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quinta-feira, 8 de julho de 2021

A doutrina católica sobre o sacerdócio ministerial, antes, durante e depois do Concílio Vaticano II (Parte 3/5)

Presbíteros
Padre Mauro Gagliardi – Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, Roma

2.2 O decreto conciliar sobre o ministério e a vida dos presbíteros

O Decreto Presbyterorum Ordinis, promulgado em 7 de dezembro de 1965, se insere conscientemente na interrupta tradição magisterial e teológica da Igreja Católica[23]. A finalidade do documento é declarada no nº 1: o texto é publicado “com o intuito de sustentar-lhes com mais eficácia o ministério e de prover-lhes melhor a vida nos ambientes pastorais e humanos tantas vezes inteiramente mudados” (AAS 58 [1966], p. 991). Todo o decreto, portanto, deve ser logo relacionado com as afirmações finais de LG 28, que sublinhava o hodie: as atuais condições da sociedade, que impelem a Igreja a reconsiderar, mais que a doutrina teológica sobre o sacerdócio ordenado, as escolhas concretas, organizacionais e práticas que dizem respeito à vida dos presbíteros, de modo a pô-los em condições de desenvolver adequadamente seu ministério de sempre nas mudadas condições do mundo atual[24]. Também aqui se revela, por conseguinte, a índole eminentemente pastoral que o Vaticano II quis assumir e que todo intérprete do Concílio deve respeitar, se quiser ser fiel a seu espírito e a seus textos.

Naturalmente, mesmo se dedicando sobretudo a aspectos concretos, o PO expõe de modo compendioso também a doutrina sobre o presbiterato, em perfeita continuidade com a bimilenar tradição da Igreja; a partir desta, evidencia alguns aspectos que podem constituir uma base sólida para pôr em prática o estilo presbiteral que o Vaticano II quis apontar como possível contribuição à situação dos tempos difíceis em que vivemos. Dados os limites deste estudo, não podemos fazer uma análise detalhada do PO, tendo de nos limitar a indicar seus temas principais no que diz respeito à doutrina sobre o sacerdócio católico.

O presbítero é considerado servidor de Cristo e dos irmãos[25]. O presbiterato é entendido, portanto, cristocêntrica e eclesiologicamente. O sacerdócio, de fato, é descrito como participação do ministério de Cristo (nos 1 e 13). Por nada menos que três vezes, o Decreto retoma da tradição teológica e magisterial a expressão técnica ou a doutrina do in persona Christi (nos 2; 12; 13)[26]. Também no que diz respeito à essência do sacerdócio ordenado, o Decreto se insere na linha da tradição, identificando essa essência com o poder de oferecer o sacrifício e de perdoar os pecados (nº 2). Essa verdade é exposta pelo PO de acordo com a eclesiologia da LG, evidenciando também a importância do sacerdócio comum dos fiéis e recordando que os poderes próprios e exclusivos dos sacerdotes ministros estão a serviço da Igreja, ou seja, da conjunção dos fiéis num só corpo. A exposição da doutrina segundo aquilo que depois foi definido “eclesiologia de comunhão”[27] representa uma confirmação da doutrina de sempre feita de um modo novo, considerado mais adequado aos tempos atuais. Há, portanto, continuidade e novidade. No que diz respeito, ainda, ao tema da essência do sacerdócio ministerial cristão como ofício de oferecer o sacrifício eucarístico, essa doutrina é repetida também no nº 14, mais uma vez chamando a atenção para a situação atual e mencionando uma categoria que depois se iria consagrar, a de “caridade pastoral”[28]. Escreve, portanto, PO 14: “A caridade pastoral vem antes de mais nada do sacrifício eucarístico, que por isso se apresenta como centro e raiz de toda a vida do presbítero, de sorte que a alma sacerdotal se esforçará por interiorizar o que na ara sacrifical se passa” (AAS 58 [1966], p. 1013).

O Decreto retoma também a doutrina da clara distinção entre o sacerdócio comum e o ministerial, que é recebido com o sacramento da Ordem Sacra: “O sacerdócio dos presbíteros, supondo embora os sacramentos da iniciação cristã, é conferido por aquele sacramento peculiar mediante o qual os presbíteros, pela unção do Espírito Santo, são assinalados com um caráter especial e assim configurados com Cristo Sacerdote, de forma a poderem agir na pessoa de Cristo Cabeça” (PO 2: AAS 58 [1966], p. 992). Por esse motivo, os presbíteros possuem uma especial autoridade sacerdotal, que os fiéis não ordenados não possuem (nos 2; 6; 9). Isso não significa, porém, que eles estejam autorizados a agir de maneira despótica no meio do povo de Deus. O Decreto, aliás, entre as várias virtudes próprias do presbítero, enumera a gentileza (nº 3) e a insigne humanidade (nº 6), embora isso não signifique diminuir a firmeza de caráter e a assídua solicitude pela justiça (nº 3), nem tratar os homens com base em seus gostos (nº 6)[29].

Diversas consequências derivam da já recordada doutrina da distinção essencial entre o sacerdócio comum dos fiéis e o ministerial dos presbíteros. Podemos indicar cinco consequências principais:

1) Em primeiro lugar, o Concílio afirma a excelência, a necessidade e a indefectibilidade do sacerdócio ministerial (nº 11).

2) Em segundo lugar, os presbíteros são reconhecidos como detentores das faculdades, ou dos ministérios, que derivam de seu status e que os põem em estreita conexão com os bispos, a saber, os tria munera[30]. Essas funções são reconhecidas como tarefa também dos presbíteros, embora não sejam realizadas com a plenitude que pertence apenas aos bispos. Já observamos que o mais importante dos munera é o munus sanctificandi, de modo particular a celebração da Missa, que assinala a raiz mais profunda do sacerdócio dos presbíteros. O PO fala do ministério sacramental dos sacerdotes em diversas passagens e de modo particular nos nos 2, 5 e 13. No nº 13 é frisado, ainda, que no mistério do sacrifício eucarístico “os sacerdotes cumprem sua função principal” (AAS 58 [1966], p. 1011). O Decreto dá também amplo espaço ao importante munus docendi, o ministério da pregação em seus diversos níveis. Sabemos que os presbíteros não possuem esse múnus com perfeição: eles não possuem a autoridade – própria dos bispos – de definir a doutrina. Todavia, o munus docendi do presbítero, embora não seja caracterizado pela potestas determinandi, possui – sempre em união e submissão ao colégio episcopal guiado pelo Papa – a potestas praedicandi. Os presbíteros receberam a autoridade para ensinar a doutrina da Igreja nas formas ordinárias da homilética, da catequese, da instrução, e em todas as outras formas conhecidas na práxis eclesial. O PO dedica ao ministério da Palavra de Deus em particular os nos 2, 4 e 13. O Decreto explica que a pregação do Evangelho de Cristo é feita tanto mediante palavras, atendo-se à sã doutrina, quanto pelo testemunho de vida. Enfim, sobre o munus regendi, podemos ver em particular o nº 6.

3) Desses elementos, os Padres conciliares extraem também o ensinamento sobre as finalidades do presbiterato, o que é a terceira consequência da clara afirmação de sua sacramentalidade. No decreto em análise, aparecem em particular duas finalidades. Os presbíteros são ordenados em primeiro lugar para a glória de Deus Pai em Cristo (nº 2) e para servir a Cristo, Mestre, Sacerdote e Rei (nº 1). Em segundo lugar, são escolhidos para edificar a Igreja, ou seja, para congregá-la e conduzi-la ao Pai por meio de Cristo no Espírito Santo (nos 1, 6 e 8). Portanto, o presbiterato tem por finalidade a santificação dos homens (nº 2), que é impossível sem a conversão (nos 4, 5 e 6). Trabalhando para promovê-la, os presbíteros se mostrarão ministros daquele Evangelho que, desde seu início, foi pregado pelo próprio Senhor como convite à conversão, ou seja, à mudança de vida no que diz respeito aos costumes desordenados (cf. Mc 1,15).

4) Uma quarta consequência que vem da evidenciação do caráter sacramental do presbiterato consiste no ensinamento oferecido pelo PO sobre a fraternidade sacramental dos presbíteros, baseada no sacramento por eles recebido. Diz o nº 8: “Os presbíteros, estabelecidos na Ordem do presbiterato pela ordenação, estão ligados entre si por uma íntima fraternidade sacramental; de modo especial, porém, formam um só presbitério na diocese para cujo serviço estão escalados sob a direção do bispo próprio” (AAS 58 [1966], p. 1003). Essa fraternidade é “íntima” porque baseada na ordenação sacramental, mas se manifesta depois também do ponto de vista funcional, com a colaboração e a ajuda recíproca entre os presbíteros, em particular aqueles que formam o presbitério de uma Igreja local. Essa comunhão sacerdotal não se restringe ao âmbito diocesano: os presbíteros estão unidos em fraternidade sacramental de modo ontológico e não apenas jurídico. O Concílio, portanto, lembra que “o dom espiritual que os presbíteros receberam na ordenação prepara-os não para uma missão por assim dizer limitada e restrita, mas para a missão amplíssima e universal da salvação […]. Pois todo e qualquer ministério sacerdotal participa da mesma amplitude universal da missão confiada por Cristo aos apóstolos” (PO 10: AAS 58 [1996], p. 1008). Esse ensinamento é muito importante e se coordena com o precedente: o presbítero (em particular o presbítero diocesano) vive e atua arraigado numa Igreja particular – que de qualquer forma não teria sentido separada da Igreja universal – e ligado a seu bispo e a seu presbitério, mas isso não implica de modo algum uma visão restrita ou até localista do ministério presbiteral. O PO, ao contrário, ensina em vários pontos que os presbíteros devem cultivar um olhar universal (ver em particular os nos 6, 10, 14 e 17).

O Decreto toca de novo o tema da fraternidade sacramental e operacional nos nos 12, 15 e 22. Esse tema é de grande importância e foi amplamente estudado depois do Concílio. Influi certamente também sobre o que o PO diz a respeito da relação entre os presbíteros e os bispos (nos 5, 7, 12 e 15); entre os presbíteros e a Igreja (nos 3, 9 e 14); e entre os presbíteros e o mundo (nos 3, 9 e 17): são todos aspectos muito interessantes, que aqui não é possível examinar de modo adequado.

5) Uma quinta e última consequência, que deriva da evidenciação do caráter sacramental do presbiterato, diz respeito à vida espiritual dos presbíteros, que deve tender à perfeição da santidade. Há muitas referências, mas o parágrafo mais importante é o nº 12. Nele é dito que os sacerdotes, já em virtude da graça do Batismo, têm a obrigação de tender à santidade, como todos os outros fiéis. “Os sacerdotes, porém, se veem obrigados por um título especial a atingir tal perfeição, pelo fato de eles, consagrados a Deus de modo novo pela recepção da Ordem, se transformarem em instrumentos vivos de Cristo Eterno Sacerdote, a fim de poderem ao longo dos tempos completar a obra admirável d’Ele, que reintegrou com a eficiência do alto toda a sociedade dos homens” (AAS 58 [1996], pp. 1009-1010). Trata-se de uma aplicação das palavras do Evangelho: “A quem muito se deu muito será pedido” (Lc 12,48). De outro lado, o Concílio recorda que, na atribuição feita ao presbítero, há também a graça de estado sacerdotal, “para que, no serviço dos homens a ele confiados e do povo de Deus todo, possa tender mais adequadamente à perfeição d’Aquele [Cristo] a quem representa [partes sustinet]” (AAS 58 [1966], p. 1010).

Confirma-se mais uma vez, assim, a doutrina da maior excelência do estado sacerdotal, que o PO já retomara da tradição magisterial e teológica: uma excelência que infelizmente não se verifica de facto em todos os casos individuais, mas que é de per si consistente, porque baseada na diferença “em essência e não apenas em grau”[31] que existe entre o sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial. O nº 12 do PO explica que os ministros realizam sua vocação não apenas guardando o rebanho, ou seja, no exercício do múnus pastoral, mas também cultivando a santidade pessoal. Diz que os presbíteros “mortificam em si mesmos as obras da carne e se dedicam totalmente ao serviço dos homens, e assim podem avançar na santidade pela qual foram enriquecidos em Cristo, até chegarem ao homem perfeito” (ibid.). Não basta, portanto, para a santidade do presbítero, o exercício da caridade pastoral; esta deve conjugar-se com a conformação a Cristo, com a contínua conversão a Ele, que passa também pela mortificação em si mesmos das obras da carne. Essa busca da santidade é de grande importância: “Embora a graça possa levar a termo a obra da salvação também por ministros indignos, no entanto prefere Deus, ordinariamente, manifestar as suas maravilhas mediante aqueles que se fizeram mais dóceis ao impulso e à direção do Espírito Santo, pela íntima união com Cristo e santidade de vida, e que podem dizer com o Apóstolo: ‘E, se vivo, já não sou eu, mas é Cristo que vive em mim’” (ibid.).

Esse autodespojamento dos presbíteros – pelo qual já não atua neles principalmente o seu eu, mas, sim, o de Cristo, cuja Pessoa eles trazem em si mesmos – verifica-se na atitude de não agir, na vida presbiteral, segundo o próprio gosto ou as próprias inclinações, ou, pior ainda, em proveito próprio, mas fazendo de modo que, mediante o próprio ministério, apareçam e ajam cada vez mais Cristo e a Igreja. A esses aspectos o Decreto dedica diversas referências, entre as quais podemos assinalar os nos 4, 6, 9, 13 e 15.

Somos obrigados a renunciar, aqui, a apresentar muitos outros aspectos presentes no PO, em particular as indicações práticas. Para concluir, chamamos a observar que o Decreto não se afasta em nada da doutrina eclesial tradicional sobre o presbiterato, a qual, aliás, retoma com convicção e de maneira ampla. A grande continuidade é uma de suas características, portanto. O documento possui também uma característica de novidade, exposta em sentido pastoral, ou seja, em relação às exigências concretas dos presbíteros de nosso tempo. Coerentemente com o modelo eclesiológico conciliar, mais tarde definido “eclesiologia de comunhão”, o PO sublinha particularmente o aspecto comunial da vida dos presbíteros. Podemos ver isso já por suas primeiras palavras, que representam também o título do decreto: a Ordem dos Presbíteros. Trata-se não apenas do sacerdote considerado em si, mas do sacerdote dentro da Ordem Presbiteral e, no caso de este pertencer ao clero secular, dentro de um presbitério diocesano. Isso está evidente também no fato de os termos “presbítero” e “sacerdote” aparecerem poucas vezes no singular, referindo-se o Decreto de modo geral aos “presbíteros” e “sacerdotes”, no plural, como se sublinhasse o caráter de corpo do conjunto dos presbíteros[32]. Como tivemos oportunidade de explicar, a fraternidade sacerdotal e a unidade do corpo presbiteral é íntima, ou seja, baseia-se em primeiro lugar na sacramentalidade do presbiterato e não apenas numa motivação extrínseca, ou seja, em aspectos funcionais. O decreto conciliar, portanto, acrescenta esse interessante elemento de novidade na continuidade, inserindo a doutrina tradicional sobre o sacerdote numa visão pastoral sobre os sacerdotes. Não há oposição entre esses dois aspectos. A doutrina pastoral sobre os sacerdotes não se sustenta sem a doutrina teológica sobre o sacerdote, e esta encontra na outra fecunda aplicações e consequências práticas para a vida e a missão dos presbíteros (objeto do Decreto), consequências extraídas ponto por ponto do texto conciliar.

Referência: Clerus.org

Fonte: https://www.presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF