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domingo, 24 de dezembro de 2023

Segunda Pregação do Advento 2023 do cardeal Cantalamessa (3/3)

2ª Pregação do Advento (Vatican Media)

Segunda Pregação do Advento 2023 do cardeal Cantalamessa

"O presépio é, portanto, uma tradição útil e bela, mas não podemos nos contentar com os tradicionais presépios externos. Devemos montar para Jesus um presépio diverso, um presépio do coração. Corde creditur: crê-se com o coração. Christum habitare per fidem in cordibus vestris: que Cristo venha habitar em vossos corações pela fé (Ef 3,17). Maria e o seu Esposo continuam, misticamente, a bater às portas, como fizeram naquela noite em Belém."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“BEM-AVENTURADA AQUELA QUE ACREDITOU!”
Segunda Pregação do Advento de 2023

Voltar ao coração!

Voltemos, para terminar, à palavra de Pascal sobre Deus que “se sente com o coração”. Não mais para fazer disso objeto de considerações históricas e teológicas, mas pessoais e práticas. Pascal foi um fervoroso discípulo de Santo Agostinho, até, infelizmente, a compartilhar também algum excesso e erro, como aquele, reproposto pelos Jansenistas, da dupla predestinação divina, à glória ou à danação! Também o apelo de Pascal ao coração ressoa a influência do Doutor de Hipona. Comentando o versículo de Isaías: “Lembrai-vos disso e envergonhai-vos, guardai-o no coração, ó rebeldes (redite, praevaricatores ad cor)” (Is 46,8, Vulgata), em um discurso ao povo, Santo Agostinho dizia:

Voltai ao vosso coração!... Voltai de vossa errância que vos levou para fora do caminho; voltai ao Senhor. Ele está pronto. Volta antes ao teu coração, tu que te tornaste estranho a ti mesmo, por força de ir afora: não te conheces a ti mesmo, e buscas aquele quem te criou! Volta, volta ao coração, separa-te do corpo... Volta ao coração: lá, examina o que talvez percebas de Deus, pois lá se encontra a imagem de Deus; na interioridade do homem habita Cristo[10].

O homem envia as suas sondas até a periferia do sistema solar e além, mas ignora o que acontece a milhares de metros sob a crosta terrestre, daí a dificuldade em prever os terremotos. É uma imagem do que acontece no âmbito do espírito, em nossa própria vida. Vivemos todos projetados ao exterior, ao que acontece ao nosso redor, desatentos ao que acontece dentro de nós. O silêncio causa medo.

Greccio, 1223

No Natal deste ano recorre o VIII centenário da primeira realização do presépio em Greccio. É o primeiro dos três centenários franciscanos, o qual seguirão, em 2024, o dos Estigmas do santo e, em 2026, o da sua morte. Também esta circunstância pode nos ajudar a voltar ao coração. O seu primeiro biógrafo, Tomás de Celano, refere as palavras com que o Pobrezinho explicava a sua iniciativa: “Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e contemplar com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro”[11].

Infelizmente, com o passar do tempo, o presépio se afastou daquilo que representava para Francisco. Tornou-se, frequentemente, uma forma de arte ou de espetáculo do qual se admira a montagem externa, mais do que o significado místico. Ainda assim, contudo, ele desempenha a sua função de sinal e seria tolo renunciar a ele. Em nosso Ocidente, multiplicam-se as iniciativas para eliminar das solenidades natalinas toda referência evangélica e religiosa, reduzindo-o a uma mera e simples festa humana e familiar, com tantas fábulas e personagens inventados no lugar dos verdadeiros personagens do Natal. Alguém gostaria de mudar até mesmo o nome da festa.

Um dos pretextos é favorecer, deste modo, a convivência pacífica com fiéis de outras religiões, na prática, com os muçulmanos. Na realidade, este é o pretexto de um certo mundo laicista que não quer estes símbolos, não dos muçulmanos. No Alcorão, há uma Sura dedicada ao nascimento de Jesus que vale a pena conhecer. Diz:

E quando os anjos disseram: “Ó Maria, por certo que Deus te anuncia o seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus [‘Isà], filho de Maria, nobre neste mundo e no outro... Falará aos homens, ainda no berço, bem como na maturidade, e se contará entre os virtuosos”. Perguntou: “Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se mortal algum jamais me tocou?”. Disse-lhe o anjo: “Assim será, Deus cria o que deseja, posto que quando decreta algo, diz: ‘Seja!’. E é[12].

Uma vez, no tempo que, no sábado ao entardecer, eu explicava o Evangelho dominical no programa da RAI “A Sua Immagine”, pedi esta sura fosse lida por um muçulmano, que se disse feliz em contribuir, desse modo, para dissipar um equívoco que os prejudica, com o pretexto de favorecê-los. A veneração com que o Alcorão recorda o nascimento de Jesus e o lugar que a Virgem Maria nela ocupa teve, há alguns anos, um reconhecimento inesperado e clamoroso. O Emir de Abu Dhabi decidiu dedicar a Mariam, Umm Eisa, “Maria, Mãe de Jesus”, a belíssima mesquita do emirado, que antes portava o nome do seu fundador, o Xeique Mohammad Bin Zayed.

O presépio é, portanto, uma tradição útil e bela, mas não podemos nos contentar com os tradicionais presépios externos. Devemos montar para Jesus um presépio diverso, um presépio do coração. Corde creditur: crê-se com o coração. Christum habitare per fidem in cordibus vestris: que Cristo venha habitar em vossos corações pela fé (Ef 3,17). Maria e o seu Esposo continuam, misticamente, a bater às portas, como fizeram naquela noite em Belém. No Apocalipse, é o Ressuscitado em pessoa que diz: “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20). Abramos-lhe a porta do nosso coração. Façamos dele um berço para o Menino Jesus. Que sinta, no frio do mundo, o calor do nosso amor e da nossa infinita gratidão de redimidos!

Esta não é uma bela e poética ficção; é a mais árdua empresa da vida. Em nosso coração, de fato, há lugar para muitos hóspedes, mas apenas para um dono. Deixar Jesus nascer significa deixar morrer o próprio “eu”, ou ao menos renovar a decisão de não mais viver para nós mesmos, mas por Aquele que nasceu, morreu e ressuscitou por nós (cf. Rm 14,7-9). “Onde nasce Deus, morre o homem”, afirmou um certo existencialismo ateísta. É verdade! Morre, porém, o homem velho, corrompido e destinado, em todo caso, a terminar com a morte, e nasce o homem novo, “criado em justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24). É uma empresa que não terminará com o Natal, mas pode começar com ele.

Que a Mãe de Deus, que “concebeu Cristo no seu coração antes que no seu corpo”, nos ajude a realizar este propósito.

Feliz aniversário a Jesus – e Feliz Natal a todos: Santo – e amado – Padre, Papa Francisco, venerados Padres, irmãos e irmãs!

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Tradução de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.

Notas
[10] Cf. Agostinho, Tratados sobre o Evangelho de João, 18,10.
[11] Cf. Tomás de Celano, Primeira Vida, 84-86.
[12] Alcorão, Sura III, 45-47.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF