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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal Raniero Cantalamessa (1/3)

1ª Pregação do Advento 2023 (Vatican News)

Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal Raniero Cantalamessa

"Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisso."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

“VOZ DE QUEM CLAMA NO DESERTO”

João Batista, o moralista e o profeta

Primeira Pregação do Advento de 2023

Na liturgia do Advento, nota-se uma progressão. Na primeira semana, a figura de destaque é o profeta Isaías, aquele que anuncia de longe a vinda do Salvador; no segundo e terceiro domingos, o guia é João Batista, o precursor; na quarta semana, a atenção se concentra toda em Maria. Este ano, tendo apenas duas meditações à disposição, pensei dedicá-las aos dois: ao Precursor e à Mãe. Nas iconóstases dos irmãos Ortodoxos, os dois estão um à direita e o outro à esquerda de Cristo e, frequentemente, são apresentados como dois “recepcionistas” dos lados da porta que introduz ao recinto sacro.

João Batista, pregador de conversão

Nos Evangelhos, o Precursor nos aparece em dois papéis diversos: o de pregador de conversão e o de profeta. Dedico a primeira parte da reflexão a João moralista, a segunda, a João profeta.

Alguns versículos do Evangelho de Lucas são suficientes para nos dar uma ideia da pregação do Batista:

João dizia às multidões que chegavam a ele para serem batizadas: “Crias de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para chegar? Produzi, pois, frutos dignos de vosso arrependimento... As multidões lhe perguntavam: “Que devemos fazer?”. João respondia: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo!” Alguns publicanos vieram para o Batismo e perguntaram: “Mestre, que devemos fazer?”. Ele respondeu: “Não cobreis além do que foi estabelecido”. Alguns soldados também lhe perguntaram: “E nós, que devemos fazer?”. João respondeu: “Não maltrateis a ninguém, nem tomeis dinheiro à força e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3,7-14).

O Evangelho permite ver o que distingue, neste ponto, a pregação do Batista daquela de Jesus. O salto de qualidade é expressado do modo mais claro pelo próprio Jesus:

A Lei e os Profetas vigoraram até João! A partir de então, o Reino de Deus é anunciado; e cada um se esforce para entrar nele (Lc 16,16).

Devemos tomar cuidado com contraposições simplicistas entre Lei e Evangelho. Logo após a afirmação acima citada, Jesus (ou, mais provavelmente, o próprio evangelista) acrescenta: “Ora, é mais fácil passar o céu e a terra do que cair uma só vírgula da Lei” (Lc 16,17). O Evangelho não abole a lei, isto é, concretamente, os mandamentos de Deus; mas inaugura uma relação nova e diversa com eles, um modo novo de observá-los.

O que é novo é a ordem entre o mandamento e o dom, isto é, entre a lei e a graça. À base da pregação do Batista está a afirmação: “Convertei-vos e o reino de Deus virá a vós!”; à base da pregação de Jesus está afirmação: “Convertei-vos, pois o reino de Deus veio a vós!” (recordemos a afirmação de Jesus acima citada: “A Lei e os Profetas vigoraram até João! A partir de então, o Reino de Deus é anunciado; e cada um se esforce para entrar nele”).

Não é uma diferença apenas cronológica, como entre um antes e um depois; trata-se de uma diferença também axiológica, isto é, de valor. Quer dizer que não é a observância dos mandamentos que permite ao reino de Deus vir; mas é a vinda do reino de Deus que permite a observância dos mandamentos. Os homens não mudaram improvisamente e se tornaram melhores, de modo que o Reino pôde vir sobre a terra. Não, eles são os de sempre, mas foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou o seu Filho, dando-lhes assim a possibilidade de mudar e viver uma vida nova.

“Pois a Lei foi dada por meio de Moisés; a graça [de observá-la, entende-se] e a verdade vieram por Jesus Cristo”, escreve o evangelista João (Jo 1,17). Amar a Deus com todo o coração é “o primeiro e maior mandamento”; mas a ordem dos mandamentos não é a primeira ordem, ou o primeiro nível: acima dele, está a ordem do dom: “Nós amamos, porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19).

É interessante ver como esta novidade de Cristo se reflete na atitude diversa do Batista e de Jesus em relação aos chamados “pecadores”. João, nós ouvimos, aborda os pecadores que vão até ele com palavras de fogo. É Jesus mesmo que faz notar a diferença, neste ponto, entre ele e o Precursor: “Veio João, que não come nem bebe e dizem: ‘Tem um demônio’. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘É um comilão e beberrão, amigo de publicanos e de pecadores” (Mt 11,18-19; cf. Lc 7,34). “Por que vosso mestre come com os publicanos e pecadores?”, diziam os fariseus aos seus discípulos (Mt 9,11).

Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisso. Jesus não espera que a Samaritana ponha em ordem a sua vida privada, antes de entreter-se com ela e até mesmo lhe pedir para lhe dar de beber. Mas assim fazendo, mudou o coração daquela mulher, que se torna uma evangelizadora em meio ao seu povo. O mesmo acontece com Zaqueu, com o publicano Mateus, com a pecadora anônima que lhe beija os pés na casa de Simão e com a adúltera.

Não podemos tirar uma norma absoluta a partir desses exemplos (Jesus era Jesus e lia nos corações; nós não somos Jesus!). a Igreja não pode prescindir, contudo, do seu estilo, sem nos encontrar ao lado de João Batista, ao invés do de Cristo. Jesus reprova o pecado infinitamente mais do que possam fazê-lo os mais rígidos moralistas, mas propôs no Evangelho um novo remédio: não o afastamento, mas a acolhida. A mudança de vida não é a condição para nos aproximar de Jesus nos Evangelhos; contudo, deve ser o resultado (ou ao menos o propósito) depois de termos nos aproximado dele. A misericórdia de Deus, de fato, é incondicional, mas não é sem consequências!

Sobre este ponto, a Santa Mãe Igreja tem muito que aprender das mães e dos pais de família de hoje. Todos nós conhecemos os dramas que dilaceram tantos pais de hoje: filhos que, apesar do seu bom exemplo de vida cristã e de seus bons conselhos, tomam um caminho diferente do deles, destruindo a si mesmos com as drogas, abuso do sexo, escolhas precipitadas que se revelam equivocadas e frequentemente trágicas...

Será que, por isso, eles lhes fecham a porta à face e os expulsa de casa? Não podem fazer nada a não ser respeitar sua escolha, como a respeita Deus antes deles, e continuar a amá-los. Esta situação dramática da sociedade se reflete naquela da Igreja. Somos chamados a escolher entre o modelo de João Batista e o modelo de Jesus, entre o dar a preeminência à lei, ou dá-la à graça e à misericórdia.

Há um ponto sobre o qual não se há de escolher, porque João e Jesus estão completamente de acordo. Sobre ele também nós deveríamos levantar a voz, sem deixar que seja apenas o papa a fazê-lo. Trata-se daquele que João exprime com as palavras: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3,11) e que Jesus inculca com a parábola do rico epulão e com a descrição do juízo final em Mateus 25.

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Tradução de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF