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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

MORAL: O falso drama dos pseudoescrupulosos (4/6)

O falso drama dos pseudoescrupulosos | Presbíteros

O falso drama dos pseudoescrupulosos

Por Pe. José Eduardo Oliveira e Silva

A VOLUNTARIEDADE DOS ATOS E A CONFUSÃO DOS PSEUDOESCRUPULOSOS

Quando uma pessoa insiste em confessar um a um todos os pensamentos estúpidos de que a mente é capaz ou de relatar todas as imperfeições que cometeu como se fossem pecados consumados, estamos diante de uma ignorância persistente.

Há desde quem se queira acusar pelo fato de ter pisado numa barata aos cinco anos de idade até quem o queria por ter deixado o terço cair da mão, uma vez, na semana passada.

Obviamente, essas pessoas são incapazes de entender que apenas os atos humanos são passíveis de moralidade.

A Teologia Moral tradicionalmente distingue entre os “atos do homem” e os “atos humanos”. Os primeiros são quaisquer atos realizados pelo homem sem voluntariedade (piscar, digerir, os atos reflexos etc.) e os segundos são aqueles realizados com voluntariedade, ou seja, porque se quis.

São Tomás de Aquino explica, na Suma Teológica (cf. I-II, q. 8), que a vontade é um “apetite racional” que segue uma “forma apreendida”. Em outras palavras, ninguém pode querer sem ter ciência do que quer (como diziam os antigos, “nihil volitum nisi præcognitum”, “ninguém pode querer sem ter conhecido antes”). O mesmo princípio é reafirmado por São João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor, n. 78.

Os pseudoescrupulosos, em sua sanha por inventar pecados, acabam sempre reinterpretando os seus atos involuntários como sendo objetivamente pecaminosos. Por exemplo, “quando eu fiz aquilo eu poderia ter causado aquela consequência ruim” — consideração absurda que no momento da ação ele mesmo não tinha presente.

Quando entram no mundo das “omissões”, então, a coisa se complica infinitamente, pois começam a inventar coisas que poderiam ter feito e não fizeram, não percebendo que a omissão consiste na escolha de não realizar um dever, entendido como tal na hora da escolha. Imaginem a neurose que é ficar investigando tudo que se poderia ter feito.

Por isso, os falsos escrupulosos têm verdadeira fome por tratados de moral, porque os ajudam a encontrar pecados que eles nunca imaginaram que teriam cometido, atribuindo-lhes a posteriori uma voluntariedade que não tiveram no momento em que supostamente realizaram ou omitiram aquelas ações. — Obviamente, eu não incluo aqui os atos “voluntários in causa” ou “voluntários indiretos” (quando uma ação é diretamente querida como meio para alcançar um efeito produzido).

Segundo a doutrina católica, a ignorância do fato exime de culpa (nem sempre a ignorância da lei, pois, às vezes, o interessado teria obrigação de conhecê-la; daí que não tem sentido aquela desculpa de quem diz “prefiro nem saber para não ter que cumprir”). Mas os falsos escrupulosos sempre apresentam situações mirabolantes em que atribuem consciência posterior à sua ignorância anterior, não percebendo que isso mesmo é uma demonstração de ignorância doutrinal. De fato, não são escrupulosos, são ignorantes.

O fulano queria ajudar uma pessoa, fez uma boa obra, mas, a despeito de sua vontade, acabou acontecendo uma consequência ruim… Pronto! Isso já é suficiente para que o pseudoescrupuloso se considere culpado pelo efeito mau, sendo que ninguém pode ser responsabilizado pelos maus efeitos de suas boas ações (por exemplo, um juiz não é responsável pelo suicídio de um condenado porque ele emitiu uma sentença justa de condenação).

A ignorância dessas pessoas as faz analisarem as suas ações como acontecimentos exteriores aos quais elas atribuem, pelo simples fato de serem realizadas, a voluntariedade. Não conseguem observar as ações desde dentro, desde a vontade, ignorando que seu o propósito interior é o que confere a responsabilidade pela ação.

Alguém escuta sem querer uma música estrangeira e, depois, vai conferir a letra e descobre, para a sua surpresa, que é imoral, logo, considera-se em pecado. Uma pessoa não percebe que estava com a blusa levantada na parte de trás, logo, considera ter cometido um pecado de

imodéstia. O sujeito se distrai e fala algo que não deveria ter dito, logo, julga-se em pecado. Outro, enfim, esbarra sem querer numa imagem indecente, à qual não quis nem por um segundo ver, pronto!, já se considera em pecado mortal.

Para que haja culpa de pecado grave, a Igreja ensina que a matéria precisa ser grave (diretamente contra o amor a Deus ou a benevolência ao próximo, contra a castidade ou contra os cinco mandamentos da Igreja; os demais mandamentos admitem parvidade de matéria, quer dizer, podem chegar a ser graves, mas não o são em toda a sua extensão), que deve haver plena advertência e perfeito consentimento.

Ora, ninguém tem plena advertência dormindo ou anestesiado. Os falsos escrupulosos não se cansam, porém, de querer confessar sonhos ou movimentos corporais ocorridos no estado de semissonolência.

Sobre o perfeito consentimento, creio que tudo que disse acima acerca da voluntariedade esclareça o tema suficientemente. Contudo, vale lembrar: ninguém peca mortalmente sem a plena anuência da vontade! Mesmo que a matéria seja grave, para que haja culpa, deve-se querer plenamente realizar aquilo (o que pode coincidir, às vezes, com certa repulsa; como no caso de alguém que comete um crime voluntariamente, mas com certa aversão emocional).

Mesmo os pecados por pensamento, sem consentimento, não possuem plena razão de pecado. Aquilo que se chama tradicionalmente de “delectatio morosa” é o pensamento consentido, ou seja, querer pensar ou imaginar algo. A simples passagem de uma imagem ou ideia tosca pela nossa mente, se for refutada imediatamente (caso seja passageira) ou se for insistentemente combatida (caso seja persistente) não é consentir em pecado, mas simplesmente sentir uma tentação e resisti-la (o que é até meritório). O ignorante, porém, confunde tudo e, por sua falta de doutrina, acaba por adscrever como pecados um monte de bobagens que a sua mente fértil acabou excretando.

Se a sua tia está assistindo uma novela indecente na sala ao lado, você não é culpado por estar ali. Se você usa um computador alheio no qual há um programa ilicitamente adquirido, você não é culpado de cooperação. Isso não passa de aplicação errada de princípios que você não sabe utilizar. Pare com isso agora mesmo e seja obediente a um criterioso confessor!

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF