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sexta-feira, 8 de março de 2024

Quem foi São Tomás de Aquino, intelectual da Idade Média que influenciou a filosofia ocidental (1)

Tomás de Aquino entre Platão e Aristóteles, retratado em pintura de Benozzo Gozzoli, no século 15

Quem foi São Tomás de Aquino, intelectual da Idade Média que influenciou a filosofia ocidental.

Autor, Edison Veiga

Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

7 março 2024

Para especialistas contemporâneos, Tomás de Aquino (1225-1274) foi um divisor de águas do pensamento humano. Não somente da teologia, mas também da filosofia. Em plena Idade Média, o religioso ousou beber em uma fonte pagã — os textos do sábio grego Aristóteles (384 a.C. - 323 a.C.) — para buscar explicar a existência do ser humano e a própria ideia das relações com o divino.

“Tomás de Aquino foi para sua época uma luz irradiosa e inteligente, repropondo um paradigma de mundo, na passagem do mundo antigo para a escolástica”, afirma à BBC News Brasil o teólogo e filósofo André Luiz Boccato, frade dominicano e professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“Sua importância é tamanha que, depois dele, se convencionou chamar de ‘tomismo’ todo tipo de releitura em que se volta a Tomás para responder a problemas circunstanciais de outros momentos históricos.”

A escolástica — concilia a fé cristã com pensamento racional — foi o método crítico que vigorou nas universidade medievais europeias, sobretudo na última fase do período medieval. “Para a filosofia, o pensamento de Tomás de Aquino é fundamental e bem original”, pontua Boccato.

De acordo como professor, a principal contribuição de Aquino para o pensamento foi “a centralidade que ele deu à razão, enquanto perscrutadora do real, ao invés da crença e de uma concepção dualista de fé”.

“Ao colocar a razão, não a razão instrumental de hoje ou cientificista, mas a razão aberta à transcendência e a Deus, de um certo modo ele a encara como um infinito presente em toda criatura racional chamada à busca de sentido”, detalha.

“Uma segunda [contribuição] seria propriamente a acolhida e o desdobramento do pensamento de Aristóteles no ocidente cristão, com todas as suas consequências, nos vários campos do conhecimento filosófico”, ressalta o professor.

O pensamento aristotélico encontrava resistência no meio religioso — afinal, se tratava de um ilustre representante do helenismo clássico.

Também frade dominicano e conhecido por sua trajetória nos movimentos sociais progressistas, o jornalista e escritor Frei Betto compara a referência a Aristóteles nos tempos de Aquino como o mergulho na filosofia de Karl Marx (1818-1883) empenhado pelos religiosos da Teologia da Libertação, sobretudo nos anos de ditadura militar brasileira.

“O que me impressiona em São Tomás é como ousou basear sua filosofia e teologia em um filósofo pagão, Aristóteles”, comenta ele, à BBC News Brasil. “Assim como, séculos depois, a Teologia da Libertação encontraria seu instrumental de análise da realidade em Marx e [Friedrich] Engels [(1820-1895)]. Tomás teve a vantagem de beber na filosofia grega no momento em que árabes islâmicos a tornavam conhecida no Ocidente. Por isso levantou suspeitas de alguns prelados.”

Frei Betto acrescenta que “a densidade política do pensamento” de Aquino fez com que a Igreja Católica pudesse “adotar várias de suas teses revolucionárias, como o tiranicínio, a ignorância invencível, a prevalência da consciência sobre as leis”.

Para ele, foi impregnado desse pensamento que religiosos brasileiros lutaram contra o regime militar. “Foi graças ao pensamento de Tomás que, na década de 1960, um grupo de frades dominicanos do Brasil [inclusive o próprio Frei Betto] apoiou a luta armada contra a ditadura militar, o que nos valeu quatro anos de cárcere como ‘terroristas’”, justifica.

Teologia e filosofia

Boccato ressalta que Tomás de Aquino aprofundou e dialogou com “todo o pensamento aristotélico”. “A saber: metafísica, física, ética, política, estética, ciência medieval, etc.”, enumera.

Para o professor, uma terceira contribuição do pensador foi a maneira como ele aprendeu de seu mestre, Alberto Magno (1193-1280), “a positividade do conhecimento científico advindo da realidade e sua verdade própria”.

“Conseguiu distinguir a capacidade humana de conhecer a realidade em sua essência, sem desvincular da visão cristã sedimentada na criação e na fé”, afirma.

“Ele procurou construir sua teologia sobre princípios filosóficos muito sólidos, foi buscar um solo firme para a sua filosofia e buscou princípios racionais para tentar mostrar como a revelação poderia ser compreendida pelos homens”, contextualiza o filósofo, teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Segundo Moraes, “nesse sentido há uma relação muito intensa entre filosofia e teologia”, e isso faz com que a obra de Aquino “seja profundamente inovadora” quando se pensa na época em que ele viveu.

“Tanto do ponto de vista teológico como filosófico, Tomás de Aquino é um divisor de águas, um marco muito importante”, define o pesquisador de textos sagrados Thiago Maerki, associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.

“[Ele] pode ser considerado o maior sintetizador da relação entre fé e razão, fruto do longo caminho histórico cristão desde as origens”, afirma Boccato. “Ele distinguiu a ordem natural, a filosofia, da ordem sobrenatural, teologia, mas [o fez] unindo-as, não as separando. Hoje vivemos uma cultura das separações e divisões, de radicalizações e negação da diferença. Tomás imprime um espírito dialético à teologia na Idade Média, apresentando-se como grande mestre do diálogo e da inclusão do diferente.”

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF