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terça-feira, 29 de junho de 2021

1989 segundo Marx

O arcebispo Reinhard Marx recebido pelas crianças da creche de São José,
da paróquia de Pedro e Paulo, em Munique, 30 de janeiro de 2008
[© Katharina Ebel/KNA-Bild]

VINTE ANOS DEPOIS. Da queda do Muro à crise global

Acreditar que dali teria renascido a fé foi uma ilusão. A ideologia messiânica neoliberal aumentou as pobrezas. Entrevista com Reinhard Marx, arcebispo de Munique e de Freising que do seu famoso homônimo diz...


Entrevista com Reinhard Marx de Gianni Valente


Vinte anos podem ser um tempo suficiente para rever os fatos do passado com realismo. O passar do tempo faz decantar as emoções, ajuda a tomar a distância correta dos truques da propaganda e das pré-compreensões ideológicas do que acontece. Vinte anos atrás, a queda do Muro de Berlim foi recebido por muitos como o início de uma nova era. Também na Igreja, a passagem de poder mundano foi vista com uma chave mística, como prelúdio de um tempo de renascimento espiritual e material para os povos da Europa.
À luz dos acontecimentos que se seguiram, talvez seria melhor ter sido mais sóbrios. Palavra de Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising.
No dia 9 de novembro de vinte anos atrás caía o Muro de Berlim. O senhor recorda o que estava fazendo, naquele momento?
REINHARD MARX: Recordo muito bem daquele dia. Tínhamos feito uma peregrinação com os estudantes a Santiago de Compostela. Estávamos fazendo um encontro no Sozialinstitut para comentar sobre aqueles dias maravilhosos. Vimos pela televisão as imagens do que estava acontecendo em Berlim. Logo entendi que era um evento histórico. Eu estava emocionado, também porque já tinha viajado várias vezes para a República Democrática Alemã: naquela época, a diocese de Paderbon, à qual eu pertencia, estendia-se até o território de Magdeburgo, na Alemanha Oriental. Portanto tínhamos uma relação estreita com o clero local, eu mesmo tinha ido várias vezes para lá, e até com um pouco de medo, porque levava escondido, não poucas vezes, livros para serem distribuídos. Poucos dias depois da queda do Muro, vieram alguns sacerdotes do Leste, e nos faziam perguntas políticas e sociais. Perguntavam se com a queda do Muro se chegaria logo à reunificação da Alemanha. Eu respondia que sim. Era uma coisa desejada há tempo, mas nunca pensei que aconteceria tão rapidamente.
Depois da queda do comunismo, nos anos Noventa iniciaram a circular as teorias das escolas econômicas neoliberais. Anunciavam a progressiva e irrefreável conquista de uma condição de bem-estar universal e consumista para todos os povos e as nações. Fukuyama preconizava o fim da história. Depois, o que aconteceu?
MARX: Recordo Bush senior que dizia que depois da queda do Muro e a queda do comunismo havia a possibilidade de construir uma Nova Ordem Mundial. João Paulo II, já em 1991, na Centesimus annus, advertia que a ideologia capitalista radical não teria aberto a estrada do futuro. E que era preciso de uma economia de mercado eticamente percebida, orientada para o bem comum global. De fato, justamente aquela ideologia capitalista radical tornou-se o modelo social. Predominou a visão estreita que deixa ao mercado o monopólio de todas as relações humanas. E isso levou o mundo para um beco sem saída. Se hoje olharmos para trás, aos pensamentos e aos slogans de vinte anos atrás, que enfatizavam o nascimento de uma nova ordem social depois do fim do comunismo, pode-se dizer com certeza que a primeira tentativa fracassou.
Como pastor, concretamente, onde o senhor viu e percebeu pela primeira vez o engano da utopia neoliberal?
MARX: Os problemas sociais das pessoas concretas, como o desemprego, eu já encontrava antes da queda do Muro, há tempos. Desde quando eu era bispo em Trier, junto às grandes agências caritativas, tínhamos tomado iniciativas em favor das famílias para deter os efeitos do aumento do desemprego. Mas agora há uma radicalização, com trabalhos informais que envolvem uma faixa de trabalhadores cada vez maior ou com o que acontece, por exemplo, no campo da assistência médica, onde uma aplicação rígida da deregulation e da privatização aumentou a insegurança das famílias, a sua dificuldade real em permanecer acima dos limites da simples sobrevivência. Nos refeitórios administrados pelos institutos caritativos apresentam-se, também na Alemanha, inteiros núcleos familiares que antes pertenciam à classe média. E tudo o que foi dito e feito do ano 2000 até hoje deu apenas respostas ilusórias e aparentes, sem que fossem realmente procuradas soluções aos problemas reais. O mundo perfeito não chegará nunca. Isso um bispo sabe muito bem. Mas, certamente este “turbocapitalismo” global levou a uma deterioração das condições cotidianas de vida de milhões de pessoas.
A queda do Muro de Berlim marcava o fracasso histórico do comunismo. Mesmo assim o senhor no seu livro O capital releva como a situação global que temos hoje diante de nossos olhos confirme algumas previsões de Karl Marx sobre as dinâmicas do capitalismo.
MARX: Na análise do liberalismo e do capitalismo Karl Marx reconheceu algumas coisas assim como eram na realidade. E algumas de suas análises funcionam também para entender as dinâmicas do momento atual. Por exemplo, a globalização dos capitais e a redução do trabalho a mercadoria em escala mundial. A terapia que propunha estava errada. A sua concepção materialista do homem, mais do que estar em contraste com a visão da antropologia cristã, não corresponde aos dados da realidade. Por outro lado, isso vale também para a outra imagem materialista, a triunfante veiculada pela ideologia capitalista, segundo a qual o único homem real no plano do existente é o homo oeconomicus, o homem como função dos processos econômicos, e o resto são bobagens acidentais e excessivas.
Então Karl Marx não estava completamente errado. Sem entrar no jogo das reabilitações fictícias, os seus instrumentos de análise da economia capitalista podem servir para uma visão realista e concreta do presente?
MARX: Talvez nem fosse preciso de Karl Marx para entender essas dinâmicas. A sua originalidade não era essa. Naquele momento havia também expoentes da doutrina social cristã que tinham alcançado o mesmo nível de desânimo crítico em relação aos mecanismos do capitalismo, e aonde tais mecanismos teriam levado se fossem deixados sem freio. Mas certamente, quando Marx tem razão, é preciso dá-la...
Centenas de berlinenses atravessam o Muro de Berlim na
noite de 9 de novembro de 1989
[© Associated Press/LaPresse]
Alguns políticos, na busca de caminhos para sair da crise, estão propondo algumas modificações os muito precisos. Porque em uma economia global, onde há uma flexibilidade enorme, não é fácil estabelecer as modalidades com as quais o trabalhador pode co-participar aos balanços da empresa. Por exemplo, se o trabalhador deve participar também nas perdas, isso poderia colocar em risco a sua própria existência. Isso quer dizer que o salário não pode de modo algum ser totalmente absorvido pela participação. A participação deve ser definida como um surplus com relação ao salário-base garantido, de modo que não exista o risco de os trabalhadores ficarem na miséria perdendo um salário que para eles é vital. Certamente é preciso favorecer de todos os modos possíveis o envolvimento do trabalhador nas potencialidades de desenvolvimento das empresas, para que ele sinta-se participante dos bons resultados assim como dos riscos e das dificuldades. Mas não há um modelo pré-confeccionado, e é preciso ter coragem de experimentar e encontrar em campo os caminhos para verificar essas hipóteses.
O modelo alemão de Estado Social, enriquecido pelo pensamento social da Igreja alemã, é julgado por muitos obsoleto. E os liberais, vencedores das últimas eleições, são os principais críticos deste modelo. Haverá uma ulterior redução do Estado Social também na Alemanha?
MARX: Na Alemanha todas as forças políticas afirmam que se inspiram no modelo da economia social de mercado. Mas nos últimos tempos viu-se que há mais de uma interpretação deste modelo. E certamente comparando à situação anterior, o Estado Social enfraqueceu-se. Agora parece até que tenha se tornado um obstáculo e um problema, mas ao contrário, faz parte da solução do problema. Viu-se muito bem que no momento agudo da crise, a Alemanha manteve-se justamente graças ao Estado Social que funciona: o seguro desemprego, salário para os trabalhadores suspensos pelas empresas e sustento para os trabalhadores informais, assistência médica pública. Graças a estes instrumentos evitaram-se os efeitos a que foram submetidas as populações dos países que reduziram ao mínimo ou desmantelaram toda a rede de garantias sociais. E não me convencem por nada os que dizem que a despesa para o Estado Social pode ser diminuída porque “aqui ninguém passa fome”. Acho isso primitivo. Em situações de total ausência de justiça social, a garantia da alimentação para todos podia ser um objetivo mínimo a ser alcançado, mas certamente, essa não é uma vida digna de um ser humano. Portanto eu diria que os que consideram que na Alemanha deveria ser abolido o Estado Social, as chances de prevalecer este pensamento diminuíram, por enquanto. Esperemos.
Não há nada para ser revisto, ou mudado? Corre-se o risco de expor-se à crítica de cultivar nostalgias estatalistas ou assistencialistas já ultrapassadas.
MARX: Certamente nas coisas políticas e sociais tudo é dinâmico e pode ser melhorado e adaptado às novas exigências, quanto a isso não há dúvida. Também a Conferência dos Bispos da Alemanha sugeriu a utilidade de uma renovação do Estado Social. Por exemplo, investindo na formação e na qualificação profissional. Não se trata apenas de transferir dinheiro daqui para lá, mas de dar a todos a possibilidade de atualizar a própria formação e portanto de não serem marginalizados da vida social. Ou senão enfrentando realmente a questão dos imigrantes. É um problema social enorme. Na Alemanha, como na Itália, esse ponto foi um pouco deixado de lado. Não se focalizou o fato de que os maiores fatores de integração são o trabalho e a escola. É preciso dizer com clareza que somos um país de uma nova imigração e estamos felizes por sê-lo, estamos felizes por receber as pessoas, jamais fechar as portas para elas. Falemos claro: em um país com estes índices demográficos, ficamos contentes em ver os imigrantes que têm filhos. E o Estado Social desenvolve um papel decisivo nos processos de integração.
Na Igreja, com relação aos fatos de 1989, foi enfatizado o protagonismo de personagens ligados às diversas comunidades eclesiais. E a passagem histórica, aquela mudança de cenário histórico-político, foi vivida e descrita por muitos como a premissa de um reflorescimento da fé e da Igreja como força social.
MARX: Isso foi uma ilusão. O fato de pensar: vamos nos empenhar pela mudança porque assim, mais tarde, as pessoas em agradecimento, irão se tornar cristãs e voltarão às igrejas, foi uma ilusão. Porque se tornar cristão é um presente. Eu não posso comprar a fé, não posso nem mesmo pensar em capturar o interesse de alguém para a fé através de performance políticas, como parecem acreditar alguns. Recordo que ainda no tempo do comunismo, eu falava com alguns padres poloneses, que se perguntavam: o que aconteceria se no nosso país se vivesse como no de vocês? Respondi-lhes que teriam os mesmos problemas nossos. Em uma sociedade livre como a sociedade em que nós vivemos, as pessoas tornam-se cristãs apenas por uma graça. E é essa a condição que devemos esperar. Mas na Igreja há os que não entendem isso. Não querem entender que na condição em que estamos apenas assim alguém se torna cristão: as pessoas olham os cristãos, e veem que a fé é um dom, uma riqueza, que vai bem além de tudo o que podemos fazer, e pedem para poder gozar da mesma riqueza. Por isso a liturgia é tão importante.
Em alguns círculos, principalmente os neoconservative americanos, souberam frutificar em termos de política (também de política eclesiástica) a euforia de 1989...
MARX: Deve-se repetir sempre com clareza: a Igreja não é contra o mundo moderno, a liberdade, a democracia, o pluralismo. Como se fosse melhor que essas coisas não existissem. Mas isso não tem nada a ver com a redução do cristianismo a ideologia religiosa de apoio à economia de mercado. Com relação aos chamados neoconservative, em algumas questões, como as da defesa da vida e da família, eles estão plenamente em linha com a Igreja. Mas não entendo como podem definir-se neoconservadores e colocar toda a confiança no modelo capitalista. O capitalismo é dinâmico, não é conservativo, é muito progressivo. Não conserva as situações sociais e culturais assim como as encontra, modifica-as e muitas vezes revira-as, introduzindo novos paradigmas e clichês. No entanto, encontra-se com frequência esta espécie de pacto que liga os que cultivam valores tradicionalistas de conservação e o capitalismo. Mas são duas coisas que não combinam.
A Catedral de Munique
[© Katharina Ebel/KNA-Bild]
O senhor escreve no seu livro que a Igreja foi levada também pelos fatos da história a modificar o próprio magistério social. Pode dar alguns exemplos concretos desses casos de descontinuidade, e de como foram favorecidos de algum modo por contingências históricas até mesmo hostis?
MARX: Por exemplo, podemos pensar no início do século XIX. Na Europa tinha-se a sensação de uma queda de todas as estruturas eclesiásticas. A opinião pública das classes cultas e também os grandes movimentos populares pareciam inspirar-se em filosofias e concepções hostis para com a Igreja. E a Igreja reagia, diante dessa situação de hostilidade generalizada, com as rejeições e condenações que atingiam também os novos fenômenos ligados ao crescimento da base democrática da vida social. Foi preciso algum tempo antes que se aceitassem os critérios modernos da democracia, da liberdade de consciência, da liberdade religiosa. Sobre estes pontos houve uma mudança progressiva. E isso pode acontecer nas questões sociais e políticas. Por exemplo sobre o que quer dizer Estado Social, sobre relações entre a Igreja e Estado, sobre as relações entre trabalho e capital, sobre os sindicatos...Também a Igreja aprende com o decorrer do tempo. Aprende também a ter um pouco de humildade. Ecclesia audiens, não apenas docens.
Gostaria de colocar algumas perguntas sobre a Igreja alemã. Sobre o momento que está vivendo. E em que termos a sua condição foi descrita à recente assembleia episcopal de Fulda.
MARX: Nos últimos trinta anos vivemos uma grande mudança. Não tanto no sentido que todos hoje ficam competindo para repetir como papagaios de que a Alemanha não é mais cristã. Sobre este ponto da fé, por exemplo, há uma grande diferença entre o Leste e o Oeste. Foram uniformizadas muitas coisas entre os länder da Alemanha Oriental e a Ocidental, mas não neste ponto. Na parte Oriental os não batizados são cerca de 80% da população, enquanto que na parte Ocidental cerca de 80% são batizados. Estamos diante de uma sociedade semelhante à qual estão todas as outras Igrejas da Europa de hoje: sociedades liberais, plurais, abertas. Nunca tivemos uma situação assim. Todas as camadas sociais podem escolher o que querem, qual religião professar, quantas vezes se casar, mesmo cinco ou seis. É uma estrada inédita, vertiginosa, e que para cada uma das partes envolvidas, mesmo para os bispos, pode ser penosa e dolorosa. Mas não a atravessaremos em virtude de slogans sobre a maldade da sociedade, ou sobre pressupostos erros feitos pelo Papa, ou sobre o celibato sacerdotal e outras questões secundárias. Todas essas coisas servem apenas para esconder e escapar da única questão importante. Ou seja, o que quer dizer ser cristãos hoje. O quer dizer: seguir hoje Jesus é um ganho do outro mundo, um prêmio enorme para a própria vida.
A Igreja alemã recebe muitas críticas, por várias partes, pela sua estrutura poderosa, pelo número de funcionários leigos com salários e com responsabilidades importantes nas dioceses, pelas ligações estruturais com o Estado e com as instituições civis. O emblema deste modelo é a taxa para a Igreja. No último ano 120 mil pessoas pediram para sair da Igreja para não ter que pagá-la. Na sua opinião este modelo está em crise? Este modus essendi da Igreja é causa da secularização?
MARX: É uma questão delicada. Sobre os motivos da crise há muitas palavras e muitas opiniões. Por exemplo a Fraternidade Lefebvriana de São Pio X nos diz: existe a descristianização porque a Igreja não é como nós a queremos, por isso todos vão embora. Se vocês fossem como nós tudo voltaria ao seu lugar. O movimento “Nós somos a Igreja” diz exatamente o contrário: a crise existe porque vocês não querem abolir o celibato eclesiástico, se vocês fossem mais modernos as coisas não iriam tão mal. Um terceiro grupo diz: é suficiente cancelar a taxa para a Igreja, assim ninguém mais irá embora para não precisar pagar. Enfim não há um diagnóstico homogêneo. Pessoalmente não considero errado o fato de as pessoas serem chamadas a decidir-se, a dizerem: “Sim, eu faço parte da Igreja, e estou disposto a pagar para sustentar as suas obras”. Certo, muita coisa é melhorável, mas eu não creio que este sistema seja superado. E não entendo os observadores estrangeiros que julgam estas coisas sem considerar em qual tradição e em qual percurso histórico se desenvolveu esse modelo. Cada Igreja tem os seus acontecimentos particulares, a sua história particular e é preciso considerá-los e respeitá-los. A Igreja não é uma ideia, é uma comunidade visível. E quanto à taxa, é paga apenas pelos que têm uma renda de trabalho, ou seja, um terço da população, e é proporcional à renda.
Quais foram os efeitos em Munique do caso lefebvriano?
MARX: Na minha opinião é preciso ser magnânimos também em conceder o rito extraordinário. Considero que aquilo que o Papa fez foi muito sábio. Agora ninguém mais precisa ir aos lefebvrianos para participar de missas com o rito antigo. Na nossa diocese o número dos que participam às missas com o rito antigo é muito baixo. De qualquer modo faço questão de que as nossas funções dominicais sejam celebradas de modo liturgicamente correto. Como disse uma vez o Papa, na liturgia se decide o destino da Igreja. Se a missa não é bem celebrada, não servem para nada todos os nossos discursos, os nossos pronunciamentos, as nossas encíclicas.
Reinhard Marx com o bispo luterano Johannes Friedrich,
presidente da Comunidade Evangélica, durante os
trabalhos do Kirchentag Ecumênico regional
realizado em Germering, na Baviera a 3 de julho de 2009
[© Katharina Ebel/KNA-Bild]
No próximo ano, católicos e protestantes alemães se encontrarão aqui em Munique para o Kirchentag. Qual é a relação com os luteranos?
MARX: Daqui a algumas semanas recordaremos os dez anos da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação. E também no ecumenismo é preciso ter paciência. Se penso o que foi conseguido na Alemanha nos últimos cinquenta anos, não se pode dizer que foi pouca coisa. Gostei muito da imagem usada pelo cardeal Lehmann quando fala do ecumenismo: quando se sobe uma montanha, o último trecho antes de chegar no cume é o mais fatigante. É preciso paciência, e às vezes é preciso até passar a noite na montanha.
O senhor teme, como em outras ocasiões, polêmicas ou reações públicas sobre o tema da intercomunhão?
MARX: Já concordei com o bispo protestante. Ele reconhece comigo que se celebrássemos juntos a Eucaristia, estaríamos em perfeita comunhão e não seria mais necessário o ecumenismo. Enquanto não estivermos realmente unidos, a intercomunhão seria um gesto errado, sem fundamento, feito para a televisão, seguindo a lógica do evento espetacular. E daria origem, no final, a novas divisões e irritações entre os católicos, protestantes e ortodoxos. Espero, ao invés, que o Kirchentag ecumênico seja um sinal para a sociedade de que nós cristãos somos unidos na fé. Nós confessamos juntos a fé no Deus Uno e Trino, em cujo nome recebemos o batismo. Não me parece pouca coisa. Diante do mundo devemos confessar juntos esta fé comum, e não colocar em mostra as nossas brigas.
Antes o senhor falou da integração dos imigrantes. Na Alemanha a minoria turca é imponente. Mas a Igreja não protestou contra as mesquitas.
MARX: A Conferência dos Bispos Alemães publicou um documento sobre a construção de mesquitas que causou muitas críticas. A linha principal é esta: se temos entre nós numerosas pessoas de fé muçulmana, estas pessoas têm o direito de viver a sua religião com dignidade, dentro do respeito das leis do Estado. Claro, estamos atentos para que a mesquita não seja construída ao lado da catedral, talvez cem metros mais alta. Mas isso é responsabilidade dos funcionários dos bens culturais.
O seu lema é Ubi Spiritus Domini, ibi libertas. Onde estiver o Espírito do Senhor, ali há liberdade.
MARX: Nunca gostei do fato de a liberdade ser contraposta à pregação da Igreja. E que muitos pensem que Igreja e liberdade sejam incompatíveis. É uma expressão-chave de São Paulo. A questão sobre o que quer dizer liberdade será crucial no tempo que temos diante de nós.
A equivalência presente no seu lema deve ser considerada também para os acontecimentos da Igreja de hoje?
MARX: Liberdade significa escolher o bem em liberdade. E na Igreja vale a mesma coisa. A frase mais livre que um homem pode pronunciar é “te amo”. E quando é pronunciada, de algum modo se depende do objeto do próprio amor. Isso vale para o matrimônio, para a vida sacerdotal, vale para cada batizado que à pergunta de Jesus: “tu me amas?”, responde: “Senhor, tu sabes que te amo”. E também para a Igreja é por aquele amor que se pode viver na liberdade.

Fonte: Revista 30Dias (Nº 09/2009)

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF