Almas de Oração
Assim como Jesus Cristo frequentemente se retirava sozinho
para falar com seu Pai Deus, nós também precisamos de algum tempo diário
dedicado a falar com Deus. Esses momentos de silêncio são onde nossa amizade
com Jesus Cristo se desenvolve e cresce, por meio de conversas simples, nas
quais abrimos nossas almas para Ele.
03/07/2025
O momento de ouvir Deus
É comum que, em algumas ocasiões, seja fácil perceber a
presença de Deus, por exemplo, diante de uma experiência muito positiva ou em
momentos de meditação. Em outros, será difícil “ouvir Deus”. O que fazer,
então? Uma primeira questão é perguntar-nos por que nos custa ouvi-lo nesses
momentos, pois é possível que – por inúmeras razões: agitação, acúmulo de
tarefas, um certo descuido, etc. – nos falte a disposição adequada para
interpelar o Senhor. Esse estado interior pode, inclusive, refletir-se nas relações
com os demais, também com uma dificuldade para a escuta. Por isso, podemos
perguntar-nos: Como procuro escutar de modo habitual as pessoas que estão ao
meu redor? Será que pretendo ouvir Deus quando não sou muito capaz, agora
mesmo, nem de ouvir as pessoas? Assim nos aconselha o Papa Leão: É importante
que todos aprendamos cada vez mais a escutar, para entrar em diálogo. Em
primeiro lugar, com o Senhor: escutar sempre a Palavra de Deus. Depois, também
escutar os demais: saber construir pontes, saber escutar para não julgar, não
fechar as portas, pensando que nós temos toda a verdade e que ninguém mais pode
nos dizer nada[8].
Este é um bom caminho para acostumar nosso ouvido à escuta: evitar ficar
fechados em nós mesmos e em nossas ideias, evitar ceder ao excessivo ruído
interior pela hiperatividade em que vivemos, ou pela saturação de inputs que
recebemos diariamente pelas redes sociais, a música, os jogos, etc. Neste
sentido, se aspiramos a ter vida de oração, é necessário educar e treinar
nossos sentidos externos e internos para despertá-los e para que nos levem à
união com Deus. A isso também contribui o cultivar o silêncio interior com boas
leituras (tanto de espiritualidade como literárias), contemplar a natureza,
descobrir a beleza nas coisas pequenas, e não pretender encher todo o tempo de
atividade. O Espírito Santo habita em nós e, por isso, necessitamos descobrir modos
para que, no espaço interior de nossa alma, possamos receber suas inspirações
e, portanto, ouvir a voz de Deus.
Suponhamos que já estamos colocando esses meios... Como
podemos agora ouvir o que Deus quer nos dizer? Ainda que Ele fale como quer e
quando quer, da nossa parte podemos recorrer a um recurso essencial: a Palavra
de Deus! Esse é um modo privilegiado para conhecer a sua vontade. Recorrer ao
testamento que Ele deixou em nosso nome por meio dos evangelistas é o principal
ensinamento da Igreja, pois “o que é a Sagrada Escritura, senão uma carta de
Deus onipotente à sua criatura?”[9].
Não há guia melhor para a oração e para a própria vida do que a Vida de Jesus
Cristo. “Quando abrires o Santo Evangelho – aconselhava são Josemaria -, pensa
que não só deves saber, mas viver o que ali se narra (...). Tudo, cada ponto
que se relata, foi registrado, detalhe por detalhe, para que o encarnes nas
circunstâncias concretas da tua existência. (...) Nesse Texto Santo, encontras
a Vida de Jesus; mas, além disso, deves encontrar a tua própria vida”[10].
Se vamos à oração com desejo de cultivar nossa amizade com Jesus Cristo, nada
nos ajudará tanto a conhecê-Lo e a tratá-Lo, a identificar-nos com Ele, como a
leitura e meditação do Evangelho.
Logicamente, segundo o estado da nossa alma, será
conveniente que variemos nosso modo de rezar se começa a se tornar difícil,
monótono, quando nos custa mais usar a imaginação ou converter o ruído interior
que talvez tenhamos numa parte da nossa oração. Às vezes, pode nos ajudar
permanecer em atitude de adoração, agradecer por tantas coisas, ler algum
artigo ou livro de espiritualidade sobre um tema que nos interessa, saborear
alguma oração vocal como o Pai Nosso, pedir pelo que nos preocupa ou necessitamos,
ou simplesmente estar a sós com quem sabemos que nos ama[11],
olhando para o Sacrário – que Ele veja que O estamos procurando-, manifestando
assim o quanto O amamos, e que não O abandonamos diante da primeira
dificuldade. Em qualquer caso, o Senhor nos convida a não estagnar, a não nos
conformar, pois deseja aumentar a intimidade conosco; por isso, a oração está
chamada a ser algo vivo.
Precisamente na obra de São Rafael, contamos com um meio
orientado a ensinar-nos a ser almas de oração: as meditações. Estes momentos de
oração acompanhados pela pregação de um sacerdote, aos quais podemos recorrer
semanalmente, podem guiar nossa oração pessoal, abrir-nos horizontes,
ensinar-nos a entrar nas cenas do Evangelho, etc., ainda que nunca substituam o
esforço que temos de colocar pessoalmente, pois a oração, afinal de contas, é
de tu a Tu, no silêncio da nossa alma.
A oração, uma necessidade vital
No conjunto dos meios de formação que há na Obra, a oração
pessoal é a chave para que tudo o que recebemos penetre em nossa alma: nela nos
detemos para falar com o Senhor sobre o que ouvimos no círculo e aplicá-lo na
nossa vida; ali preparamos nossas conversas de direção espiritual e voltamos
para assumir como próprios os conselhos que nos deram; dela sai nosso desejo de
corresponder ao Senhor, sendo mais generosos através das nossas contribuições
econômicas, dando nosso tempo nas visitas aos pobres ou na catequese; ali se
acende nosso desejo de fazer com que outras pessoas se aproximem d'Ele, etc.
Pouco a pouco, a oração se converte em uma necessidade
vital, ao ser expressão da amizade com Jesus Cristo, até o ponto de notarmos
que, quando a abandonamos, o resto não anda, pois na oração se renova a missão
que o Senhor nos confia e, por isso, ela é o motor da nossa vida. Quando nos
deixamos guiar por Ele, “ajuda-nos a crescer até nos tornarmos ‘carta de
Cristo’ (cf. 2 Cor 3, 3) uns para os outros. E é exatamente assim: somos tanto
mais capazes de anunciar o Evangelho, quanto mais nos deixamos conquistar e
transformar por ele, permitindo que a força do Espírito nos purifique no
íntimo, torne simples as nossas palavras, honestos e transparentes os nossos
desejos, generosas as nossas ações”[12].
[8] Leão
XIV, Homilia, 11-05-2025.
[9] Gregório
Magno, Carta a Teodoro médico do Imperador, Ep. V, 46 (CCL 140, 339).
[10] São
Josemaria, Forja, 754.
[11] Cfr.
Santa Teresa de Jesus.
[12] Leão
XIV, Homilia na Celebração Eucarística e tomada de posse da Cátedra Romana como
Bispo de Roma, 25.05.2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário