Almas de Oração
Assim como Jesus Cristo frequentemente se retirava sozinho
para falar com seu Pai Deus, nós também precisamos de algum tempo diário
dedicado a falar com Deus. Esses momentos de silêncio são onde nossa amizade
com Jesus Cristo se desenvolve e cresce, por meio de conversas simples, nas
quais abrimos nossas almas para Ele.
03/07/2025
Todos guardamos em nosso interior, como algo íntimo e
familiar, uma série de recordações inesquecíveis. Ainda que o tempo passe, e
deixemos de olhar para dentro, elas estão lá, e virão à tona no momento mais
inesperado. Talvez entre essas recordações tenhamos a sorte de encontrar
momentos de confidência de uma mãe, um irmão ou uma avó, que compartilhavam
conosco parte de seu tesouro particular. É possível que tenha sido esse o
cenário da primeira vez que nos lembramos de ter nos dirigido a Deus, com as palavras
que nos emprestaram. Ou, talvez, tenha sido anos depois, quando um amigo, ou
uma circunstância inesperada nos abriu a porta para o diálogo íntimo com Deus.
Seja qual for esse momento, por acaso não nos surpreendeu
quando – pela primeira vez – percebemos que é possível falar pessoalmente com
Deus? E mais ainda... ouvi-Lo! Provavelmente, então, pensávamos que uma relação
pessoal próxima com Deus era algo reservado para pessoas VIP, de uma categoria
especial dentro da Igreja, ainda que nos tenham dito o contrário... talvez até
ainda pensemos assim. Mas essa possibilidade nos atraiu, sabendo que não pode
haver amizade como a d'Ele, que Ele é o primeiro interessado em manter essa
relação e que só Deus pode preencher o anseio de plenitude do nosso coração.
O Evangelho nos conta que, uma vez, os apóstolos, atraídos
talvez pelo modo de rezar de seu mestre, pediram a Jesus: “ensina-nos a orar”[1].
Não é difícil supor que, ao ouvir o Pai Nosso pela primeira vez, se
deslumbraram diante da possibilidade de se dirigir a seu Pai Deus com essa
confiança, já que antes não se consideravam dignos de pronunciar seu nome, pela
profunda reverência que os bons judeus tinham a Deus.
Compartilhar a vida com Cristo
Séculos depois, nos começos da Obra, São Josemaria também
rompeu esquemas ao recordar, com o Evangelho, a chamada à vida contemplativa
por meio da vida cotidiana. Assim, abria horizontes para aqueles que se
aproximavam de seu apostolado, enchendo de bons desejos os primeiros de São
Rafael, convidando-os a serem almas de oração: "Ao oferecer-te aquela
História de Jesus, pus como dedicatória: ‘Que procures Cristo. Que encontres
Cristo. Que ames a Cristo’. São três etapas claríssimas. Tentaste, pelo menos,
viver a primeira?”[2].
Muitos seguiram esse convite, percorrendo o caminho de sua vida cristã no meio
do mundo, procurando permanecer sempre em diálogo com o Senhor.
Desde então, muitas pessoas nos aproximamos do espírito da
Obra atraídas por esta mensagem, querendo dar a cada instante da nossa vida seu
sentido mais pleno, vivendo-a com Deus. Pessoas de todas as condições, com um
profundo desejo de viver uma vida plena, autêntica, muitas já desde a juventude[3],
recorrem aos meios de formação cristã que se oferecem na Obra, buscando guia e
alimento para sua vida interior. “Com o bom aproveitamento dos meios da obra de
São Rafael, recebem uma sólida formação doutrinal, aprendem a ser almas de
oração, a viver na presença de Deus no meio dos afazeres cotidianos de cada
dia, a dar sentido cristão ao seu trabalho – intelectual ou manual – e a ter
espírito de sacrifício”[4].
Assim, ao longo do dia procuramos compartilhar com o Senhor
o que temos pela frente, nossas ocupações, nossos projetos e inquietações,
oferecendo-Lhe o que temos e pedindo-Lhe que ilumine nossas ações com
sua inspiração e com sua ajuda[5],
para sermos, ao mesmo tempo, testemunhas da luz de Cristo entre as pessoas que
nos rodeiam. Procuramos ser conscientes de que Deus está sempre atento a nós, e
corresponder ao seu Amor, dando-Lhe graças muitas vezes ao dia, pedindo-Lhe
perdão quando nos esquecemos d'Ele ou de quem somos para Ele, cultivando, deste
modo, a presença de Deus.
Um diálogo autêntico
Assim como o próprio Jesus Cristo se retirava com frequência
a sós para falar com seu Pai Deus, nós também necessitamos de “momentos de
colóquio sem ruído de palavras, junto do Sacrário sempre que possível, para
agradecer ao Senhor por essa espera – como está só! – de vinte séculos”[6].
Estes momentos de quietude são “o lugar” em que se desenvolve e cresce nossa
amizade com Jesus Cristo, através de uma conversa sincera, na qual abrimos a
alma de par em par, sem medos, sabendo que estamos diante de quem mais nos ama,
e sendo conscientes de que Ele já está em nosso interior para alentar, iluminar
e infundir sua graça em cada momento. Nesses tempos de oração, podemos
experimentar essa proximidade de Jesus Cristo e descobrir que é Ele mesmo quem
busca preencher cada vez mais nosso coração, para derramar nele todo o seu
amor, e para dilatá-lo e colocar nele muitas pessoas.
Infelizmente, sabemos que não é tão fácil fazer oração e,
estejamos no princípio do caminho ou tenhamos percorrido certo trajeto, sempre
temos o desejo de aprender a fazê-la. Talvez nos ajude parar e refletir sobre o
modo como fazemos oração, ou como gostaríamos que fossem essas conversas de
amizade com Ele.
Um bom ponto de partida pode ser pensar em algum tema que
ocupe nosso coração nesse momento. Assim, falamos da nossa vida: o que nos
alegra, o que nos preocupa, o que temos entre mãos. Pode ser que em alguns
períodos tenhamos algo que nos corrói por dentro e, em vez disso, falamos com
Ele “sobre pássaros e flores”, talvez porque nos falte confiança de que
realmente Deus se importa com tudo o que é nosso, ou por medo de enfrentar a
complexidade da própria vida. Pode ser que não saibamos como dialogar com o Senhor
sobre essa ou outras coisas. Pode nos servir considerar que Deus sempre está do
nosso lado e que sempre se importa com o que é nosso. Por isso, podemos dizer
com simplicidade: Senhor, o que me preocupa é isto, o que fazemos? Onde
Você está, Senhor?; ou então contar o que aconteceu conosco, as pequenas
dificuldades que vamos encontrando e como as estamos enfrentando, perguntando,
ao mesmo tempo, o que Ele nos diz de tudo isso ou do que virá pela frente,
tratando de ver tudo desde o olhar de Deus.
O Senhor nos fala através da Sagrada Escritura, dos
ensinamentos dos pastores da Igreja e dos santos, e também através dos
acontecimentos de cada dia. Por isso, em cada momento de oração, é importante
que estejamos atentos, abertos para ouvir a Deus e compreender sua ação em
nossa vida, dispostos a “complicar” a vida pensando em como enfrentar a
realidade de um modo mais cristão, de acordo com a nossa própria identidade de
filhos de Deus. No Evangelho, o Senhor nos convida a ser audazes e valentes, e
a oração é um bom lugar para iniciar esta transformação da mente e dos
sentidos. Fala-se assim do “combate da oração” (Catecismo da Igreja Católica,
n. 2726), pois nesses momentos – com a graça de Deus – podemos nos atrever a
ouvir, a descobrir e entrar com mais profundidade no coração de Deus, onde
encontraremos “seus sonhos” para nós e conosco. E não de modo teórico ou
abstrato, mas real, comprometendo-nos com Ele a lutar em um ponto concreto que
sabemos que temos que mudar, algo pequeno que Ele espera que entreguemos ou que
sabemos que fará bem a nós ou a quem temos por perto, sabendo que, como Pai,
acompanha-nos, dá-nos sua força e nos olha com compreensão e carinho.
Pode nos ajudar olhar o exemplo de Nossa Mãe: quando o
Evangelho recolhe que “conservava todas estas coisas, meditando-as em seu
coração”[7],
diz que estaria habituada a perguntar-se o que significavam as coisas que
aconteciam com ela, como podiam aproximá-la de Deus, o que Deus lhe pedia
através dessas circunstâncias nas quais se encontrava. Podemos, pois, aprender
com ela a cultivar essa disposição habitual de ouvir, de descobrir o sentido
das coisas, o modo de colaborar com os planos de Deus, e tudo isso com uma
escuta ativa e com o desejo profundo de aproveitar todas as oportunidades de
amar, de dizer sim a Deus com confiança.
[1] Cfr.
Lc 11,1
[2] São
Josemaria, Caminho, 382.
[3] Cfr.
Francisco, Audiência geral, 13/06/2018.
[4] São
Josemaria, Cartas II, Carta nº7, n.5.
[5] Oração
tradicional recolhida na oração coleta da Missa da Quinta-Feira depois das
Cinzas; são Josemaria a incorporou nas preces da Obra.
[6] São
Josemaria, É Cristo que passa, 119.
[7] Lc
2, 19.
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