Por que São José de Anchieta é
bastante retratado escrevendo na areia?
Durante as negociações para o primeiro tratado
de paz na história do Brasil, o armistício de Iperoig, São José ficou refém dos
índios tamoios para que Pe. Nóbrega, junto aos outros caciques fizessem um
acordo com as autoridades da coroa Portuguesa no Brasil.
Não foi um tempo muito fácil.
Além de ser vigiado 24h por dia e correr risco de ser morto pelos índios, neste
cativeiro de quatro meses, Anchieta, para fugir às tentações, lembrou-se de
compor, como um voto à Virgem, esse Poema em seu louvor, em latim. Não tinha
nem papel e nem pena. Recorreu ao seu bordão. E passou a rascunhá-lo na areia
das praias, todas as manhãs. À noite, repetia, de cor, os versos, para
gravá-los melhor, corrigia-os e estilizava-os.
Em São Vicente ele tirou um
tempo para pôr no papel os 5786 versos que tinha escrito nas areias de Iperoig
a Nossa Senhora. Algo impressionante; com uma memória sobre humana ele
reescreveu no papel tudo que tinha escritos nas areias. O grande poeta
romancista Fagundes Varella (1841 – 1875), patrono na Academia Brasileira de
Letras, publicou este Poema no Rio de Janeiro:
“Foi depoimento comum dos índios
– informa-nos Simão de Vasconcelos (contemporâneo e biógrafo de Anchieta) – que
viram, por vezes, nesta praia, uma avezinha graciosamente pintada, a qual, com
um brando voo, andava como fazendo festa, enquanto José ia compondo e
escrevendo, e lhe saltava, brincando, ora nos ombros, ora na cabeça, ou para
mostrar a José o cuidado que o céu tinha deles, ou para mostrar aos índios como
haviam de respeitá-lo. E assim compôs ele, de memória, cada dia um pouco, o
poema imortal “De Beata Virgine Dei Matre Maria”, o longo e famoso “Poema da
Virgem”.
Cercado por uma cultura
completamente avessa à cristã e rodeada por índias que andavam nuas à beira do
mar, São José de Anchieta fez resplandecer o brilho da castidade: em voto a
Nossa Senhora, prometeu que contaria a Sua vida em versos, para que ela o
guardasse na sua pureza. Por isso Anchieta é retratado escrevendo nas areias do
mar. É obra de um gênio, fruto de grande inspiração.
O poeta Guilherme de Almeida
escreveu o soneto “Prece a Anchieta”, em sua homenagem, que começa assim:
“Santo: requestes a cruz na
selva escura;
herói: plantaste nossa velha aldeia;
mestre: ensinaste a doutrina pura;
poeta: escrevestes versos sobre a areia (…)”
Para se manter puro, Anchieta
serviu-se de três armas, válidas para os sacerdotes, seminaristas e demais
cristãos que querem guardar a castidade: a primeira, a oração; a segunda, a
penitência que ele praticava quotidianamente, através de jejuns, vigílias e do
uso do flagelo e do cilício – escreveu o padre Armando Cardoso: “Anchieta, que
não tivera medo do bárbaro, teve medo do bárbaro dentro de si”; a terceira, o
apostolado, ele usava incessantemente: ensinar os índios a fugir e evitar o
pecado.
Anchieta passou seus versos para
o papel, de 1563 a 1565, em São Vicente, e concluiu dizendo:
“Eis os versos que outrora, ó
Mãe Santíssima,
te prometi em voto, vendo-me cercado de ferozes inimigos.
Enquanto entre os tamoios conjurados,
pobre refém, tratava as suspiradas pazes,
tua graça me acolheu em teu manto
e teu véu me velou intactos o corpo e alma.
A inspiração do céu, eu muitas vezes desejei penar
e cruelmente expirar em duros ferros.
Mas sofreram merecida repulsa meus desejos:
Só a heróis compete tanta glória” (Versos 5777-5786).
Acabada a obra dedicada a Nossa
Senhora, mostrou-lhe ardentemente o desejo de morrer mártir da fé pelas mãos
dos infiéis; mas dizia na sua humildade que seus pecados tinham-lhe feito
desmerecer esta glória que só merecem os heróis.
Um fato interessante: um dia o
velho Pindobuçu, que já começava a mostrar simpatia por Anchieta, quando o
Santo esteve refém dos tamoios em Iperoig, perguntou a Anchieta o segredo de
sua virgindade; então, o Santo aproveitou para lhe falar das orações e jejuns
para se dominar os prazeres do corpo e não ofender a Deus. Então, Pindobuçu queria
saber por que Anchieta tinha tanto medo de Deus. O Santo aproveitou para lhe
falar do céu e dos horrores do inferno. E o cacique ficou maravilhado tendo os
padres em grande crédito.
Naquele presídio tamoio, uma
noite o velho cacique Pindobuçu, vendo-o em oração em profunda contemplação,
lhe perguntou se ele não conseguia dormir por tristeza, ou por falta de comida
para acalmar a barriga, ou por falta de esposa para esquentar a pele. Ou se
estava sentindo a falta do pai. Anchieta lhe disse que não era nada disso, e
que “está conversando com o Pai”, apontando para o alto.
A amizade de Pindobuçu dava
certa segurança a Anchieta. O velho índio já tratava Anchieta como um filho.
Dizia-lhe às vezes: “Filho José, não tenhas medo, que ainda que os teus matem
todos os meus parentes, que estão em tua terra, eu não hei de consentir que te
matem porque eu sei que falas verdade” (Filho, Antônio, pg. 95). Todas as
manhãs ele vinha ver os jesuítas e perguntava se tinham algo para comer.
Na verdade, a castidade e o amor
a Deus preservava a vida dos padres presos dos tamoios. Esses índios começaram
a estimar Anchieta. A santidade era a sua força; a santidade é que faz
milagres. Como disse Daniel Rops, quando caiu o império romano, em 476: “A
santidade salvou a Igreja e a Igreja salvou o Ocidente”. Podemos plagiá-lo
dizendo que a santidade salvou Anchieta e Anchieta evangelizou os índios.
Conta o Pe. Pedro Rodrigues, que
foi Provincial e primeiro biógrafo de Anchieta, que quando os tamoios davam a
entender que Anchieta se preparava para ser devorado em uma festa dos índios,
respondia: “Não me haveis de matar porque não é ainda chegada a minha hora”. E
quando, depois de passada a tormenta, um religioso lhe perguntava em que se
baseava ele para uma alternativa tão categórica, foi esta a resposta: “Com a
certeza da Mãe de Deus, a qual não queria que eu morresse sem primeiro lhe
escrever a Sua vida, a qual eu tinha toda composta passeando pela praia”
(Thomas, pg. 83).
Gostou dessa história? Aprofunde-se no livro “São José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil“.
Fonte: https://cleofas.com.br/
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