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domingo, 6 de abril de 2025

Cardeal Scherer: Campanha da Fraternidade na Quaresma, alguns equívocos

Cardeal Scherer (Vatican News)

A Campanha da Fraternidade não deveria ser vista como uma atividade paralela à Quaresma, nem, muito menos, como iniciativa substitutiva da Quaresma, mas nela inserida.

Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo

E stamos no meio da Quaresma e da Campanha da Fraternidade, tempo favorável para preparar a celebração da Páscoa deste ano, que já se aproxima. A Igreja convida seus filhos, durante este período litúrgico, à penitência para uma sincera e profunda conversão a Deus. Para isso, ela indica os exercícios quaresmais do jejum, da oração e da esmola, que deveriam ajudar-nos a fazer uma profunda avaliação de nossa vida, predispondo-nos à busca do perdão de Deus e à renovação dos compromissos batismais na celebração da Páscoa.

A promoção da Campanha da Fraternidade, durante a Quaresma, insere-se nessa busca de conversão e renovação da vida cristã. A Campanha da Fraternidade não deveria ser vista como uma atividade paralela à Quaresma, nem, muito menos, como iniciativa substitutiva da Quaresma, mas nela inserida. Infelizmente, porém, esse mal-entendido existe, quer da parte de quem combate a Campanha, como também da parte de quem faz dela o único assunto da Quaresma. Nem uma coisa, nem outra é boa.

Para quem combate a Campanha, é preciso lembrar que o objetivo fundamental dela é promover a fraternidade (caridade) em alguma questão da convivência social. Ela sempre propõe um tema que faz refletir sobre a vivência da fraternidade, a justiça e a caridade, valores essenciais no Evangelho de Cristo. Se o tema pode não parecer explicitamente religioso (ecologia integral, segurança pública, saneamento básico), ele, no entanto, é encarado na Campanha a partir de suas implicações religiosas e morais.

Alguém duvida que a temática da ecologia integral está relacionada com a nossa fé no Deus Criador, com nossa responsabilidade humana no cuidado da obra do Criador e com o senso de respeito ao próximo, de justiça e fraternidade? Não se pode dizer o mesmo em relação a todos os temas “sociais” que a Campanha da Fraternidade já abordou nas seis décadas de sua existência? A fé e a moral cristãs não podem ser vividas de maneira abstrata e desencarnada, fora da realidade que nos cerca. Os verdadeiros Santos deram-nos o exemplo: sua fé profunda em Deus e a moral do Evangelho que viviam levaram-nos sempre a uma sensibilidade especial em relação aos sofrimentos do próximo e aos problemas sociais. E a Igreja foi enviada em missão ao mundo não apenas para “salvar almas”, mas para salvar pessoas, que têm corpos e vivem situações específicas, para se envolver com seus sofrimentos e necessidades e para anunciar o Evangelho da salvação, que inclui o cuidado das pessoas neste mundo e tem implicações na convivência social. Foi o que o próprio Jesus fez o tempo todo.

Mas é preciso recordar também àqueles que reduzem a Quaresma à Campanha da Fraternidade: ela é um aspecto dos exercícios quaresmais e não se devem deixar na sombra ou no silêncio os outros exercícios, que visam à conversão pessoal e social a Deus, como a penitência unida à busca sincera de Deus, a escuta atenta e a acolhida da Palavra de Deus, a recordação dos mandamentos, dos fundamentos da fé e da moral cristãs, o incentivo à caridade concreta e a exortação à confissão sacramental. A fé cristã é adesão pessoal a Deus e a moral é a expressão da vida decorrente da fé. Na noite da Páscoa, como conclusão dos exercícios quaresmais, é feita a renovação das promessas batismais, pelas quais reafirmamos nossa “renúncia a Satanás” e nossa adesão a Deus, mediante a profissão da fé católica. Que significado teria isso, se não fosse precedido de um sério esforço de revisão de vida, em todos os sentidos, do arrependimento dos pecados e da disposição de nos voltarmos para Deus de todo coração?

Também a coleta da Campanha da Fraternidade, no Domingo de Ramos, perde o seu sentido quando não é fruto consciente e expressão de nossa vivência quaresmal e da nossa partilha fraterna com os necessitados. Ela é uma expressão da nossa vivência quaresmal e não se deve reduzir ao gesto quase mecânico de oferecer “alguma coisa” na hora em que a cestinha da coleta passa pela igreja. Esse gesto concreto deveria ser preparado durante toda a Quaresma, mediante as renúncias de consumo que fazemos, como “penitências” quaresmais, ou as doações que nos propomos com esse mesmo propósito. Então, sim, será um verdadeiro gesto de partilha fraterna, fruto da Quaresma.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Missionários digitais: A fé em um clique!

Tonktiti - Shutterstock
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Paulo Teixeira - publicado em 06/04/25

Articulação entre católicos que testemunham o Evangelho no ambiente digital realiza encontro.

Durante os trabalhos preparativos para o Sínodo sobre a Igreja sinodal, em um dos instrumentos de trabalho foi abordada a questão da missão no ambiente digital. De fato, a Igreja se insere nos diversos contextos humanos e a todos procura levar a luz da fé. Em geral pensamos em missão no sentido “quilométrico”, no sentido de territorial. Admiramos os missionários que se aventuram em terras distantes e apresentam o Evangelho a diversos povos e culturas, devorando centenas de quilômetros. Mas surgem em nossos dias também os missionários digitais.

Os indivíduos, organizações e instituições existem em lugares determinados e desenvolvem seu trabalho em certos contextos. Mas, muitas vezes temos contatos com pessoas, comunidades e instituições de lugares diferentes e que nos ajudam a viver a fé. 

As fronteiras missionárias atuais não correspondem às geográficas. No atual contexto, cabe o seguinte exemplo: Uma pessoa de um país de minoria católica está à um clique de distância de comunidades que vivem de maneira fervorosa a fé. Um exemplo bem preciso são os cantos religiosos que são cantados no Brasil e na Coréia, uma união que mostra a realidade da comunhão do Espírito Santo, por meio da internet.

Igreja em saída

A Igreja Católica incentiva e acompanha a missão no ambiente digital. Ela reconhece como seus agentes os missionários digitais que usam a tecnologia para transmitir o Evangelho na atual cultura da comunicação. No Brasil, os missionários digitais se organizam com a comissão de comunicação da CNBB e promovem diversas iniciativas e encontros. Existem momentos de oração, de formação e reflexão. Os missionários se encontram remotamente, mas também promovem encontros presenciais. 

Encontros

No ano passado a CNBB promoveu um encontro com 17 sacerdotes que evangelizam por meio das redes sociais; no início de março deste ano, realizou o primeiro encontro presencial do projeto Missionários Digitais Brasil

São missionários digitais os padres cantores, jovens que atuam como influencers nas redes sociais, instituições católicas que evangelizam pelos meios de comunicação e fiéis que se empenham em testemunhar a fé no ambiente digital.

Missão

Na revista La Civiltà Cattolica, o jesuíta Padre Bruno Frengueli alertou que “para estar presente no digital, é preciso muito cuidado, pois critérios para avaliar a missão da Igreja no ambiente digital não devem ser derivados do campo empresarial, político, publicitário, mercadológico ou do entretenimento. Métricas digitais como alcance, engajamento, cliques e visualizações podem ser critérios muito importantes para qualquer outra instituição social, mas dizem muito pouco à Igreja do ponto de vista de sua missão. Os números não importam para a Igreja, porque a ‘matemática de Deus’ é diferente, já que a multiplicação só ocorre quando há fração e partilha”, reflete.

No final de julho acontecerá em Roma o Jubileu dos Missionários Digitais, um momento emocionante para celebrar a esperança que essa ação evangelizadora leva para o mundo. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/04/06/missionarios-digitais-a-fe-em-um-clique

Reflexão para o V Domingo da Quaresma (C)

Evangelho do domingo (Vatican News)

O pecado é um mal que fere o homem. Por isso, Deus o detesta, Jesus o detestou. Mas ele não condena o pecador, ao contrário, ele veio salvar o pecador, veio dar sua vida para salvá-lo.

Padre Cesar Augusto, SJ – Vatican News

No Evangelho deste domingo temos a má vontade e a hipocrisia, de um lado, e a justiça e bondade de Deus, do outro. Evidentemente, o Amor é mais inteligente e vence a hipocrisia.

Uma mulher é apanhada em adultério. Naquela época cometer adultério não significava necessariamente estar com outra pessoa, mas bastava apenas a insinuação. Preferimos entender assim, já que não se fala do parceiro com quem a adúltera pecava.

Os fariseus, plenos de malícia, mais uma vez preparam uma cilada para que Jesus caia como blasfemo e entre em contradição com sua doutrina, a do amor.

Podemos ver aí duas atitudes:

Do lado dos fariseus temos pessoas altamente preocupadas pela legalidade e pelo cumprimento das prescrições mosaicas. Elas  não suportam o pecado, dos outros! Por isso Jesus diz : “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!” Existem pessoas que têm verdadeira obsessão pelos pecados, sobretudo sexuais, dos outros. Por que se deleitam em divulgar os pecados dos outros? Sempre arranjam justificativas para isso. Serão de fato puros e inocentes estes pregoeiros da moral?

Por outro lado Jesus, condoído pelo vexame e constrangimento vivido pela mulher, quer ajudá-la, quer revesti-la com a dignidade que havia perdido – por seu pecado e pela exposição feita pelos fariseus - , quer levantá-la. Afinal ele veio para salvar, para dar vida!

Mas nesse “imbroglio” está em jogo a missão de Jesus como Redentor – e é isso que os fariseus desejam verdadeiramente atingir. Podemos dizer que os fariseus queriam pegar dois coelhos com uma única cajadada: eliminar a mulher e desmoralizar Jesus, destruí-lo.

O Senhor, conhecendo os corações e pleno de sabedoria, dá tempo ao seu sentimento humano e respira fundo, rabiscando no chão. Depois, levanta a cabeça e, senhor da situação, com toda serenidade diz: “Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra!” Quem dentre os presentes jamais tivera um pensamento impuro? Quem dentre os presentes foi feito de natureza diferente? Quem dentre os presentes respeitava plenamente os dez mandamentos?

O pecado é um mal que fere o homem. Por isso, Deus o detesta, Jesus o detestou. Mas ele não condena o pecador, ao contrário, ele veio salvar o pecador, veio dar sua vida para salvá-lo. O que Jesus mais deseja é a salvação de quem errou. Ele não veio para julgar, mas para salvar!

Aprendamos com o Senhor. Qualquer que seja a situação que estejamos, qualquer que seja o deslize de um irmão nosso, seja ele quem for, sejamos discípulos do Mestre e procuremos salvar, vestir de dignidade quem a perdeu. Isso não significa acobertar o pecado e deixar a vítima de lado, mas ter um coração como o de Deus, onde existe lugar para todos. Deus é vida, sejamos também vida!

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sábado, 5 de abril de 2025

SÃO BENTO: "Não coloque nada acima do amor de Cristo"

A Abadia de Santa Escolástica em Subiaco, Roma | 30Giorni

Arquivo 30Dias n. 05 - 2005

"Não coloque nada acima do amor de Cristo"

«Nihil amori Christi praeponere». Esta indicação repetida da Regra liga o Papa Bento XVI ao santo padroeiro da Europa. Um artigo do abade do mosteiro de Santa Escolástica em Subiaco.

por Dom Mauro Meacci

«O que precisamos sobretudo neste momento da história são homens que, através de uma fé iluminada e vivida, tornem Deus credível neste mundo… Precisamos de homens como Bento de Núrsia que, num tempo de dissipação e decadência, se afundou na mais extrema solidão, conseguindo, depois de todas as purificações que teve de sofrer, elevar-se à luz, regressar e fundar, em Montecassino, a cidade sobre a montanha que, com tantas ruínas, reuniu as forças das quais se formou um mundo novo. Assim, Bento, como Abraão, tornou-se pai de muitos povos." Quando o Cardeal Joseph Ratzinger concluiu seu discurso “A Europa na crise das culturas” com estas palavras em Subiaco em 1º de abril de 2005, ninguém poderia imaginar o que aconteceria logo depois.

No dia seguinte, o amado Papa João Paulo II morreu e alguns dias depois, em 19 de abril, o Cardeal Ratzinger foi eleito Bispo de Roma e, portanto, pastor supremo da Igreja Católica, tomando o nome de Bento XVI.

Com este nome, o Papa se ligou ao seu predecessor Bento XV, comprometido com a defesa da paz e a evangelização do mundo inteiro e, de forma muito particular, a São Bento, legislador do monaquismo ocidental e padroeiro da Europa. A devoção pessoal e a partilha daquela profunda espiritualidade expressa pela repetida citação do capítulo 4, 21 da Regra – «Nihil amori Christi praeponere» – ligam o Santo Padre ao santo de Núrsia.

Tudo isso fez surgir em muitos o desejo de conhecer um pouco melhor a figura e a obra de São Bento, um figura tão exaltada mas pouco frequentada devido à aparente distância que o separa da vida comum e à sua distância cronológica de nós.

Sabemos sobre São Bento o que o Papa Gregório I Magno (590-604) nos conta no Segundo Livro dos Diálogos e possuímos apenas um escrito autógrafa, a Regula monachorum .

Bento nasceu por volta de 480 em Núrsia. Após um período de estudos em Roma, ele se retirou para Subiaco, onde viveu por cerca de três anos como eremita em uma caverna perto do mosteiro do monge Romano. Por volta de 500 d.C., ele começou a reunir discípulos fundando, a partir das ruínas da Vila de Nero, treze mosteiros de doze monges cada, reunidos em torno de um abade, segundo o modelo apostólico. Vários eventos e uma nova visão da vida monástica como uma única família em torno de um único abade o levaram em 529 a deixar Subiaco e seguir para Montecassino, onde fundou aquela "Cidade na montanha" da qual toda a tradição monástica se orgulha. Ali, em 21 de março de 547, enquanto rezava de pé, apoiado por dois discípulos, ele morreu.

Hoje, São Bento é conhecido como o santo padroeiro da Europa, mas, após uma análise mais detalhada, há aspectos de sua história pessoal e das intenções de seu trabalho que podem dificultar a compreensão da adequação desse patrocínio.

De fato, quando São Bento nasceu, o Império Romano do Ocidente havia desaparecido recentemente e a Europa romanizada estava dividida em numerosos potentados locais em guerra com a parte latina e muitas vezes até entre si. Tivemos que esperar até o século VIII-IX para reencontrar o projeto de algo que remetesse a uma unidade territorial “europeia”.

Além disso, São Bento viveu toda a sua vida em uma região bastante restrita ao redor de Roma e, embora tenha tido relações com pessoas importantes da época, não há evidências de que tenha viajado ou conhecido outros contextos culturais.

Por fim, o propósito da instituição que São Bento concebeu não era promover um renascimento da cultura antiga ou um renovado impulso missionário da Igreja entre as tribos bárbaras, esforços tentados pelas realidades monásticas contemporâneas, mas a busca de Deus como único propósito da vida. “Quaerere Deum”, este é o ideal que São Bento propõe ao irmão que pede para entrar no mosteiro, e para encorajar esta busca ele organiza a comunidade em torno da leitura meditativa das Sagradas Escrituras, da oração e daquele conjunto de atividades que permitem a vida prática e o desenvolvimento de relações de caridade fraterna.

Onde está a Europa em tudo isso? Onde está aquele programa bem-sucedido de integração entre a Romanidade e o mundo germânico e eslavo?

Em lugar nenhum como consciência, em todo lugar como premissa e raiz.

Para o monge cristão, a busca séria de Deus pressupõe o conhecimento daqueles documentos insubstituíveis da fé que são as Sagradas Escrituras. No armarium da sacristia conserva-se o núcleo das bibliotecas monásticas, além dos códices litúrgicos, os que contêm a Bíblia e os principais comentários dos Padres da Igreja. Logo, a necessidade de uma melhor compreensão do texto sagrado levou os monges a aprofundar também aquele conhecimento gramatical e sintático que eles só podiam tomar emprestado do estudo de autores clássicos e seus métodos de interpretação. Tudo isso levou ao maravilhoso fenômeno da conservação da cultura antiga, pelo qual o monaquismo ainda é creditado. No entanto, muitas vezes esquecemos que no calor do debate que se travava nas escolas monásticas se desenvolveu uma teologia peculiar, que o Padre Jean Leclercq chamou de "sabedoria", herdeira da grande tradição patrística e fortemente moldada pela prática da lectio divina , onde o objetivo da alimentação espiritual sempre prevaleceu sobre a academia especulativo-científica.

A verdade apreendida na meditação da página sagrada logo brilhou na mais variada e original criação artística. Os transcritores dos códices litúrgicos e bíblicos começaram a decorar os textos com esplêndidas miniaturas, verdadeiras pausas meditativas e explicativas. Assim, os arquitetos das basílicas e das igrejas monásticas encontraram meios de utilizar os mais variados expedientes para repropor a mesma verdade evangélica. O que são certos capitéis românicos senão verdadeiras meditações da Palavra feitas através da pedra? O que são os grandes ciclos de afrescos nas igrejas senão maneiras de permitir que todos se aproximem do texto sagrado e, por isso, corretamente definidos como Biblia pauperum ? O que é o canto gregoriano senão a expressão bem-sucedida de uma meditação musical sobre as Sagradas Escrituras?

Tudo isso, retomado e relançado pela corte carolíngia através da obra de Alcuíno e de São Bento de Aniane, se tornará, a partir do final do século VIII e de forma mais convicta e sistemática nas primeiras décadas do século IX, patrimônio de todos e, no esforço de dar unidade cultural ao Império renovado, o húmus da cultura europeia renascida. Os castelos, catedrais e centenas de mosteiros, agora espalhados além do Reno e do Vístula, se tornarão os postos avançados e centros centrais dessa emocionante temporada histórica que, apesar das sombras do século X, dará seus melhores frutos no grande florescimento da Idade Média.

As exigências da vida comunitária também levaram ao desenvolvimento ou refinamento de algumas categorias que seriam fundamentais para a integração dos novos povos aos tempos clássicos e para seu crescimento humano.

Primeiramente, a concepção de tempo e espaço. Aos novos povos, em sua maioria nômades, acostumados a viver sob o céu e no horizonte de uma terra a ser percorrida com flechas e a cavalo, os mosteiros ofereciam o exemplo de uma vida comunitária em que as diversas ocupações – oração, estudo, trabalho, refeições, discussão, descanso, etc. – aconteciam nos horários e lugares determinados. Nunca será possível calcular completamente o poder civilizador e educacional dessa regularidade laboriosa que se espalhará dos mosteiros por toda parte com o toque severo do sino que chama para várias ocupações: "Porque a ociosidade é inimiga da alma".

São Bento admoesta o abade a sempre lembrar que ele deve guiar não os fortes ou os perfeitos, mas os fracos e pecadores. Daí a preocupação de estar atento às necessidades de cada um e, embora tenha o dever de orientar todos segundo a Regra, não deixar que ela se torne um obstáculo para ninguém. Seria longo enumerar os numerosos casos em que a dialética entre observância literal e exceção legítima se resolve, no julgamento do abade, na escolha da solução mais atenta às necessidades concretas do indivíduo ou da comunidade. Desta forma, respeitando a paternidade do abade, expressão da paternidade divina, o monge reconhece-se como pessoa dotada de uma dignidade própria e inalienável, dotada de direitos e deveres precisos, derivados do direito divino e reconhecidos pela Regra. 

Certamente o caminho para a concepção moderna da pessoa e do relacionamento correto com a autoridade ainda é longo e terá que passar por eventos históricos dolorosos; No entanto, há uma base fundamental aqui porque somos todos filhos do mesmo Pai e somos todos irmãos em Cristo, embora desempenhemos papéis comunitários diferentes.

A última conversa entre São Bento e Santa Escolástica, mestre da Úmbria do século XV, Igreja Superior do Sacro Speco, Subiaco | 30Giorni

Por fim, como não lembrar da nova dignidade que a Regra confere ao trabalho manual? Sabemos que antigamente somente as atividades relacionadas ao governo e as atividades intelectuais eram consideradas dignas de um homem livre, e entre os novos povos, as de guerra. Diante dessa mentalidade, os mosteiros, muitas vezes compostos por monges do antigo patriciado ou da nova nobreza, ofereciam evidências do trabalho manual tomado como disciplina e como instrumento de adaptação da realidade circundante às necessidades da comunidade, segundo o princípio: "Cada um viva do seu próprio trabalho". Também neste campo, de acordo com as complexas contingências históricas que gradualmente surgirão, a família beneditina dará contribuições fundamentais à Idade Média europeia.

A partir dessas referências é possível compreender como a construção da Europa está inextricavelmente ligada à força irradiante e estruturante da intuição espiritual de São Bento. Uma concretização convincente da fé evangélica que, quase naturalmente, se torna cultura e fermento de escolhas sociais que, se nos permitirmos a expressão talvez um tanto ousada, nos permitirá vislumbrar do século XI ao século XIII – a era de Cluny e Cister – o sonho realizado de uma Europa civilizada e unificada em nome de Cristo.

Para concluir, gostaria de voltar àquela expressão que o Santo Padre gosta de repetir: «Nihil amori Christi praeponere». Como já foi mencionado, esta frase, mas eu preferiria dizer este programa de vida, encontra-se na Regra de São Bento que, por sua vez, a toma emprestada do famoso comentário à Oração do Senhor de São Cipriano, bispo de Cartago e mártir. Ela funde a espiritualidade dos mártires com a dos monges. Acredito que nossa época é sensível como poucas ao encanto desta mensagem. Quando o Papa João Paulo II desafiou todos a buscar e viver um alto nível de santidade, ele nos convidou a seguir os caminhos da verdade e da coragem, assim como os monges e os mártires.

Como os monges de todos os tempos, também nós devemos procurar a verdade com confiança e tenacidade, sem nos cansarmos nem ter medo de percorrer em toda a sua complexidade os caminhos da cultura moderna, por vezes fragmentados ou interrompidos, mas sempre cheios de humanidade, "per ducatum Evangelii".

E uma vez que nos tenha surpreendido e cativado, não devemos ter medo nem ansiedade em propô-lo e testemunhá-lo. Na verdade, não o faremos para afirmar nossa própria convicção, mas para documentar a existência de um amor que nos precede a todos, nos sustenta a todos, nos espera a todos, imitando assim as comunidades monásticas medievais que, próximas das grandes cidades ou perdidas no meio das florestas, situadas em contextos cristãos ou dispersas em terras pagãs hostis ou indiferentes, mantinham seu "ritmo" feito de oração, estudo, trabalho e amor enquanto esperavam...

Fonte: https://www.30giorni.it/

Jubileu dos Enfermos, peregrinos: o Papa Francisco está conosco

Jubileu dos Enfermos 2025 (Vatican Media)

Desde as primeiras horas do dia, longas procissões saíram da Praça Pia até a Porta Santa da Basílica Vaticana. Os protagonistas são os 20.000 peregrinos do Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde. Muitas pessoas em cadeiras de rodas, voluntários e equipes de saúde. Nos corações dos fiéis, orações pela paz no mundo e pela cura completa de Francisco.

https://youtu.be/mk6vymqLVh0

Daniele Piccini – Vatican News

Muitos estão em cadeiras de rodas. Outros estão sob os braços de seus acompanhantes: parentes, freiras, profissionais da saúde, voluntários da Unitalsi. Seu Jubileu, o dos enfermos e do mundo da saúde, iniciado este sábado, 5 de abril, na Praça Pia, pouco depois das oito e meia da manhã. Depois de algumas centenas de metros, a passagem pela Porta Santa da Basílica de São Pedro. Para alguns deles, depois de tantos dias dentro de suas casas de repouso, se trata, finalmente, de um belo dia ao ar livre. Para todos, um dia de esperança.

Um dia fora das RSAs

“Estamos aqui para ter uma experiência comum, um caminho de fé que enriquece a todos, nós voluntários da Unitalsi e os doentes que acompanhamos”, explica padre Walter Gatti, assistente da Unitalsi Vittorio Veneto. “Somos um grupo de 170 pessoas”, continua o sacerdote, ”nem todos estão doentes. Por exemplo, eu também acompanho minha mãe, que tem 95 anos de idade. Para os nossos enfermos, é uma grande emoção e uma grande experiência de vida estar aqui, porque muitas vezes eles estão fechados em suas casas ou em instalações de acolhimento, onde são bem tratados, mas nem sempre têm a oportunidade de viver essas experiências ao ar livre”.

https://youtu.be/j_ffp0eWi8g

Padre Walter Gatti no Jubileu dos Enfermos

Orações de esperança e paz

Para alguns, confinados a cadeiras de rodas, participar do Jubileu dos Enfermos é até mesmo a realização de um sonho. “Eu queria muito vivenciar esse Jubileu e passar pela Porta Santa. Parecia impossível para mim porque não posso andar”, admite a Sra. Angela, hóspede da Casa de Repouso “Servas da Santíssima Trindade” na Rua Trofarello em Roma, apenas alguns minutos depois de atravessá-la em sua cadeira de rodas. “Tivemos um carro para carregar a minha cadeira de rodas”, continua Angela, membro do Movimento dos Focolares, ”e assim recebi um enorme gesto de amor dos meus companheiros que me ajudaram. Estou feliz por ter vindo e por ter experimentado em primeira mão como, apesar de todos os desafios e guerras, a esperança no futuro pode sempre nascer no coração”.

https://youtu.be/cMj1oFuatC8

Esperança nos corações e paz no mundo: as orações dos peregrinos

Um pensamento voltado para Francisco convalescente

Junto com a esperança, os mais de vinte mil peregrinos que vieram a Roma de mais de 90 países do mundo para o Jubileu dos Enfermos trazem em seus corações um pensamento para o Papa Francisco, ele mesmo, até 23 de março, internado no Hospital Gemelli, recentemente recebeu alta e ainda está convalescendo na Casa Santa Marta. “Viemos a Roma no ano do Jubileu como etapa de um caminho de fé de toda uma vida”, diz Daniel, de Verona, mas originalmente do Sri Lanka, que acompanha duas pessoas com deficiência, ”e queremos desejar ao Papa Francisco boa saúde e boa sorte!

https://youtu.be/m6JrTIO2l_k

Orações dos peregrinos pelo Papa Francisco convalescente

Este domingo, com a Missa na Praça São Pedro, presidida pelo arcebispo Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, se conclui o programa do sétimo evento jubilar.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Um livro “louco” sobre a essência do cristianismo

Um momento da apresentação do livro "O louco de Deus no fim do mundo" (Vatican Media)

Foi apresentado em Roma o romance “O louco de Deus no fim do mundo”, de autoria de Javier Cercas, que se define como ateu e racionalista. No livro, a conversa do autor com o Papa gira em torno da questão da promessa de vida eterna. “Com a ressurreição de Cristo”, explica o Pontífice em resposta ao escritor espanhol, “a semente da ressurreição de toda a humanidade foi plantada”.

Amedeo Lomonaco – Vatican News

Um ateu, um militante secularista anticlericalista, um racionalista obstinado, um ímpio rigoroso. Essas são as definições com as quais o escritor espanhol Javier Cercas se apresenta no início de seu novo romance intitulado “O louco de Deus no fim do mundo”, publicado na Itália pela editora Guanda e traduzido para mais de trinta idiomas. O livro, no qual o autor relata sua viagem à Mongólia de 31 de agosto a 4 de setembro de 2023 junto com o Papa Francisco, foi apresentado como parte do segundo encontro das Pré-estreias de Literaturas Festival Internacional de Roma, um programa promovido pelo assessor para a cultura Massimiliano Smeriglio.

Francisco, “o louco de Deus”

Durante o evento cultural, que já está em sua 24ª edição, foi lembrado que o novo romance de Cercas, lançado nas livrarias em 1º de abril, foi publicado simultaneamente na Itália, na Espanha e em países da América Latina. Dialogando com os jornalistas Aldo Cazzullo e Sabina Minardi, o escritor Javier Cercas contou a gênese dessa obra, que surgiu por proposta do Dicastério para a Comunicação. O livro, permeado por uma crescente nostalgia de Deus, tem um ponto fulcral: a conversa íntima do autor, face a face, com o Pontífice, definido como “o louco de Deus”. Uma expressão também usada por São Francisco, o nome escolhido por Jorge Bergoglio após sua eleição para a Cátedra de Pedro.

“Francisco vai à Mongólia para encontrar um novo futuro e ver o mundo como ele é do único lugar de onde ele pode ser visto: da periferia, do fim do mundo. Francisco vai à Mongólia para continuar sendo Francisco (uma passagem do livro “O louco de Deus no fim do mundo”).”

Senso de humor

O escritor Javier Cercas apresentou sua obra diante da plateia que lotou o Teatro Studio Borgna do Auditorium: “Este livro é único e louco e eu me sinto privilegiado. É uma história de investigação porque há um enigma. Há muitos 'personagens' no romance”. Entre eles, alguns representantes do Dicastério para a Comunicação que “me propuseram escrever um romance com absoluta liberdade sobre a viagem do Papa à Mongólia. O grande desafio era trabalhar sem preconceitos”. “Para mim - disse o escritor espanhol -, tudo foi uma surpresa permanente. E tudo era diferente do que eu esperava. O romance é um livro bem-humorado. O próprio Pontífice afirma ter senso de humor”. “O Papa Francisco - disse ele - sempre foi surpreendente para o mundo inteiro. Ele é um Papa anticlerical, contra o clericalismo, contra a ideia de que o clero está acima dos fiéis. O livro contém a questão essencial do cristianismo: a da vida eterna. Ninguém havia perguntado isso ao Papa”. “Depois desse livro - explicou Javier Cercas ironicamente durante a apresentação -, não posso dizer se reencontrei a fé, caso contrário não venderei uma cópia do romance... O centro do livro é o louco de Deus, o Papa. Outro protagonista sou eu, o louco sem Deus. A realidade me presenteou um milagre para o epílogo do romance”.

Um romance sobre ressurreição

O jornalista Aldo Cazzullo, amigo de Cercas e que também foi transformado em personagem da narrativa, explicou que “o livro do escritor espanhol flui magistralmente em uma página seca depois de girar em torno de vários personagens”. Esse livro, disse ele, é uma biografia sobre o Papa, um romance sobre a ressurreição da carne. É também uma “reflexão sobre o momento da vida em que os pais morrem”. E é um retrato, acrescentou Aldo Cazzullo, de um Papa que é ao mesmo tempo “um homem extraordinário e um homem comum”. A jornalista Sabina Minardi relembrou, folheando algumas páginas do livro, o “incômodo do Papa com a idolatria”, seu amor pelo romance “Os noivos” e pela poesia. No romance, é possível ver como Francisco tem um senso aguçado do futuro, da história e da memória.

Um enigma

O escritor Javier Cercas enfatiza que o livro é “um enigma” que gira em torno de uma questão, a da promessa de vida eterna.

O escritor Javier Cercas ao centro (Vatican Media)

A eternidade já está aqui?

Folhear o romance “O louco de Deus no fim do mundo” é uma viagem, rica em humor, com uma dimensão íntima e pessoal que, em última análise, interpela o coração de todo homem. Em seu livro, Javier Cercas, que confessa ser escritor por ter perdido a fé, diz ser “um louco sem Deus que acompanha o louco de Deus até o fim do mundo”. E explica que embarcou no avião para a Mongólia a fim de fazer uma pergunta específica ao Papa Francisco: “Quero dizer a ele que minha mãe tem noventa e dois anos, que acredita em Deus e está convencida de que, quando morrer, reencontrará meu pai”. A pergunta crucial diz respeito à promessa de vida eterna e é finalmente feita ao Papa. A última pergunta feita pelo escritor espanhol durante sua conversa com Francisco está inserida em uma afirmação. “Então posso dizer à minha mãe que, quando ela morrer, verá meu pai novamente”. “A reação do Papa - lê-se no livro ‘O louco de Deus no fim do mundo’ - é fulminante: ele não hesita nem por um segundo, nem por um décimo de segundo, nem por um milésimo de milésimo de segundo...”. As respostas do Papa, também filmadas, foram ouvidas pela mãe de Javier Cercas. Sua reação é bem descrita no livro. “O rosto de minha mãe é um labirinto indecifrável de rugas; ela não parece contente: parece estupefata com o alcance ou a natureza do que acabou de ouvir, talvez incapaz de assimilá-lo com seu cérebro em declínio, cada vez mais consumido pelas traças da doença”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Bom filho, bom Padre

Dom Javier Echevarría (Opus Dei)

Bom filho, bom Padre

"Quando uma pessoa conhecida, boa e querida falece, passam pela cabeça mil lembranças diferentes". Neste texto Dom Guillaume Derville conta suas recordações de Dom Javier Echevarría, e reflete sobre a marca que ele deixou em sua vida.

12/12/2018

Quando uma pessoa conhecida, boa e querida falece, passam pela cabeça mil lembranças diferentes, como fagulhas que despertam na alma sentimentos contrastantes. Mais ainda quando se trata de um Padre que mostrou amplamente como vivia somente para nós, para levar-nos ao coração de Cristo. Em nossa alma, há uma mistura de ação de graças e de desejos de reparação pela própria falta de correspondência. A realidade da morte, do tempo que passa, se faz mais presente. E à dor de uma ausência, se une a gloriosa esperança do Céu. À oração pela alma de um cristão, soma-se o recurso a uma intercessão que se percebe mais poderosa. Assim vem sendo, em um rápido esboço, a ressonância do falecimento de Dom Javier em muitas pessoas da Obra, e em tantas outras que nos querem bem.

PERCEBE-SE, QUASE MELHOR AGORA, A SINGULARIDADE DE UMA VIDA QUE SE GASTOU DESDE A JUVENTUDE: PRIMEIRO PERTO DE SÃO JOSEMARIA, E DEPOIS DO BEM-AVENTURADO ÁLVARO.

A morte de um Padre como Dom Javier traz muitas lembranças: algumas vividas por cada um e cada uma. Outras, tantas vezes escutadas, como esses relatos de família que se contam de geração em geração. Percebe-se, quase melhor agora, a singularidade de uma vida que se gastou desde a juventude: primeiro perto de São Josemaria, e depois do Bem-aventurado Álvaro, e, finalmente, como sucessor de ambos com a memória do coração e da inteligência sempre viva, para transmitir com fidelidade o espírito recebido de Deus por meio de suas mãos. O carinho que São Josemaria mostrou desde muito cedo a Dom Javier, correspondido por uma admiração e uma obediência filiais cheias de fé na ação de Deus nos santos, fizeram de Dom Javier um filho leal e valente. Seu sentido da filiação divina passou pelo caminho da filiação ao Padre na Obra, primeiro em sua missão de atender às necessidades materiais de São Josemaria, e depois, em sua estreita colaboração com Dom Álvaro.

A entrega decidida e constante de Dom Javier como custos[1] (palavra latina para custódio), e o cumprimento fiel ad mentem Patris (com a mente do Padre) das tarefas que lhe eram confiadas, foram uma preparação intensa para seu longo ministério pastoral como Padre e Prelado do Opus Dei. Sua relação com Deus, o exemplo e a proximidade de São Josemaria e do Bem-aventurado Álvaro, abriram o coração desse filho fiel para que a graça de Deus o enchesse de caridade. Foi um bom filho e foi um bom Padre. Desvivendo-se sempre por suas filhas e filhos no Opus Dei e atento a estreitar os vínculos de nossa fraternidade sobrenatural, foi filho não só quando nosso Padre e Dom Álvaro estavam nesta terra, mas também depois. A partir da integridade de seu caráter, que saltava à vista, sentia saudades desses dois gigantes da fé e do amor, ao mesmo tempo em que se sabia sempre em sua presença. Como homem que sabia amar, e ainda hoje tão querido, palpitava no seu coração a saudade do tempo em que São Josemaria vivia entre nós.

4.1

Como Padre e Prelado queria seguir as pegadas dos seus santos predecessores, não se afastar de um caminho bem traçado, cuidar amorosamente de um espírito esculpido. Como filho, foi co-herdeiro valente de Cristo (cf. Rom 8-17): levou a Cruz, peso bendito das almas, jugo suave e carga leve (cf. Mt 11,30). Com frequência, Dom Javier dizia que era necessário apostarmos tudo na carta do Amor. Esse foi o seu grande anseio, o seu esforço constante.

REPETIRIA AQUILO QUE, ESPECIALMENTE NOS ÚLTIMOS ANOS, TINHA CHEGADO A SER UM REFRÃO NOS SEUS LÁBIOS: QUE VOS QUEIRAIS BEM, QUE VOS AMEIS CADA VEZ MAIS!

«Se aquele que chamamos Padre durante vinte e dois anos –dizia Mons. Fernando Ocáriz, atual prelado do Opus Dei, na homilia da missa por Dom Javier na basílica de Santo Eugênio–, estivesse aqui entre nós, com certeza nos pediria que aproveitássemos estes momentos para intensificar o nosso amor à Igreja e ao Papa, que permanecêssemos muito unidos entre nós e com todos os nossos irmãos em Cristo. E repetiria aquilo que, especialmente nos últimos anos, tinha chegado a ser um refrão nos seus lábios: que vos queirais bem, que vos ameis cada vez mais! E não só nos seus lábios: impressionava ver como sabia querer bem aos outros. Lembro, por exemplo, que um dia antes de falecer, expressou o seu desconforto por estar incomodando a tantas pessoas que cuidavam dele. E espontaneamente respondi: “Não, Padre. É o senhor que sustenta a todos nós”»[2].

Agora este filho bom e fiel continua nos sustentando a todos lá do Céu. Muitos notaram, desde o dia do seu falecimento, como Dom Javier os ajudava em tantos aspectos da sua vida diária, como se o Padre, que sempre teve um temperamento ativo e generoso e que tanto nos convidava a acudir à intercessão dos que nos precederam, quisesse empenhar-se para ajudar-nos a cada uma, a cada um. Talvez para agradecer aquela carta que lhe escrevemos, para responder a essa pergunta que não lhe pudemos fazer, enfim, para continuar nos mostrando a paternidade de Deus.

Por: Guillaume Derville

Tradução: Mônica Diez


[1]N.T. Um dos dois sacerdotes que sempre acompanham o Padre e o auxiliam em assuntos materiais e espirituais. Numa entrevista, Dom Javier explicava assim os custódios: Os custódios existem para que o Prelado, o Padre, não viva sozinho, não seja um homem isolado lá em cima. E, além disso, para que possam ajudá-lo a ser melhor. (https://opusdei.org/es/article/tras-la-huella-de-un-padre 18/06/2012).

[2] N.T. https://opusdei.org/pt-br/article/homilia-de-mons-fernando-ocariz-na-missa-pelo-prelado-do-opus-dei.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/bom-filho-bom-padre/

"Saber levantar-se": terceira meditação de Quaresma

A terceira meditação da Quaresma (Vatican News)

O fr. Pasolini deixou aos fiéis uma questão existencial sobre a Páscoa de Jesus: se uma pessoa não está feliz com o que a vida lhe permite viver, a que serve voltar a viver depois da morte?

https://youtu.be/GwtD3mSSjEs

Vatican News

O pregador da Casa Pontifícia, fr. Roberto Pasolini, fez nesta sexta-feira, 4 de abril, a sua terceira meditação da Quaresma, que foi acompanhada pelo Papa Francisco em conexão do seu quarta na Casa Santa Marta, onde prossegue sua convalescença.

De fato, o primeiro pensamento do sacerdote foi ao Santo Padre, dedicando a ele sua reflexão sobre o tema "Saber levantar-se", para que retome o "leme da Igreja neste tempo de Jubileu".

Para o frade capuchinho, o momento mais inspirador da vida de Cristo é a ressurreição. 

"Ao contemplar esse estágio do evento cristológico, tão decisivo e tão misterioso, podemos obter a luz de que precisamos para direcionar nossos passos no caminho certo, sem nutrir expectativas falsas ou excessivamente ideais sobre o que a vontade de Deus nos chama a viver", afirmou. 

"Olhar para a ressurreição significa não nos deixarmos dominar pelo medo do sofrimento e da morte, mas manter o olhar fixo na meta para a qual o amor de Cristo nos guia", acrescentou fr. Pasolini, que porém deixa aos fiéis uma questão existencial sobre a Páscoa de Jesus (segundo vídeo):

Se uma pessoa não está feliz com o que a vida lhe permite viver, a que serve voltar a viver depois da morte?

As narrativas das aparições mostram que a ressurreição de Jesus não pode de forma alguma ser considerada a reanimação de um cadáver, mas o despertar, ou melhor, a ressurreição de uma pessoa viva. A vida nova e eterna que o Pai concedeu ao Filho após seu sepultamento não é outra existência, mas a consequência dessa vida tão plena e transbordante de bondade que a morte não pôde aniquilar.

"Cristo não improvisou sua ressurreição, mas a preparou ao longo do tempo, aprendendo a viver aquelas disposições interiores nas quais, silenciosamente, a semente da vida eterna amadurece", concluiu o Fr. Pasolini

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

A moral cristã e a importância da ética das virtudes na formação da consciência moral

A ética cristã (Teologia Brasileira)

A MORAL CRISTÃ E A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA DAS VIRTUDES NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA MORAL 

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)

A moral cristã está fundamentada numa visão elevada da dignidade da pessoa humana: criada à imagem e semelhança de Deus. O ser humano é um ser espiritual, dotado de razão e liberdade, chamado à comunhão com o Criador e à realização plena de sua vocação no amor. Para trilhar esse caminho e realizar-se plenamente, não basta apenas conhecer o bem — é preciso desejá-lo e praticá-lo com perseverança. Nesse horizonte, as virtudes ocupam um lugar central: são elas que educam a liberdade, ordenam os afetos e fortalecem a vontade para o bem. Mas, afinal, o que é a virtude? 

A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n. 1803), ela “permite à pessoa não somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si”. Não se confunde, contudo, com automatismos ou condicionamentos externos: a virtude é fruto de uma escolha livre e reiterada de realizar o bem, que vai formando o caráter e configurando a vida moral. Trata-se, assim, do ponto de encontro entre a liberdade humana e a verdade do bem, entre a consciência e a prática concreta da vida. 

As virtudes humanas, também chamadas de morais, são adquiridas pela educação, por atos deliberados e pela repetição perseverante do bem. São disposições interiores estáveis que capacitam o agir reto. A tradição, particularmente em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, destaca quatro virtudes principais — chamadas cardeais — em torno das quais se articulam as demais: prudência, que discerne o bem e os meios para alcançá-lo; justiça, que dá a cada um o que lhe é devido; fortaleza, que sustenta a constância nas dificuldades; e temperança, que modera os prazeres e assegura o domínio de si. 

As virtudes, ao moldarem progressivamente as inclinações da vontade para o bem, desempenham papel essencial na formação da consciência moral. É por meio da prática das virtudes que a pessoa se torna cada vez mais apta a discernir com clareza o que é verdadeiro e bom, superando as ilusões do egoísmo e do subjetivismo. Como ensina São João Paulo II na Veritatis Splendor, a obediência à verdade é o caminho que conduz à santidade e à liberdade autêntica. Por isso, a formação da consciência moral deve estar solidamente ancorada na verdade do bem objetivo, e não sujeita às flutuações das emoções ou opiniões passageiras. 

Diante do relativismo moral que marca a cultura contemporânea, muitos se perguntam se ainda faz sentido falar de virtudes e de valores morais objetivos. A resposta cristã, porém, é clara e afirmativa. A moral das virtudes, longe de ser uma proposta anacrônica, revela-se atual e necessária para a formação de consciências sólidas e responsáveis. Como ressalta Bento XVI na Caritas in Veritate, o amor desvinculado da verdade se reduz a um mero sentimentalismo e perde sua força transformadora. A verdade dá forma à caridade e a impede de ser manipulada por conveniências subjetivas. 

A ética das virtudes, ao contrário do relativismo, oferece uma resposta sólida e profundamente humanizadora: não se limita à obediência a regras externas, mas orienta para uma excelência interior que forma a pessoa, edifica sua liberdade e a conduz ao verdadeiro bem. As virtudes, por isso, não são ornamentos opcionais da vida moral, mas estruturas interiores que sustentam a dignidade e a liberdade humanas. Elas moldam a consciência e orientam a ação, em conformidade com a verdade sobre o bem. 

Nesse horizonte, revalorizar as virtudes é uma tarefa urgente para educadores, formadores e pastores: trata-se de reacender, no coração humano, o desejo do bem e a confiança de que a vida moral é, antes de tudo, um caminho de plenitude — e não uma simples série de restrições. A moral cristã das virtudes, iluminada pela fé e sustentada pela graça, aponta para o ideal da santidade, sem ignorar a condição frágil e histórica da liberdade humana. 

A ética das virtudes, assumida e elevada pela moral cristã, não se reduz a um moralismo rígido, mas propõe um caminho de realização integral. Não é um sistema de proibições, mas uma verdadeira pedagogia da felicidade. Como ensinam as bem-aventuranças, “bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). A moral cristã orienta-se, assim, para essa visão beatífica: uma existência marcada pela verdade, pelo amor e pela liberdade dos filhos de Deus. 

Num mundo ferido pela incerteza moral, pela indiferença e pelo subjetivismo ético, a redescoberta das virtudes se apresenta como um caminho promissor para uma nova humanidade, reconciliada com o bem, com a verdade e com Deus. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

EDITORIAL: Voltar a Niceia, como irmãos

Concílio Ecumênico de Niceia (Vatican News)

A atualidade do primeiro concílio ecumênico no documento da Comissão Teológica Internacional.

Andrea Tornielli

Voltar a Niceia 1700 anos depois, durante o Jubileu de 2025, significa, antes de tudo, reencontrar-se como irmãos com todos os cristãos do mundo: a confissão de fé que brotou do primeiro concílio ecumênico é, de fato, compartilhada não só pelas Igrejas Orientais, pelas Igrejas Ortodoxas e pela Igreja Católica, mas também é comum às comunidades eclesiais nascidas da Reforma. Significa reencontra-se entre irmãos em torno do que é realmente essencial, porque o que nos une é mais forte do que o que nos divide: “Todos juntos, cremos no Deus trinitário, em Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, na salvação em Jesus Cristo, de acordo com as Escrituras lidas na Igreja e sob a ação do Espírito Santo. Juntos, acreditamos na Igreja, no batismo, na ressurreição dos mortos e na vida eterna”. Esse é o ponto central do documento “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador” publicado pela Comissão Teológica Internacional para comemorar Niceia.

Um dos objetivos do primeiro concílio ecumênico era determinar uma data comum para a celebração da Páscoa, uma questão controversa já na Igreja dos primeiros séculos: alguns a celebravam em concomitância com a Pesah judaica no dia 14 do mês de nisan, outros a celebravam no domingo seguinte à Pesah judaica. Niceia foi fundamental para encontrar uma data comum, definindo o domingo após a primeira lua cheia da primavera como a data para a celebração da Páscoa. A situação mudou no século XVI com a reforma do calendário de Gregório XIII: as Igrejas do Ocidente hoje calculam a data de acordo com esse calendário, enquanto as do Oriente continuam a usar o calendário juliano usado por toda a Igreja antes da reforma gregoriana. Mas é significativo e profético que, precisamente no aniversário de Nicéia deste ano, todas as Igrejas cristãs celebrem a Páscoa no mesmo dia, domingo, 20 de abril. É um sinal e uma esperança para se chegar o mais rápido possível a uma data aceita por todos.

Além do aspecto ecumênico, há um segundo aspecto que torna esse retorno a Niceia tão atual. Já na última década do século passado, o então cardeal Joseph Ratzinger apontou como um verdadeiro desafio para o cristianismo o de um “novo arianismo”, ou seja, a crescente dificuldade em reconhecer a divindade de Jesus como professada na fé cristológica da Igreja: ele é considerado um grande homem, um revolucionário, um mestre excepcional, mas não Deus. Há, no entanto, outro risco, que também é enfatizado no novo documento, e é exatamente de refletir e ser oposto, que torna difícil admitir a plena humanidade de Cristo. Jesus pode sentir fadiga, sentimentos de tristeza e abandono, bem como raiva. De fato, o Filho escolheu viver plenamente nossa humanidade. Nele, na humanidade expressa em cada momento, no fato de se deixar “ferir” pela realidade, no fato de se comover com o sofrimento daqueles que encontrava, no fato de dizer sim aos pedidos dos pobres que pediam ajuda, vemos refletido no poder o que significa ser humano e, ao mesmo tempo, vemos refletido o poder de uma divindade que escolheu se rebaixar e se esvaziar para nos fazer companhia e nos salvar.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF