Fitoplâncton oceânico produz metade do oxigênio da Terra.
Um novo estudo sugere que ele pode estar diminuindo
Pesquisa observou diminuição na quantidade de clorofila ao
longo de 20 anos, a qual pode ser associada à queda na população de
fitoplâncton. Associação, no entanto, não é consenso entre cientistas.
Por Victor Bianchin
10/11/2025 12h25
Um novo estudo, publicado na
revista Science Advances, aponta para um dado alarmante: a
quantidade de fitoplâncton nos oceanos pode estar diminuindo. Esses
microrganismos aquáticos, que estão na base da cadeia alimentar marítima, são
responsáveis por boa parte da atividade fotossintética do planeta, capturando
dióxido de carbono (CO2) e devolvendo oxigênio à atmosfera.
O estudo, desenvolvido por pesquisadores das Universidades
de Tsinghua (China), Bangor (Reino Unido) e Pensilvânia (EUA), se baseou em
imagens de satélite e também dados de bóias flutuadoras, além de algoritmos
de deep learning que foram úteis para preencher lacunas de
dados (como áreas obscurecidas por nuvens). Ele observou que, entre 2001 e
2023, a concentração de clorofila A (ou “Chl-a”, o pigmento fotossintético, um
indicador de abundância) diminuiu cerca de 1,78% por ano em águas costeiras. O
nome "fitoplâncton", vale dizer, serve de guarda-chuva para um grande
grupo de microrganismos, que inclui algas microscópicas e bactérias.
Segundo os cientistas que assinam o levantamento, essa
diminuição pode estar sendo causada pelo aquecimento global. Existe um fenômeno
natural chamado de estratificação do oceano em que as águas mais superficiais
são mais quentes (por causa da radiação solar) e menos densas, ao passo que as
águas mais profundas são mais frias e menos densas. Normalmente, essas águas
frias, que são também ricas em nutrientes, sobem à superfície, principalmente
em costas e regiões equatoriais, por meio de um fenômeno
chamado upwelling, ou “afloramento”. Outros fatores,
como tempestades, também ajudam a movimentar a água e trazer para cima os
nutrientes do fundo.
Em um cenário de aquecimento global, porém, a história fica
mais complexa. As águas superficiais ficam ainda mais quentes e têm dificuldade
de se misturar com as mais frias. Isso gera uma carência de nutrientes na
superfície, o que afeta os organismos que dependem deles para sobreviver, como
o fitoplâncton. Por consequência, toda a cadeia alimentar acaba sendo
comprometida.
Por que o fitoplâncton é importante
Os oceanos cobrem 71% da superfície terrestre e são
responsáveis por cerca de metade da produção de oxigênio do
planeta, a maior parte fotossintetizada pelo fitoplâncton. Além de produzir
oxigênio, ele serve de alimento para o zooplâncton (organismos aquáticos sem
capacidade fotossintética). Esses, por sua vez, são consumidos por pequenos
peixes e animais, dando continuidade à cadeia alimentar até chegar aos grandes
predadores.
“Num ambiente terrestre, os principais autótrofos são as
árvores. Nelas, as raízes absorvem nutrientes e água, as folhas fazem
fotossíntese e produzem glicose, e o tronco transfere tudo pro resto do
organismo. No oceano, uma única célula faz tudo que uma árvore inteira faz. São
microalgas que formam um gramado tridimensional planetário, chamado
fitoplâncton”, afirma Frederico Brandini, professor do Instituto Oceanográfico
da USP. Ele lembra que, 3,5 bilhões de anos atrás, a Terra era um planeta
anóxico, ou seja, sem oxigênio livre — as primeiras moléculas começaram a ser
produzidas pelo fitoplâncton.
De acordo com o novo estudo, as reduções na quantidade de
fitoplâncton são mais graves nas regiões costeiras: 40% das áreas analisadas
apresentaram declínio, enquanto apenas 12,5% demonstraram crescimento
significativo. Essas regiões com aumento, que incluem o norte da costa
brasileira, têm o crescimento creditado a “provavelmente a intensificação das
atividades humanas”, o que traria mais nutrientes à água.
Onde há declínio, o aquecimento global é provavelmente o
culpado. Segundo destaca o artigo, “nas últimas décadas, observou-se uma
intensificação da estratificação oceânica, impulsionada por um aquecimento mais
rápido da camada superior do oceano em comparação com as camadas mais
profundas, devido às mudanças climáticas globais. Essa maior estratificação
provavelmente está enfraquecendo o transporte vertical de nutrientes, limitando
assim a disponibilidade de nutrientes para o crescimento do fitoplâncton na camada
superior do oceano”.
O que a nova pesquisa não leva em conta
O professor Frederico Brandini afirma que há alguns pontos
sobre a nova pesquisa que precisam ser tratados com cuidado. Ele lembra, por
exemplo, que o uso da clorofila A como ferramenta de medição tem seus poréns.
“Existe uma razão carbono-clorofila no fitoplâncton que vai de 20 a 200. Então
1 de clorofila pode ser 20 ou 200 de carbono. E o carbono é o que interessa”,
diz ele. “O estudo usa a clorofila porque ela é um indicador de abundância, mas
clorofila não é biomassa, a biomassa é o carbono. E 1,78% [de redução de
clorofila A] é uma 'merreca'. Se você for olhar isso em miligramas por metro
cúbico, dá 0,00035 miligrama de clorofila por metro cúbico. O oceano tem 361
milhões de km²”, argumenta.
Outro ponto levantado por Brandini é que o aumento de
temperatura, embora cause acréscimo na estratificação da água, também implica
em uma maior atividade metabólica por parte do zooplâncton (ele se alimenta
mais). Esse fator, porém, não foi computado no estudo. “Isso significa que,
talvez, esse decréscimo da clorofila não seja apenas pelo aumento da
estratificação física, mas também pela herbivoria do zooplâncton. Eu, se fosse
revisor desse artigo, teria falado ‘opa, mas e o zooplâncton, ele não tá comendo
o fitoplâncton?’”.
Esse aspecto é importante porque ele muda o impacto dessa
diminuição na quantidade de clorofila A: se de fato a biomassa de fitoplâncton
está diminuindo, então há menos absorção de CO2 atmosférico, o que é um grande
problema. “Por outro lado, se a herbivoria do zooplâncton está sendo
importante, então esse CO2 continua sendo absorvido e está indo pro
zooplâncton. Então, não há grandes mudanças”. Esse aumento na quantidade de
zooplâncton poderia até mesmo gerar crescimento na população de peixes, favorecendo
a atividade pesqueira.
O cientista também acredita que, na lista de problemas
ambientais que podem impactar o ser humano, a queda de biomassa fitoplantônica
não é a mais urgente. “Antes de ser afetado por esse tipo de problema, o ser
humano vai ser afetado por coisas muito mais relevantes, como a contaminação
oceânica com poluição, a sobrepesca, a ocupação das zonas costeiras, a
destruição de manguezais, a perda de biodiversidade, o descarte de metais
pesados nos oceanos. Pensando apenas no ser humano, essas coisas são problemas muito
piores”, argumenta.
O estudo também contrasta com pesquisas anteriores, como
esta de 2023 publicada na Nature, que indicam um possível
aumento na quantidade de fitoplâncton nos oceanos, não uma redução. Michael
Mann, diretor do Centro Penn para Ciência, Sustentabilidade e Mídia da
Universidade da Pensilvânia e coautor do novo estudo, afirmou ao site Inside Climate News que
esses estudos anteriores provavelmente têm dados incorretos, porque se baseiam
apenas em imagens de satélite.
"Estou confiante de que nosso resultado está
correto", disse ele, "porque é o que suspeitávamos que estivesse
acontecendo, dados os substanciais aumentos na estratificação dos oceanos
globais documentados anteriormente nas últimas décadas".

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