A RELIGIÃO E AS IMAGENS DE DEUS
11/07/2025
Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
No final do século passado, vários e analistas identificaram
sinais do declínio da relevância da religião no mundo ocidental. A seu modo,
eles ecoaram a voz de filósofos que, algumas décadas antes, propugnavam a morte
de Deus e o nascimento do Homem livre e maduro, ou do ‘Super-homem’ como previa
Nietzsche. O que estava em pauta era o desaparecimento da religião da arena
social e dos imperativos éticos externos.
O que vemos hoje no Brasil parece desmentir estas
constatações e previsões: bancadas evangélicas nos parlamentos; marchas com
Jesus e romarias diversas reunindo multidões; proliferação de pequenas e
grandes igrejas, especialmente de matriz neopentecostal; aumento de grupos
esotéricos e ‘seitas’ cientificistas; etc. E isso não obstante a tendência de
crescimento do número de brasileiros que se declaram sem religião, como
assinala o último senso do IBGE.
Ao que parece, a fé e a noção de Deus não têm desaparecido
da arena social e, especialmente, da perspectiva subjetiva dos indivíduos. O
que está acontecendo é uma espécie de ‘sequestro’ da noção de Deus (e de Jesus
Cristo) e a subordinação das crenças às demandas de sentido e de segurança
individuais ou de grupos ideológicos obcecados pela manutenção ou pela
recuperação do controle sobre a sociedade.
Se essa percepção não estiver errada, o grande desafio que
as Igrejas e comunidades cristãs precisam enfrentar hoje é ‘libertar’ a ideia
de Deus e de Jesus Cristo da prisão à qual alguns grupos a conduziram. E, ao
mesmo tempo, lançar as bases de um novo humanismo, marcado pela abertura
radical aos outros, ao meio ambiente e ao futuro, e livre da ‘camisa de força’
do individualismo e da indiferença anunciados como virtude.
Na verdade, esse desafio não é novo. Jesus mesmo o
enfrentou, a seu modo e no seu tempo. Sua atitude firme nesse aspecto é uma das
causas que o levaram à cruz. ‘Deus’ é um dos arquétipos mais poderosos da
psique humana e da estruturação social, e quem domina seu conteúdo domina as
pessoas e a sociedade. Por isso, a agressividade e a violência adormecidas
costumam se lançar contra quem ousa mudar seu conteúdo.
Jesus concentra sua missão no questionamento das práticas de
exclusão social e religiosa vinculadas à imagem de Deus. Ele não cansa de
repetir que Deus pede misericórdia, e não sacrifícios; que o estômago de uma
pessoa faminta tem prioridade sobre todas as leis e instituições; que o culto
não pode encobrir a violência e a indiferença; que Deus trata seus filhos e
filhas conforme suas necessidades, e não segundo seus méritos.
Desmascarando o tirano que subjaz à ideia de Deus ensinada
pelos operadores da religião e das instituições, Jesus também abre caminho para
um humanismo novo e radical. Sendo verdadeiro Deus, ele mesmo é o Homem
verdadeiro, e, assim, anula a oposição entre o humano e o divino. O ser humano
maduro não é o ‘amigo de César’, aquele que se submete por medo ou ambição, mas
quem se reconhece irmão e é capaz de doar-se inteiramente pelos outros,
correndo todos os riscos. O homem e a mulher são portadores de uma dignidade
inalienável que nenhum erro ou condição pode anular.
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