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sábado, 5 de junho de 2021

A Síria e o Oriente Médio

O presidente Giorgio Napolitano com o presidente
sírio Bashar al-Assad em Damasco, a 18 de março de 2010

[© Associated Press/LaPresse]
Março de 2010

A Síria e o Oriente Médio


A visita de Estado do presidente da República Italiana Giorgio Napolitano à Síria, em 18 de março passado, enquadra-se em uma longa tradição de amizade e cooperação entre a Itália e a Síria, um país-chave para o Oriente Médio, o qual sem dúvida, representa a área mais densa de contrastes e de preocupações


Giulio Andreotti


A visita de Estado do presidente da República Italiana Giorgio Napolitano à Síria, em 18 de março passado, enquadra-se em uma longa tradição de amizade e cooperação entre a Itália e a Síria, um país-chave para o Oriente Médio, o qual – mesmo que não se possa dizer que o resto do mundo tenha sido nas últimas décadas e seja até agora um oásis de paz – sem dúvida, representa a área mais densa de contrastes e de preocupações.


Contrastes que até alguns anos atrás pareciam insuperáveis e que hoje, em alguns momentos, mostram frágeis possibilidades de soluções, que devem a todo custo ser levadas a progredir, sob pena de deteriorarem-se as situações e os conflitos.


A Síria, seja pela sua posição geográfica, seja por algumas características únicas no mundo dos seus habitantes, seja pela sua grande tradição e cultura, tem uma influência notável nos equilíbrios médio-orientais. Conta com um tal peso que, às vezes, quem do exterior dirige um olhar míope ou desconfiado, chega até mesmo a acusá-la injustamente de influências e cumplicidades com fenômenos eversivos, dos quais, ao invés, seria preciso entender melhor o como, o onde e o porquê nasçam.


Eu também fiz várias viagens à Síria e cada vez que atravessava a fronteira dava-me conta da sua grande tradição. Uma vez, por exemplo, fiquei muito impressionado com a longa descrição que o presidente sírio Hafiz al-Assad fez-me da figura de São Maron, surpreso que eu, católico, o conhecesse tão pouco. Em junho completarão dez anos da morte desse grande estadista que falava muito pouco, mas nas suas poucas palavras condensava uma tal sabedoria comunicativa que deixava todos fascinados.


De modo inteligente, com uma modificação da Constituição, o Parlamento sírio consentiu ao filho de Assad, Bashar, a suceder seu pai. Conservo muitas recordações de Hafiz al-Assad, uma delas a disponibilidade em procurar nos ajudar a sair do delicado caso do “Achille Lauro”: mesmo preferindo não ser envolvido, disse-me que estava disponível em aceitar o pedido dos terroristas de desembarcarem na Síria. Porém, os Estados Unidos, temendo que os terroristas depois de chegarem em solo sírio conseguissem escapar, contestaram a solução. O trágico epílogo é conhecido.


Justamente em tema de relações com os Estados Unidos, recordo a desilusão de Assad quando Washington apoiou um acordo entre Líbano e Israel. Não apenas porque há profundas raízes que ligam a Síria ao Líbano – raízes que o tempo talvez atenue mas não pode cancelar e que explicam a influência estabilizadora da Síria sobre o País dos Cedros –, mas também porque Assad sempre esteve convicto de que a paz com os israelenses deveria ser simultânea com todos os vizinhos (palestinos, Líbano, Jordânia e Síria). “Não quero acabar como os Horácios e os Curiácios” disse-me às vésperas da Conferência de Madri de 1991, à qual aceitou participar mesmo céptico sobre as reais possibilidades que da conferência nascesse um caminho positivo. O que aconteceu depois consentiu – também aos que na época, não entendendo o que estava acontecendo, comportaram-se com soberbia dando juízos apressados sobre Assad e a Síria – de rever as próprias posições. Ter abandonado a simultaneidade desejada por Assad foi fruto daquela difusa miopia que nos impede de ver bem situações que precisam não só de uma vista perfeita, mas também de grandes ouvidos intencionados a ouvir. Mais tarde, como acontece com frequência, quando nos damos conta dos erros já tarde demais, tentam-se retificações, vãs, porque chegam quando a situação está novamente modificada.


A Itália tem uma posição irrepreensível e deve conservá-la. Não nos perturbamos quando os facciosos pretendiam interpretar o nosso esforço de paz como uma tomada de posição unilateral e polêmica. Nós devemos apenas evitar considerar resolvido o que é ainda um itinerário difícil e não breve.


O presidente Napolitano, na sua declaração à imprensa no final do encontro com o presidente Bashar al-Assad, não recordou apenas o papel da Síria no processo de paz no Oriente Médio, mas também o empenho da Itália e da União Europeia para a restituição das colinas de Golan à Síria, a necessidade de enfrentar a grave situação humanitária em Gaza e a contribuição da Síria à solução pela negociação do problema nuclear iraniano. Um problema, este último, que pode ter repercussões positivas a partir da decisão dos Estados Unidos e Rússia de sentarem-se à mesa a tempo para uma drástica redução dos arsenais nucleares. De fato, devemos cada vez mais nos habituarmos à interdependência dos fatos que acontecem no mundo: não há um lugar onde possa se desenvolver um processo ou um acontecimento, sem que este não tenha algumas consequências sobre os que estão próximos e às vezes sobre os que estão mais longe. No discurso de Napolitano não faltou uma passagem sobre as preocupações causadas pelas recentes decisões do governo israelense de autorizar novas construções e assentamentos em Jerusalém Leste. As consequências podem ser graves, mas, ainda que se incline a pensar que em Israel há pessoas que amam pouco a paz, continuo com o pensamento de que é somente na paz que o interesse efetivo das pessoas possa encontrar resposta. E que a maioria dos israelenses pensa assim. Fatos como esse, porém, demonstram que não há alternativa ao escolher o caminho certo e acentuam a importância do processo de paz, porque se as coisas não caminham na direção certa, por mais longa e difícil que seja, podem também rapidamente se degenerar.


Fonte: Revista 30Dias

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF