? Com Ele, pudeste! De que te admiras? – Convence-te: não tens por que maravilhar-te. Confiando em Deus – confiando deveras! –, as coisas tornam-se fáceis. E, além disso, ultrapassa-se sempre o limite do imaginado”[14].

No entanto, apesar das suas dúvidas, Pedro nos dá uma lição: a sua fé e a sua confiança podem estar entorpecidas pelo temor às circunstâncias, porém faz um último esforço para lançar-se nos braços de Jesus: “– Senhor, salva-me!”[15]. E Jesus responde imediatamente, o levanta, leva-o à barca[16], “faz a calma voltar sobre o mar. E todos ficam cheios de temor”[17]. É o temor que se sente frente às maravilhas de Deus; o alegre temor que supõe experimentar a ação da graça e do Espírito Santo. Portanto, como nos ensina o Papa, diante do pecado, a nostalgia e o medo, é necessário “olhar para o Senhor, contemplar o Senhor: somos fracos mas devemos ser valentes na nossa debilidade”[18], porque o Senhor sempre nos espera. “Basta um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor para derramar copiosamente a sua graça sobre a alma do amigo”[19]. Ao experimentar nossa debilidade dirijamo-nos ao Senhor: “Estende do alto a tua mão, liberta-me e salva-me das águas caudalosas”[20].

Sem desanimarmos

Pedro recebeu uma lição. Duvidou, e ao mesmo tempo descobriu que o seu amor e sua fé não são tão fortes como pensava. Só com estas lições, o apóstolo poderá conhecer-se melhor e perceber que o seu amor é imperfeito, que ainda pensa demais em si mesmo: “Os primeiros Apóstolos estavam junto à barca velha e junto às redes furadas, remendando-as. O Senhor disse-lhes que O seguissem; e eles, "statim" – imediatamente –, "relictis omnibus" – abandonando todas as coisas, tudo! –, O seguiram... E acontece algumas vezes que nós – que desejamos imitá-los – não acabamos de abandonar tudo, e fica-nos um apego no coração, um erro em nossa vida, que não queremos cortar para oferecê-lo ao Senhor”[21].

“Quem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?”[22]. Apesar das patentes limitações dos homens, Cristo estimula, com a sua presença, com as suas palavras e com as suas ações, o amor e a fé daqueles que depois enviaria por todo o mundo. Em Cesaréia de Filipe, Pedro confessa claramente que Jesus é o Messias prometido e que ele é o Filho de Deus: “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”[23]. Todavia convém considerar que, “quando confessou sua fé em Jesus, não o fez por suas capacidades humanas, mas porque tinha sido conquistado pela graça que Jesus irradiava, pelo amor que sentia em suas palavras e via em seus gestos: Jesus era o amor de Deus em pessoa!”[24].

Sem dúvida, a confissão de Pedro não significa que a sua fé já fosse perfeita. De fato, pouco depois, vemos Pedro querendo afastar Jesus da Paixão[25], e recebendo, por isso, a recriminação do Mestre. A vida de fé sempre pode crescer. Pedro seguirá lutando contra o medo, contra uma visão excessivamente humana da sua missão, contra certa ignorância do valor da cruz e do sofrimento. Até perguntará sobre uma possível recompensa para aqueles que, como ele, deixaram tudo para seguir ao Senhor[26], se assustará no Tabor e, inclusive, negará o Senhor[27]. Em todos esses casos, o Príncipe dos Apóstolos saberá voltar para Jesus. Aceitará suas repreensões, buscará o seu olhar, confiará na sua misericórdia. A fé é um caminho de humildade, que implica “confiar-se a um amor misericordioso, que sempre acolhe e perdoa, que sustenta e orienta a existência, que se manifesta poderoso em sua capacidade de endireitar o torcido da nossa história”[28]. A fé é conhecimento verdadeiro, luz, que também nos torna conscientes da própria pequenez, e destrói as falsas concepções e os autoenganos. A fé nos torna humildes e simples: prepara esta matéria prima de que Deus precisa para fazer-nos santos, para que o ajudemos a transformar o mundo. E assim, “Pedro tem que aprender que é débil e precisa do perdão. Quando finalmente cai em si e entende a verdade de seu coração fraco de pecador que crê, desata em um choro de arrependimento libertador. Depois desse pranto já está pronto para a missão”[29].

Praça São Pedro | Opus Dei

Comprovar a nossa debilidade pessoal e perceber que nossa fé não é tão forte como gostaríamos não deve nos preocupar. O Senhor quer todo o nosso coração, e não lhe importa que seja fraco. Deus se conforma com que lhe demos tudo o que podemos dar. De algum modo, poderíamos pensar que é precisamente esta a última lição que Jesus ensina a Pedro. Depois da ressurreição o Senhor sai ao encontro dos apóstolos junto ao mar de Tiberíades. E ali pergunta a Pedro três vezes: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”[30]. As perguntas relembrariam ao apóstolo a sua tripla negação, e se entristeceria diante da insistência de Jesus, como se não confiasse mais nele. Porém ao final entende: a Jesus basta o amor que Pedro é capaz de dar-lhe. Um amor talvez imperfeito – mesmo que deva ser muito mais do que possamos imaginar, pela grandeza de coração e de mente do pescador da Galiléia –, mas Deus se adapta, por assim dizer, à capacidade que cada um tem de amar, e isso é o que nos faz capazes de seguir a Cristo até o fim.

“Desde aquele dia, Pedro ‘seguiu’ ao Mestre com a consciência clara de sua própria fragilidade; porém essa consciência não o desanimou, pois sabia que podia contar com a presença do Ressuscitado ao seu lado. Do entusiasmo ingênuo da adesão inicial, passando pela experiência dolorosa da negação e o pranto da conversão, Pedro chegou a confiar nesse Jesus que se adaptou à sua pobre capacidade de amar. E assim também nos mostra o caminho, apesar de toda a nossa debilidade. Nós o seguimos com a nossa pobre capacidade de amar e sabemos que Ele é bom e nos aceita. Pedro teve que percorrer um longo caminho até converter-se em testemunha confiável, em “pedra” da Igreja, por estar constantemente aberto à ação do Espírito de Jesus”[31]. Recorramos todo dia a São Pedro, com mais fé e admiração, para que interceda por nós; Sancte Petre, ora pro nobis!

J. Yániz


[1] Cfr. Mt 6, 30; 8, 26; 16, 8; 17, 20; Lc 12, 28.

[2] Bento XVI, Motu próprio Porta fidei, 11-X-2011, n. 6.

[3] Mt 14, 22-23.

[4] Mt 14, 24.

[5] São João Crisóstomo, In Matthaeum homiliae, 50, 1.

[6] Mt 14, 25.

[7] Cromácio de Aquileia, In Matthaei Evangelium tractatus, 52, 2.

[8] Mt 14, 26

[9] Mt 24, 27.

[10] Mt 14, 28

[11] Mt 14, 29.

[12] Cfr. Mt 14, 30.

[13] Mt 14, 30

[14] São Josemaria, Sulco, n. 462.

[15] Mt 14, 30.

[16] Cfr. Mt 14, 31-32.

[17] Francisco, Homilia, 2-VII-2013.

[18] Francisco, Homilia, 2-VII-2013.

[19] São Josemaria, Vía Sacra, V estação.

[20] Sal 144 [143], 7.

[21] São Josemaria, Forja, n. 356.

[22] Mt 8, 27.

[23] Mt 16, 16.

[24] Francisco, Ângelus, 29-VI-2013.

[25] Cfr. Mt 16, 22.

[26] Cfr. Mt 19, 27.

[27] Cfr. Mt 26, 33-35.

[28] Francisco, Carta enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n. 13.

[29] Bento XVI, Audiência geral, 24-V-2006.

[30] Jo 21, 15.

[31] Bento XVI, Audiência geral, 24-V-2006.

Remédio para o suicídio de sacerdotes

Oração pela Santificação dos Sacerdotes | diocesedetaubate

REMÉDIO PARA O SUICÍDIO DE SACERDOTES

Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo de Teófilo Otoni (MG) 

Todas as vezes que um padre se auto extermina muitos comentários são feitos. Quase sempre se procura um culpado. O encontro de um culpado parece que conforta e se parece com a atitude de Pilatos de lavar as mãos e não se comprometer. Quem é o culpado? O Bispo? Os superiores? O presbitério? O Sacerdote? A família? A Igreja? O sistema?  Os questionamentos seguem quase sempre sem respostas geradoras de vida. Os fatos vão se repetindo. 

Raramente se fala de um modo de viver que leva à morte ou à vida.  É preciso ao longo da vida encontrar o jeito de viver que esteja em sintonia com a alegria vocacional. Um modo de viver que faz o coração arder e os pés se colocarem a caminho (cf. Lc 24,32-33). Esse modo de viver não se constrói de uma hora para outra.  

Um modo de viver que não esteja em sintonia com o Projeto vocacional gera crises, culpabilizações, reclamações e arrefecimento do ardor do coração. Tudo parece estar errado e isso não gera vínculo dos vinhateiros com a vinha e principalmente com seu proprietário. Muitas vezes prepara-se para proteger dos perigos externos, mas esquece-se dos inimigos internos. Fervilham-se no interior muitos males, pois é de dentro do coração que eles vem (cf. Mt 15,19). 

Recentemente o Papa Francisco, falando aos Bispos do Regional Leste 2 da CNBB na Visita Ad Limina, disse que não é possível formar presbíteros da mesma forma que se formava há 30 anos. Não é possível formar bem, se não permitir aos seminaristas   mostrarem  seus corações fragilizados, suas marcas da história e suas inseguranças. Como limpar o interior se não se pode abrir, por medo de punição, ou temor das portas se fecharem? O mesmo vale para os sacerdotes, os quais escondem suas dificuldades por medo de punição, ou rejeição. John Powell em seu livro “Por Que Tenho Medo de Lhe Dizer Quem Sou?” diz que, ao revelar a alguém o seu interior, o ouvinte pode não gostar e rejeitar a pessoa. A rejeição é sempre um sentimento que impede crescimento. É necessário um processo que gere confiança. 

Atrás de um sacerdote ou de um agente religioso está um ser humano com todas as vicissitudes, mazelas e virtudes da “natureza” humana. O modo de estar no mundo depende dos condicionamentos e das estruturas originárias em que cada um edificou a sua forma de existir para si mesmo e para os outros. Ainda que a graça de Deus atue na fragilidade de uma pessoa, a ação de Deus vai sempre supor o conjunto estrutural humano que carrega este dom. E quando há um processo de adoecimento estrutural humano-psíquico-afetivo-social e ético, o arcabouço religioso não se sustenta (“a graça supõe a natureza”) e fica comprometida a liberdade verdadeira no seguimento ao projeto de Cristo na aposta vocacional. Não se trata, portanto de ausência de Deus, ou distanciamento dele. 

Um modo de viver sacerdotal sem vínculo com o presbitério, sem comunhão, sem cuidado da saúde física, emocional, relacional e espiritual conduz para a morte. E isto tem se tornado o grande desafio para a nossa missão de Bispos Pastores enquanto cuidadores do rebanho, desde a formação inicial até a permanente. Gerar confiança e ajudar a curar os corações é um caminho que não se pode dar por descontado. Necessário também é evitar aquilo que precisa ser escondido. 

Kant (citado pelo filósofo brasileiro Mário Cortella em uma de suas palestras em seu canal no Youtube, 20/02/2020), refletindo sobre ética e integridade, não querendo abolir a privacidade interior de ninguém, disse que tudo o que não se puder contar aos outros não se deve fazer. Porque daí começa ambiguidade da vida dupla (aquela com a qual eu me apresento a todos e aquela oposta e contraditória que só eu sei que vivo). Nosso eu, quando escondido, adoece fugindo do real. As satisfações criadas pelo imaginário distanciam-se da realidade, colocam a pessoa no mundo irreal e vão matando aos poucos.  

Por um lado, ilumina-se o papel da Formação Sacerdotal e Religiosa como lugar da percepção dos indícios do adoecimento da pessoa, cujas manifestações já se anunciam nos jogos e artimanhas psicológicas de defesa e escondimento. A Formação precisa assumir, em parceria com os profissionais da área e outras instituições da saúde mental, a tarefa curadora de ressignificação das experiências existenciais, possíveis causas das depressões escondidas, pois, se jogadas para debaixo do tapete, está aberto o caminho para que, uma vez fora das paredes protetoras da Instituição, o futuro sacerdote ou religioso se perca sozinho no embate com o mundo real que é cruel e acaba por expor as fragilidades de um indivíduo. 

Por outro lado, no cuidado da saúde relacional é preciso criar relações que edificam. Nunca se deve iniciar um relacionamento que não pode ser revelado aos outros. Relações mal direcionadas podem matar, sejam elas com pessoas, com as coisas, com os bens materiais, com o poder, com as ilusões imaginárias e até consigo mesmo.  

Um sacerdote não terá boa saúde vocacional se deixar-se ser atraído por situações de pessoas maldosas que usam as redes sociais ou outros meios para viciar, extorquir, difamar e desconstruir um projeto vocacional que foi construído ao longo de muitos anos. Esses predadores estão especialmente escondidos nas redes sociais escolhendo vítimas e esperando a hora certa para as atacar. Muitas vezes quando se percebe já se caiu na armadilha. Nestas situações a impossibilidade de pagar o exigido, a dor e a vergonha aparecem  e aumenta o  risco de querer se esconder ainda mais, até mesmo  eliminando a vida.  

O problema do suicídio vem de longa data. O suicídio é a culminância de um processo de adoecimento que vai tornando a vida um peso intransponível para a pessoa que lida com suas dificuldades, esmagada pela impossibilidade de sair do sofrimento. Não é uma escolha racional livre e descontaminada. É a única forma viável dentro da lógica de um coração adoecido para abortar o sofrimento e, quem sabe, ser feliz, ainda que depois da morte.   

Talvez não consigamos resolver o problema do suicídio de uma vez para sempre como gostaríamos, mas é preciso melhorar a baixa imunidade especialmente dos líderes espirituais e o remédio para essa melhoria é criar relações sadias consigo mesmo, com o presbitério, com a família, com as pessoas, com a Igreja e com Deus, através de um bom enfrentamento das próprias limitações e ilusionismos de falsas seguranças ainda no período da formação, o que deveria ser o papel da dimensão humano-afetiva da formação presbiteral e religiosa. Além do mais é preciso sair da mesquinhez que aprisiona e não deixa o sacerdócio crescer. Nossas pragas diárias, como as do Egito, são um grito para que deixemos nosso sacerdócio ir para servirmos ao Senhor. Moisés falava ao Faraó para deixar o povo ir. É preciso libertar-se das escravidões e deixar o sacerdócio ir, pois o caminho é longo. É preciso tomar consciência que se está escravo. Escravidão tem cura.  Assim, livres e radiantes, será sempre prazeroso viver a vocação até mesmo no sofrimento por causa do Evangelho. Os riscos e problemas continuarão a existir, mas haverá um sentido para a vida que conduzirá para o crescimento.  Todos serão beneficiados com essa luz que se acenderá. 

A leveza da Cruz é encontrada no amor. Cristo encontrou a leveza de seu sofrimento confiando no Pai e na alegria da redenção. Ver a humanidade toda redimida lhe trouxe grande alegria. Podemos dizer que Ele viveu a alegria da Cruz. Encarnação e Redenção são mistérios que nos permitem equilibrar e desequilibrar entre passado e futuro. Dar passos é sempre correr o risco de se equilibrar e se desequilibrar. É seguir com os corações ardendo no presente enquanto se faz e ama o caminho que leva para o amanhã, mesmo que seja um caminho com muitas surpresas e obstáculos.

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF