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sábado, 29 de maio de 2021

ECUMENISMO: A dormição da Theotokos

Dormição da Virgem, mosaico da igreja de Cristo Salvador, em Chora,
c. 1320, Museu de Kariye Camii, Istambul, Turquia

A MÃE DE DEUS – A TODA SANTA

A dormição da Theotokos

Aprofundamentos mariológicos sobre vida, morte e ressurreição


de Sua Santidade Bartolomeu I


No aniversário de sessenta anos da proclamação do dogma da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria à glória do Paraíso em corpo e alma (1º de novembro de 1950), pedimos um comentário a Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla.
O texto que ele nos enviou é motivo de gratidão pela fé que juntos professamos e ocasião de pedido ao Senhor de que nos doe a plena comunhão.
Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla,
durante a liturgia da festa da Dormição da Santa Mãe de Deus,
no mosteiro de Sumela, na província turca de Trabzon,
em 15 de agosto de 2010 [© Reuters/Contrasto]
A Igreja Ortodoxa venera intensamente a Mãe de Deus – ou Theotokos (a Mãe de Deus), ou Panaghia (a Toda Santa), como nós preferimos nos referir a ela – exaltando-a não como uma piedosa exceção, mas realmente como um exemplo concreto do modo cristão de entregar-se e responder à vocação a ser discípulo de Cristo. Maria é extraordinária apenas na sua virtude ordinariamente humana, que nós somos chamados a respeitar e imitar como devotos cristãos. Sua morte é comemorada em 15 de agosto, uma das doze Grandes Festas do calendário ortodoxo.
Ao compreender a “sagrada aliança” ou mistério de Maria, do qual “ninguém se pode aproximar com mãos despreparadas”, a teologia ortodoxa mira à Escritura mas, sobretudo, à Tradição, de modo particular à liturgia e à iconografia. Nesse sentido, os cristãos ortodoxos ligam Maria antes de mais nada ao seu papel na divina encarnação, como Mãe de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, enquanto, ao mesmo tempo, a conectam a uma longa série de seres humanos – e não divinos – que remete à continuidade da história sagrada, conduzindo até o nascimento do Filho de Deus, Jesus de Nazaré, há dois mil anos. Isolar Maria dessa estirpe preparatória ou “econômica” separa-a da nossa realidade e a põe em posição marginal em relação à nossa salvação. Maria também precisa da salvação – como todos os seres humanos; ainda que ela tenha sido considerada “sem pecados pessoais”, continua sujeita à servidão do pecado original. Embora ela seja “mais honorável que os Querubins e incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins”, o que vale para nós vale também para Maria. Ainda que tenha sido “bendita entre todas as mulheres”, ela encarna a única coisa necessária entre todos os seres humanos, ou seja, a dedicação à Palavra de Deus e a entrega à Sua vontade.
Assim, quando os cristãos ortodoxos estão dentro da igreja e veem no alto o Pantokrator (“aquele que contém tudo”), ou seja, Cristo, que paira sobre suas cabeças durante o culto, eles se encontram ao mesmo tempo diretamente diante da Platytera (“aquela que é mais espaçosa que tudo”), ou seja, a Mãe de Deus, que está imediatamente diante deles, bem na ampla abside que une o altar ao céu. E isso porque, ao dar à luz o Deus Verbo e “conceber o inconcebível” em seu seio, ela foi capaz de conter o incontível e de tornar descritível aquele que não pode ser circunscrito.
Nós aprendemos com a Sagrada Escritura que quando Nosso Senhor estava pregado na cruz viu sua mãe e seu discípulo João e voltou-se para a Virgem Maria, dizendo: “Mulher, eis o teu filho”, e para João, dizendo: “Eis tua mãe!” (Jo 19, 25-27). A partir daquele momento, o apóstolo e evangelista do Amor acolheu a Theotokos em sua própria casa. Com o acréscimo da referência dos Atos dos Apóstolos (At 2, 14), que confirma que a Virgem Maria estava com os apóstolos do Senhor na festa de Pentecostes, a Tradição da Igreja tem plena certeza de que a Theotokos permaneceu na casa de João em Jerusalém, onde ela continuou seu ministério em palavras e obras.
A tradição iconográfica e litúrgica da Igreja professa também que no momento de sua morte os discípulos se encontravam espalhados pelo mundo a anunciar o Evangelho, mas voltaram a Jerusalém para render homenagem à Theotokos. Com exceção de Tomé, todos os outros – inclusive o apóstolo Paulo – estiveram junto a seu leito. Na hora da sua morte, Jesus Cristo desceu para levar sua alma ao céu. Depois da morte, o corpo da Theotokos foi levado em procissão para ser deposto num túmulo próximo ao Jardim do Getsêmani; quando o apóstolo Tomé chegou, três dias depois, e quis ver seu corpo, o túmulo estava vazio. A assunção corpórea da Theotokos foi confirmada pela mensagem do anjo e pela aparição dela aos apóstolos, coisas que refletem acontecimentos relativos à morte, ao sepultamento e à ressurreição de Cristo.
O ícone e a liturgia da festa da morte e sepultamento de Maria descrevem claramente um serviço fúnebre, sublinhando ao mesmo tempo os ensinamentos fundamentais a respeito da ressurreição do corpo de Maria. A esse respeito, a morte de Maria serve como uma festa que afirma a nossa fé e a nossa esperança na vida eterna. Mais ainda: os cristãos ortodoxos se referem a esse evento festivo como a “Dormição” (Koimisis, ou “o adormecer”) da Theotokos, em vez de sua “Assunção” (ou “traslado” físico) ao céu. Isso porque sublinhar que Maria é humana, que morreu e foi sepultada como os outros seres humanos, nos dá a garantia de que – embora “nem túmulo nem morte poderiam conter a Theotokos, nossa inabalável esperança e sempre vigilante proteção” (do kontakion do dia) – Maria está na realidade muito mais próxima de nós do que pensamos; não nos abandonou. Como frisa o apolytikion para a Festa: “No nascimento, preservaste a tua virgindade; na morte, não abandonaste o mundo, ó Theotokos. Como mãe da vida, partiste para a fonte da vida, libertando as nossas almas da morte por meio das tuas intercessões”.
Para os cristãos ortodoxos, Maria não é apenas aquela que foi “escolhida”. Ela simboliza sobretudo a escolha que cada um de nós é chamado a fazer em resposta à divina iniciativa, mediante a encarnação (ou seja, o nascimento de Cristo em nossos corações) e a transformação (ou seja, a conversão dos nossos corações, do mal para o bem). Como São Simeão, o Novo Teólogo, disse no século X, nós somos todos convidados a nos tornar Christotokoi (geradores de Cristo) e Theotokoi (geradores de Deus).
Por sua intercessão, possamos todos nós nos tornar como Maria, a Theotokos.

(Agradecemos a colaboração de padre John Chryssavgis)

Revista 30Dias, nov/2010

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF