Translate

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Caminho das Missões como fator de integração

Detalhe da Igreja de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

Esse caminho, que se insere no âmbito de um trabalho de resgate histórico, também desempenha um importante papel no aspecto da integração, não só local e regional, mas também sul-americana, visto que o trabalho dos jesuítas e os 30 Povos se espalhava.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Reduções jesuítico-guaranis, uma riqueza histórica que deve não só ser melhor conhecida, mas acima de tudo ser redescoberta por um público mais vasto, visto sua grande importância. E uma das iniciativas que contribui para tal escopo é o "Caminho das Missões", que oferece aos peregrinos – ou caminhantes – a possibilidade de percorrer os contextos histórico-geográficos onde nos séculos XVII e XVIII se concretizou aquela que foi definida por muitos como “triunfo da humanidade” ou “utopia da humanidade”, região também considerada como o berço do cooperativismo.

Esse Caminho, que se insere no âmbito do grande projeto chamado Camino de los jesuítas, e que tem o apoio do BID, também desempenha um importante papel no aspecto da integração, não só local e regional, mas também sul-americana, visto que o trabalho dos jesuítas e os 30 Povos se espalhavam pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. O trajeto internacional  do Caminho das Missões, por exemplo, é de 750 km e é percorrido em 30 dias.

No mesmo sentido, e buscando valorizar esse imenso patrimônio, m setembro de 2020 foi enviado ao Papa Francisco o “Grande Projeto Missões”, acompanhado por um convite para o Pontífice jesuíta visitar a região das Missões, convite este referendado posteriormente pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e mais recentemente pelo governador do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Em 2026, de fato, serão celebrados os 400 anos das Missões no Rio Grande do Sul.

Mas quem volta a conversar conosco sobre essa iniciativa de resgate histórico e turismo religioso é o historiador e escritor santo-angelense, José Roberto de Oliveira*, que recentemente lançou na Feira do Livro de Porto Alegre o livro “Relatório da Guerra Guaranítica (1754-1756), escrito pelos jesuítas”, que oferece uma nova visão – a dos guaranis e dos jesuítas – sobre este importante acontecimento. Em breve, o historiador lançará o livro “M’Bororé, a Batalha”, que foi travada entre 11 e 18 de março de 1641, onde é hoje o município de Porto Vera Cruz, no Rio Grande do Sul.

Após percorrer o Caminho das Missões, grupo de peregrinos faz uma oração
diante da Catedral de Santo Ângelo (Foto: José Roberto de Oliveira)

Retomada das peregrinações

Com o pós-vacina, as pessoas passaram a procurar novas condições de fazer o turismo religioso, a pé as peregrinações. Então, ainda com as fronteiras fechadas, os brasileiros têm procurado, em muito maior volume do que antes, o Caminho das Missões, que é um caminho de peregrinações, ainda nesse momento dentro do Brasil, que são 15 dias de ações, desde São Borja, passando por toda aquela região pampeana, e chegando à Redução de São Nicolau, depois indo até  São Luiz Gonzaga, São Lourenço, Caaraó, que é um lugar extremamente importante para a religiosidade, local da morte de dois dos três Santos da Igreja que morreram nessa região, Roque González e Afonso Rodrigues, depois indo até o Patrimônio Cultural da Humanidade do Sul do Brasil, que é São Miguel, e dali vindo pelo vendo pelo Carajazinho até São João Batista e Santo Ângelo. Então essa caminhada é uma caminhada em torno de 15 dias, completa praticamente 320 km e é um aprofundamento de toda essa questão religiosa, espiritual, as pessoas que cruzam por toda essa caminhada dizem muito de sentir coisas, é um algo muito arrepiante, as experiências milenares dos Guaranis - mais lá embaixo, lá perto de São Borja também Charruas - e que vem nesse construto de contar a história, essa multi-centenária. Agora, em 2026, estaremos completando os 400 anos das Missões do Rio Grande do Sul, a partir da presença dos jesuítas aqui no território. Então o Caminho das Missões aqui nesse tramo brasileiro, então nesses 15 dias de ações, tem sido muito procurado.

Agora, nos próximos dias estarão abrindo as fronteiras do Brasil com Argentina e da Argentina com Paraguai, e daí já com muitos e muitos pedidos o Caminho internacional das Missões, que vem dentro desse grande projeto agora chamado o Caminho de Los jesuítas, que é um caminho de integração de cinco países, mas que tem no Caminho das Missões essa integração importante dos 30 Povos, que pega então os povos desde a primeira Redução Jesuítica que é San Ignácio Guazú, que é de 1609, daí vem por aquele conjunto das Reduções, das 8 Reduções no Paraguai, daí o conjunto depois passa para a Argentina, partir de Corpos, e daí todo o conjunto dos Patrimônios Mundiais que estão ali na Argentina e na entrada no Brasil, San Javier, Porto Xavier, e daí vindo até Santo Ângelo, que é o local onde todos os tramos chegam. Aqui aquelas pessoas também, que não querem fazer caminhas tão largas - então tem aquele que a gente falou primeiro, de 15 dias no lado brasileiro, e também oito dias ou quatro dias, que também tem sido muito procurado pessoas que não caminham tanto, e que caminham de São Miguel das Missões que é o Patrimônio Mundial, sempre todas chegando em Santo Ângelo, que é o San Ángel Custodio, que é o Santo Anjo da Guarda, que é um momento muito especial, aonde as pessoas fazem o encontro com o seu Anjo da Guarda. Aqui é o lugar aonde toda essa espiritualidade relacionada ao nosso Anjo da Guarda está tão presente, então o sentimento, as coisas que as pessoas vivem e vivenciam mesmo nessa chegada é algo extraordinário, dito por todos que caminham. Ali é como se você fizesse um encontro com o teu Anjo da Guarda, esse ser que cuida de nós desde antes do nosso nascimento e que muitas vezes nós fechamos os olhos para eles e que na religiosidade se tem símbolo da presença de Deus junto de nós muito importante.

Então Santo Ângelo é esse local que todos tramos esses, desde o tramo internacional, ou o brasileiro de 15, 8, 4 dias é o lugar onde as pessoas fazem esse grande encontro. Então o Caminho das Missões é isso e tem sido muito procurado no pós-vacina, exatamente porque são lugares abertos, livres, nas antigas estradas estabelecidas pelos jesuítas e Guaranis, então o lugar onde as pessoas podem conhecer, digamos, esse mundo gaúcho, a formação cultural dessa grande região e obviamente vivenciar a religiosidade, e o turismo religioso está crescendo muito nesse pós-vacina. É muito importante que também do ponto de vista do turismo, as chegadas aeroportuárias, mesmo a chegada por ônibus, os que chegam de Porto Alegre, de São Paulo, tem aumentado muito o número de turistas, o que sempre é uma alegria para nós mostrar essa história da formação da América Latina, mas também importante para a geração de emprego e renda, que o turismo religioso, permite através desse grande plano, desse grande projeto, chamado Missões Jesuítico-Guaranis na nossa América próxima aqui.

Pausa para descanso de grupo das pessoas que fazem essa caminhada.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

O que mais chama atenção das pessoas que fazem essa caminhada?

Cada lugar, por exemplo, vamos pegar lá, São Borja, é a primeira Redução deste segundo ciclo missioneiro, sempre lembrando aquele primeiro ciclo missioneiro de 3 de maio de 1626 até 1638, nós tivemos 18 Reduções no Rio Grande do Sul e que foram atacadas pelos Bandeirantes. Então os Sete Povos vêm muito depois, em 1682 e vai até 1788. Em cada um desses lugares é como se tivesse uma espiritualidade diferente, as pessoas contam coisas diferentes, que elas sentem em cada um dos lugares. Por exemplo, São Borja. Então São Borja é uma cidade que não teve destruição, ela permaneceu viva e o conjunto dos museus, o conjunto dos lugares que as pessoas visitam, inclusive antes de começar a caminhada, ali tem, digamos, todo um jeito de ver essa história, através dos bens vivos, materiais, esculturas, locais importantes que estão ali localizados. Então ali tem uma espécie de sentimento, que é o sentimento do início da caminhada. Depois pelo conjunto da Pampa, que vem ali através de Garruchos, ao lado do Rio Uruguai, com todas essas questões das divisas do Brasil com Argentina, como se constrói isso, então tudo isso é contado, se vive este mundo também da pecuária, especialmente daquela região, que é uma região ainda muito pecuária. Então as pessoas que elas dormem em fazendas, almoçam e jantam nessas fazendas, então é um verdadeiro mergulho nesse mundo, digamos, da criação do gado, dessa cultura gaúcha da América Latina. Então são outros sentimentos que se vive naqueles lugares, naquelas áreas fronteiriças do Rio Uruguai e dos outros rios maiores que compõem o Rio Uruguai. Depois vem São Nicolau, que é aquele mesmo lugar lá de 1626 e que ali tem muito escrito, todo processo histórico e cultural é muito profundo o que tem nesses lugares, a primeira presença de um arquiteto na América, todo esse processo da construção, ali você entende bem o que é esse primeiro contato dos jesuítas com um povo que vivia no Neolítico. Então imagina dois jesuítas chegando, como conectar - o filme “A Missão”, você lembra - como era isso naquele primeiro contato de um mundo europeu, chegando para falar com um mundo do Neolítico....só de falar nisso, eu fico todo arrepiado aqui! Então tem algo importante atrás disso também para conceber as relações humanísticas dessas milenaridades e dessas presenças da Igreja na América, nesses lugares todos.

Bom, depois de São Nicolau, daí vem pelos interiores até São Luiz Gonzaga, que é um importante local reducional, então ali a cidade se pôs em cima, então inclusive agora domingo eu estava com os turistas lá, então ali tem todo um conjunto importante de museu, de arqueologia, de imaginária dentro da igreja, exatamente no mesmo local onde era a Redução e depois, vindo a São Lourenço, que é um lugar extraordinário, ainda com a presença inclusive das ovelhas lá que estão sendo criadas, as velhas ovelhas missioneiras que estão sendo criadas pela Embrapa, dentro do processo reducional, ali dentro da área. Ali é o local onde estava o padre Henis, que é quem escreve o relatório de guerra – é o livro que eu lancei agora na Feira do Livro - ali também é um lugar muito especial, onde as pessoas se arrepiam, onde há todo um conjunto energético extremamente interessante de ser vivenciado. Bom, e dali se vai ao Caaró, que é o local da morte de dois Santos da Igreja Católica, que é Roque González e Afonso Rodrigues - e João de Castilhos um pouquinho mais adiante – daí no tramo internacional a gente passa lá por Assunção de Ijuí, que é onde morreu o João de Castilhos, então esse processo todo – aí é um lugar de milagres, de cura de câncer, de outras doenças, aonde vem, além da peregrinação, vem gente diariamente de vários lugares do mundo, buscar a água que é considerada santa, curadora, então ali é um lugar de muita percepção energética, tem algo muito importante naquele lugar de espiritualidade. E desse ponto se vai a São Miguel, que é o Patrimônio Mundial, e que possivelmente seja dos lugares de importância mundial. São Miguel é o Patrimônio Cultural da Humanidade, o único do Rio de Janeiro para baixo, no Brasil, então ali é um lugar muito importante e também, ali eu te diria, que 90% das pessoas que vão a São Miguel dizem isso: “Este é um lugar para sentir coisas”, tanto no turismo de peregrinação como no turismo rodoviário.

Saindo dali se vai a São João Batista que é um lugar magnífico, Antônio Sepp von Rechegg, que na verdade era um príncipe, o Antônio Sepp ele é filho do rei de Kaltern – hoje é Itália, mas naquele tempo era sul da Áustria, naquele Condado -. Então ali a primeira fundição de aço da América, o lugar onde se criou a harpa paraguaia, nunca esquecendo essa macrorregião toda, era a Província jesuítica do Paraguai, famosa nos escritos europeus, pelos grandes filósofos, Voltaire, Montesquieu, Muratori, que é o principal filósofo italiano dos 1.700, ele escreveu “O cristianismo dos jesuítas na América”, que é um livro magnífico, o sonho do cristianismo, digamos, feliz, onde todos viviam de forma integrada, unida, cooperada – o início do cooperativismo no mundo, nesse processo todo escrito por muitos escritores – então São João é isso. E depois daí, vindo pelos interiores, até Santo Ângelo, que é aqui a capital das Missões, como é chamada, e que é o local, digamos, desse grande encontro, e aonde de fato as pessoas fazem seu grande encontro espiritual, é o momento de você prosear, diríamos nós aqui, com o teu Anjo da Guarda, onde você faz aquele encontro extremamente interessante. Então tudo isso, tudo isso, é vivenciar, digamos, esse conjunto das experiências e que tem trazido tanta gente para região, especialmente para isso, para mais do que ver coisas, sentir coisas, da espiritualidade aqui nas Missões.

Descendentes de guaranis ao longo do Caminho das Missões.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

Integração regional e sul-americana

Com esses trabalhos todos que vem sendo feitos desde 93, eu venho trabalhando isso já há muito tempo, nessa interação. Em 94 nós fizemos o primeiro convênio do Mercosul na área do Turismo, aonde integramos os 30 Povos - Brasil, Argentina e Paraguai. Depois, muito trabalho de integração, lançamento de produtos integrados na Europa – eu lembro bem que 98 a gente foi a Londres fazer o primeiro lançamento no WTM, que é o principal evento de turismo do mundo - então esse processo todo de integração veio em 2012, nós criamos a Nação Missioneira, que é a integração dos Povos do Brasil, Argentina e Paraguai, ligados a essa questão missioneira, e agora com todos esses trabalhos de integração, o BID  - de um trabalho também já de seis anos que a gente vem integrando – se interessou em fazer uma grande promoção mundial disso tudo e daí integrou cinco países. Esses dos 30 Povos – Brasil, Argentina e Paraguai -, mas também Uruguai, que também tem coisas missioneiros do Rio Negro para cima e a Bolívia, quem tem todo aquele trabalho lá da Tiquitania, que também é muito importante.

Então dentro desse grande conjunto que é o financiamento do BID, então agora com um modelo de promoção internacional muito interessante. Eles têm, e os escritórios que estão cuidando disso estão na Espanha, estão aí na Europa, e fazendo um trabalho muito grande de promoção, utilizando as redes sociais, todas elas, e divulgando isso para o mundo. Eu particularmente estou muito contente, a quantidade de gente comentando nos posts que eles têm feito, tanto Facebook, como Instagram, algo inimaginável o movimento que está dando esse processo todo. Então é muito importante com relação aos povos nossos, especialmente lindeiros, aqui uma integração muito importante, o mundo empresarial, de hotelaria, gastronomia, agências, também trabalhando de forma integrada, recebendo as pessoas. Então é um momento muito especial. Eu vejo assim, por exemplo, as próprias reportagens que nós fizemos anteriormente, as pessoas dizendo que ouviram as matérias aí na Rádio Vaticano. Então tudo isto é muito importante o que está acontecendo, e muitas vezes a gente nem imagina o que acontece. Por exemplo, eu recebi ligações por causa das nossas matérias, de vários países do mundo de gente que escutou você e que diz “olha, eu escutei, que beleza, que coisa boa”. Então a gente às vezes faz algo, nem imagina a reverberação que isso pode causar e que é verdade que essas coisas é que colaboram, digamos, para o desiderato de grandes coisas que a gente às vezes nem imagina.

Caminhantes em frente à Igreja de São Miguel Arcanjo.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

A Guerra Guaranítica sob a ótica dos jesuítas e dos Guaranis

Faz parte da história das Missões a Guerra Guaranítica, que foi tema de um livro que lançaste recentemente na Feira do Livro de Porto Alegre. O que foi essa Guerra Guaranítica, quem envolveu, quais os interesses envolvidos e a motivação...

O Tratado de Madri, que é o Tratado de 1750 entre Espanha e Portugal, ele entregava as terras do lado aonde depois ficou Brasil, que é os Sete Povos das Missões, mais as Estâncias jesuíticas, entregava ela para Portugal e a Colônia de Sacramento, lá na Barra do Rio Uruguai, lá no Rio La Plata, essa que era portuguesa, iria para a Espanha. Então esse é o Tratado. Os índios obviamente não aceitam - porque estavam aqui milenarmente, viviam os tupis-guaranis mais de 1500 anos neste território - não aceitam e ocorre a Guerra Guaranítica, os índios contrapõe, aparece essa figura do Sepé Tiaraju como líder desse processo todo, que é um capitão e corregedor da Redução Jesuítica de São Miguel Arcanjo e que lidera esse processo todo. Então nesse momento, alguns jesuítas ficam com os guaranis, ainda segue isso, e o padre Henis, Tadei Javier Renis, relata em nome dos jesuítas esse processo. Então nós não tínhamos esse relato, não sabíamos desse relato aqui do lado brasileiro, e eu encontrei ele em Madrid e com isso eu passei um relato que originalmente era em latim, passei ele para português e comentei o relatório nos principais elementos, digamos, de confronto às vezes até de ideias. E esse conjunto então se transformou em um livro, que é o “Relatório da Guerra Guaranítica 1754-1756, escrito pelos jesuítas”, assim que eu chamei ele, e que foi lançado então na Feira do Livro em Porto Alegre, que foi muito interessante, reverberou muito e que conta então toda essa saga, toda essa luta, obviamente a morte de Sepé Tiaraju, a grande batalha de Caiboaté, que é 7 de fevereiro de 1756 com a morte do Sepé e três dias depois a morte de 1500 dos principais guerreiros daquele período, em um ato praticamente de traição, aonde tinha acertado com os dois exércitos de Portugal e de Espanha que não sairia luta naquele dia, que os índios iam buscar os padres e quando os Guaranis soltaram os cavalos e as armas, foram atacados aí pelos dois exércitos e em 1 hora e 15 minutos morreram 1500 dos principais caciques e guerreiros. Então conta aquilo micro metricamente, o relatório de guerra conta isso e esse, digamos, é o livro que foi lançado na Feira do Livro e que é super importante, porque se conta, digamos, uma nova visão. Dentro do Brasil, até então, somente tinha sido exposto as ideias dos dois relatórios portugueses e do relatório do Grael, que é um relatório espanhol. Então agora aparece um quarto relatório, que é a visão dos guaranis e dos jesuítas no relatório do Henis e é esse o livro que foi lançado.

Poder-se-ia dizer que essa Guerra Guaranítica colocou um fim definitivo naquela que era considerada como a grande utopia?

Eu diria que não! Esse é um equívoco nosso muito grande, porque as hegemonias históricas, quiseram dizer isso, mas não é verdade. Em 1756, no final do ano, eles foram expulsos no outro lado do rio Uruguai e lá ficaram de 56 até 1761. Ou seja, aqueles cinco anos. E o rei de Espanha faz um destrato do Tratado Madri – Destrato del Pardo - e esse destrato dizia que os jesuítas poderiam voltar para o lado da onde depois ficou o Rio Grande do Sul, que é aqui o lado brasileiro, e eles voltam e reiniciam todo o processo de organização, da criação do gado, das orquestras, das fundições, das 50 indústrias que tinha cada uma das Reduções, tudo isso recomeça (em 61). Porém, em 67, o rei decreta a expulsão dos jesuítas (67), e que esse documento só chega efetivamente em 68. Em 1768 os padres foram levados presos a Buenos Aires e os índios, então, ficam nos lugares onde eram as Reduções. Veja, que índios são esses?

Eu tenho dito que eu já não chamaria eles mais de índios. Por quê? Eram gente que tinha 130, 140 anos de cristãos. As pessoas ainda criam uma ideia de uns índios de tanguinha, uma visão amazônica, vamos dizer assim, do que é indígena. E na verdade, aquela gente que vivia nesses nossos locais de Redução, eram pessoas que já viviam desde 1632, antes um pouquinho, um pouquinho depois, eram famílias e estavam reduzidas. Então esses guaranis lá daquele período, já tinham muitos, muitos anos de cristãos, e ninguém mais voltou a ser índio de mato. Por exemplo, aquele que tocava órgão, aquele que tocava violoncelo, ou violino, ou aquele que era o fundidor de sinos, imagina que essa pessoa ia voltar a ser índio de mato, jamais! Aquele que era um especialista, por exemplo, em pecuária, criação de gado, o que ele foi fazer? Ele foi daí, a partir de 1768, aos pouquinhos ainda, ficou naquela área reducional, mas depois foi trabalhar nas estâncias dos primeiros portugueses ou dos espanhóis ali do outro lado do rio, onde é Argentina hoje, Missiones e Corrientes, ou mesmo descendo a Buenos Aires, onde foi a Asunción, dependendo do que ele fazia, então é preciso romper com essa ideia de que os índios morreram todos. Isso número 1. E número 2 de que eram indígenas desse modelo amazônico, que a gente pensa. Não! Essa gente já estava no estágio de cristão de muitos, muitos anos, as famílias já estavam 130 anos cristãs, e por isso é preciso a gente renovar essas nossas ideias, e eu tenho dito isso nos últimos dias agora com mais veemência, porque o relatório de guerra ele mostra muito claramente isso, o nível daqueles guaranis já era um nível extraordinário, todo mundo usava roupa de algodão no verão e de lã no inverno, e eram invernos frios aqui. Por exemplo, tem uma cena no relatório em que o Sepé Tiarajú, saindo a campo e aquele dia neva, cai neve naquele dia. Então imagina, por exemplo, que alguém, num dia de neve, ia andar com pouca roupa ou quase sem roupa pelos campos sulinos. Obviamente que não. Então tudo isso mostra que havia tecnologias - as melhores europeias daquele período aqui nas Reduções - e aquela gente toda estava muito qualificada do ponto de vista da mão de obra, da leitura, da matemática, e de todas as ciências que os jesuítas ensinavam aos Guaranis. Então é preciso que a gente comece a falar das realidades, digamos, lá em 1750-60, 68 que é o ano da expulsão dos jesuítas e quem foram prá Prússia e prá Praga na Europa aquele expulsos daqui, e que também aí começaram a contar sobre os modelos que se usava nas Missões, que eram modelos comunais de como se vivia, de como se faziam as coisas e que foi chamado de o cristianismo feliz dos jesuítas na América, o melhor que o cristianismo tinha produzido no mundo por muitos escritores naquele período, foi dito isso.

Ao final da caminhada, peregrinos chegam à Catedral de Santo Ângelo.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

A Batalha de M'Bororé

Além do tema da Guerra Guaranítica, José Roberto também antecipou o lançamento de um livro sobre outra batalha travada naquele período......

No dia 10 de dezembro agora, nós estaremos lançando o novo livro chamado “M’Bororé. A Batalha”. Essa Batalha de M’Bororé é uma batalha que aconteceu em 1641, no Rio Uruguai -exatamente aqui na divisa do Brasil com a Argentina – um pouquinho para baixo de Porto Mauá e um pouquinho para cima de Porto Xavier, digamos o principal da batalha, aonde hoje é Porto Vera Cruz do lado brasileiro e Panambi do lado Argentino. Ali então se embateram 11 mil pessoas, num tempo, lá em 1641, que Buenos Aires - entre homens mulheres e crianças - tinha três mil pessoas, só para tu teres ideia do tamanho dessa batalha para aquele período, então foi algo realmente muito importante. Os Bandeirantes já vinham atacando muito poderosamente as Missões desde 1628 e eles tinham levado muitos milhares e milhares e milhares de Guaranis como escravos para São Paulo e Rio de Janeiro, para venda deles no mercado escravo desses locais. 

E então o que ocorre? Em 1639, há uma primeira batalha que os guaranis conseguem refrear essas ações, e em 1640 então os bandeirantes organizam uma grande Bandeira, com 6800 pessoas, entre, digamos, caboclos ali da região São Paulo, gente de Portugal, e de outras nações, que viviam por ali, e fazem um grande ataque e os guaranis conseguiram se organizar com os jesuítas, trazendo alguns jesuítas que eram militares aí da Europa e que trouxeram eles para treinar aquela gente para fazer guerra, que eles não sabiam dessas coisas, então esse cenário todo do treinamento, de um ano de treinamento, do ataque que aconteceu em 1641, e da verdadeira primeira e única grande vitória dos guaranis frente a essas forças exógenas, aonde lá em 1641, foram dois grandes ataques e aonde as forças Bandeirantes foram praticamente destruídas. 

Então esse processo todo, ele é contado nesse livro, que é um livro desenhado, é um livro capa dura, é um livro importante, e que mostra exatamente todo esse cenário. Eu estou mostrando no livro desde o povo do Paleolítico, passando muito rapidamente pelo Neolítico, e mostrando toda aquela primeira fase das 18 Reduções do lado de cá, que foram praticamente desconhecidas da nossa gente, pouquíssimas pessoas sabem sobre a primeira fase que é aquela dos 18 Povos aqui onde é o Rio Grande do Sul hoje. Então vou estar contando isso e todo o cenário da guerra, o desenhista que é o Cleiton Cardoso, ele conseguiu abstrair bem essa ideia do que era a guerra, e a gente foi debatendo cada quadro, cada cena, cada diálogo. E esse livro então, nós estaremos lançando no dia 10 lá no local da batalha, do lado brasileiro, então lá em Porto Vera Cruz, aonde a gente quer trazer também a comunidade da Igreja aqui da nossa região, aonde a gente vai estar contando essa história através desse novo livro que é “M’Bororé, a Batalha”, aonde a gente vai estar mostrando então essa história do nosso passado.

Um convite para visitar as Missões

Nas considerações finais, José Roberto, faz um convite...

Então, agradecer e convidar a sociedade brasileira e internacional que te escuta, que venha às Missões, venha ver isso que foi chamado de “triunfo da humanidade” pelos grandes escritores do mundo, primeiro estado industrial da América lá por Montesquieu, Voltaire que chamou de “triunfo da humanidade”, Muratori esse filósofo italiano lá dos 1700, que disse que o melhor do cristianismo no mundo aconteceu aqui, então é importante que as pessoas saibam da grandiosidade, da herança magnífica que nós temos aqui para mostrar para todo mundo. Então convidamos que venham para cá, e você nas férias volte para cá também. Obrigado!

Peregrinos recebendo certificado de caminhada realizada.
(Foto: José Roberto de Oliveira)

Um guia sobre os municípios que fazem parte do Caminho das Missões: https://bit.ly/3l79dac

*José Roberto de Oliveira é de Santo Ângelo (RS), engenheiro de formação, na área da Topografia e Cartografia; foi por longo tempo docente na URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões); diretor de desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Sul; um dos fundadores do Ministério do Turismo; criador em 2012, junto com os jesuítas, mais argentinos e paraguaios, da “Nação Missioneira”; foi criador do Circuito Internacional Missões Jesuíticas e representante brasileiro no Mercosul, também em função de seu envolvimento no tema das Missões.

Fonte: https://www.vaticannews.va/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF