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terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A sua paciência nos espera (1/3)

Rembrandt, A volta do filho pródigo, gravura a água-forte,
Nova York, Pierpont Morgan Library

Arquivo 30Dias – 03/2003

Luciani e a confissão

A sua paciência nos espera

“O Senhor é um pai que espera no portão. Que nos vê quando ainda estamos longe, e se enternece, e, correndo, vem se atirar ao nosso pescoço e nos beijar com ternura... Nosso pecado, então, transforma-se quase numa joia que podemos lhe dar de presente para prover-lhe a consolação de perdoar... Agimos como senhores, quando damos joias de presente. E não é derrota, mas uma vitória cheia de alegria deixar Deus vencer!”

de Stefania Falasca

Às vezes, não há dúvidas. O que determina as circunstâncias ou é a Providência ou... é a Providência. É o que se pode dizer a respeito do santo confessor de Roma, o padre jesuíta Felice Cappello, e do papa Luciani. Eles simplesmente foram batizados na mesma fonte batismal da paróquia de Canale, simplesmente eram parentes distantes, e, como se não bastasse, um deles (padre Cappello) simplesmente espelhava para o outro o caminho que este gostaria de seguir. Entre na igreja paroquial de Agordo; se vocês pedirem ao pároco, monsenhor Lino Mottes, que conheceu bem a ambos, ele os conduzirá para um lado menos iluminado da igreja: “Aí está, esse era o seu confessionário. Quando padre Felice vinha a Agordo, estava sempre aí”. Depois indicará um outro, bem em frente, perto da imagem de Nossa Senhora: “E esse era de Albino Luciani”. A mão do “homem lá de cima” estabelecera dispô-los dessa forma durante certo período. Um na frente do outro. No confessionário. Vizinhos de frente na administração do sacramento da reconciliação. Eram os anos de 1936, 1937. Naquela época, o futuro João Paulo I era um padre recém-ordenado, um sacerdote novato que o irmão de padre Felice, monsenhor Luigi Cappello, então vigário-geral da igreja de Santa Maria Nascente de Agordo, quisera a todo custo como assistente em sua paróquia. Nos meses de verão daqueles anos, padre Felice subia a Agordo para passar as férias. Já era um canonista de renome e professor extremamente respeitado da Gregoriana, e sua fama de santo confessor também já se espalhara. Assim, mesmo quando estava em Agordo, acabava por repetir-se todos os dias o que se repetia diariamente na igreja de Santo Inácio, em Roma. Nem é preciso falar da fila que se formava na frente do seu confessionário e de como aquele cantinho da igreja se transformava numa fonte de água fresca para quem tinha sede. Ele confessava em poucos minutos. E dizia poucas palavras. Sempre as mesmas. E então vidas murchas e corações envelhecidos descobriam que sempre se pode recomeçar. E voltavam outras vezes. Encorajadas, confiantes, voltavam. Luciani, com bondade que não era menor, também atendia a suas ovelhas. Mas, mais que ovelhas perdidas, quem se ajoelhava em seu confessionário eram crianças barulhentas e irritantes da primeira comunhão, jovenzinhos vivos, bagunceiros e impacientes. Assim, não eram poucas as vezes em que, revestindo-se de toda a paciência de Nosso Senhor, era obrigado a sair do confessionário para acabar com a bagunça e pedir silêncio. Depois, quando acabavam as férias e padre Felice voltava para Roma, todas as pessoas da outra fila vinham de boa vontade engrossar a fila do padre assistente Albino. Assim, ele ouviu muitas vezes esta recomendação de padre Felice: “Sermo brevis et rudis. Nos pareceres e nas decisões, todavia, nunca se deve usar de severidade. O Senhor não a quer. Deve-se sempre dar uma solução que permita às almas respirarem”. O próprio Luciani diria o quanto o marcou a proximidade desse grande conhecedor da reta doutrina e dos princípios inflexíveis que, no confessionário, deixava tudo nas mãos da graça de Deus, e o quanto esse período lhe foi importante. Em 29 de junho de 1978, exatamente dois meses antes de subir ao trono de Pedro. A última vez em que voltou a Agordo. Durante a homilia na igreja da qual fora padre assistente, lembrou aqueles anos como os mais bonitos da sua vida: “Confessei tanto, como confessei!...”. Na sua vida inteira, se há uma coisa que tenha realmente repetido centenas de vezes, é justamente isto: “Como estão errados, como estão errados aqueles que não têm esperança! Judas cometeu um grave despropósito, coitado, no dia em que vendeu Cristo por trinta dinheiros, mas cometeu outro muito mais grave quando pensou que seu pecado fosse grande demais para ser perdoado. Nenhum pecado é grande demais, nenhum! Nenhum é maior que a Sua misericórdia sem fim!”.

“Pecadores todos somos”
(João Paulo I)

Subindo a Agordo para as férias, padre Cappello passava por Pádua para visitar o capuchinho Leopoldo Mandic, o santo confessor que em 1983 foi elevado às honras dos altares. Padre Cappello ia se ajoelhar também diante do pequeno frade de origem dálmata, saboreando como penitente a mesma divina misericórdia que, por sua vez, doava sem descanso em seus confessionários. Como padre Cappello, Luciani também tivera a oportunidade de se confessar com Mandic. “Foi em março de 1928”, lembra Edoardo, irmão de Luciani. “Albino era pequeno, estava ainda no seminário menor de Feltre, e padre Leopoldo foi visitar o seminário em companhia do bispo. Ouviu diversas confissões, entre as quais a de meu irmão. Albino sempre conservou uma lembrança vivíssima daquele encontro, tanto que carregou para sempre consigo a imagenzinha de padre Leopoldo”. Sua irmã, Antônia, lembra também desse episódio, que Albino lhe contou: “Padre Leopoldo o confessou, pegou depois seu rosto nas mãos e lhe disse: ‘Fique tranquilo, e siga seu caminho’”. Em 30 de janeiro de 1976, quando era patriarca de Veneza, Luciani quis celebrar a missa na igreja dos Capuchinhos em Pádua, bem ao lado do confessionário do fradinho. Toda a homilia foi uma lembrança comovida de padre Leopoldo e da maneira como confessava. Luciani disse: “Pecadores todos somos, padre Leopoldo sabia disso muito bem. É preciso tomar consciência dessa nossa triste realidade. Ninguém pode evitar por muito tempo as faltas, pequenas ou grandes. ‘Mas’, como dizia São Francisco de Sales, ‘se você tem um burrinho, e na estrada ele desaba no cascalho, o que deve fazer? Não vai cutucar suas costelas com o bastão, coitado, ele já sofreu bastante. É preciso que você o pegue pelo cabresto e lhe diga: vem, vem, de volta para a estrada. É hora de retomar o caminho, teremos mais atenção na próxima vez’. Esse é o sistema, e padre Leopoldo o aplicou plenamente. Um sacerdote, amigo meu, que se confessava com ele, disse: ‘Padre, o senhor é generoso demais. Gosto de me confessar com o senhor, mas o acho generoso demais’. E padre Leopoldo: ‘Mas quem é que foi generoso, meu filho? Foi o Senhor que foi generoso; eu não morri pelos pecados, foi o Senhor que morreu pelos pecados. Mais generoso do que isso, com o ladrão, com os outros, como é que poderia ser!’”. E Luciani continuou, dizendo: “Jesus, por um lado, entra em choque com o pecado, ‘vítima de expiação pelos pecados’, por outro lado não entra em choque, mas encontra os pecadores. Abram as páginas do Evangelho, ele entra em choque com o pecado, diz João Batista: ‘Eis o cordeiro de Deus, que tira os pecados’. Leiam São Paulo: ‘Morreu pelos pecados’. Nada de pecados! O Senhor não quer o pecado. Por outro lado, porém, quanta bondade! Quanta misericórdia para com os pecadores! Eu me comovo quando penso que Paulo VI fez beato a padre Leopoldo; mas o primeiro a ser canonizado, o primeiro homem proclamado santo diante de todos, foi um ladrão. Na cruz, Jesus disse: ‘Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso’. Disse isso a um assassino, a um ladrão! [...ý E quanta bondade! Como eu dizia, para com os pecadores! Quando levaram à sua presença a adúltera: ‘Mulher, ninguém te condenou?’. ‘Ninguém, Senhor’. ‘Mulher, nem eu também te condeno. Vai em paz e procura não pecar mais’”. E, voltando a padre Leopoldo, disse Luciani: “Ele copiou fielmente esse aspecto de Jesus: como Jesus, também tinha medo do pecado, chorava pelo pecado, mas era exatamente o contrário com os pecadores. Alguém uma vez lhe disse: ‘Padre, o senhor confessa há tantos anos, já ouviu de tudo, o pecado já não o impressiona mais’. ‘O que o senhor está dizendo? Eu a todo momento tremo pensando que os homens põem em risco sua saúde eterna por bobagens, por coisas fúteis’. Ele tremia, chorava pelo pecado. Mas acolhia o pecador como verdadeiro irmão, como amigo, por isso não era pesado confessar-se com ele. Certa vez chegou uma pessoa: fazia vinte anos que não se confessava. Disse seus pecados. Quando acabou, padre Leopoldo se levantou, pegou suas mãos e lhe agradeceu: ‘Obrigado, obrigado por ter vindo a mim, por ter aceito que fosse eu que acolhesse o seu arrependimento depois de tantos anos’. Era ele que agradecia, entendem! [...] Eis o que foi, o que é padre Leopoldo para nós, o espelho da bondade do Senhor”. Luciani se referia constantemente a essa bondade. E sempre remeteria a ela. Mesmo nas poucas audiências gerais que fez na sé de Pedro como vigário de Cristo. “Quanta bondade, quanta misericórdia é preciso ter, mesmo aqueles que erram...”. Foi assim naquele 6 de setembro de 1978, sua primeira audiência geral. Quando fez essa referência à humildade, todos perceberam que ela nascia da consciência de ser um mísero pecador e da experiência que ele vivia do perdão: “Limito-me a recomendar a virtude, tão cara ao Senhor, que disse: ‘Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração’. Corro o risco de dizer um despropósito, mas o digo: o Senhor ama tanto a humildade que às vezes permite pecados graves. Por quê? Porque aqueles que cometeram esses pecados, depois de arrependidos ficam humildes. Não têm mais vontade de se considerar meio anjos quando sabem ter cometido faltas graves. O Senhor recomendou tanto: sejam humildes. Mesmo que tenham feito grandes coisas, digam: ‘Somos servos inúteis’”.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF