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segunda-feira, 19 de julho de 2021

O Rito Romano e novo Motu Proprio "Traditionis Custodes"

Cúpula da Basílica Vaticana | Vatican Ness

Reflexão de Monsenhor André Sampaio de Oliveira, pároco da Paróquia Nossa Senhora da Misericórdia, no Rio de Janeiro sobre o Motu Próprio "Traditionis Custodes". Na Carta aos Bispos o Papa Francisco afirma que é “competência exclusiva” do bispo autorizar o uso do Missal Romano de 1962 na sua diocese.

Mons. André Sampaio de Oliveira

Os ritos litúrgicos ocidentais da Igreja Católica, também chamados de ritos litúrgicos latinos, desenvolveram-se numa zona da Europa ocidental e do norte da África onde o latim era a língua da educação e da cultura, sendo distintos daqueles utilizados pelas Igrejas de rito oriental que se desenvolveram no Oriente Médio, em partes do Norte da África (Egito e Etiópia), em certas áreas da Ásia e na Europa oriental. Estes ritos ocidentais são utilizados pela Igreja Católica Latina. Existem vários ritos ocidentais ou latinos, como, por exemplo o rito romano (o mais utilizado), o rito ambrosiano, o rito bracarense, o rito galicano e o rito moçárabe. Existiam também variações em uso em certas Ordens religiosas mais antigas, como o rito dos dominicanos, dos cartuxos e dos carmelitas. Antigamente, havia muitos outros ritos litúrgicos ocidentais latinos, que foram substituídos pelo rito romano tanto pelas reformas litúrgicas do Concílio de Trento como pelas do Concílio do Vaticano II.

Recentemente, com a recepção de fiéis oriundos do anglicanismo na Igreja Católica, foi regulamentado o Uso Anglicano e, na África subsaariana, para atender a características culturais locais, também se criou o Uso Zairense. Ambos os ritos constituem variantes do rito romano. Atualmente, o rito litúrgico católico mais conhecido e mais utilizado na Igreja Católica espalhada pelo mundo inteiro é o rito romano. Ele é também o rito mais utilizado em toda a Igreja Católica de Rito Latino. Como dito, o rito romano é um dos ritos litúrgicos latinos, ou seja, um dos ritos litúrgicos ocidentais da Igreja Católica. Tornou-se o rito padrão para a celebração da Missa no Ocidente desde a emissão, em 14 de julho de 1570, da bula “Quo Primum Tempore” por São Pio V, que revisou o Missal Romano a pedido do Concílio de Trento.

O rito romano é a maneira como se celebra a Santa Missa (Missal romano), os demais sacramentos (ritual romano), a Liturgia das Horas (Breviário) e demais celebrações litúrgicas e para-litúrgicas (Cerimonial dos Bispos) pela Igreja de Roma e pelas Igrejas particulares ou Ordens e Congregações que o adotaram, por escolha ou tradição, compreendendo a maior parte da Igreja Católica Latina. O Missal Romano de São Pio V (1570) e sua liturgia evoluíram, geralmente, de maneira mínima: sobretudo adições, ajustes e supressões de festas litúrgicas e detalhamento de rubricas, mas também com algumas alterações de textos, como a inserção do nome de São José no cânon da Missa. A revisão mais substancial é a do Venerável Pio XII em 1955, com novos textos e cerimônias no Domingo de Ramos e no Tríduo Pascal.

A Constituição “Sacrosanctum Concilium” do Concílio do Vaticano II pediu uma nova revisão do Missal Romano. Após o aparecimento, em 1965, antes da conclusão do Concílio, de uma revisão provisória do Ordinário da Missa de São Pio V, promulgou-se, aos 3 de abril de 1969, o Missal Romano instaurado segundo este decreto do Concílio do Vaticano II. A edição do Missal Romano de 1970 teve, em vez de “ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini restitutum" (“restaurado por decreto do Sagrado Concílio de Trento”), a indicação “ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum” (“instaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico do Vaticano II”). A terceira edição deste Missal, que é o atual do rito romano, apareceu em 2002, “promulgado sob a autoridade do papa Paulo VI e revisado sob os cuidados do papa João Paulo II”.

Dentro do rito romano atual, existem duas formas: a forma ordinária (a mais utilizada e a mais nova, instaurada pelo Missal Romano de 1970, hoje em sua 3ª edição) e a forma extraordinária (também conhecida como a Missa Tridentina ou de São Pio V, ou seja, aquele ritual previsto no Missal Romano de 1570, com as sucessivas adições feitas até a última edição de 1962). Com relação ao rito romano na sua forma extraordinária, o papa Francisco emitiu, em 16 de julho de 2021, a carta apostólica em forma de motu próprio “Traditionis custodes” (“Guardiães da Tradição”), sobre o uso da liturgia romana anterior a 1970, restringindo as missas celebradas sob a forma extraordinária do rito romano (também conhecido como rito tridentino), no qual as orações são obrigatoriamente feitas em latim e que era a forma única do rito romano antes da reforma litúrgica determinada pelo Concílio do Vaticano II. O uso da forma extraordinária depende agora da autorização do bispo local a grupos que queiram a Missa tradicional (art. 2), só podendo ocorrer em igrejas em locais determinados por ele que não sejam igrejas paroquiais (art. 3, § 2), e não poderão ser autorizados novos grupos (art. 3, § 6) ou novas paróquias pessoais (art. 3, § 2).

O Papa Francisco fez mudanças radicais na carta apostólica em forma de motu próprio “Summorum Pontificum” de 2007, de seu predecessor Bento XVI, que reconhecia o direito de todos os sacerdotes de rito latino a celebrarem Missa usando o Missal Romano de 1962 (última edição do Missal de São Pio V de 1570). Assim se pronunciou o papa Francisco na carta endereçada aos Bispos do mundo inteiro explicando sua decisão: “Em defesa da unidade do Corpo de Cristo, sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos meus Predecessores [...] O uso distorcido que foi feito desta faculdade é contrário às intenções que levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa com o Missale Romanum de 1962”.

Para o Papa Francisco, seus predecessores permitiram a celebração da missa anterior ao Vaticano II para encorajar a unidade da Igreja: “Uma oportunidade oferecida por São João Paulo II e, com ainda maior magnanimidade, por Bento XVI, destinada a recuperar a unidade de um corpo eclesial com diversas sensibilidades litúrgicas, foi explorada para alargar as lacunas, reforçar as divergências, e encorajar discórdias que ferem a Igreja, bloqueiam o seu caminho, e a expõem ao perigo da divisão”, escreveu. O Papa diz que a celebração da forma extraordinária do rito romano se tornou uma rejeição ao Concílio do Vaticano II. Há uma “rejeição da Igreja e das suas instituições em nome do que é chamado a 'verdadeira Igreja'”, diz Francisco, para quem duvidar do Concílio é "duvidar do próprio Espírito Santo que guia a Igreja".

"Traditiones Custodes", os artigos

A partir de agora, o uso da forma antiga (extraordinária) da liturgia pode ser autorizado pelos bispos “para prover ao bem daqueles que estão enraizados na forma anterior de celebração e precisam regressar em devido tempo ao Rito Romano promulgado pelos Santos Paulo VI e João Paulo II”, diz o Papa. Em seu primeiro artigo, o motu próprio, chamado “Traditionis custodes”, sobre o “uso da Liturgia Romana anterior à reforma de 1970”, define os livros litúrgicos promulgados por São Paulo VI e São João Paulo II após o Concílio do Vaticano II como “a única expressão da lex orandi do Rito Romano”. “Lex orandi” é expressão latina que significa “Lei de como se deve orar”. Quer-se com isso dizer que a liturgia romana reformada após o Concílio do Vaticano II é a forma ordinária, normal e comum dessa “Lex orandi”, mas o próprio motu próprio trará nos artigos subsequentes as normas para que ainda se possa fazer uso da forma extraordinária com autorização do bispo diocesano.

O artigo segundo afirma que é “competência exclusiva” do bispo autorizar o uso do Missal Romano de 1962 na sua diocese. O terceiro estabelece as responsabilidades dos bispos cujas dioceses já têm um ou mais grupos que oferecem Missa com a liturgia tradicional em latim. O texto determina que os bispos “se assegurem de que estes grupos não neguem a validade do Vaticano II e do Magistério dos sumos pontífices”. O bispo deve indicar um ou mais lugares onde se pode usar a liturgia na forma extraordinária, “mas não em igrejas paroquiais e sem erigir novas paróquias pessoais”. O Papa também manda que os bispos locais verifiquem se as paróquias pessoais já estabelecidas para que as missas sejam celebradas no rito antigo “são eficazes para o crescimento espiritual e determine se devem ou não ser mantidas”. Fica proibida a criação de novos grupos ou a ereção de novas paróquias pessoais.

O motu próprio diz que as missas oferecidas segundo o Missal Romano de 1962 devem utilizar leituras “proclamadas na língua vernácula, utilizando traduções da Sagrada Escritura aprovadas para uso litúrgico pelas respectivas Conferências Episcopais”. O texto também ordena a criação de um delegado diocesano selecionado pelo bispo para supervisionar o cuidado pastoral destes grupos: “Esse sacerdote deve ter no coração não só a celebração correta da liturgia, mas também o cuidado pastoral e espiritual dos fiéis”, afirma. O quarto artigo do documento determina que os sacerdotes ordenados após 16 de julho de 2021, que desejem oferecer a forma extraordinária da Missa, terão de apresentar um pedido formal ao bispo diocesano, o qual consultará previamente a Sé Apostólica antes de conceder a autorização. O quinto artigo estabelece que os padres ordenados antes de 16 de julho de 2021 e que já oferecem a Missa tradicional devem pedir autorização ao seu bispo diocesano para “continuarem a usufruir desta faculdade”. O sexto artigo informa que, a partir da data de 16 de julho de 2021, “os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, estabelecidos pela Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, são de competência da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica”.

Por sua vez, estabelece o artigo 7 que: “A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, em assuntos de sua competência, exercem a autoridade da Santa Sé, supervisionando a observância destas disposições”. O oitavo e último artigo do motu próprio declara que “as normas, instruções, permissões e costumes anteriores que não estejam em conformidade com as disposições do presente motu próprio ficam revogados”.

O motu próprio entrou em vigor imediatamente na data de sua publicação, isto é, em 16 de julho de 2021. Eis aí, em síntese, as novas disposições sobre o uso da forma extraordinária do rito romano, a serem seguidas doravante por todos os sacerdotes celebrantes no rito romano.

Fonte: Vatican News

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF