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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal Raniero Cantalamessa (3/3)

1ª Pregação do Advento 2023 *Vatican Media)

Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal Raniero Cantalamessa

"Jesus não espera que os pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são unânimes nisso."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap

“VOZ DE QUEM CLAMA NO DESERTO”

João Batista, o moralista e o profeta

Primeira Pregação do Advento de 2023

Na liturgia do Advento, nota-se uma progressão. Na primeira semana, a figura de destaque é o profeta Isaías, aquele que anuncia de longe a vinda do Salvador; no segundo e terceiro domingos, o guia é João Batista, o precursor; na quarta semana, a atenção se concentra toda em Maria. Este ano, tendo apenas duas meditações à disposição, pensei dedicá-las aos dois: ao Precursor e à Mãe. Nas iconóstases dos irmãos Ortodoxos, os dois estão um à direita e o outro à esquerda de Cristo e, frequentemente, são apresentados como dois “recepcionistas” dos lados da porta que introduz ao recinto sacro.

Uma evangelização nova no fervor

São João Paulo II caracterizou a nova evangelização como uma evangelização – cito – “nova no fervor, nova nos métodos e nova nas expressões”. João Batista é mestre para nós sobretudo na primeira destas três coisas, o fervor. Ele não é um grande teólogo; tem uma cristologia bastante rudimentar. Ainda não conhece os mais altos títulos de Jesus: Filho de Deus, Verbo, e nem mesmo o de Filho do homem.

Usa imagens simplicíssimas. “Não sou digno – afirma – de desatar a correia da sua sandália...”. Mas, apesar da pobreza de sua teologia, como consegue fazer ouvir a grandeza e unicidade de Cristo! O mundo e a humanidade aparecem, das suas palavras, todos contidos como dentro de uma joeira, ou uma peneira, que ele, o Messias, segura e balança em suas mãos. Diante dele se decide quem fica e quem cai, quem é o bom grão e quem é palha que o vento dispersa. O exemplo do Precursor nos diz que todos podem ser evangelizadores!

Comentando as palavras de São João Paulo II que recordei, alguém, a seu tempo, observou que a nova evangelização pode e deve ser, sim, nova “no fervor, no método e na expressão”, mas não nos conteúdos, que permanecem os de sempre e que derivam da revelação. Em outras palavras: que pode e deve haver uma nova evangelização, mas não um novo Evangelho.

Tudo isso é verdade. Não pode haver conteúdos total e verdadeiramente novos. Pode, contudo, haver conteúdos novos, no sentido de que, no passado, não eram enfatizados o bastante, que permaneceram na sombra, pouco valorizados. São Gregório Magno dizia: “Scriptura cum legentibus crescit” (Moralia in Job, 20,1,1), a Escritura cresce com quem a lê. E, em outro trecho, explica também o porquê. “De fato – afirma – alguém compreende [as Escrituras] tanto mais profundamente quanto mais profunda for a atenção que a elas dedica” (Hom in Ez. I,7,8). Este crescimento se realiza primeiramente em nível pessoal no crescimento em santidade; mas se realiza também em nível universal, à medida que a Igreja avança na história.

O que às vezes torna tão difícil aceitar o “crescimento” de que fala Gregório Magno é a pouca atenção que se dá à história do desenvolvimento da doutrina cristã das origens a hoje, ou um conhecimento muito superficial e manualístico dela. Tal história demonstra, de fato, que esse crescimento sempre houve, como demonstrou em um famoso ensaio o Cardeal John Newman.

A Revelação – Escritura e Tradição juntas – cresce conforme instâncias e provocações lhe são postas no curso da história. Jesus prometeu aos apóstolos que o Paráclito os teria guiado “a toda a verdade” (Jo 16,13), mas não precisou em quanto tempo: se em uma ou duas gerações, ou, ao invés – como tudo parece indicar –, por todo o tempo que a Igreja for peregrina sobre a terra.

A pregação de João Batista nos oferece a ocasião para uma observação atual e importante justamente a propósito deste “crescimento” da palavra de Deus que o Espírito Santo opera na história. A tradição litúrgica e teológica pegou dele sobretudo o grito: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. A Liturgia nos repropõe a cada Missa antes da comunhão, depois que o povo cantou por três vezes: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”.

Na realidade, porém, esta é apenas metade da profecia do Batista sobre Cristo. Ele logo acrescenta, quase de um só fôlego, e em todos os quatro Evangelhos: “Ele vos batizará com o Espírito Santo!” (cf. Jo 1,33), e ainda: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). A salvação cristã não é, portanto, algo apenas de negativo, um “tirar o pecado”. É sobretudo algo de positivo: é um “dar”, um infundir: vida nova, vida do Espírito. É um renascimento.

A destruição do pecado parece a via e a condição para o dom do Espírito, que é o objetivo último, o dom supremo. O capítulo terceiro da Carta aos Romanos sobre a justificação do ímpio jamais deve ser desligado do capítulo oitavo sobre o dom do Espírito, com aquela mensagem libertadora que deveria ressoar mais frequentemente em nossa pregação: “Agora, portanto, já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus. Com efeito, a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, libertou-te da lei do pecado e da morte” (Rm 8,1-2).

Certo, este aspecto positivo jamais foi esquecido. Mas, talvez, nem sempre se insistiu o bastante sobre ele. Temos corrido o risco, na espiritualidade ocidental, de ver o cristianismo, sobretudo em chave “negativa”, como a solução do problema do pecado original; como algo, por isso, de sombrio e deprimente. Explica-se assim, ao menos em parte, a sua rejeição da parte de vastos setores da cultura, como aqueles representados por Nietzsche, na filosofia, e pelo dramaturgo norueguês Ibsen, na literatura. A maior atenção à ação do Espírito Santo e aos seus carismas que, há algum tempo, está em ato em todas as Igrejas cristãs, é um exemplo concreto da Escritura que “cresce com quem a lê”.

Os santos amam continuar, do céu, a missão que desempenharam quando vivos sobre a terra. Santa Teresa do Menino Jesus – de quem recorre este ano o 150º aniversário do nascimento – pôs isso como uma espécie de condição a Deus para ir ao céu. São João Batista ama, também ele, ser ainda o precursor de Cristo, ama preparar-lhe os caminhos. Emprestemos-lhe a nossa voz!

Contemplando, na Deesis, o ícone do Precursor com as mãos estendidas para o Cristo e o olhar suplicante, a Igreja Ortodoxa lhe dirige esta oração, que podemos fazer nossa:

Aquela mão que tocou a cabeça do Senhor e com a qual nos indicastes o Salvador, estendei-a agora, ó Batista, para ele em nosso favor, em virtude daquela segurança de que largamente gozas, pois, segundo o seu próprio testemunho, vós fostes o maior de todos os profetas; dirigi a ele, ó Batista, os olhos que viram o Espírito Santo descido em forma de pomba, para que ele nos manifeste a sua graça.

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Tradução de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF